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contraposição à clássica noção liberal de direito democrata exilado nos Estados Unidos, analisa a
subjetivo público, ou seja, direitos individuais opo- estrutura do Estado totalitário nazista).
níveis ao Estado. Com o livro Staat-Bewegung-Volk: die Dreigli-
Antiliberais e antiindividualistas na concepção ederung der politischen Einheit (Estado-Movimen-
schmittiana, as garantias institucionais protegem os to-Povo: a tripartição da unidade política), de 1933,
indivíduos desde que estes pertençam a alguma a adesão de Schmitt ao nazismo se consuma. Ele
instituição, e não porque eles possuam direitos separa ali a unidade política em três esferas: o
subjetivos fundamentais: a proteção está ligada à Estado (basicamente o exército e a burocracia), a es-
instituição, não à pessoa. Nas palavras de Schmitt, "a fera estática; o Povo, a esfera apolítica; e o Movi-
liberdade não é uma instituição jurídica", ou seja, os mento (consolidado no partido nazista), a esfera di-
direitos de liberdade só podem ser garantidos se nâmica, que penetra e dirige as outras promovendo
ligados a alguma instituição jurídica, prevalecendo sua síntese, a homogeneidade (inclusive racial)
assim a garantia institucional sobre a garantia das entre governantes e governados, por meio do Führer,
liberdades. Ao separar os direitos fundamentais em que era o chefe do partido, o chefe do Estado e o
três categorias (direitos de liberdade, garantias insti- chefe do povo. Esse livro pode ser considerado
tucionais e garantias de instituto), fazendo prevale- complementar a Sobre os três tipos do pensamento
cer as duas últimas sobre a primeira, Schmitt deixa jurídico, que consolidaria, segundo Macedo Jr., a
muito claro o que ele considera objeto de proteção mudança do pensamento de Schmitt do decisionis-
na Constituição de Weimar: as instituições mais mo puro para o "decisionismo institucionalista". A
tradicionais e conservadoras do sistema jurídico- divisão dos tipos de pensamento jurídico entre
político, em detrimento dos direitos fundamentais Norma, Decisão e Ordenamento, bem como a con-
propriamente ditos. solidação do conceito de "ordenamento concreto",
Pouco depois da publicação desse texto, o servem para justificar a visão de Schmitt acerca da
"hamletismo político" de Weimar foi resolvido pela "nova ordem" nacional-socialista. A "decisão" já
nomeação de Adolf Hitler como chanceler pelo havia sido tomada, encerrando a hesitação da demo-
presidente Hindenburg e a conseqüente implanta- cracia parlamentar de Weimar e superando o nor-
ção do Estado totalitário. Em 30 de janeiro de 1933, mativismo positivista. O que prevalecia, em sua
a "decisão", o grande problema da democracia opinião, era uma dualidade entre o Ordenamento,
republicana, está tomada. Na realidade, ao contrário mais estático, e as formações dinâmicas do Movi-
do que afirmam muitos autores, particularmente mento (Bewegung), síntese, como vimos, do Estado
Schwab e Bendersky, a adesão de Carl Schmitt ao e do Povo, conduzido pelo Führer. Dessa forma, o
nazismo não se limita a mero oportunismo político. "institucionalismo" de Carl Schmitt foi uma tentativa
Tal visão estaria baseada na versão do próprio de achar lugar para as instituições tradicionais ale-
Schmitt, elaborada após ter caído em desgraça junto mãs (família, exército, Igreja, propriedade) dentro
aos poderosos do nazismo, em 1936, e foi por ele da "nova ordem", conduzindo assim o Movimento
utilizada, inclusive, para sua defesa perante o Tribu- por formas jurídicas, constituindo o "ordenamento
nal de Nuremberg. concreto"4.
A sua hostilidade constante em relação à Re- Não há propriamente uma ruptura de Schmitt
pública, à Constituição de Weimar e ao Tratado de com o decisionismo — a despeito da aparente
Versalhes, bem como seu conceito de político (em mitigação deste sob a forma do assim denominado
que o inimigo pode ser facilmente visualizado no "decisionismo institucionalista" — e com a idéia de
"estrangeiro"), tornariam possível, por si sós, a sua "ordenamento concreto". Como muito bem salien-
tomada de posição sob o nazismo, embora não a tou Hasso Hofmann, a ditadura decisionista aparece
fizessem necessária. Schmitt não foi, realmente, o como conseqüência inevitável do pensamento do
grande teórico do Estado totalitário nazista, como "ordenamento concreto", pois a condição necessária
bem afirma Macedo Jr. (pp. 135-137), mas sua para que este exista como assegurador da unidade
afinidade teórica com o nazismo não pode ser
reduzida à contribuição para a teorização do "Estado (4) Cf. Stolleis, Michael. Geschichte des öffentlichen Rechts in
Deutschland, vol. III: Staats- und Verwaltungsrechtswissens-
dual" alemão (Der Doppelstaat, título do livro de
chaft in Republik und Diktatur, 1914-45. Munique: C. H.
Ernst Fraenkel de 1941, em que o autor, social- Beck, 1999, p p . 324-325.
política é a decisão política incontestável5. E para posições em relação à turbulenta conjuntura históri-
Schmitt, desde Teologia política (Politische Theolo- ca e política da Alemanha do século XX. Isso sem
gie), de 1922, "soberano é aquele que decide sobre esquecer que, como jurista, Carl Schmitt era voltado
a situação de exceção". A "decisão" referida em também para a solução de problemas concretos e
Sobre os três tipos do pensamento jurídico, ansiada conjunturais, não podendo ter sua obra compreen-
pelo autor em todo o período weimariano, foi dida isoladamente da sua atuação política e pessoal
tomada em 1933. O fim da República de Weimar foi no decorrer de sua vida.
o fator que deu origem ao "ordenamento concreto" Esse mérito o livro de Ronaldo Porto Macedo Jr.
defendido por Schmitt em 1934. também tem, pois não tenta, artificialmente, separar
Autor sempre influente na Espanha e Itália, Carl o autor da obra. Separar a obra de Carl Schmitt de
Schmitt tem sido alvo de grande interesse em vários sua vida apenas serviria para fundamentar concep-
países, como Estados Unidos, Canadá e França. Hoje ções equivocadas ou distorcidas, como a adaptação
é visto por muitos, inclusive por setores do pensa- indevida de conceitos por ele elaborados para de-
mento de esquerda, como um grande crítico do fender a instituição do chamado "Estado total" em
liberalismo e das falhas da democracia representati- contextos históricos e políticos absolutamente dis-
va. O grande problema dessa "recepção" de Schmitt tintos. Um autor conservador e tradicionalista, que
é a tendência em amenizar ou ignorar sua atividade pensou toda a sua obra com o objetivo de combater
política anterior e, especialmente, em meio ao nazis- a democracia, a república e o pluralismo, não pode
mo. Não se pode ignorar o fato de que sua obra foi ser ignorado, mas também não pode ter seus concei-
toda elaborada visando justificar certas correntes tos utilizados inadvertidamente, sem a cautela de
político-ideológicas, bem como as suas próprias serem contextualizados da forma devida. Democra-
cia e Carl Schmitt — decisionista ou institucionalista
(5) Hofmann, Hasso. Legitimität gegen Legalität: Der Weg der
— decididamente não combinam.
politischen Philosophie Carl Schmitts. 3ª ed. Berlim: Duncker&
Humblot, 1995, cap. IV. Este livro, cuja primeira edição é de
1964, foi o pioneiro na análise aprofundada da obra de Gilberto Bercovici é doutor em Direito do Estado pela
Schmitt. Faculdade de Direito da USP.