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O Percurso Estético de Max Martins de O Estranho a H’Era

Thiago de Melo BARBOSA (UEPA)


Pedro Silva NASCIMENTO (UEPA)
Janaína Torres MORAES (UEPA)

RESUMO
O objetivo deste texto é fazer um estudo da obra do poeta Max Martins, mais
especificamente de seus três primeiros livros: O Estranho (1952); Anti-retrato (1960), e
H’Era (1971). Busca-se promover uma discussão sobre como seu modo de fazer poesia
se modificou ao longo do tempo, tentando apontar e analisar cada transformação de sua
poética. Para tanto, torna-se necessário analisar os recursos utilizados pelo poeta para
produzir um texto literário e, consequentemente, provocar a fruição estética, isto é,
analisar a obra pelo ponto de vista da sua relevância artística.

Palavras-chave: Análise Literária; Max Martins; O Estranho; Anti-retrato;


H’Era.

Abstract
This text aims to do a study of the work of the poet Max Martins, specifically of his first
three books: O Estranho (1952); Anti-retrato (1960), and H’Era (1971). We seek to
promote a discussion about how his way of doing poetry changed through time, trying to
indicate and analyze each transformation of his poetics. Thus far, it‘s necessary to
analyze the means utilized by the poet to produce a literary text and, consequently, to
promote the aesthetics fruition, that is to analyze the work by the point of view of its artistic
importance.

Key-Words: Literary Analysis; Max Martins; O Estranho; Anti-retrato; H’Era.


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1. Introdução
O presente artigo é fruto do projeto de pesquisa ―O Percurso Estético de Max
Martins‖, que teve como objetivo estudar os caminhos percorridos pela poesia de Max
Martins dando ênfase ao seu aspecto estético-estilistico, ou seja, verificar de que
recursos o artista se vale para construir o seu universo poético e como ele trabalhou
estes recursos, ou traços estilísticos, ao longo do tempo.
Neste texto, nos deteremos a analisar as três primeiras obras do poeta, a saber:
O Estranho (1952), Anti-retrato (1962) e H’Era (1971), com um tópico do artigo para se
analisar cada um dos livros. Elucidaremos aqueles traços que foram mais desenvolvidos,
os que se repetiram com maior freqüência, os que foram abandonados etc., tudo aquilo
que considerarmos importante para a sua obra como um todo e para a construção
daquilo que os formalistas russos denominaram de língua poética, isto é, aquela
linguagem na qual ―as nuanças periféricas da significação e do timbre emocional que se
salientam, dissimulando o núcleo semântico da palavra‖ (TOLEDO, 1976, p.91).
Apesar da inevitável ligação do projeto com o formalismo e com a estilística,
tentaremos evitar os não raros radicalismos encontrados nessas duas linhas de estudo,
sendo que, na primeira, levaremos em conta as críticas que os próprios formalistas
fazem, em especial no texto ―Sobre a questão do método formal‖, quanto à questão do
desprezo para com o ―tema‖ ou ―conteúdo‖, tal como Jirmunski enfatiza no texto As
Tarefas da Estilística:
―O estudo da poesia do ponto de vista da arte exige atenção para o
seu lado temático, para a própria escolha do tema, na mesma medida
que para a sua estruturação, elaboração compositiva e combinação
com os outros temas.‖ (idem, p.67)

―A tarefa do estudo do ponto de vista estético da obra literária só


estará concluída quando no âmbito do estudo entrarem também os
temas poéticos, o chamado ‗conteúdo‘, encarado como um fato
atuante artisticamente‖ (Idem, p.68)

No que diz respeito à estilística nos afastaremos principalmente da chamada


estilística estrutural por acreditarmos que as inúmeras listagens de palavras, fonemas,
figuras de linguagem etc., muito comuns nesse tipo de análise, sejam pouco
interessantes e de certa forma até limitadoras, para o estudo em questão, uma vez que,
durante nossa pesquisa bibliográfica, chegamos à conclusão de que tal procedimento
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serve mais como um exercício lingüístico do que como uma depuração propriamente
literária do texto.
Neste sentido, nosso trabalho, enquanto análise literária pretende leitura e
estudo aprofundado da obra do poeta Max Martins, para sua compreensão mais ampla,
buscando elucidar como o poeta enriquece sua linguagem e quais os resultados deste
enriquecimento. Valendo ressaltar que como conceito de Literatura nos apoiaremos,
principalmente, no que Ezra Pound diz no seu ABC, no qual a define, ou melhor, define a
grande literatura como ―linguagem carregada de significado até o máximo grau possível‖
(POUND, 2006, p. 32). Percebe-se, pois, que a linguagem poética, caracterizadora da
literatura, é necessariamente conotativa, isto é, admite uma multiplicidade de sentidos,
construídos essencialmente por meio das metáforas utilizadas pelo escritor. É com estes
aspectos, isto é, os aspectos que dão valor literário a um texto, que nos ocuparemos
neste artigo, mais especificamente dentro da obra de Max Martins.

2. O Estranho
O Estranho foi o primeiro livro publicado por Max Martins. Lançado em 1952,
este livro pode ser considerado por aqueles que conhecem os livros posteriores desse
poeta, como algo um pouco diferente do restante da sua obra: é possível dizer que O
Estranho é quase um ―estranho‖ dentro da obra completa de Max Martins. Isso porque,
nele ainda não notamos alguns dos traços estilísticos que mais chamam atenção, por
serem recorrentes, nos poemas desse autor, ou se os encontramos, estes ainda estão
menos potencializados do que nos outros livros. Características como: a espacialização
do poema, a fragmentação de versos e de vocábulos, a presença da visualidade e dos
poemas minimalistas, as metáforas erotizadas etc., tão presentes em toda obra do poeta,
não podem ser encontradas em O Estranho.
No entanto, apesar de concordamos com a idéia de que O Estranho é um livro
diferenciado dentro da obra de Max Martins, acreditamos que seja tão, ou até mais,
importante para traçarmos o percurso estético desse poeta, elucidar o que há de
semelhante nesse livro com os outros, pois talvez seja ai que encontraremos a essência
do universo poético do autor. E para fazer isso, não precisaremos procurar tanto quanto
possa parecer, uma vez que logo no primeiro poema do livro, ―Estranho‖, já é possível
encontramos marcas que o ligam ao restante da obra de Max Martins, como veremos
abaixo:
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Estranho

Não entenderás o meu dialeto


nem compreenderás os meus costumes.
Mas ouvirei sempre as tuas canções
e todas as noites procurarás meu corpo.
Terei as carícias dos teus seios brancos.
Iremos amiúde ver o mar.
Muito te beijarei
e não me amarás como estrangeiro.

