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de considerações relativas à estruturaçâo, desestruturação e Ices-

truturaçâo contínuas, características do sistema sociocultural. Su-


gere-se um modêlo "rnorlogênico" de sociedade, edificado sôbre
alguns estudos teóricos e ernpíricos surgidos nos últimos anos e
que - afirmamos - se movem numa direção em estreita cor-
respondência, ou altamente compatível, com a moderna pers-
pectiva dos sistemas que esramos delineando.
2
Considerações sôbre a natureza das macroestruturas dos sis-
temas socioculturais nos levam a ver mais claramente as impro-
MODELOS DE SISTEMAS SOCIAIS
priedades do modêlo atual. de "consenso" e sua concepção rela-
tivamente estática de "instituições", "contrôle social" e "ordem"
e "desordem" social. No sexto e último capítulo nos ocupamos
de alvitrar o modo pelo qual um modêlo cibernética de socieda- A maior parte da atual discussão dos sistemas em Sociologia
de, mais que um modêlo homeostático, ou de equilíbrio, pode é constrangedoramente ingênua e obsoleta à luz da moderna pes-
informar os conceitos de contrôle social, ordem e desordem social. quisa dos sistemas em outras disciplinas. Se bem se verifique
Isso nos conduz a: (1) inspirar-nos em conceptualizações atuais extenso emprêgo superficial (e amiúde incorreto) da terminolo-
do processo sistemático de geração do comportamento aberrante gia mais recente (é quase de rigueur a menção da "manutenção
- exemplo excelente do enfoque moderno dos sistemas (cons- de limites", entrada-saída, "contrôle cibernética" [sic,L realimen-
cientemente reconhecido, ou não), e (2) discutir com detalhes os tação, etc.), as concepções subjacentes revelam escasso progresso
problemas correntes da concepção do poder e da autoridade, da em relação ao modêlo do equilíbrio mecânico de séculos anterio-
legitimidade, e dos processos grupais de busca de metas e tomada res. De maneira análoga, os modelos orgânicos se afastaram mui-
de decisões. Embora não nos escapem os perigos inerentes à to pouco dos becos sem saída da era do darwinismo social das ana-
aplicação demasiado simplista da concepção cibernética do con- logias orgânicas e organísmicas: as "sociedades" ainda têm "neces-
trôle da realimentação, da "auto-regulação" e da "autodireção", sidades" e arrostam os "problemas" de manter sua estrutura (ins-
afirmamos que ela pode ter fôrça como instrumento organizador, titucionalizada ), que são resolvidos por mecanismos inerentes,
que nos ajude a harmonizar o grande número de linhas de for- automáticos, "homcostáticos"; ou as classes sociais representam
mulação e execução da política subgrupal e societal. a seleção natural decorrente de uma luta competitiva em que os
"mais aptos" ou "mais altamente qualificados" se elevam, mais
ou menos autornàticamente, ao tôpo, a fim de ocupar as posi-
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~ r,1 .. ções funcionalmente essenciais à "sobrevivência" das sociedades.
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~1 Que um ou outro dêsses modelos inspirasse a teorização nas
(.) ::~:, ::-4i
C'., ~', .F._·~
fases iniciais da sociologia científica, quando pouco se sabia cla-
ramente sôbre o sistema sociocultural, é assaz compreensível. Mas
a tentativa de fundir tanto os modelos mecânicos quanto os orgâ-
nicos na mesma estrutura teórica, como hoje se faz, não é apenas
contestável em vista dos seus inumeráveis pontos de incompati-
bilidade, senão também retrógrado em face dos modernos pro-
gressos da Sociologia. T ais progressos deveriam ter-nos alertado
acêrca da possibilidade de que o nível sociocultural dos sistemas

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seja estrutural e dinâmicarnente único e não fundamentalmente foram novamente tomados de empréstimo com os seus novos
comparável a êsses outros tipos de sistemas, apesar de alguns atavios conotativos e aplicados ao homem e à sociedade. Des-
pontos de semelhança. O desenvolvimento da moderna teoria tarte, encontramos concepções de espaço moral ou social, em
dos sistemas em outros campos, nos dois ou três últimos decê- que ocorrem os acontecimentos sociais; de posição 110 espaço
nios, enseja nova perspectiva e princípios básicos, que apontam soci.aI e de um sistema de coordenadas sociais, que definem a
para um rnodêlo de sistema sociocultural mais apropriado, que a posição do homem nêle; de processos sociais como resultados da
teoria sociológica não pode dar-se ao luxo de ignorar. "gravitação" ou atração e inércia de indivíduos e grupos êstes
Tais são os temas que serão abordados neste capítulo. últimos considerados como sistema num equilíbrio de /ôrç~s cen-
trífugas e ceniripetas. A organização social, o poder e a autori-
dade eram resultantes das "pressões" de "átomos" e "moléculas
o MODÊLO MECANICO sociais": disso nasceu a "estática social" ou a teoria do equilí-
brio social, análoga à estática na mecânica física, e a "dinâmica
Pitirim A. Sorokin nos proporcionou um estudo admirável social", que envolve o movimento ou a mudança como função
do desenvolvimento da "escola mecanística" da Sociologia, e nós do tempo e do espaço, que se podem exprimir por várias curvas
lhe pediremos muita coisa emprestada. 1 Com o rápido avanço da ma temá ticas.
Física, da Mecânica e da Matemática no século XVII, os homens
No entender de Sorokín, quase tôda a "física social" subse-
se voltaram para uma interpretação do homem, do seu espírito
qüente do século XVIII e da primeira metade do século XIX
e da sociedade em têrrnos dos mesmos métodos, conceitos c su-
foi apenas uma variação das tentativas do século XVII, que pres-
posições, rejeitando em parte a teleologia, o vitalismo, o misti-
taram valiosa contribuição à ciência social e psicológica. A se-
cismo c o antropomorfismo, menos apetecíveis, de outros pon-
gunda metade do século XIX, todavia, apresentou sintomas de
tos de vista. Surgiu, assim a "Física Social" do século XVII,
uma revivescência, embora de ordinário sem reconhecer a con-
segundo a qual o homem era considerado como objeto físico,
tribuição do século XVII. Entre Os homens envolvidos nessa
espécie d~ máquina c~m)plicada, cujas ações e processos psíqui-
revivescência figuram H. C. Carey, A. Bentley, T. N. Carver e
cos poderiam ser analisados em função dos princípios da Mecâ-
Pareto, Os seus sistemas eram edificados sôbre conceitos como
nica. Na "mecânica social" se encarava a sociedade como "siste-
"campos de Iôrça", "transformação de energia" e "entropia so..
ma astronômico", cujos elementos eram sêres humanos ligados
cial". A maioria oferecia "apenas uma série de analogias super ..
pel~ atração m~tua ou diferenciados pela repulsão: grupos de
ficiais, baseadas em interpretações inválidas de conceitos mecâ-
SOCIedades ou Estados constituíam sistemas de oposições equili-
nicos". A "mecânica racional" de Pateta, engenheiro de forma ..
bra.das. O homem, seus grupos e suas inter ..relações constituíam,
ção, pertence, entretanto, a uma classe diferente. Êle evitava os
aSSUI1,uma continuidade ininterrupta com o testo do universo,
analogismos mais especiosos e utilizava tâo-sõrnente os princípios
mecanlsticamente interpretado. Tudo se baseava na ação recí-
mecânicos mais gerais, que pareciam aplicar-se a fenômenos so-
proca das causas naturais, a ser estudada como sistemas de rela-
ciais nos níveis metcdológico ou .heurístico. Temos, assim, na
ções que podiam ser medidos ou expressos em função de leis da
mecânica socia1.· base, o conceito de "sistema", de elementos em mútuas inter-re-
lações, que nadem achar-se num estado de "equilíbrio", de tal
Os conceitos físicos de espaço, tempo, atração, inércia, fôr- maneira que quaisquer alterações moderadas nos elementos ou
ça, poder -- que é forçoso reconhecer como antropomorfismos
em suas inter-relações, afastando-os da posição de equilíbrio, são
recebidos por empréstimo da experiência humana cotidiana -
contrabalançadas por alterações que tendem a restaurá-Ia.
Esta foi a concepção encampada, quase sem modificações
1 Pitirim Sorokin Conteniporar» SociologicI11 Tbrories (Nova Ioruuc:
lIarpcr &: Row. Edíttírcs, 1928), Capo 1. por muitos sociólogos contemporâneos, notadamente Ceorge C:

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manente, determinado por fôrças relativamente simples, de modo
Homans e Taleott Patsons (ambos influenciados por Henderson que qualquer mudança que afetasse fôsse incidental, alheia ou es-
em Harvard). 2 Antes dêles, e depois de Pareto, a idéia de so- tranha. Está mais de acôrdo com o registro histórico pensar em
ciedade como "sistema" de partes inrer-relacionadas, com um t~rmos d~ uma tepdência .constante para o equilíbrio, sempre asse-
diado, ate na SOCIedade simples ou primitiva e ainda mais obvia-
limite, e tendentes de ordinário a manter um equilíbrio, foi ex- mente nas civilizações mais elevadas, por fôrças que ameaçam
plicitamente endossada por N. Bukharin, P. Sorokin, F. Zna- abalá-lo ou rornpê-lo. Nessas condições, a própria natureza' do
niecki e K. Lewin, entre outros. equilíbrio, é sempre móvel. 3 .