(―O Estranho‖, p. 347)

Logo neste primeiro poema, Max ―anuncia‖ seu livro; anuncia a singularidade de
sua poesia, seu dialeto. E também o mundo criado com ela, no qual criação, natureza e
sensualidade formam um único corpo e onde o poeta não é ―estrangeiro‖. Destacamos os
versos “e todas as noites procurarás meu corpo./ Terei as carícias dos teus seios
brancos./ Iremos amiúde ver o mar.” porque eles representam uma construção imagética
que será bastante recorrente na obra do poeta Max Martins, e de suma importância para
o estilo desenvolvido por ele, a saber: a utilização de palavras representativas do amor
carnal e da natureza como elementos de construção metafórica, ou seja, a criação de
imagens que envolvem o poema numa atmosfera de sexualidade e de ambientação em
espaço natural. Vale também ressaltar que, nos versos em questão, o autor faz uma
aproximação entre as imagens de ―natureza‖ e de ―sexo‖, aproximação essa que será
extremada nos outros livros do poeta, nos quais, ele chega inclusive a ―sexualizar a
natureza‖ numa verdadeira fusão imagética.
Entendemos que o modo como Max Martins trabalha com essas imagens no seu
primeiro livro não atinge um grau de abstração tão grande quanto atingirá nos seus
próximos livros, em especial no que diz respeito ao amor carnal. Contudo, cremos que é
aqui, em O Estranho, que se encontram as ―sementes para essa grande arvore de frutos
proibidos‖ que é sua obra completa. É importante deixar claro, ainda, que não só no
poema citado encontramos esses traços do que acreditamos fazer parte do estilo de Max
Martins, pois em poemas como “O filho”, “Por quê?” e “As anônimas” é perceptível a
utilização do que chamamos de imagens erotizadas, tais como nos versos: “Hoje a vida
pousa nos teus seios/ onde bebo vinho.” e “Por que minhas olheiras refletem mulheres
nuas?”, retirados respectivamente dos poemas “O filho” e “Por quê?”.
Outra característica presente no poema e que consideramos bastante cara ao
estilo do poeta Max Martins é a musicalidade construída tanto por rimas internas, quanto
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por rimas toantes, sendo que estas últimas são as que receberão uma maior atenção e,
conseqüentemente, um maior desenvolvimento dentro da obra do artista.
Dando uma rápida olhada no poema, ―Estranho‖, é possível logo perceber que
os versos são livres e brancos, isto é, sem métrica e sem rimas no final dos versos, no
entanto, isso não significa dizer que o poema não tenha musicalidade. Os poetas
modernos, dentre eles o próprio Max, que sempre se intitulou como modernista, já
provaram que a sonoridade dentro de um poema independe das formas fixas.
O poema em questão é um belo exemplo disso, pois por meio da repetição de
verbos no futuro do presente dispersos ao longo do texto, tais como ―entenderás‖,
―compreenderás‖ e ―procurarás‖, o poeta cria uma cadeia sonora sem precisar recorrer a
nenhuma forma tradicional; Max Martins ainda continua sua ―experiência‖ musical
fazendo o que nós ressaltamos no parágrafo anterior como sendo a sua maneira mais
característica de construir a sonoridade nos seus poemas, isto é, por meio do que
chamaremos aqui de rimas toantes, ou seja, aquela espécie de rima que é feita apenas
com a sílaba tônica das palavras, tal como ele faz com ―seios‖, ―beijos‖ e ―estrangeiros‖
nos versos finais.
Como outros pontos comuns entre esse primeiro livro e os posteriores da obra
de Max Martins, podemos citar a fragmentação do poema, e este é, sem duvida, um traço
estilístico que merece destaque por qualquer pessoa que busca estudar a obra deste
poeta, isto porque, é um traço que autor desenvolverá de forma a chegar as raias do
extremo: começando com fragmentação do poema, passando pela fragmentação do
verso e culminando na fragmentação de vocábulos, valendo lembrar que uma não anula
a outra, ao contrário, elas se reforçam e se misturam com freqüência criando verdadeiros
―poemas-fragmentos‖ com um alto grau de obscuridade temática.
Em O Estranho, só encontramos marcas da fragmentação do poema, a qual é
entendida nesse estudo como a quebra da unidade discursiva dentro do poema, isto é, o
poeta constrói seu texto por meio de versos aparentemente desconexos, sem uma
linearidade, tal como se fossem fragmentos de um discurso. Essa técnica de construção
pode ser percebida, com maior clareza, em poemas como ―Menina triste‖, “Terceira
elegia para Sonia Maria‖ e “A varanda”, dos quais destacamos os seguintes versos:

Pétalas de flor de altar, fanada,


Alcandorada alma entre os remédios pura,
Desces das nuvens, nuvens pelos dedos,
Gotas de chuva nas tuas faces.
(Menina Triste, p. 351)
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Esquecidos estão os trigais.


Nas sombras a casa,
O fogo apagado.
(Terceira elegia para Sônia Maria, p. 354)

A chaminé que respira


Cr$ 1.00,00 em flor
O leite o beijo a rosa
A rosa que batiza a toalha.
(A Varanda, p. 355)