Muitos cientistas sociais se referiram à sociedade ou ao gru-


po como a um "sistema social", sem assumir, entretanto, um A tenacidade e a duração de um equilíbrio presumido têm
ponto de vista totalmente mecanístico - na verdade, como diminuído gradualmente nas concepções de alguns teoristas do
McIver, dando uma ênfase antagônica aos fatôres mentalísticos. equilíbrio. Isto é, considera-se o equilíbrio apenas um estado
Assim, discutindo a causa como "precipirante", Mel ver oferece temporário, eíêrnero, como na citação acima de McIver ou no
uma visão de concepções e dificuldades, que estariam em evidên- que Homans denomina agora "equilíbrio prático", que o com-
cia na teoria do sistema social um quarto de século depois: portamento, "sem dúvida temporária e precariamente, às vêzes
atinge". 4
. .. entendemos por "precipitante" qualquer fator ou condição es- Afirma-se, por vêzes, que o conceito de equilíbrio é apenas
pecifica considerada como tendo desviado a direção preestabelecida
das coisas, como tendo rompido um equilíbrio preexistente, ou como um artifício heurístico, mas nunca se esclarece muito bem a fun-
tendo liberado tendências ou Iôrças até então suprimidas ou laten- ção heurística que êle desempenha. Assim, Parsons sustenta cor-
tes. O pressuposto é de que o sistema opera de forma congruente retamente que, para estudar a mudança social, precisamos de algum
com a sua autoperpertuação, até que alguma coisa intervenha; de ponto de referência a partir do qual ocorre a mudança. 5 Em
que o sistema é relativamente fechado até que alguma coisa o rom-
seguida, não só se volta para uma avaliação da estrutura no ponto
pa e abra. Essa "alguma coisa" é, então, um precipirante.
de partida da análise mas também recorre aos conceitos de equi-
Tal concepção representa uma das maneiras pelas quais busca-
mos compreender o problema da continuidade e da mudança. Preso líbrio e inércia. Não está absolutamente claro, porém, o motivo
supomos uma lei social mais ou menos correspondente à lei física por que uma avaliação do estado estrutural e dinâmico no início
da inércia, no sentido de que todo sistema social tende a man- não basta, por si só, como ponto de referência, sem introduzir
ter-se, a persistir em seu estado presente, até ser compelido por "eqr:ilíbrio" e ."iné.:cia". De mais a mais, quando Parsons, pros-
alguma Iôrça a alterar êsse estado. Qualquer sistema social, li todo
momento e em tôda a parte, é sustentado por códigos e institui- seguindo, admite íôrças de mudança endogenas ao sistema, nós
ções. tradições, interêsses. Quando uma ordem social ou qualquer nos separamos de quanto possa ser reconhecido pelo estudante
situação social dentro dêle sofre uma alteração significativa, pensa- de mecânica clássica. Como outros já o observaram, dizer que
mos em alguma fôrça rebelde ou invasora, que lhe quebra, por as f.ôl'ças internas do sistema tendem para o equilíbrio mas, na
assim dizer, a "inércia", o status quo, A forma mais simples do
realidade, podem acarretar mudança é uma contradição em
conceito é a examinada na seção anterior, onde se encara a mudança
como perturbação de um equilíbrio persistente. A falha dêsse con-
têrmos. G
ceito não residia na pressuposição do equilíbrio, mas na suposição
não justificada de um único tipo de equilíbrio, fundamental e per- , 3 Robert M, Maclver, Social Causation (Nova Iorque. Harper
Torchbook, 1964), pp, 172-73.
4 George C. Homens, Social Bebauior, Its Elemcntary Forms (Nova
2 Lawrcnce J. Hcnderson, Pareto's General Sociolog» (Carnbridge, Iorque: Harcourt, Brace &. World, Inc., 1961), p. 114.
Mass.: Harvard University Press, 1935); George Homans e C. P. Curtis, Ali r. "Talcott Parsons, "Some Considerarions 011 the Theory of Social
lntroduction to Pareto (Nova Iorque: Alfrcd A. Knopf, Inc., 1934). Para Change , Rural Sociologv, 26 (1961), 219-39.
um interessante ponto de vista alternativo da analogia do equilíbrio, veja
R. Furth, "Physics of Social Equilibrium", Adoancement of Science, 8
) '.~ ,:veja Ba~rington Moere J1'., "Scciological Theory and Contemporary
American [ournal of Sociolog», 61 (1955), 107-1.5.
I olitics",
(1952),429-34.

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Para apoiar o seu recurso a êsse conceito, o teórico d? equi- de organismos que constituem especies ou sistemas ecológicos.
líbrio assinala tipicamente que existem, em qualquer sOClc~ade, Muitos seguidores de Spencer exploraram ao máximo a analogia
conjuntos de normas, valôres, expectativas e definições ddl1 s~t~a. organísmica, procurando os análogos sociais do coração, do cére-
ção mais ou menos comuns, sustentados por sanções e var~as bro, do sistema circulatório, etc. O próprio Spencer, contudo,
espécies. Entretanto, de também deixa, tlpi~am.ente, d~ meneio- mais cauteloso, recorria a princípios de similaridade mais ge-
nar que tôda sociedade com alguma complexidade tem 19uall?lCn- néricos.
te conjuntos assaz estáveis de normas, valôres, etc., ~lternatJvos, Seja-me aqui permitido asseverar distintamente que não existem
analogias entre o corpo político e o corpo vivo, a não ser as exigi-
diversos, aberrantes ou contrários, bem corno vasta area de am- das pela mútua dependência das partes, que êles exibem em comum.
bizüidades e comportamento "coletivo" não institucionalizndo,. de Pôsto que, em capítulos anteriores, se tenham feito diversas com-
todos os graus. e matizes. Êste: ~ó podem .s~r_va1'r~dos.P?ra ~a1XO parações entre estruturas e funções sociais e estruturas e funções do
do tapête teórico por um arbítrio de definição: sao residuais ou corpo humano, elas só se fizeram porque as estruturas e funções
não fazem, de fato, parte do sistema. Mas a essa altura, o argu- do corpo humano fornecem ilustrações familiares de estruturas e
funções em geral. O organismo social, abstrato e não concreto, assi-
I mento já foi reduzido a um jôgo de palavras. métrico e não simétrico, sensível em tôdas as suas unidildes c não
11 Em suma, torna-se cada vez mais claro que os sistemas me- sensível apenas num centro único, não pode ser comparado com
cânicos e socioculturais são tipos muito diferentes de s}stemas, nenhum tipo particular de organismo individual, animal ou vegetal. 7
I1 com princípios e dinâmica de organização bàsicamente dif~rentes;
ii É, portanto, (1 princípio geral da "mútua dependência das
O apêlo reiterado aos primeiros para compreender o,s ú~tlmos 5.0
,J':
i serve para retardar a busca de outras conceptualizaçõcs mais partes" que assemelha a sociedade a um organismo, mas cumpre
apropriadas e mais úteis. notar também que o critério se aplica igualmente ao sistema me-
cânico. Falamos nisso porque se tornou corriqueiro em Sociolo-
Tais são os argumentos mais sensatos contra a teoria d(
gia proclamar êsse princípio como a característica distintiva cen-
equilíbrio em Sociologia. No correr do livro se apresentarão
tral da análise funcional, quando, na verdade, como o demonstra
considerações mais sistemáticas.
a nossa discussão do rnodêlo mecânico, era fundamental para a
"física social" do século XVII e assim permanece nos modelos
do equilíbrio mecânico. Spencer rejeitou a esfera inorgâníca
o MODELO ORGANICO
como base de comparação com o "agregado social" c procurou
novas razões para assimilar as' relações entre as partes da socie-
A história do analogismo orgânico 110 pensamento ~{lCÍ:II é
-t dade às relações entre as panes ele um corpo vivo,
uma história muitas vézes repetida. O emprégo da metáfora or-
gânica, literalmente, é história antiga, 111?S o ernprêgo cien~í~ico De certo ponto de vista, porém, foi uma decisão particular-
sério começa com Herbert Spencer c seguidores seus como .Lillen- mente infeliz de Spcncer e ele outros a de comparar a sociedade
~lOS organismos individuais em lugar de compará-Ia às espécies,
feld \XlOl'fiS e Schiiífle. Como aconteceu com o aparecimento
do modêlo mecânico numa era de progressos da ciência física, o pois muitas contradições em sua posição procedem da incapaci-
modêlo orgânico da sociedade foi inspirado pelos progressos da dade de distinguir os níveis biológicos de organização. (Isto se
Biologia, para os quais concorreu Spencer. deve, provàvelmente, em parte, à relutância que ainda persiste
em aceitar os agregados ecológicos como "entidades" ou siste-
O prosseguimento da discussão requer, neste ponto, que
mas no mesmo sentido de organismos -- tópico que discutire-
distingamos entre a analogia "organísmica" e o modêlo "orgâni-
co" mais geral. Os sistemas biológicos e~i~te~11, naturalm?ntc,
\:ITI mais de UI11 nível: a organização c a dinâmica do orgamsrno 7 Hcrbert Spcncer, Principies 0/ Sociolog», j." edição (Nova Iorque:
individual diferem da organização e da dinâmica de uma coleção i\ppleton,Ccl1lury,Crofts, 1897), .2." Parte, p. .592,

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mos em capítulo subseqüente.) Com o benefício da vrsao re-
sociedades. Além disso, entre os organismos individuais, o grau de
trospectiva, podemos achar essa decisão - tomada na era dar- cooperação mede o grau de evolução, e essa verdade zeral também
winiana - deveras surpreendente, pois, afinal de contas, a teoria se aplica aos organismos sociais, 10 "
de Darwin se ocupa das espécies e da filogenia, e não de indi-
víduos e da fisiologia. Se bem não estejamos optando pela ana- Como sabemos, tal é a base da tipologia "militarista-indus-
logia orgânica, teria sido mais sensato dizer, por exemplo, que trial" da evolução societal, de Spencer.
as sociedades semelham espécies no sentido de que tanto a con- Por outro lado, o darwinismo social é mais laraarnente co-
servação quanto a mudança de estrutura são traços característi- nhecido pela sua ênfase oposta: a elevação "natural" ~ inevitável
cos em certas condições; que nem as sociedades nem as espécies dos indivíduos "mais aptos" na luta social competitiva. O mo-
"morrem", como os organismos; e, como assinalou Lester \X1arcl, dêlo é agora a espécie, não o indivíduo. Assim, a controvérsia
que a luta evolutiva não é pela "sobrevivência" (de organismos atual que se registra na teoria sociológica em tôrno do modêlo
individuais ) per se, senão mais fundamentalmente uma "luta de conflito, em oposição ao do consenso, reflete-se nos aspectos
pela estrutura". 8 Colin S. Pittendrigh observou que os próprios dupl.os do rr;0:iêlo biológico, tão confusamente baralhado pelos
biólogos tropeçaram nesse problema: teonstas SOCIalS.
Os chavões da luta e da sobrevivência, até para os biólogos pro- l!ma das h~z~s mais ~laras. que penetrou a névoa e quase
fissionais, focalizaram a atenção em aspectos secundários do processo demoliu o darwinismo SOCIal foi a obra do biologista-sociólogo
histórico, por meio do qual se acumula a informação genética. Fo- Lester \'l('ard. Aludindo à analogia entre o "organismo indivi-
calizaram-na em indivíduos - quando a deveriam ter focalizado em
dual" e o "organismo social", Spencer afirmara uma "comunida-
populações; focalizaram-na na evitação da morte (perpetuação do
indivíduo) -- quando a deveriam ter focalizado na reprodução (per- de de princípios fundamentais de organização" entre êles, Ward
petuação do genótipo). Il --- e a moderna teoria dos sistemas - enxerga, através dessa
meia _verdade, as {fiferenças f~ndamen.tais nos princípios de 01"ga-
o
nível particular de organização biológica escolhido corno ntzaçao entre os SIstemas socioculturais de um lado e os oraanis-
base pata mcdêlo da sociedade determina (ou pode ser determi- mos e sistemas filogenéti.cos de outro. A ênfase de \X'atd ~,osta
nado por isso) se vemos a sociedade como predominantemente nos processos do conhecimento (de obtenção), suas concepções
cooperativa ou bàsicamente conflitual. Se a sociedade íôr como da "luta pela estrutura" e seus princípios da "diferença de po-
um organismo, as suas partes cooperarão e não competirão na . l" e cIc
t encrai e " sinergia.. , (" o tra b alh o em conjunto, sistemático
. c
luta pela sobrevivência, mas se a sociedade Iôr como um agre- otgân~co, _ das iôrças antitéticas da natureza" para produzir a
gado ecológico, será mais aplicável o modêlo darwiniano (ou organizaçâo ) sao congruentcs com a moderna teoria dos SIS-
temas. 11
hobbesiano) de luta competitiva. Spencer optou pela primeira
alternativa: O funcionalismo atual em Sociologia representa a versão moder-
na do m~dêlo biológico. Mas, ao passo que os darwinistas sociais,
'I'ôdas as espécies de criaturas são iguais na medida em que cada
qual exibe cooperação entre os seus componentes em benefício do c~)mo aCima. se deu a entender, se lançaram ao modêlo Iilogené-
todo; e êsse traço, comum a elas, é um traço comum também às uco para por em destaque o tema da luta competitiva os Iun-
cionalistas - que hoje, tipicamente, põem em destaque a "or-
d~m", a cooperação e o consenso - utilizam o modêlo organís-
8 Lestcr Ward, Pure Sociology (Nova Iorque: The Macmillan Com-
Jl11CO como exemplo supremo da estreita coopernção das partes,
pany, 1903), p. 184.
que conservam uma estrutura relativamente fixa dentro de Iimi-
\l CoIin S. Pittendrigh, "Adaptation, Natural Selcction, anel Beha-
vior", em Bcbaoior and Eoolution, org. por Anne Roe e George Gaylord
10 Spencer, Principies of Sociology.
Simpson (New Havcn, Conn.: Ynlc University Prcss, 1958), p. 397.
II
\X!ard, Purc Sociology, especialmente os Capítulos 10 e 11.

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As condições constantes que se mantêm no corpo podem ser
tcs rigorosos de desvio. Dessa maneira, em s~a análise ~uncional
denominadas equilíbrios. Essa palavra, contudo, passou a ter um
da mudança social, depois de representar o sistema social C0l1:0 significado assaz preciso quando aplicada a estados físico-químicos
tendente a manter um equilíbrio relativamente estável, por meio relativamente simples, sistemas fechados, em que fôrças conhecidas
de contínuos processos que "neutralizam" as fontes endógenas e se equilibram. Os processos fisiológicos coordenados, que mantêm
exózenas de variabilidade , capazes de modificar a estrutura a maior parte dos estados constantes no organismo, são tão comple-
/:! , • dse xos e tão peculiares aos sêres vivos... que sugeri uma designação
Iôssem muito longe, Parsons dá uma ilustração organismu:a a
especial para tais estados, bomeostase. A palavra não implica uma
bomeostase: a regulação da temperatura em animais. 12 Em coisa fixa e imóvel, uma estagnação. Significa uma condição
adição à indiscriminada equiparação dos ~rinc~pi~s do equilíbrio condição que pode variar, mas que é relativamente constante. 1<1
aos da homeostase, 18 cabe notar que a iníerência que se pode
sacar lõsricamente é que, se a temperatura do animal não se con- Ao lidar, porém, com o sistema sociocultural, saltamos para
servassc dentro de certos limites, êste acabaria por modificar um nôvo nível de sistema e precisamos ainda de outro têrmo
sua estrutura - o que realmente faz, num sentido mais ou pata expressar não só a característica mantenedora da estrutura,
menos pickwickiano, O ponto básico reside aqui no seguinte: mas também a característica elaboradora ela estrutura e a caracte-
enquanto os organismos maduros, pela própri~ natur~zl:. da sU,a rística variável do sistema inerentemente instável, isto é, um
organização, não podem alterar sua estrutura alem de limites mui- conceito de morfogênese. A noção de "estado constante" (steady
to acanhados e ainda permanecer viáveis, é precisamente essa state i, agora Ireqüentemente usada, aproxima-se dessa concepção,
capacidade que distingue os sistemas socioculturais. T~ata-se~ de ou a leva em conta, se se entender que o "estado", que tende a
uma importante vantagem adaptativa, no esquema ~volut1vo, des:e permanecer constante não deve ser identificado com fi estrutura
último nível de organização. Um modêlo de sociedade que nao particular do sistema. Isto é, no intuito de manter um estado
ponha em evidênci~ êsse prindp.ío está f~dado à es:erilidade c, à constante, o sistema pode precisar alterar sua estrutura particular.
extinção final. A nova perspectiva dos Sistemas, aflttnamo~ nos, C. A. Mace reconhece a distinção e pleiteia uma. extensão do
propicia ampla margem à apreciação e análise dos mecanismos conceito de horneostase.
que possibilitam essa morfogênese.
Observemos que Cannon forjou o têrmo "homeostase' para A primeira extensão abrangeria o caso em que se mantém ou
os sistemas biológicos a fim de evitar as conotações estáticas de restaura não tanto o estado interno do organismo quanto alguma
relação do organismo com o seu meio. Isto compreenderia os fatos
equilíbrio e pôr em relêvo as propriedades dinâmicas, processuais, de adaptação e ajustamento, incluindo o ajustamento ao uncio so
mantenedoras de potencial, dos sistemas fisiológicos bàsicamente cial , .. a segunda extensão abrangeria o caso em que a meta e/ou fi
instáveis. norma é algum estado ou relação nunca antcrionncntc experimenta-
dos. Não há, é claro, razão alguma para se imaginar que todo pro·
Quando pensamos na extrema instabilídnde. da nossa .estl:.utura cesso do tipo horneostático consiste na manutenção ou na restaura-
corpórea, na presteza com que a perturl~a a mais leve ap1tcf~ça;l c!e ção de uma norma. Não há razão alguma para se supor que o pro-
fôrças externas... parece-nos quase milagrosa a sua pctslst~I1Cla
cesso sempre começa num estado de equilíbrio, que é, então, pcr-
através de muitas décadas. O assombro aumenta quando refletimos turbado ... existem, de qualquer maneira, muitos casos a que é nc-
que o sistema é aberto, empenha-se em livre intercâmbio com o cessário estender o conceito de homeosmse, para que êle possa apli-
mundo externo, e que a própria estrutura não é permanente;. mas
car-se não só à restauração de um equilíbrio mas também ao desco-
está sendo continuamente reedificada por processos de reparaçao ...
11\XIalter B. Cannon, Tbe IVisdom of lhe Body (edição revista),
l~: Parsons, "Some Considerations". Nova Iorquc: W. W. Norton & Company, Inc., 1939), pp, 20, 24.
];i Essa não discriminação é comuníssirna:veja, por exemplo, Alcx 1 (í C. A. Mace, "Homeostasis, Needs and Vnlues", Britisb [ournal of
l nkcles,que vai até mais longe e vê no mcdêlo do cquilíhrio simples .versã? Psycbology, 44 (1953), 204-5. .
especial do enfoque orgânico estrutural c funcional, em W bat Is Sociology?
(Englcwood Cliffs, N. J.: Prcntice-Hall, Inc., 19(4), pp. 37-38.

32
E Karl Deutsch em sua crítica do modêlo orgânico, assinala rico da mudança ocorrida em virtude do choque de diferentes
que o conceito de homeostase, sôbre ser demas~ado estreito, ~ estruturas ou subculturas relativamente estáveis dentro do sis-
apenas um caso especial dos proces~os de aprendlza.gcm e cresci- tema? Se bem seja essencial, a escolha de algum ponto de vista
mento, característicos de sistemas abertos, adaptativos: para o estudo da mudança é arriscada, e precisa envolver um ra-
ciocínio metodológico bem especificado e válido, mormente se
. .. a homeostase não é um conceito .suficientemente amplo para se escolher um aspecto da estrutura do sistema, de preferência a
descrever fi reestruturação interna dos sistemas de aprendIzagem ou
os descobrimentos combinatórios das soluções. Trata-se de um con- outros, como o aspecto que os mecanismos [(bomeostâticos"
ceito demasiado estreito, porque é a mudança, mais do que a esta- estão, acima de tudo, tendendo a manter.
bilidade, que precisamos explicar. 10 A noção de "pré-requisitos funcionais" é também muitíssi-
mo apropriada como análogo organtsmico. Existe uma estrutura
o recurso do funciona lista à analogia organísmica leva-o, normal relativamente fixa, com limites bem definidos, de modo
além disso, a dar ênfase exagerada aos aspectos ?ormatívo~ ma}s que as condições de persistência podem ser definidas dentro dêsse
estáveis, superdeterminados e sustentados, do SIstema s~CI~l,. as grau ele precisão. No nível filogenético, em que a mudança de
expensas de outros, igualmente importantes, sem os qmus ,e 1m- estrutura é uma condição de viabilidade, as condições de persis-
possível a análise dinâmica. Isto se deve,. aparentem;cnte, a bus- tência devem ser mais amplamente definidas em relação a possí-
ca do equivalente social da estrutura rela.t1va~ente .flx,a .do orga- veis mudanças do meio, e parece permissível maior latitude das
nismo em contraste com a qual o funcionalista b1010gIco pode estruturas que satisfaçam a tais condições. No nível sociocultu-
avalia; a normalidade e fi anormalidade, a saúde e a moléstia: e !;11 também não existe uma estrutura específica que seja, ela
procurar mecanismos automáticos, horneostáticos, de man~t~n~ao. ;',6, viável e normal para cada sociedade. E não s6 pode mudar
Dessarte, para o parsoniano, o sistema ~ocial é quase s.1l1ommo LI estrutura como resposta a pressões sôbre a viabilidade, mas
da parte dominante, institucionalizada, da estrutura social. ,No também os limites internos da compatibilidade estrutural pare-
artigo de Parsons que citamos, recorre-se a uma esttut~lra estável cem. maiores do que desejam admiti-lo os funcionalistas, embo-
como ponto de referência para a mudança mas, no ?evl:io tel~po, ra, sem dúvida, com limites externos. Pois assim corno a petso-
esta se transforma na estrutura do SIstema e se define corno pa- nalidade humana é capaz de abrigar ponderáveis incornpatibili-
• • , ) ., ~I ~. •