Apesar de ressaltarmos essas fragmentações que ocorrem dentro dos poemas


desse livro, cremos ser também importante mostramos que em O Estranho há uma
espécie de unidade devido certos motivos utilizados pelo autor, os quais começamos a
perceber a partir do segundo poema do livro, ―Do poema da infância‖, pois aqui Max
começa a trabalhar com o que desenvolverá por todo este livro: a rememoração da
infância através da poesia, simbolizada na figura menina de sua irmã Sônia Maria
(Marieta). Sua imagem é evocada como um princípio para o exercício poético do autor.
Logo nos primeiros versos iniciam-se as associações entre qualidade (especialmente
cores) e objetos para enriquecimento da linguagem. Isto cria uma reserva semântica para
certas palavras que serão utilizadas durante todo o livro e, quando soltas em certos
poemas, já bastante carregadas de significado, podem ser contempladas em todo seu
campo semântico sem tal desenvolvimento, que já fora feito anteriormente e por todo o
livro.
Nos versos ―Que cabelos prende o laço róseo / flutuando entre nuvens?” (―Do
poema da infância‖, p. 348), por exemplo, o poeta trabalha com a cor rósea atribuída ao
laço para transmitir a leveza da infância, evocada também pela idéia de movimento. No
poema ―Por quê?‖, tal laço róseo pode também ser compreendido como uma laço
sanguíneo, de parentesco, pois pergunta-se “De onde vem este sangue / Que não é
vermelho, é róseo?”.
A imagem da irmã é o que o Max utilizará para trabalhar sua poesia neste livro, é
a única forma de rememorar sua infância, e por isso não se vê menino sem Marieta (Cf.
―Do poema da infância‖, p. 348). Por isso a casa do pai é vazia e tudo nela é eco (“Em
vão tuas mãos tatearão na treva”) quando não há Marieta, quando não há poesia para
rememorar e criar, no espaço do poema, o novo espaço da casa (―Do poema da
infância‖, p. 349, grifo nosso).
Sem a poesia, a infância torna-se ―Inatingível, / (...) / Inatingível e morta.‖
(―Segunda elegia para Sônia Maria‖, p. 353), diz o poeta, novamente criando o
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movimento dos cabelos da menina, soprados pelo vento, sem a qual ―Não houve
infância” (Ibid., Ibidem.), sem a qual tudo é esquecido e vazio, e mesmo o amor só pode
ser por si mesmo, ―Este amor sem eco. / No vazio (...)” (―Narciso‖, p. 357).
A vinda (ou rememoração) de Marieta e, conseqüentemente, da infância, são
inúteis (e não serão buscadas por outros meios), como sugere o poeta no final da
“Segunda Elegia para Sônia Maria”, se não foram feitas criativamente, poeticamente: é
necessário não só memória, mas também (ou principalmente) imaginação e criação para
tanto. E enquanto isso não ocorre, não há movimento e ―A vida continua encurralada no
vale‖ (―Terceira elegia para Sônia Maria‖, p. 354).
Max contrapõe à leveza da menina, a tristeza de uma balzaquiana; e ao
movimento daquela, os olhos desta, ―Presos nos óculos e no passado‖. Somente quando
a poesia tocar a Balzaquiana triste, ela será salva, com o objeto ou a cor – novamente –
rosa, e o movimento da menina: ―De tua boca estéril rosas hão de se abrir, / E salva,
rolarão os lírios pela escada.‖ (―Balzaquiana triste‖, p. 352, grifo nosso).
Ao perpassar pelo livro todo a imagem da menina, que representa a poesia, Max
nos dá a idéia de que tudo é vazio onde ela não está. É com isto que constrói e torna
tangível o vazio (não físico, mas poético) das três elegias que fecham O Estranho. Para a
compreensão (ou mesmo, contemplação) da morte do pai, o poeta utiliza novamente a
casa, por onde andava a menina na sua infância e por onde andou a poesia durante todo
o livro. Ela(s) não é mais presente, o que agora vaga pela sala é “Um perfume suave / De
rosa machucada” (―Elegia dos que ficaram‖, p. 364, grifo nosso). Nota-se que os mesmos
motivos que perpassaram os outros poemas do livro, e foram neles desenvolvidos,
voltam no final já plenos de significado. Porém a rosa, que remete ao sangue e à família,
é agora machucada, pela perda; e a casa é poeticamente vazia, não há mais a infância, a
cor e a leveza da menina, ―Apenas o rumor / Da máquina incansável de costura‖ (Ibid.:
Ibidem.).
Há agora, como mostram os versos iniciais de ―Elegia em junho‖, somente
memória, e o tempo se faz presente. Como um artista, Max não precisa nos dizer isto
objetivamente, mas sugere e cria, com metáforas como ―A faca corta o pão separando o
tempo em nós” (―Elegia em junho‖, p. 365), e com seu universo poético desenvolvido no
livro.
Por fim, como último ponto de semelhança estético-estilística entre o primeiro
livro de Max Martins e o restante de sua obra, gostaríamos de apontar um recurso que o
poeta utiliza com muita maestria e que pode ser observado nos últimos versos de
―Poema‖.
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Rola o poema e o mundo


E eu mudo.
(―Poema‖, p. 363)

Nestes versos o poeta reforça a polissemia da palavra ―mudo‖ colocando-a num


contexto sintático que impossibilita o leitor de escolher um dos possíveis significados,
pois todos parecem coerentes. Com isso, ele consegue carregar a palavra com vários
sentidos diferentes, porém indissociáveis. Este recurso, aqui ainda utilizado de forma
―tímida‖, será desenvolvido pelo poeta, que chegará a isolar uma palavra polissêmica do
restante do texto a fim de levá-la a um grau máximo de polivalência semântica, de forma
consciente e criativa em todos os livros posteriores a O Estranho.

3. Anti-Retrato
Oito anos separam O Estranho de Anti-Retrato, segundo livro de Max Martins,
lançado em 1960. Esta separação cronológica pode parecer muito grande à primeira
vista, no entanto, notamos que oito anos é pouco se comparados ao salto estilístico dado
pela poesia deste autor. Explica-se: em O Estranho o estilo do poeta estava fortemente
ligado a segunda geração modernista, mais precisamente ao modo de fazer poesia da
fase inicial de Drummond, com Alguma Poesia e Brejo das Almas, ambos da década de
1930. Já em Anti-Retrato o poeta aproxima-se das idéias dos concretistas da década de
1950 e sofre também influência direta, segundo Benedito Nunes, de Mario Faustino, com
o livro O Homem e Sua Hora (1955). Em seu segundo livro, Max Martins começa a
lançar-se ao universo estético que o emanciparia das raízes drummonianas e, mais
ainda, o tornaria excepcional do ponto de vista artístico.
Diríamos ainda, por fim, que o estilo de Max Martins, no livro em questão, liga-
se, talvez de forma inconsciente e/ou indireta, ao do poeta João Cabral de Melo Neto, em
especial no que diz respeito à linguagem antidiscursiva e ao tom de impessoalidade tão
característicos deste autor. Com isso, podemos dizer que, estilisticamente, a diferença
entre O Estranho e Anti-Retrato não é de apenas 8 anos, mas sim, de 20 ou 25 anos.
Anti-Retrato é um livro cuja essência temática está concentrada no fazer poético,
impossível não notar o teor metapoético do livro como um todo. O que não pode ser
confundido com o que chamamos de unidade temática, presente no livro anterior. Talvez
se encontre, em seu segundo livro, a ―psicologia da composição‖ (fazendo analogia a
João Cabral) de Max Martins.
Os três primeiros poemas do livro, ―O Estranho‖, ―O aprendiz‖ e ―Max, magro
poeta‖, são interessantes para se falar dessa questão da metapoesia, visto que todos
invocam a transpiração que excede a inspiração em meio à crise do fazer poético ou do
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fazer-se poeta. Vale ressaltar ainda que esta reflexão sobre a poesia, nos três poemas,
parece voltar-se para o próprio autor, ou seja, o eu-lírico fala sobre a poesia do autor.
Dessa forma, o poema ganha um caráter aparentemente pessoal, porém, olhando mais
atentamente, notaremos que usando essa técnica o autor acaba é por criar uma obra
ainda mais impessoal, visto que, para falar da sua própria obra é necessário se ausentar
e dar toda a sua voz a um eu-lírico que passa a ser o sujeito poético, enquanto ele
mesmo, o autor, transforma-se numa espécie de personagem: ―o magro poeta‖, ―o
aprendiz‖ ou ―o estranho‖. Tal idéia remete-nos à expressão ―encenação autobiográfica‖
usada por Benedito Nunes no seu artigo ―Max Martins, Mestre-Aprendiz‖, quando o
mesmo trata das mudanças ocorridas com o poeta no ―ciclo‖ que vai de Anti-Retrato até
O Risco Subscrito. Esta ―encenação‖ justifica o próprio nome da obra.
Não só por causa da metapoesia é valido o comentário acerca dos primeiros
poemas de Anti-Retrato. Neles o autor não só fala de poesia, mas sim, e acima de tudo,
faz poesia. É notável como o poeta demonstra já nestes primeiros poemas, por meio de
novas técnicas, o quanto ele mudou estilisticamente: a incursão visual no início de ―O
aprendiz‖ é um bom exemplo de uma dessas novas técnicas, pois nele fica claro como,
agora, o poeta começa a preocupar-se com ―como o poema é visto‖. O caráter visual
torna-se também um detentor de léxico, e, assim, a espacialidade dos versos assume um
papel importante. O branco da página deve ser lido, mas não só ele, também os
parêntesis e os hífens são novos aliados do poeta nesta busca incansável por carregar o
seu poema, cada vez mais, com inúmeros significados, inúmeras possibilidades de
leitura.