drões institucionalizados de cultura normatrva". lI,. ínsntucio-


,j;tdcs no que concerne a idéias, crenças, atitudes e ideologias,
nalização" estável, por seu turno, se define em têrrnos de normas ,,:m CJue isso influa na eficácia do seu íuncionamento, assim
estáveis. do compromisso motivaciona] dos atôres pa:a c?rr~ ~s unbérn os sistemas socioculturais podem abarcar largas
"expecta tivas ins ti tucionais" ( aparenternen te as da ~nsti tuiçao ,d:\des e incompatibilidades, embora se mantenham surprecn-
oficial), das "defínições da situação" cornumente aceitas, e da !' -nremente persistentes por longos períodos. Com a
integração no sistema normativo govetnante mais ~:mplo. Tal ilecificação das condições essenciais à persistência de qualquer
estrutura nos deixa sem saber como lidar com as muitas estrutu- "blade (sobl'etudo se não especificarmos as condições am-
ras ou subculturas importantes, diferentes, aberrantes ou. alter- ntais que ela tem de enírentar) pouco nos dirá sôbre as es-
nativas. que constituem parte da estrutura dada de um sistema ! I .turas particulares que ela criará para satisfazer-lhes. Adrni-
social complexo, mas não satisfazem aos critérios de Parson~ r~- i "do·~;cque as sociedades persistentes estejam satisfazendo aos
lativos à institucionalizaçào. Como lidaremos com o fato histó- 'Iuí:;ltos no nível mínimo, ou acima dêle, o próprio conceito
i, hmção não ministra critérios pata se julgarem os níveis e
;:;08 estruturais amplamente variáveis dentro da esfera viá-
------~K~~·i-\Y/. Dcutsch, em Toicards ti Unified Tbcory 01 HIIliZCI!1
, Destarte, para que uma sociedade se mantenha é mister que
13ebilvior';,' org. por Roy Grinkcr (Nova Iorque, Basic Books, Inc., Pu-
blishers, 1956), pp. 161·62. 'U índice de reprodução não permaneça por muito tempo

34 35
abaixo do índice de reposição; entretanto, o índice de reprodu- o MODtLO DE PROCESSO
ção pode achar-se exatamente no nível de reposição, moderada-
mente acima dêle, ou pode ser explosivo. As repercussões dessas Antes de encetarmos a análise comparativa das imagens am-
_três possibilidades serão, é claro, muito diferentes para a socie- plamente divergentes do sistema social, traçadas por dois teóri-
dade em aprêço. O mesmo se pode dizer em relação aos demais cos contemporâneos, cada um dos quais usa o modêlo mecânico
requisitos: o problema da adequação deve ser analisado em ou- (e num caso também o modêlo orgânico), é preciso não deixar
tras bases, que constituem o centro do principal interêsse socio- subentendido que nenhum outro modêlo ou perspectiva têm tido
lógico. Como afirmou S. F. Nadel em sua crítica não superada significação em Sociologia. Releva mencionar, em particular, o
do funcionalismo: modêlo "de processo", que foi um ponto de vista predominan-
.. ' existe desajustamento como existe ajustamento; o conceito de
te/ no princípio do século XX, da sociologia norte-americana,
função limita-se a colocar o problema da adequação, mas não o re- liderada principalmente pela "escola de Chicago", que incluía,
solve antecipadamente. Só da sociedade encarada abstratamente .po. ,obre tudo, Albion W. Small, G. H. Mead, R. E. Park e E. W.
demos dizer que é integrada, e só da cultura em geral se pode dizer !3ul'gcss, os quais, por seu turno, foram estimulados por sociólo-
que con~uz à sobrevivência. As. sociedades "concret~s se ..en!,~aque. !',OS alemães como G. Simrnel e L. von Wiese. É possível que
cem desmtegram-se ou revelam sintomas de patologia social , e as
culturas concretas podem estar cheias de frustrações e ameaças 11 ";sa perspectiva não tenha sido sistemàticarnente desenvolvida
sobrevivência. Na análise delas, portanto, a subserviência à função ;It:~ lograr um estado que justificasse o rótulo de modêlo; além
significa uma adequação tentada, vária e, não raro: pro?lemática., (\ ,lbo, inspirou-se muito em aspectos da analogia orgânica; e até
antropologia "Iuncionalista" tende a perder de vista esse corolário
.ncontrou lugar, ocasionalmente, para o conceito de equilíbrio,
e falar acêrca de fatos sociais "que têm" tais e tais "funções", como
se estas Iôssem verdades auto·suficientes. Entretanto, se apenas ten- l'mhora se opusesse a êle em princípio. Interessa-nos particular-
cionássemos mostrar que a exogamia facilita a cooperação, os mitos .ucnte, porém, deixar aqui estabelecido que o ponto de vista do
amparam os códigos de comportamento e a religião ajuda a alcançar processo percorreu longo caminho até enxergar claro através das
o equilíbrio social, estaríamos dizendo implicitamente que êsses mo- "ilhas dos modelos mecânico e organísmico pata a sociedade e
dos de comportamento satisfazem às necessidades dadas (em dadas
'pIC, além de ter muita afinidade com os princípios básicos da
condições) da maneira mais adequada possível, e que qualquer so-
°
ciedade que tem a exogamia e resto é, nesse sentido, uma sociedade i llx.mé rica , chegou a antecipá-los.
ideal. Está visto que um pressuposto de adequação dessa natureza
Em essência, o rnodêlo de processo encara tipicamente a
é indcfcnsável. 17
,,,jedndc como uma interaçâo complexa, multiíacetada e fluida
No próximo capítulo teremos ocasião de discutir o fundo .. i~/'HUS e intensidades amplamente variáveis de associação c
nalismo como método de explanação em confronto com os mé- j;·,"'lcfação. A "estrutura" é uma construção abstrata e não algo
todos "causal", lógico-significativo e da moderna pesquisa de . I,., into do processo interativo em marcha, mas a sua represen-
,I') temporária, acornodativa, em qualquer tempo. Estas con-
sistemas. Concluímos aqui, como na seção anterior, que o mo- ;1,

dêlo em tela é singularmente inadequado a algo mais que uma i, i'I,':lções conduzem à percepção fundamental de que os sistemas
análise superficial de sistema sociocultural. Adiante discutire- .;; "lCulturais são inerentemente elaboradores .e modificadores de
I, I nu ras: para alguns, as palavras "processo" e "mudança" são
mos o assunto de maneira mais sistemática.
liH ildlllOS. Colocadas nos têrrnos da nossa discussão anterior,
.t lf·jedades e grupos mudam continuamente suas estruturas
'''''' ,Id,lptações a condições internas ou externas. O foco do

I. S. 1:. Nadel, Foundations 0/ Socia! Autbropolog»


Free Press of GleI1COC, Inc., 1951), pp. 375·76.
(Nova Iorque:
!"'" "::':0, portanto, são as ações e interações dos componentes
'11" sistema em evolução, de tal maneira que surgem, persis-
I tt r
I .Iisolvem-se ou se alteram graus variáveis de estruturação.

)6 37
Talvez os primeiros nomes em que pensamos no contexto de A linha central do caminho do progresso metodológico em Socio-
logia é assinalada peja gradativa mudança do esfôrço de representa-
uma perspectiva dessa natureza sejam os de Marx e Engels, com ção analógica das estruturas sociais para a análise verdadeira dos
a sua concepção da História como processo dialético, pelo qual processos sociais. 20
novas estruturas emergem de condições imanentes em estruturas
anteriores. A oposição radical dessa concepção ao quadro de (Pode-se conjeturar com segurança que Small se teria sentido
referência do equilíbrio mecânico foi vigorosa mente exposta por decepcionado com o rumo tomado pelos acontecimentos teóricos
Barrington Moere Jr.: no meado do século.) Êste foi um ponto de vista importante
para muitos pensadores sociais no início do século, posstvelmen-
Para um marxista é quase tão difícil conceber uma situação que
te como parte da tendência das Ciências Físicas e da Filosofia
volta a um estado de máxima harmonia quanto o é para um teórico
do equilíbrio conceber um ciclo autogerador de uma luta sempre para uma concepção de pl'OCCSSOda realidade, que evolvia da
mais árdua, que culmina na destl'uição.18 obra de autores como Whitehead, Einstein, Dewey e Bentley.
Tais concepções, aparentemente, produziram escasso impacto nos
(Nessa formulação, contudo, poderíamos substituir "marxis- pensadores de décadas recentes, que desenvolveram os modelos
mais dominantes da Sociologia corrente, orientados para a estru-
ta" pela expressão "teóricos de processo".)
tura. Parece contudo claro que, com ou sem a ajuda do enfo-
Robustamente influenciado pela concepção de processo de que geral dos sistemas, essencialmente preocupado C0111 o pro-
Marx foi o importante sociólogo precursor norte-americano, AI- cesso, está gradualmente recuperando o terreno perdido um equi-
bion W. Small, Na ênfase que deu ao processo social percebeu líbrio mais uniforme entre processo e estrutura na análise dos
o papel dos "interêsses", seus conflitos e ajustamentos, como sistemas socioculturais,
chaves de uma sociologia verdadeiramente dinâmica. Empregando de maneira igualmente seletiva o modêlo orgâ-
nico, C. H. Cooley focalizou - em seu Social Process -- o "pro-
A experiência humana compõe um processo associativo ... a
associação torna-se um processo acelerado de diferenciação ou .pCl;- cesso tentativo", que envolve a energia e o crescimento inerentes
mutação de interêsses dentro do indivíduo, de contatos entre indí- como agentes dinâmicos, com o "desenvolvimento seletivo" pôs-
víduos e I)S grupos em que êles se combinam. Incidentais em rela- to em movimento pela interação de "tendências ativas" e "e011-
ção a essa busca de propósitos e ao processo de ajustamento entre j. -".
cuçoes circunc. 1··
antes. AJ:' êl que, para o processo social, ~l
·Llrmou eie
as pessoas dela resultante, os indivíduos entabulam entre si relações
estruturais mais ou menos persistentes, conhecidas em geral como
expressão "cresce o que é operativo" é prcíetível às expressões
"1
"seleção natural" ou "sobrevivência do mais apto", visto que
:1 "instituições", e tomam direções de esfôrço mais ou menos perrna-
nentes, que podemos denominar funções sociais. Essas estruturas e "tem menores probabilidades de permitir que fiquemos com con ..
funções sociais, no primeiro caso, resultam do processo associativo cepções mecânicas ou biológicas".
anterior; mas tão logo passam do estado fluido para uma situação
relativamente estável, tornam-se, por seu turno, causas de fases
Com o seu reconhecimento da fundamental importância da
subseqüentes do processo associativo ... 1V comunicação, R. E. Park manteve em primeiro plano a noção
de processo, quer analisasse as f01'1l1HS de inte.ração, quer estu-
dnsse os fundamentos da ecologia social. Em lugar do conceito
No principio do século, Small afirmou, com singular pers-
ele S111a11ou Cooley do processo social", Park desenvolveu de
(l

picácia, que
20 lbid., p. ix. Acrescente-se aqui que a importante obra inicial de
'l'alcott Parsons, Tbe Structure of Social Actioll, deve ser encarada como
18 Moore, "Sociological Tbeory", p. 112. v.iliosa contribuição para esta mudança progressiva de csfôrço, Como outros
10 Albion W. Small, General Sociology (Chicago: University of Li o observaram, porém, êle tendeu a retrocede!' em sutis últimas obras,
.l
Chicago Press, 1905), pp. 619-20 . pondo em relêvo a estrutura às cxpensas da ação.