Da ponta do arame
a frase
sem (o) equilíbrio
escapa

Nos versos acima podemos notar como o poeta vale-se da fragmentação de


alguns versos para reforçar o significado do poema: a ―frase‖ que ―escapa‖ do poema
pode ser percebida não apenas auditivamente. Dessa forma, a metáfora do fazer poético,
da busca pela palavra que ―foge‖ do poema, ganha em expressividade por meio de um
recurso visual, isto é, da disposição das palavras na página. Temos ainda, nesses
versos, a utilização do parêntesis, que aqui também servirá como um recurso visual, pois
uma das leituras possíveis para este ―(o)‖ seria a de que ele representa um centro, ou
seja, um ponto de equilíbrio, ou, em outra leitura, um ponto essencial.
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No mesmo poema, alguns versos abaixo, em ―partir(ia) o pássaro. Foge‖, o


autor utiliza novamente o parêntesis como um recurso estético-estilístico, no entanto, não
mais desejando um efeito visual, mas, sim, ressaltar a possibilidade de encontrarmos
palavras dentro de outras palavras, num processo de escavador, ou melhor,
paleontólogo, que se repetirá incessantemente nos seus livros posteriores.
Tal processo de ―escavação de palavras‖ não é exclusivamente feito com auxílio
de parêntesis, pode ser feito também por meio da fragmentação de palavras, como
acontece nos seguintes versos de ―Max, magro poeta‖: ―Será que encontraste/ em
contraste com a flor‖. Dessa forma, o poeta expõe dois vocábulos que se escondem
dentro de ―encontraste‖ e, muito sutilmente, começa a definir sua poesia como algo que
deve ser lido, ouvido e visto, uma vez que tais efeitos provocados por ―partir(ia)‖ e
―encontraste/ em contraste‖ se perderiam caso o leitor apenas escutasse o poema.
Diante disso, não seria forçoso dizermos que com Anti-Retrato, Max Martins
inicia sua incursão pela chamada ―Poesia Concreta‖ e, adiantamos, nunca mais ele
abandonará tais experiências, mesmo que jamais tenha realmente se filiado a este
movimento literário. Realmente, Max Martins nunca se disse ―poeta concreto‖, contudo,
quase impossível não reconhecer em seus poemas posturas amplamente divulgadas,
teorizadas e defendidas pelos concretistas da década de 1950, tais como: ―as palavras
nessa poesia atuam como objetos autônomos.‖, ―os poemas concretos caracterizar-se-
iam por uma estruturação ótica-sonora irreversível e funcional‖, ―o poema é forma e
conteúdo de si mesmo, o poema é. a idéia-emoção faz parte integrante da forma, vice-
versa‖ e ―o núcleo poético é posto em evidência não mais pelo encadeamento sucessivo
e linear dos versos, mas por um sistema de relações e equilíbrios entre quaisquer partes
do poema‖. (Todos os fragmentos foram retirados do livro ―Teoria da Poesia Concreta:
textos críticos e manifestos 1950-1960‖)
Esta ―postura concreta‖ da qual falamos no parágrafo anterior, pode ser
encontrada, por olhos atentos, na maioria dos poemas que compõem o Anti-Retrato,
tornando-se mais evidente em poemas como ―O aprendiz‖, ―Copacabana‖, ―Tema A‖ e
―Variação do tema A‖, sobretudo por causa do apelo visual existente neles.
Em ―Copacabana‖, por exemplo, há uma espécie de alternância entre palavras
sugestivas de mar com palavras sugestivas de sexo, como nos versos: ―no verde-mar-
azul/ Os sexos derramam-se na areia‖. Este jogo com as a palavras se repetirá durante
todo o poema, o que acaba por gerar uma movimentação semelhante ao ―vai-e-vem‖ das
ondas do mar. Movimentação que ganha mais força ainda por conta do aspecto visual do
texto, no qual algumas palavras postas um pouco mais próximas da margem direita da
página, além da variação entre versos curtos e longos, fazem com que o poema também
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tenha visualmente semelhança com as ondas mar. Vale dizer, por fim, que as palavras
―soltas‖, em ―Copacabana‖, não só servem a um fim visual, pois exercessem também
uma forte influência rítmica dentro do texto, forçando algumas pausas no fluxo da leitura.
Segue abaixo o poema:

Copacabana

Preamar de coxas
sugestão de pelos

úmidos

no verde-mar-azul
Os sexos derramam-se na areia

(conchas)

furam as ondas
(seios)

baixam palpitam
As coxas abertas frescas
Dentro o mar lhes canta

Planta

a branca espuma do amor


e esfria.

(Max Martins, Anti-Retrato)

Outro exemplo de poema com forte apelo visual é ―Tema A‖. Tal poema é
emblemático tanto para o livro quanto para estética de Max Martins, pois antecipa
bastante dos caminhos que o poeta tomará depois de Anti-Retrato, e isso não só do
ponto de vista das técnicas poéticas, mas também do ponto de vista temático: a tríade
―sexo-natureza-poesia‖, que apontamos no tópico anterior como algo ainda insipiente,
parece ganhar realmente forma consistente – e consciente – neste poema. Fazendo uma
pequena comparação, diríamos que esta tríade é ainda um feto em O Estranho, mas que
em Anti-Retrato já é um belo bebê, o filho predileto, cujo nascimento é simbolizado pelo
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―Tema A‖. Tal importância pode ser encontrada mesmo no título do poema, no qual o
poeta destaca seu tema principal, ―A‖, sobre o qual trabalhará e construirá variações ao
longo de toda sua obra.
O primeiro verso do poema, ―ocaso duro coito‖, é incrivelmente revelador das
três ―linhas‖ ou ―tons‖ que serão desenvolvidos no decorrer do poema, e que se
confundem com a tríade citada no parágrafo anterior. Isto porque cada uma das três
palavras que formam o verso podem ser lidas da seguinte maneira: o ―ocaso‖ como
representando a natureza com todo o seu aspecto de indeterminação, e aqui vale lembrar
da proximidade gráfica de ―ocaso‖ com ―acaso‖; o ―duro‖ seria o trabalho árduo do poeta
diante da difícil missão de construir o belo e, por fim, o ―coito‖ como sendo o sexo, mas
não apenas o ato sexual humano ou a cópula animal, mas sim, tudo o que há de ―atração
vital‖ entre as coisas, inclusive entre as palavras.
Há atração, por exemplo, percebida (ou criada) por Max entre as palavras
―assobio‖ e ―osso‖, graças à palavra ―tíbia‖, com as quais cria os versos ―trouxeram
faunos / ossobiando tíbias‖. Com o neologismo feito pela troca apenas de uma letra, ―a‖
por ―o‖, o sopro na flauta dos faunos, figura tão usada por poetas clássicos e árcades,
ganha nova força nos versos de Max, uma vez que o canto mágico de tais flautas agora é
produzido por um sopro que vem misturado com osso, ou seja, um sopro áspero, duro,
que remete ao trabalho do artista. Além disso, o neologismo serve para não nos deixar
esquecer o duplo significado da palavra tíbia, o de osso e de flauta, talvez por isso as
tíbias não devam ser assobiadas, mas sim, ossobiadas.
Quanto ao aspecto visual, nada mais marcante do que os versos finais de ―Tema
A‖.
acordo ao peso
do signo imenso pêndulo
p
e
n
s
o
que a lua de sangue espreme
espraia
maré de pêlos
gosma
(Max Martins, Anti-Retrato)

Nestes versos mais uma vez Max Martins se valerá dos recursos visuais
proporcionados por uma configuração espacial peculiar e fragmentária dos versos,
fazendo algo bem próximo do que faziam os poetas concretos, no entanto, com uma
sutileza que torna sua técnica mais leve e, por conseguinte, menos matemática e teórica.
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Neles o poeta fala-nos do signo poético como aquele signo que é cheio, carregado de
significado, o ―signo imenso‖, e que ao mesmo tempo é a dolorosa cruz que ele deve
carregar, pois o fardo de ser poeta é ter sempre que ―lutar com as palavras‖ e
―desconfiar‖ dos seus significados, trabalho este que não tem hora: o poeta já acorda ―ao
peso do signo imenso‖. Contudo, Max não se limita a apenas falar – e caso se limitasse,
estaria fazendo teoria e não poesia – da palavra poética, visto que ao mesmo tempo em
que a teoriza, ele constrói (cria!) seus exemplos, e no caso em questão, o maior, ou pelo
menos o mais simbólico desses, é feito com a palavra ―penso‖, a qual por sua própria
configuração gramatical já é polissêmica, e o autor, cônscio disto, trabalha para ressaltar
ainda mais tal característica, de modo que acaba por criar um signo cuja ambigüidade é
impossível de ser quebrada, e nem deve, pois aí mora a riqueza da palavra poética: o
―penso‖ de ―Tema A‖ não é adjetivo nem verbo, mas sim, os dois.
Dentro do mesmo livro, Max elabora outros modos de se expressar
poeticamente. Um desses é o que chamaremos aqui de ―poemas descritivos‖, ou seja,
aqueles poemas nos quais o autor se preocupa em construir a poesia mostrando belas
imagens de um objeto ou qualquer outra coisa, tal como se fizesse uma pintura com as
palavras ou tirasse uma fotografia de um ângulo que não pode ser visto se não por meio
do poema. Dentro desta categoria colocamos poemas como: ―Home‖, ―1958‖, ―A lágrima‖
e ―A nova flor‖, mas, vale lembrar que a tentativa de classificar os poemas dessa maneira
só é valida do ponto de vista do estudo dos mesmos, uma vez que as várias maneiras, ou
técnicas, utilizadas pelo poeta costumam se misturarem nos poemas, logo, dificilmente
teremos algum que seja representante apenas de um recurso estético-estilístico.
Estes versos ―Aéreatarde naufragava/ em chumbo/ e a rubra ponta das folhas/
se partia:/ O outono/ autônomo se despregava‖ de ―1958‖, retratam bem tudo o que
tentamos dizer no parágrafo anterior. Neles é possível notar como Max Martins consegue
usar a imagem de uma tarde de outono para construir um texto artisticamente belo. Em
―1958‖ as palavras do poeta parecem assumir o papel das lentes de um fotógrafo muito
preciso, a ponto de conseguir retratar o momento exato em que uma folha desprende-se
da árvore, e faz isso sem se esquecer de retratar, como num plano de fundo, as nuvens
cor de chumbo, típicas de uma paisagem de outono. Interessante observar como o autor
consegue criar uma grande metáfora, pois o poema todo parece ser uma ―alegoria‖ sobre
a impossibilidade de o homem ir contra as forças da natureza, ou uma demonstração de
como este é parte desta, mesmo sem ―filosofar‖ ou ―idealizar‖ muito sobre tais coisas, ele
apenas mostra o que acontece, tal como faz um diretor de cinema ao contar uma história,
algumas vezes, apenas pelas imagens que captura com a câmera.
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Ainda nos retendo a esse aspecto de alguns dos poemas que compõem o Anti-
Retrato, vale citar ―A nova flor‖, poesia construída toda em cima de uma imagem
―antipoética‖, bem ao gosto modernista. Nele o autor fala de um rio poluído, ou mais
precisamente, descreve uma daquelas bolhas de espuma que normalmente se formam
nesses rios: ―É uma flor de escamas,/ pluma de espuma e borra‖. E aqui o que poderia
facilmente ser confundido com um apelo ecológico é na verdade mais um louvor à
capacidade da arte de transformar qualquer coisa em algo belo, é como se ele nos
dissesse que essa beleza depende, sobretudo, de como se vê e como se mostra
qualquer coisa.
Além de tudo que já foi dito, é impossível tentarmos falar sobre o livro em
questão sem citarmos os poemas nos quais o autor faz um incrível jogo metonímico com
o corpo feminino, tal como em: ―Cidade outrora‖, ―Irene‖, ―Maria Espuma e praia‖ e ―Na
praia o crepúsculo‖, retomando a tríade já citada ―sexo-natureza-poesia‖. A menina de
laço róseo (pela qual criou-se a poesia de O Estranho) ganhou silhuetas, e o amor
―carnal‖ passa a ser o principal objeto metafórico de Max. Nestes textos, o corpo da
mulher é o meio pelo qual o artista irá expressar inúmeras coisas, como se ocorresse
uma fusão do corpo com tudo aquilo que o cerca, seja a cidade, como nos versos ―Os
seios de Angelita: eis a cidade/ outrora curva sem principio e bruma‖, de Cidade outrora;
ou a praia, como em ―mas o corpo todo um pasto branco‖ de ―Na praia o crepúsculo‖. Por
fim, para melhor exemplificar tal ―mistura‖, ―metonímia‖ ou ―fusão‖, destacamos os
seguintes versos de ―Maria espuma e praia‖, que falam por si.