38 39
modo mais indutivo a sua classificação (ou contínuo) dos mui- um sistema social, na presunção, altamente dúbia, de estabilidade
tos processos sociais que operam na sociedade. A experiência cultural e integração funcional quase perfeita, parece estar claramen-
te cedendo o passo, pelo menos neste país, a uma orientação dinâ-
jornalística talvez o levasse a dar maior destaque aos eventos do
mica, que focaliza a atenção nos processos por meio dos quais êsses
que às estruturas. De qualquer maneira, tôdas as estruturas re- sistemas nascem e sucedem uns aos outros com o correr do tempo. 23
presentavam para êle os resultados finais temporários de processos
de acomodações, ajustamentos e conflitos interpessoais. Como Simultâneamente, Raymond Firth, no segundo dos dois dis-
disse Bogardus, segundo a concepção de Park "o mundo da vida cursos presidenciais proferidos diante da Real Sociedade Antro-
está cheio de atritos, acomodações delas resultantes e equilíbrios pológica e consagrados ao mesmo tópico, declarou:
temporários. O equilíbrio social é, em si mesmo, expressão de O ar de encantamento que, nos dois últimos decênios, cercou o pon-
acomodações temporárias". 21 to de vista "estruturalista" começa a dissipar-se. Agora que isto é
Existem outros teoristas do processo que precisam ser men- assim, o valor básico do conceito de estrutura social, mais como ins-
trumento hcurístico do que como entidade social substancial, passou
cionados. Os líderes da chamada escola "formal" exerceram
a ser reconhecido com maior clareza. 2·1
muita influência. Se bem focalizassem as "formas" de intera-
ção, Simrnel e outros punham mais em relêvo a interação como Logo depois veio à luz a obra penetrante do falecido S. F.
processo do que as "formas", e embora a sistemática de Leopold Nadei, Tbe Tbeory o/ Social Structure, que Iôra precedida de um
vonWiese e Howard Becker desenvolvesse circunstanciadamen- reconhecimento anterior e de uma séria consideração da impor-
te uma classificação dos padrões de ação, deu igual atenção aos tância do nôvo ponto de vista cibernético, representado pela sua
padrões de ação. Para W. 1. Thomas, todo vir-a-ser social era análise da realimentação em "Social Control and Self Regula-
produto da contínua interação da consciência individual e da rea- tion". 2:; Essa perspectiva é eficazmente usada na obra subse-
lidade social objetiva, ponto de vista recentemente reforçado por qüente como base para uma crítica do modêlo do equilíbrio, com
Znaniecki. E ao menos um fio não partido nesse filão, que vem a ênfase que dá à "complementaridade das expectativas" e o re-
desde o princípio do século, é a perspectiva de Dewey e Mcad, lativo desdém demonstrado por diversos outros tipos crucíais de
conhecida como interacionismo social. Um critico de uma re- inter-relações sociais associativas e dissociatiuas, considerados
cente coleção de ensaios interacionistas sociais teve "do princí- igualmente importantes na sociologia anterior. O livro de Nade]
pio ao fim, diante de si, o caráter contínuo da socialização, da explora, em conjunto, a tese de que a análise estrutural não é,
complexidade e fluidez da interação, quando encarada mais como nem deveria ser, tratada como análise estática: "A estrutura so-
processo do que como simples sanção de formas sociais ... )) 22 cial, disse Fortes de lima feita, precisa ser "visualizada" como
A essa lista parcial só podemos ajuntar sucintamente alguns "soma de processos no tempo". E, diria eu, a estrutura social é,
dos mais recentes argumentos em favor do ponto de vista do implicitamente, uma estrutura de acontecimentos ... " 26 E, C011-
processo. Os antropólogos, por exemplo, tornaram-se profunda- cluindo, reitera seu argumento;
mente interessados por essa questão nos últimos anos. G. P.
. .. parece impossível falar em estrutura social no singular. A aná-
Murdock parece ecoar o pensamento de Small quando diz: lise em função de estrutura é incapaz de apresentar sociedades ín-
Tudo bem pensado, a concepção estática da estrutura social, que
procura explicações exclusivamente dentro da estrutura existente de 23 Gcorge P. Murdock, "Changing
Emphasis in Social Structure",
Soatbtoestern JOIIl'l1al oi Antbropology,
11 (1955), p. 366.
~l Emory S. Bcgardus, Tbe Deuclopmcnt of Social Tbougbt, 4.' edi- 2-1 Raymond Firth, "Some Principles of Social Organization", [our-
ção (Nova Iorque: Daviel McKay Co., Inc., 1960). p. 567. ual of lhe RO)lal Antbropological Institute, 85 (1955), p. 1.
22 Mclvin Seeman, crítica de Hmuan Bebauior and Social Process: 2" S. F. Nadel, Tbe Tbeory oi Social Structure (Nova largue: Frce
An Interactlonist Approacb, org. por Amolei M. Rose, Amcrican Sociolo- Press of Glencoe, 1nc., ]957).
,1~í(.'i11 Rcuieto, 27 (1%2), p. 557. :!G Ibid., p. 12il.

-10 41
teiras; nem se pode dizer, o que dá no mesmo, acêrca de nenhuma A associação humana altamente estruturada é relativamente
sociedade, que ela exibe uma estrutura abrangente, coerente, segun- infreqüente e não o protótipo da vida humana em grupo. Em
do a nossa compreensão do têrmo. Existem sempre clivagens, disso- síntese, os padrões institucionalizados constituem somente um
ciações, enclaves, de modo que qualquer descrição que pretenda apre-
sentar uma estrutura única só apresentará, de fato, um quadro aspecto conceptual da sociedade e apontam pata uma parte ape-
fragmentário ou unilateral. 27 nas do processo em marcha. (E, como sustentamos mais adiante,
é mister que se vejam incluídos padrões aberrantes e de desajus-
Como exemplo final em Antropologia, devemos mencionar tamento; em benefício da clareza conceptual e da relevância em-
o argumento convincente de Evon Z. Vogt, segundo o qual os pírica, a "institucionalização", provavelmente, não deveria ser
conceitos de estrutura e processo precisam ser integrados num tomada como se implicasse tão-só a "legitimidade", o "consenso"
modêlo teórico geral. Como demonstrou Nadel, é êrro conce- e os valôres finalmente adaptativos.)
ber a estrutura como estática e a mudança como patológica. De- Como derradeira nota de rodapé do nosso esbôço de con-
vemos antes estabelecer a primazia da mudança, vendo na estru- cepção do processo, releva notar que os teoristas da personalida-
tura a maneira por que a realidade móvel se traduz para o obser- de também parecem repudiar a concepção estática de personali-
vador, numa observação instantânea e artificial. As estruturas dade. Dessarte, encarando a personalidade como um sistema
sociais e culturais são apenas as interseções, no tempo e no es- aberto, diz Gordon Allport:
paço, do processo da mudança e do desenvolvimento em curso. 28 Trata-se, evidentemente, de um sistema incompleto, que aprc-
Entre os sociólogos, um crítico perene da concepção estru- senta vários graus de ordem e desordem. Possui, ao mesmo tempo,
tural do grupo é Herbert Blumer. Blumer afirmou que a vida estrutura e ausência de estrutura, função e disíunção. Como diz
do grupo recebe do próprio processo interativo em curso suas Murphy, "tôdas as pessoas normais têm muitos parafusos soltos".
Não obstante, a personalidade está suficientemente unida para qua-
principais características, que não podem ser adequadamente ana-
lificar-se como sistema -- que se define simplesmente como um
lisadas em função de atitudes fixas, de "cultura" ou de estrutu- complexo de elementos em mútua interação. ao
ra social, nem podem ser conceptualizadas em função de uma
estrutura mecânica, do funcionamento de um organismo ou de Em contraste com êsses pontos de vista, precisamos apenas
um sistema em busca de equilíbrio, ". .. em vista do caráter lembrar as muitas críticas que destacam a incapacidade ou inépcia
forrnativo e exploratório da interação, pois os participantes se do tipo parsoniano de estrutura diante dos fatos de processo, do
julgam uns aos outros e orientam os próprios atos por êsse "vir-a-ser" e da grande amplitude do "comportamento co-
julgamento" . letivo", ;n
O ser humano não é arrastado de um lado para outro, como Sugerimos neste ponto que concepções como a de Blumer,
unidade neutra e indiferente, pela operação de um sistema. Como uma continuação da perspectiva de muitos sociólogos e psicólo-
um organismo capaz de auto-intcração, forja as suas ações por um
processo de definição que envolve escolha, avaliação e decisão."
gos sociais anteriores desdenhados, representam um ponto de
As normas culturais, as posições de status e as relações de papel são vista que está sendo agora adotado por muitos sob a rubrica de
apenas quadros de referência, dentro dos quais se verifica aquêle
processo de transação formativa, 2D 30 Gordon W, AlIport, Pattern and Growth in Personalit» (Holt,
Rinehart & Winston, Inc., 1961), p. 567. Veja também o seu trabalho
27 Ibid., p. 153. "The Open System ia Personalíty Theory", em Personalitv end Social En-
28 Evon Z. Vogt, "On the Concept of Structute and Process in counter: Selected Essays (Boston: Beacon 1>l'eS5, 1960), Capo 3.
Cultural Anthropology", Amcrlcan Antbropologist, 62 (1960), 18-33. :n Veja, por exemplo, Alvin V. Gouldner, "Some Observations on
20 Herbert Blumer, "Psychological Import of the HUlUHl1 Group", Systematic Theory: 1945-55", em Sociology in the United States o] Ame-
em Grouti Relations at be Crossroads, ora. por Muzafer Sherif e M. O. rica, org. por Hans L. Zetterberg (Paris: UNESCO, 1956), especialmente
Wílson (Nova Iorque: Harper & Row, Editôres, 1953), pp. 199-201. as pp. 39-40.