Âncora plantada na areia


onde o rastro das asas
me leva aos teus cabelos,
e o imaginário talhe
do barco à tua cintura,
avisa e acolhe
o canto matinal dos marinheiros.
(Maria espuma e praia, p. 331)

4. H’Era
H‘Era (1971), a planta trepadeira (hera) e um incerto período de tempo (era),
foram as duas palavras que Max Martins escolheu para batizar seu terceiro livro.
Pertinente o título, pois com ele, logo de saída, o artista demonstra um dos principais
aspectos que nortearão esta obra, isto é, a idéia de corrosão do vocábulo, a busca
incansável por expor as palavras escondidas dentro das palavras, valendo-se para isso
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de várias técnicas, mas em especial, a quebra, ou fragmentação, do vocábulo, tal como


fez com o título do livro.
Nesta obra, mais uma vez, Max aprimora o jogo com palavras, buscando sempre
novas maneiras de se expressar poeticamente e provando o quão inquietante deve ser o
trabalho do poeta que possui um olhar crítico sobre a sua produção. Muito influenciado
no período pelos simbolistas franceses, sobretudo Mallarmé, e também pelo ―Grande
Sertão: Veredas‖ de Guimarães Rosa, o autor explora o poema em si como uma parte
delicadamente usurpada do destino, uma travessia complexa do poeta em seu lance de
dados que pode ou não dar aspecto à poesia.
Da escola ―rosiana‖ Max incorpora, dentre outras coisas, a pesquisa lingüística e
o sincretismo idiomático, os quais acabam por gerar originais experiências vocabulares
como o ―eKOÃdo‖, do poema Koan, no qual o autor mescla o português (ecoando) com o
tupi-guarani (ko e ã), sempre objetivando carregar semanticamente o signo. Já da escola
―mallarmaica‖ cremos que o autor ocupou-se principalmente em absorver as idéias
descobertas pelo mestre Frances com o seu ―Un coup de dés (1897)‖, tais como a
preocupação tipográfica, a importância dos espaços em branco, a fuga do relato em
poesia e as ―subdivisões prismáticas da Idéia‖. Logicamente, sabemos que algumas
dessas experiências estilísticas já haviam sido feitas em Anti-Retrato, contudo é em
H‘Era que tais recursos passam a ser dominantes.
Diante de tão ricas influências e da grande genialidade do autor em saber usar o
que aprende com os outros artistas, sobram aspectos interessantes sobre H‘Era que
merecem serem abordados neste artigo. Dentre estes pontos podemos começar
comentando a questão ―sonora-musical‖ dos poemas.
No terceiro livro de Max Martins abundam as experiências sonoras, muito mais
do que nos dois anteriores, diga-se de passagem. Pouco ou nada há de tradicional na
maneira que autor escolheu para criar musicalidade no livro em questão, muito pelo
contrario, nele, antes de tudo, é perceptível a busca em se afastar da monofonia típica
dos versos tradicionais, mas tomando o devido cuidado para não cair no total vazio
sonoro dos versos livres mal construídos. Max não comete este erro, pois encontra na
polifonia a solução para a questão sonora dos seus versos.
Talvez seja um pouco difícil para ouvidos destreinados conseguirem captar com
eficiência a musicalidade que há em H‘Era, isto ocorre principalmente pelo excesso de
―vozes‖ das quais o poeta se vale para construí-la, num mesmo poema é possível
encontrarmos assonâncias, ecos, aliterações, cacofonias etc. tudo isso dentro de um
texto cujo ritmo é marcado de forma irregular por versos fragmentados e/ou pelo branco
da página.
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O poema homônimo ao livro ilustra bem a maioria destes recursos do quais Max
Martins se vale para construir música no seu poema, tais como a aliteração em ―embora
o verde às vezes de haver se ressentisse‖, os ecos em ―Éramos/ e perpetuávamos/ avos
do ser estando em dia a carne‖ e a cacofonia do último verso ―amor tecido contra um
muro.‖, aqui, vale ressaltar como a questão sonora entrelaça-se com a semântica, a
polissemia soma-se a polifonia e o verso ganha em força sonoro-significativa: o amor,
tratado no poema finda dúbio, tal qual o título (H‘Era) do mesmo, e a duvida fica entre o
que se ―vê‖, o amor que cresce como uma planta sobre a vida, e o que se ―ouve‖, o amor
que suaviza a dureza da vida. Contudo, mais uma vez frisamos que nestes casos não há
escolha certa entre uma das leituras, é necessário escutar as duas vozes do poema tal
como fazemos ao ouvirmos uma música polifônica.
Valendo-se desse recurso tão execrado em outras épocas, como pode ser
notado pelas palavras de Olavo Bilac no seu Tratado de Versificação, no qual ele afirma
que as cacofonias são ―intoleráveis na prosa e muito mais nos versos‖ (Bilac e Passos,
p.69), Max Martins, que segundo Benedito Nunes aprendeu a versificar com o livro
citado, constrói belos poemas sem se preocupar com o chamado ―poeticamente feio‖,
pois ele está consciente de que sua única obrigação é com a poesia, com a arte, e não
com manuais ou teorias.
―Talvez Canção‖ é um bom exemplo do que foi exposto no parágrafo anterior,
isto pois, esse poema é construído, basicamente, em cima de cacofonia e polissemia,
muitas vezes uma dependendo da outra para existir. Logo no primeiro verso ―Verão em
maio.‖, o poeta, por meio da ambigüidade da palavra ―Verão‖, coloca-nos diante de uma
encruzilhada, na qual um caminho é marcado pela leitura da palavra como verbo e o
outro pela leitura dessa como substantivo. Esta não é a única ―encruzilhada‖ que
encontraremos dentro do poema, uma vez que ele está carregado de versos cacófanos,
como ―o dia-amante‖, ―em verde sido‖, ―Ver-te manhã: / tal vês o ver‖, que não só marcam
uma fusão sonora das palavras, mas também provocam a criação de novos significados,
novas metáforas.
Este tipo de poema, repleto de ―caminhos‖ - nunca objetivo, sempre sugestivo –
que transferem as responsabilidades interpretativas totalmente para o receptor, o qual,
diga-se de passagem, é cada vez mais exigido (desafiado) pelo hermetismo do poeta;
será algo sempre crescente em sua obra. Max parece que cada vez mais passa do
poema analítico-discursivo para o sintético-ideográfico, isto é, como teorizaram os poetas
concretos brasileiros, a passagem do verso ao ideograma, sobre o qual podemos dizer
que ―é obtido através de superposições ‗montagens‘ léxicas; a infra estrutura geral é ‗um
desenho circular onde cada parte é começo, meio e fim‘‖ (T.P.C p.41).
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Vôo
as pás das asas
lado a lado
alçam a paz das asas
al-
cançam
cantos (aspas)