42 43
"teoria da decisão". Como antecedentes, bastará mencionar a como os modelos mecânico e orgânico têm sido usados na So-
.1 "definição da situação" de W. L Thomas, O "coeficiente hurna- ciologia recente. Isto envolverá um rápido bosquejo do qua-
nístico" de Znanieki, o "versteben" [compreensão] de Weber, a dro de referência mecânico- orgânico parsoniano, que incorpora
I "interpretação" de Becker e a "avaliação dinâmica" de MacI ver. 32 as mais importantes dentre as muitas criticas recentes dirigi-
1l das a êle. Em seguida se fará uma comparação com o modêlo
,'I De mais a mais, o esquema parsoniano, em sua ênfase principal,
'!,:i
representa uma ruptura com êsse foco. Como afirma Philip do equilíbrio, de Homans. O nosso principal objetivo nesses
l,l Selznick: esboços críticos é mostrar as implicações teóricas diametral-
\';:1
Uma verdadeira teoria da ação social aludiria ao comporta- mente opostas que se podem sacar, conforme o uso feito de
mento orientado para metas ou solucionador de problemas, isolando conceitos ou modelos aparentemente similares, que são ina-
alguns dos seus atributos distintivos, formulando os prováveis resul- dequados à sua tarefa. Sustentaremos, contudo, que as con-
I'; tados de determinada transformação .. , Nos escritos de Parsons
;,1 não encontra guarida a idéia de que a estrutura está sendo conrl-
clusões de Homans são tão diferentes porque a sua conceptua-
:(
',f
nuamente aberta e reconstruída pelo comportamento solucionador lização está mais próxima do espírito da moderna teoria dos
li! sistemas do que do espírito do modêlo tradicional de equi-
de problemas de indivíduos que respondem a situações concretas,
$ Êsse é .um ponto de vista que associamos a John Dewey e G. H. líbrio, de que ela presurnlvelmente derivou.
t:~; 1.!1
'!t
Mead, para os quais, realmente, tem significativa importância inte-
li lectual. Para êles e para os seus herdeiros intelectuais, a estrutura
ri,.,
;I;
.~;
li:
•.··i
social é algo que deve ser levada em conta na ação; a cognição não
é meramente uma categoria vazia, senão um processo natural, que
o Modêlo Pcrsonícno de Equilíbricl-Função
.;;;
envolve avaliações dinâmicas do eu e do outro. 33
A enfadonha tarefa de acrescentar ainda mais uma as 111W··
~~
".:'
l
tas críticas ao esquema parsoniano deve defrontar-se com a
'f
,\
Pode-se sustentar, portanto, que está ocorrendo uma re- sua frouxa estrutura conceptual, Se bem algumas críticas sejam
focalização através da "teoria da decisão", concebida em sen- apenas grosseiras caricaturas, o fato de não ser o esquema um
~ tido lato, quer elaborada em função da teoria da "tensão de pa- sistema de postulação densamente urdido, de conceitos bem
péis"; quer elaborada em função das teorias de dissonância, definidos e consistentemente usados induz a êsse tratamento.
!'
111! congruência, ou equilíbrio cognítivo ou da formação de con- Êste escôrço isó pode pretender retratar ênfases características,
~i.
'1~ ceitos; das teorias da troca, da barganha ou do conflito, ou da muito mais do que princípios concisos e consistentes: o ana-
·r; teoria matemática dos jogos. O problema básico é o mesmo:
!I de que maneira personalidades e grupos interativos definem,
lista crítico do parsonisrno não tarda a verificar que se encon-
tram nessa obra formulações que aparentemente refutam qua-
"I
:':i1 avaliam, interpretam, uersteben [compreendem] a situação e se todos os argumentos críticos endereçados a êle,
agem sôbre ela?
!1!r
Parsons sempre se mostrou profundamente preocupado com
o conceito de "ordem", e êle e Shils definem a noção de "sis-
OS MODEI.OS DE P ARSONS E HOMANS tema" em seus próprios têrrnos:

Nesta seção procuraremos harmonizar alguns elementos das A propriedade mais geral e fundamental de um sistema é a in-
ii terdcpendência de partes ou variáveis. A in terdependência consiste
seções anteriores e mostrar, um pouco mais sisternàticarnente, na existência de determinadas relações entre as partes ou variáveis
em contraposição ao caráter aleatório da variabilidade. Em outras
:12 O leitor encontrará excelente introdução inicial aos aspectos so- palavras, a interdependência é a ordem na relação entre os compo-
ciológicos do que hoje se chama "teoria da decisão" em Social Causation, nentes que entram num sistema. 34
de Robert M. Maclver, Capítulos 11 e 12.
33 Philip Selznick, "Review Article: The SOcial Theories of Talcott H Talcott Parsons e Edward A. Shils, orgs., Touiard a General Tbeo-
Par sons", Anrerican Sociological Reuieto, 26 (1961). 9.34. ry of Action (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1951), p. 1.07.

-!-4 45
Convém notar que, sob essa definição, a "ordem" na so- mecânica da inércia. Pergunta-se, a seguir, que classes de ten-
ciedade pode abranger não só os padrões ou processos insti- dê~cias não mantenedoras dessa interação existem. Em pri-
tucionais legitimados, mas também a aberração, as alternati- merro lugar, os novos membros que ingressam no sistema de-'
vas subculturais, o conflito persistente, o comportamento cole- vem adquirir, através da aprendizagem, suas orientações con-
tivo sistemàticarnente estruturado, etc. - enquanto puderem forrnativas de papel, visto que elas não são inatas. Em se-
ser encarados como funções das "relações determinadas entre gundo lugar, como a aprendizagem nem sempre é adequada em
as partes" do sistema e não meros incidentes fortuitos. Aten- face da situação social existente, surgem "tendências para .a
te-se aqui também, todavia, para um significado completa- aberração) para afastar-se ela conformidade com os padrões nor-
mente diferente dado ao conceito de "ordem", mais adiante, mativos, que passam a ser estabelecidos como a' cultura co-
na mesma obra: mum". 37 Essas duas fontes principais de aberração apresen-
tam, assim, ao sistema social "problemas" de contrôle, visto
A ordem -- coexistência pacífica em condições de escassez -
é um dos primeiríssimos imperativos funcionais dos sistemas que, toleradas, tenderão a mudar ou desintegrar o sistema.
sociais. 35 Dessa maneira, o sistema "enfrenta" êsses problemas através
dos seus "mecanismos de contrôle": mecanismos de socializa-
Chamamos a atenção para essa diferença ele significado ção e mecanismos de contrôle social trabalham de mãos dadas
porque ela se encontra na raiz de grande parte da dificuldade com mecanismos de defesa e ajustamento no sistema da perso-
e da ambigüidade do esquema parsoniano, que aponta, de um nalidade pata motivar os atôres à conformidade com o siste-
lado, para relações causais neutras e, de outro, para relações ma de expectativas, opor-se à aberração e a outras tensões,
normativas ou avaliatórias. que atuam sôbre o sistema, para trazê-Ia de volta ao estado
Como vimos, Parsons e Shils em seguida postulam que dado e manter o equilíbrio inicial. A guisa de exemplo, afir-
"essa ordem precisa ter uma tendência para a autornanuten- ma-se que as possibilidades de desequílíbrio nascem do fato
ção, que quase sempre se expressa no conceito de equilíbrio". S6 de nem sempre serem as idéias não empíricas comuns a todos
Aí está claramente implica da a segunda significação de ordem. os ~nembros de uma coletividade, como é preciso que o sejam
Uma propriedade central adicional é a tendência do sistema a fim de manter a estabilidade. Tais possibilidades são re-
social para manter o equilíbrio dentro de certos limites relati- duzidas por mecanismos de contrôle --- mecanismos de "imposi-
vos a um meio (tudo que não é parte do sistema), proprie- ção" da uniformidade e estabilidade: em crenças "tradiciona-
ll's.m~". ~ a, ".lmposlçao.
. -. por autoric. idac1e " constituern
. d··
018 tipos
da de considerada muito semelhante ao conceito biológico da
pnncipais desses mecanismos.
horneostase. O conceito dos imperativos funcionais também se
harmoniza com o modêlo biológico: condições constituintes e Finalmente, se os mecanismos de contrôle do sis: ida não
precondíções empiricamente necessárias de sistemas em curso, es- funcionarem adequadamente, o sistema modificará o seu estado
tabelecidas pelos fatos da escassez na situação-objeto, a natu- ou se desintegrará. Em outras palavras, o sistema funciona
reza do organismo e as realidades ela coexistência. ou não funciona e, em qualquer caso, analisamos a situacâo
focalizando os mecanismos de contrôle. s
Pata Parsons é fundamental a suposição de que a manu-
tenção de um estado estabelecido de um sistema social é não- Tem merecido freqüentes reparos dos críticos o status am-
-problemática, e que a tendência pata manter o processo de inte- bíguo da "aberração" no sistema social de Parsons. Se bem
ração é a "primeira lei do processo social", semelhante à lei reconheça em muitos trechos que a aberração, as tensões e os
esforços estruturados são partes integrantes) determinadas, de
85 uu., p. 180.
37 Talcott Parsons, Tbe Social Svstem (Nova Iorque: Free Press of
36 Ibid. Glencoe, Inc., 19.51), p. 206.
um sistema social, êle identifica, em algum ponto da sua ex- cada qual se conforma com as expectativas do outro (ou dos outros)
posição, o "sistema" com a estrutura dominante, legitimada, ins- de tal maneira que as reações do outro (ou dos outros) às ações do
ego são sanções positivas, que servem para reforçar as suas dispo-
titucionalizada ou, pelo menos, com as estruturas característi- sições de necessidades especificadas e, assim, realizar as suas ex-
cas que não incluem tensões padronizadas nem aberração e de- pectativas dadas. 38
sordem estruturadas. E o conceito de "aberração instituciona-
Iizada", ora amplamente reconhecido por muitos sociólogos, Porventura estado estabelecido não inclui também a in-
O
poderia ser uma contradição em têrrnos para Parsons. teração estruturada não complementar, em que cada qual Irus-
Em compensação, é possível argumentar que, ao lidar com tra as expectativas alheias, e assim por diante? Ou ainda:
um sistema social, ou com qualquer sistema, em nível científico,
Um sistema social é sempre caracterizado por um sistema de
a aberração é um conceito normatiuo, ou antropocêntrico, rela- valôres institucionalizado. O primeiro imperativo funcional do sis-
tivo a algum ponto de referência arbitràriamente escolhido. tema social é manter a integridade do sistema de valôres e sua ins-
No sistema solar, por exemplo, os astrônomos descobriram ligei- titucionalização. Esse processo de manutenção significa estabiliza-
ras "aberrações" das órbitas planetárias, em relação à elipse ção contra pressões no sentido de mudar o sistema de valôres. _. A
perfeita, principalmente resultantes das interações dos próprios tendência para estabilizar o sistema em face das pressões que visam
a mudar os valôres institucionalizados, através de canais culturais,
planêtas. Mas essas "aberrações" são apenas subjetivamente
pode ser denominada a função de "manutenção do padrão" . .. Nas-
interpretadas como tais, isto é, relativas ao observador huma- cidas de tensões em qualquer parte da situação social ou de fontes
no. qUE' escolhe nrbitràriamente um esquema de referência (a orgânicas ou quaisquer outras fontes interpessoais, as tensões meti-
elipse perfeita) e com êle compara a realidade. Na teoria físi- vacionais podem ameaçar a motivação individual à conformidade
ca.. porém, as "aberrações" fazem parte do sistema total tanto com as expectativas institucionalizadas de função. À estabilização
contra essa fonte potencial de mudança pode chamar-se "manejo de
quanto a própria trajetória elíptica, c o sistema de Iôrças em tensão". 30
ação não permite distinção alguma. No caso do sistema social,
trata-se de saber se a conformidade e a ordem, de um lado,
Podemos aceitar tudo isso, mas onde estão os contrapontos?
e :1 aberração e a desordem, de outro, devem ser consideradas,
Podem-se fazer suposições e proposições igualmente defensáveis,
em igualdade de condições, como características ou produtos do
tais como:
sistema. Se a resposta for "sim", precisaremos equilibrar os
"mecanismos de contrôle" ou conformidade com uma busca Um estado estabelecido de qualquer sociedade complexa inclui
igualmente ardente e uma análise dos "mecanismos" da aberra- n interação cstruturada não complementar (por exemplo, conflito
ção e da desordem. Em ambos os casos, os "mecanismos" organizado, competição organizada, e assim por diante) cru que cada
focalizam arbitràriamcnte aspectos do sistema sem diferença de ator frustra as expectativas ou a busca de metas de outros.
status, e ambos se afigurariam importantes pontos de tratamen- Um sistema social é sempre c.uucterizado por múltiplos e <':011-
traditórios sistemas de valôres e seus muitos matizes de interpreta-
to das realidades da sociedade. ção de ação e interação concretas.
Se fôr correto dizer-se que um estado especificado (ou es- Um dos primeiros imperativos dc um sistema 50<.:1<11 relativa-
tabelecido ) de um sistema social, em qualquer momento, abran- mente ordenado, capaz de satisfazer às necessidades e livre de ten-
ge tôdas ,1S relações determinadas das partes incluindo, ao mes- sões, é a criação de aberrações c variedades não patológicas como
mo tempo, o que denominamos padrões ele "conformidade" e fonte básica do continuado exame crítico .~ da mudança considerada
das estruturas institucionalizadas e das interpretações de valôres.
padrões de "aberração", o seguinte enunciado de Parsons será
claramente unilateral:
as Ibid., pp. 204-5.
Um estado estabelecido do sistema social é um processo de in- 3U Talcott Parsons e Ncil J. Smelscr, Economv and Society (Nova
tl'r:lçãu complementar de .luis ou mais ,ít(lres individuais, em que Iorquc: Frcc Prcss of Glcncoc, Jnc.,1l)56 L 1'p. 16-17.

48
A tendência para mudar o sistema em face de pressões tendeu- tes, harmoniosos, mútuos, comuns, recíprocos, complementares,
tes a conservar a interpretação tradicional e institucionalízada de va- estabilizados e integrados. Numa palavra, o "sistema" aqui
lôres, através de canais culturais, pode denominar-se função de "re-
exclui, ou inclui apenas residualmente, tensões estruturadas e
novação de padrões".
padrões aberrantes, os quais, no entanto, como o sabemos mui-
As tensões rnorivacionais, nascidas das pressões para a confor-
midade em qualquer parte da situação social, ou de outras fontes,
to bem, podem ser constantes, mútuos e recíprocos, no interior
podem ameaçar a motivação individual para pôr em dúvida a inte- de si mesmos e, em larga escala, em relação à estrutura domi-
gridade do sistema de valôres e para inovar no tocante às expecta. nante (recorde-se, por exemplo, o estudo das atividades crimino-
tivas de funções institucionalizadas, ajudando assim a preservar uma sas em Street Comer Society, de William F. Whyte). .
estrutura sodocultural disfuncionai. À inovação contra essa fonte
potencial de preservação de uma estrutura inadequada pode cha.. É mister assinalar que, essencialmente, essas críticas fo-
mar-se "liberação da tensão criativa". ram dirigidas ao esquema de Parsons há quase duas décadas por
importantes teóricos, mas sem impacto aparente. Assim, Theo-
E assim por diante. Um exercício como êste revela, no dore Newcornb, em sua "Discussão" do primitivo enunciado de
menos, a facilidade com que podemos permitir que uma termi- Parsons acêrca da sua posição teórica, afirmou:
nologia vaga e suas muitas conotações implícitas instilern ambi- A principal reordenaçâo que propus se refere a duas de suas
güidade, quando não prevenções, em nossas proposições teóri- "Divisões" da teoria sociológica: "a teoria da motivação do compor-
cas pretendidas. tamento institucional" e "a teoria da motivação do 'comportamento
Finalmente, nosso argumento pareceria fazer a seguinte es- aberrante c o problema do contrôle social". A distinção entre essas
duas espécies de motivação me parece pertencer à espécie que Kurt
tratégia de valor discutível: Lewin antes denominaria feno típica do que genotípica. Em têr-
mos de psicologia social. .. não se me afigura haver diferença imo
. .. quanto ao sistema social e à personalidade, não nos ocupare-
mos do problema da manutenção de estados especificados do siste- portante entre papéis motivados conforrnativos e os que o não são.
ma social, a não ser que existam tendências conhecidas para altera- De um ponto de vista psicológico, o processo de aprendizagem
rem êsscs estados. (Grifo de Parsons ) 40 para responder de certas maneiras a outras pessoas é o mesmo, quer
seja o resultado final um papel conformativo, quer seja um papel
aberrante, Em qualquer caso, o processo é de comportamento diri-
Se um estado especificado de um sistema social contém gido para determinada meta, que envolve percepção, desempenho,
sempre tendências para alterar êsse estado, como diz Parsons pensamento e afeto. A. meta para a qual se dirige o comportamento
amiúde, a manutenção passa a ser eternamente problemática. enqu:::nto, estão s,c~d() adqui~'idos p~P5is institucionalmente prescri-
Só poderemos falar em "lei da inércia" quando não existir fcn- tos nao e, necessariamente, . a aqnistçao do papel ptescrito'Ls t
te de mudança no interior do próprio sistema. Eis aí. uma dife-
rença fundamental entre um sistema fechado e um sistema aber- Grande parte da discussão referente ao lugar da aberra-
to, que será discutida mais circunstanciadamente em outro local. ção no sistema social poderia repetir-se em relação ao status
-i
Considerando atentamente o plano de Parsons, percebemos do "comportamento coletivo" a respeito de estruturas institu-
que a sua orientação conservadora foi seguida à risca na elabo- ci~11illizadas. Pode-se argumentar que qualquer análise dinâ-
ração do modêlo. Os limites do sistema são definidos em fun- mica eleve focalizar igualmente as fontes sistemáticas (ou "me-
ção dos "padrões de constância", ligados a um conjunto harmo- canismos") do comportamento coletivo. Um enfoque dessa
nioso de normas e valôres comuns, expectativas que se apóiam natureza reconheceria, pelo menos, que os padrões do sistema
mutuamente, etc. O equilíbrio, por seu turno, é definido em caem num contínuo, que vai do "institucionalizado" ao quase
função do sistema mantenedor de limites, de padrões constan- não estruturado, e que muitas formas de padrões presumivel-