(H‘Era, p.294)

No pequeno poema acima é interessante observarmos alguns detalhes: a


ausência de pontuação, os versos que se iniciam com letras minúsculas, a disposição
peculiar dos versos e a proximidade caligráfica e sonora das palavras que o compõe.
Friso estes aspectos do texto, pois todos eles contribuem de alguma forma para a
característica ideográfica, citadas no parágrafo anterior.
Em ―Vôo‖ as palavras se justapõem sem nenhuma ordenação silogística, nem
definições discursivas, narrativas ou filosóficas. O que há é uma aglutinação de imagens
sugestivas da coisa que o poeta quer representar, tal como é construído o ideograma
chinês. Para falar de vôo, Max não conceitua, mas sim, demonstra o vôo, de certa forma
o cria, por meio da combinação entre palavras que possuam alguma relação com esse,
tais como ―asas‖, ―paz‖, ―canto‖ e, até mesmo, ―aspas‖. Desta forma, o texto pode ser
considerado como um todo metafórico, sem começo, meio ou fim, uma estrutura circular,
que ganha força pela ausência de pontuação e pelos versos iniciados com letras
minúsculas, isto porque, a falta de marcações como essas indicam uma falta de
hierarquia entre os versos, o que contribui para dificultar a escolha do leitor por um
possível começo ou fim, forçando-o a pensar mais no conjunto.
O problema ―verbivocovisual‖, termo Joyciano propagandeado pelos
concretistas, que passa a ser uma constante na obra deste poeta desde Anti-Retrato, é
encarado cada vez com mais lucidez. Max Martins consegue já em seu terceiro livro um
bom dialogo com as teorias modernas, ou pós-modernas, como alguns preferem, da arte
poética, dando inclusive boas respostas — ―Vôo‖, ―H‘Era‖, ―Koan‖ e ―X‖ são exemplos
destas — para algumas das questões discutidas por aquelas, como é caso da já citada
passagem do verso ao ideograma ou a do advento da visualidade em poesia (importante
frisar que esta questão sempre existiu, mas passou muito tempo esquecida ou sendo
pouco debatida).
Diante dessas idéias, torna-se importante destacarmos o poema ―X‖. Segue:
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A tarde era um problema


(emblema)
a
re
(sol)
VER
O parque

Um violino com seu arco – armava a ponte-pênsil


para o crepúsculo
teias
fibras, fi(m)lamentos
entre
sombras, sabres maduros, árvores
em silêncio.

Idem
a Catedral
de granito, dura
enigmagnetíssima
g‘ótica
no meio do parque
OLHO
genitoris ego
cêntrico

órgão só ave
e
santo
CANTO
ergo:
Imo D‘ego
lado: panis ! lado: pênis
Era
a hora do juízo

Estendido sobre a grama nu o poeta ruminava a sua


semente-alvo
Salvo
(e insolúvel)

(X. p. 283)

O poema acima pode ser lido como um convite, ou desafio, ao leitor para ver e
ouvir cada palavra, cada construção cuidadosamente trabalha. ―VER‖, ―OLHO‖ e
―CANTO‖, estas três palavras, posta em letras garrafais no texto, chamam atenção para o
que o poeta deseja demonstrar, o ―problema‖ que ele quer ―resolver‖, isto é, a visualidade
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e a musicalidade do texto. Dispondo as palavras dessa forma, é como se ele expusesse


as tonalidades seguidas por ele (e que devem ser seguidas pelo leitor) na confecção do
poema; fazendo com isso um processo semelhante ao encetado por Mallarmé com ―Un
coup de dés‖, referimo-nos as subdivisões prismáticas da idéia.
Em ―X‖ o poeta explora um dos seus meios mais freqüentes de fazer poesia, o
qual consiste justamente em falar sobre esse ―fazer‖ enquanto o poema, com aparência
de grande autonomia, é construído como se fosse ao acaso, tal como nos versos iniciais
de ―Travessia 2‖, cujo possível jogo com o título do poema maior de Mallarmé reforça a
idéia de casualidade: ―Dados os laços/ lançam-se os dedos/ os dedos-dons, suas lanças/
à travessia‖.
Observando este modo de trabalhar do autor, mais fácil torna-se perceber a já
mencionada polifonia na poesia de Max Martins. Em ―X‖, duas vozes são logo anunciadas
nos primeiros versos: uma é a que apresenta o objeto, ―A tarde‖, escolhido pelo artista
para ser sensibilizado, isto é, para que este seja ―visível‖ artisticamente; a outra voz
consiste na própria discussão de como tornar tal objeto arte, ou seja, como representá-lo
sob uma perspectiva estética formalizada, transformar o que antes era beleza natural em
beleza artística, ―(emblema)‖. Desta forma é que se dá a ―travessia‖ do poema, sempre
buscando resolver o problema do objeto, das palavras e da poesia, deste modo o poeta
começa e termina seu texto, numa estrutura ideogrâmica circular, salientada pelos versos
finais, em especial pelo neologismo ―semente-alvo‖, cuja uma possível interpretação
revela-nos que o objeto a ser sensibilizado é ao mesmo tempo o fim (o alvo) e o começo
(a semente).
Estrutura semelhante a ―X‖ encontramos em ―Koan‖, tanto do ponto de ―poema
circular-ideográfico‖, quanto do aspecto visual: ambos possuem versos centralizados e
intercalados entre logos e curtos, o que acaba por gerar uma imagem de perfuração,
sobretudo em Koan. Com isso autor reforça a idéia de ―escavação‖ das palavras, recurso
estético-estilístico sobre o qual já falamos no tópico anterior, mas que merece nova
citação por marcar de forma acentuada a estética deste livro, vide os versos: ―e a face ex-
garça-se verdugo‖, ―mas a de estar, sendo pá/ lavra no vento‖, em Koan; ―fibras,
fi(m)lamentos‖, em ―X‖; ―Onde havia o A/ morto está‖, em ―Depois do dilúvio‖ etc.
Ainda relembrando aspectos tratados em Anti-Retrato, vale dizer que em H‘Era
a tríade ―Sexo-Natureza-Poesia‖, quase um carimbo, ou selo, da poesia Max Martiniana,
símbolo maior do seu universo poético ( ou como os autores deste artigo carinhosamente
gostam de chamar: seu ―mar-poético‖); não só esta presente, como se solidifica, sendo
facilmente percebida em poemas como: ―Coisas d‘mor – amar in largo‖, ―Travessia 2‖,
―Amor: a fera‖, ―Tarde pesada de limos‖ e ―Todos as bandeiras‖. Apenas com fim
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ilustrativo, para evitar uma repetição daquilo que já foi tratado, destacamos os seguintes
versos de ―Amor: a fera‖.

Amor: a fera
no deserto ruminando
esta lava dentro do peito
dentro da pedra
dentro do ventre

amor lavra

(Amor: a fera. p. 301)

Para concluir, faz-se necessário mencionar alguns dos poemas finais do livro, a
saber: ―Ver-O-Peso‖, ―A casa‖ e ―O mal-amado‖, estruturalmente semelhantes entre si,
mas bastante diversos se comparados com resto do livro e até mesmo com a obra como
um todo deste autor. O estranhamento para com esses começa com o tamanho, são
poemas que podem ser considerados longos dentro da poética de Max Martins, visto que,
com exceção de ―O ovo filosófico‖, ―Travessia e residência‖ e o poema-livro ―A fala entre
parêntesis‖, poucas vezes o poeta se aventurou pelos caminhos dos poemas com muitos
versos, pelo contrário, o que encontramos são poemas minimalistas, principalmente
depois de ―A fala entre parêntesis‖, cujo número de versos chega ao mínimo possível, ou
seja, um.
Dentre os poemas acima citados, sem duvida, o de maior destaque é ―Ver-O-
Peso‖, provavelmente um dos mais conhecidos poemas de Max Martins, principalmente
por abordar um tema social por meio de um forte símbolo regional, o mercado cartão
postal de Belém de mesmo nome. No entanto, não por este motivo o ressaltamos aqui,
visto que tal fato em pouco, ou em nada, corrobora para que uma obra ganhe status de
boa ou má arte.
―Ver-O-Peso‖ é um bom poema, não necessariamente figura entre os melhores
do autor, mas ainda assim está muito acima da média que separa um poeta de um mero
fazedor de versos. Nele chama-nos atenção a maneira como o poeta trata a
movimentação das figuras do poema, ―o homem‖, ―o peixe‖ e ―a fome‖, estes três signos
parecem percorrer o texto todo, contudo, em outra leitura, podemos vê-los como signos
estáticos, desta forma, diríamos que todas as outras figuras do texto é que se movem,
enquanto as três figuras ―principais‖ são apenas agentes passivos: ―A canoa traz o
homem‖, ―a balança pesa o peixe‖, ―a balança pesa a fome‖. Os versos curtíssimos,
muitos com duas ou três sílabas, ―a fome/ vem de longe/ nas canoas/ ver o peso‖, ―ver o
peixe/ ver o homem/ vera morte‖, também contribuem para a movimentação dentro do
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poema, pois ditam um ritmo acelerado, bem condizente com um mercado de peixe em
pleno funcionamento.

5. Considerações Finais
O projeto que deu origem a este artigo teve a duração de nove meses e
inicialmente tinha como objetivo fazer uma análise estilístico-estilística de toda a obra de
Max Martins. Tal objetivo, porém, mostrou-se de fato hercúleo, tendo em vista a
densidade e o volume da obra completa do autor. Por isso delimitamos o nosso foco nos
três primeiros livros do autor O Estranho, Anti-retrato e H‘era, onde, inclusive, a gradiente
de mudanças é provavelmente maior do que em qualquer outro momento artístico de
Max.
Muito mais do que um Poeta Amazônico, com este trabalho de pesquisa ficou
provado para nós que a obra de Max Martins tem virtude poética suficiente para igualar-
se à dos grandes poetas universais. O autor conseguiu criar um universo poético próprio,
e mais do que isso, em seus mais de 40 anos dedicados à poesia, conseguiu reinventá-lo
e evoluir dentro de suas próprias concepções de poesia.
Analisando somente os três primeiros livros, já é possível perceber várias
mudanças na forma e indo além, é fácil notar que isso será constante e mais do que isso,
será a justificativa da poesia de Max, que no mais das vezes utilizar-se-á da própria
poesia como temática, e mesmo assim conseguindo ser único e original dentro de seu
processo criativo.
Max conseguiu aliar forma e conteúdo de maneira indissociável, perpassando do
poema anedótico para o poema fragmentário e mais adiante para o poema ideogrâmico,
sempre se utilizando da natureza, do amor carnal e da própria poesia como instrumentos
fundamentais de construção poética, porém, sempre em busca do excêntrico e particular.
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6. Referências
CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da Poesia
Concreta: Textos Críticos e Manifestos 1950-1960. São Paulo: Ateliê, 2006.

CAMPO, Haroldo (org.). Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem. São Paulo: EDUSP,
2000.

SPITZER, Leo. Linguistica e Historia Literaria. Madrid: Editorial Gredos, 1974.

PASSOS, Guimarães; Bilac, Olavo. Tratado de Versificação. Rio de Janeiro: Paulo de


Azeredo, 1949.

POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, 2006.

TOLEDO, Dionísio de Oliveira (org.). Teoria da Literatura: formalistas russos. Porto


Alegre: Globo, 1976.

Universidade da Amazônia. Revista Asas da Palavra. Belém: Unama,V. 5- n. 11, Julho


2000.

WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da Literatura. Publicações Europa-America,


1971.

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