H Theodore Newcomb, "Discussion", American Sociological Reoieio r

40 Parsons, Tbe Social Sy.l'tel1l, p. 204. 1.3 (1948), 168-69.

50 51
mente "legitimados" jazem fechadas para a area do comporta- 4. O modêlo parsoniano está inçado de antropomorfisrno
mento coletivo - por exemplo, muitas estruturas de poder e e teleologia. O sistema "procura" o equilíbrio, tem "proble-
mudanças de regimes em muitas nações ilustram êsse contínuo. mas" e "imperativos" de contrôle, tem "necessidades' sistêrni-
Com base em nossa breve discussão podemos agora tentar =" Pars::ms nunca se esquece de aspar êsses têrmos ~ expli-
sumariar mais explicitamente os principais problemas com que clta~ente laz referência convencional aos perigos envolvidos.
se defronta o modêlo parsoniano, que usaremos como pontos Infelizmente, porém, como o revela a, história da ciência, isso não
de comparação com o modêlo de Homans. basta para ,cobrir todo o preço que teremos finalmente de pagar
1. O sistema social de relações determinadas inclui ape- pelo emprego dessas noções por seu presumível valor heurís-
nas, ou primordialmente, as relações determinadas que compõem tico. Rigorosamente falando, até para sistemas caracterizados em
a estrutura dominante "institucionalizada" de conformidade às função da "busca de metas", a análise cibernética corrobora o
expectativas de papel. Essa estrutura dominante é assim toma- ponto de vista de que os têrrnos te1eológicos, como "imperati-
da como o ponto fixo de referência, em contraste com o qual vo funcional", são totalmente redundantes em face de uma de-
outras estruturas ou conseqüências latentes são vistas como po- finição adequada do sistema de que estarr:ostratando.
tencialmente diruptivas. Estas últimas suscítam "problemas" 5. Os postulados "mecanismos de contrôle" são inteira-
de contrôle (imperativos funcionais ) ao sistema (isto é, à estru- mente unilaterais. Podemos admitir que o emprêgo do conceito
tura institucional dominante), que precisam ser enfrentados para de "mecanismo" é válido e valioso: refere-se a uma parte arbi-
que o sistema se mantenha ou conserve. Dessa maneira, o "sis- tràriamente isolada de um sistema total, que é, êle mesmo,
tema social" se acanha para abranger apenas certas relações de- tratado como um sistema a fim de se aquilatar a sua relevân-
terminadas - as de suposta "coexistência pacífica", ou a defi- cia (em têrmos de possíveis resultados alternativos do mecanis-
nição alternativa de "ordem", de Parsons, mo) para o sistema total. O que Parsons realmente faz en-
2. Isto significa que a aberração e as tensões de várias tretanto, é isolar os mecanismos de contrôle e julgar-lhes ~ re-
espécies são residuais no rnodêlo, visto que não se lhes dá sta- levância, não para o sistema total, senão para a parte repre-
tus cabal como partes integrantes do sistema. Essa aberração sentada pela estrutura dominante ou legitimada, que êle tomou
ou essas tensões, quer se manifestem em sintomas neuróticos como ponto fixo de referência. Segue-se, então, que tôdas as
difusos, quer se patenteiem em comportamento delinqüente e outras estruturas ou tendências para a mudança estrutural são
criminoso, em movimentos sociais parcial ou plenamente organi- abe~rantes ou djsflln~i~nais e de~em se.r neutralizadas pelos me-
zados ou em inovação ideacional, precisam ser consideradas en- carusmos, Para corngir essa unilateralidade e ser coerente com
globadamente e tratadas como disfuncionais para o sistema. as realidades de um sistema social, seria necessário tomar as
3. Surge a questão de se saber se a postulada "lei da tensões estt.uturadas e a aberração estruturada como parte inte-
estática social" ou "inércia social" é aplicável a um sistema di- grante do sistema e como ponto fixo de referência e perguntar
nâmico dentro do qual existem, corno elementos integrantes, quais são os mecanismos tendentes a manter essas estruturas
fôrças ou pressões tendentes à mudança. Dir-se-á que isto só que podem ser isolados. A resposta levaria diretamente ao~
tem sentido quando tais pressões são consideradas externas em ptob~e:nas cruciais de poder, ideologia e propaganda, interêsses
relação ao sistema, como o faz amiúde Parsons no que concer- adquiridos, ete. Observamos, de fato, que, em sua discussão
ne ao seu "sistema". Podemos concordar aqui com a sua pró- da mudança s~iaI, Parsons dá a êsseúltimo conceito um papel
pria observação, segundo a qual a lei da "inércia" "é, sem dú- central, mas nao encontra lugar para êle em seu modêlo teórico'
vida, contrária a grande parte cio bom senso das ciências (fato que talvez se relacione com o seu tom pessimista na dis-
sociais ... " 42 cussão das possibilidades atuais de uma teoria ela mudança).
Em suma, notamos que o modêlo conduz apenas a uma con-
.J ~ Tbe Social Syslrl/l, p. 20.5 . sideração de mecanismos como os de defesa, ajustamento e

.52 53
contrôle da aberração, todos visando à adaptação do ator a uma
. Um sistema social, entretanto, não possui uma estrutura
estrutura dominante dada, sem levar em conta os mecanismos
fixa, normal, dessa natureza, que, modificada dentro de limi-
historicamente óbvios, que adaptam ou mudam a estrutura do tes estreitos, acarreta necessàriamente a "morte" do sistema.
sistema para acomodar o ator e manter o sistema total.
Em contraste com o sistema organísmico, os sistemas sociais ca-
6. Segue-se que, como no caso do conceito relacionado de racterizam-se primordialmente pela propensão para mudar sua
aberração, o modêlo parsoniano encontra grandes dificuldades estrutu!·a ?urante a sua "existência" culturalmente contínua.
para lidar com a mudança social, visto que esta última tende E~ tais clrcuns~ân,cias, Parsons estende o modêlo organísrnico
também a ser vista como residual -- algo que acontece ao siste- alem dos. seus limites quando se restringe ao uso de uma es-
ma quando se rompem as relações e mecanismos com que se tru~~ra fixa. existente como ponto de referência para avaliar
avém o rnodêlo. Isto, não raro, parece implicar que as fontes os . irnperanvos func.ionais" de. um sistema social. Êsses impe-
de mudança são sempre externas em relação ao sistema, se rativos podem .refem-se perfeItamente às próprias possibilida-
bem se declare explicitamente que o rncdêlo permite a mudança des d~ existência de um sistema genérico (por exemplo, qual-
endógena. quer, Sistema, sem. e.=nbargo da .sua estrutura interna particular,
Poder-se-a sugerir que o capítulo de Parsons sôbre a mu- precls~ fazer provrsoes de comida, abrigo, reprodução, e assim
dança em The Social System é muito mais penetrante e de al- por ~Iante) , mas!. como o esclarece qualquer texto de Antro-
cance muito maior do que jamais o permitiria a estrita adesão pol~~la . ou ,?e ~lstória, nenhu:na estrutura interna particular
ao seu modêlo. Em particular, dá-se um lugar destacado ao ~u 1l0tl~1al sera ~apaz de satisfazer, sozinha, a êsses impera-
papel dos sistemas de idéias ou crenças no primeiro, porém tl,VOS. En:b~ra existam, sem dúvida, limites dentro dos quais
insignificante no modêlo, visto que, para Parsons, as idéias não a,s catac~erl,stlcas. de uma estrutura de sistema social podem va-
"concordes" com a estrutura social dominante são aberranres riar e, ainda assnn, permanecer suficientemente compatíveis com
e inibidas pelos mecanismos de contrôle. a manutenção d~ sistema, é lícito afirmar que tais limites, para
u.m sistema. S?C1a! em confronto com um organismo ou um
7. Finalmente, causa de grande dificuldade para o 1110- sI;tema ~1e,canlco, podem ser relativamente amplos. E dentro
dêlo parsoniano é o fato de ter sido construido segundo uma desses .1ll11ltes se coloca a maioria das questões sociolàgica-
mistura do modêlo biológico de estrutura e função e do mo- mente 1l1teressantes.
dêlo mecânico de equilíbrio. É significativo que os modelos
biológico e mecânico se separem em favor do sistema social pre-
cisamente nos pontos em que o mcdêlo de Parsons é mais fra-
co e mais sujeito a críticas. (a) No sistema organísrnico te- o Modêlo do Equilíbrio de HOUlCl11S

mos uma estrutura relativamente fixa, normal para a espécie em


determinado momento. (b ) Essa estrutura biológica normal É de g~a~de interêsse notar que o modêlo de Homans.v'
nos ministra critérios perfeitamente definidos em confronto com conquant~ sImIlarn:el1te bas~ado no conceito de equilíbrio, deri-
os quais podemos avaliar estruturas e processos aberrantes ou v,a~o de. Pareto, fOI construído em têrrnos de princípios e supo-
disíuncionais. ( c) À medida que surgem as tendências para a s:çoes dJametralmente opostos aos enumerados na síntese ante-
aberração da estrutura normal (devidas principalmente a causas nor. Podemos, assim, analisã-los em função dos mesmos sete
externas, como moléstias, extremos climáticos, etc.}, entram pontos. .
·, em ação mecanismos horneostáticos au tomáticos para neutrali-
zá-Ias e conservar a estrutura normal. (d) Quando êstes falham,
o organismo se desintegra (morre) e funde-se no meio. 43 Georgc C. Homans, Tbe HUIIlc1t1 Group (Nova Iorque: Hnrcourr
Brace & World, Inc., 1950). .,

54
55
1. Para Homans, o sistema é coerentemente definido em figuração está equilibrada e mantém-se um estado constante.
têrmos das inter-relações determinadas, recíprocas, de tôdas as As vêzes está desequilibrada e ocorrem mudanças continuas. 44
suas partes, sem levar em conta a estrutura particular em que 4. Nem todos os estados ele um sistema estão em equilí-
essas inter-relações se manifestam. (As partes ou elementos brio, nem o sistema "procura" o equilíbrio. Além disso, um
básicos são atividades, interação, sentimentos e normas.) Assim, sistema não tem "problemas", e as estruturas não surgem por
as inter-relaçôes dos elementos se manifestam ora como uma es- serem "necessárias" a êle - por serem "imperativos funcio-
trutura de família, ora como uma estrutura de trabalho ou nais" - senão porque há [ôrças que as produzem, fôrças que
de comunidade. Não existe nenhuma tentativa para tomar qual- se manifestam na natureza dos elementos do sistema e de suas
quer uma dessas estruturas como pontos fixos, privilegiados, relações mútuas. Pela mesmíssima razão as estruturas podem
de referência. desaparecer.
2. Isto significa que a aberração é uma parte integrant.e 5.O sistema é o contrôle social, não "impõe" um con-
do sistema, explicável em têrmos das relações m~tuas determ:, trôle. O contrôle social está implícito nas relações dos seus
nadas dos elementos. Por exemplo, o sistema social desenvolvi-
elementos; é o processo pelo qual, em se afastando o homem do
do na unidade de trabalho na Western Eletric, em Hawthorne
seu' grau existente de obediência a uma norma, outras mudanças
(Capítulo .3) era analisável em dois grupos especiais, cada qual
acabam por trazê-lo de volta a êsse grau (se o sistema estiver
com um comportamento aberrante em relação ao outro. Se em equilíbrio e o contrôle, assim, fôr eficaz). Os "contrôles"
bem uma norma de trabalho constituísse parte do sistema total
não 'são mais do que relações de mútua dependência, e não um
(ou grupo ) as relações mútuas entre os elementos eram tais
elemento separado da organização, nem uma "função" executa-
que, ~e um' homem se afastasse do seu grau existente de obe-
da pelo grupo. De mais a mais, a inteligência e as idéias par-
diência ~l norma (em certos casos totalmente aberrante ); outras ticipam do contrôle social e, portanto, têm um lugar no siste-
mudanças no sistema de relações o trariam de volta a ésse grau, ma: a inteligência permite à pessoa, antes de encetar a ação,
Destarte, pressões e tensões podem ser uma parte integrante "ver" as relações entre os elementos interdependentes do sis-
do sistema (manifestando-se por meio da organização particular tema e, dessa maneira, agir de acôrdo com êsse discernimento
de sentimentos, padrões de interaçâo, atividades e normas), e e obviar conseqüências danosas. Isto, por seu turno, permite
constituem - ao lado da estrutura normativa consensual que se localize no sistema o. conceito de "autoridade". Quan ..
um equilíbrio automantenedor. do uma ordem dada por um líder é aceita p01' um membro e
3. Para Homans, a manutenção de um padrão ou estru- lhe controla as atividades no grupo, diz ..se que o líder tem auto ..
tura dados é problemática, chega a ser um "milagre". Po.r ridade sôbre êsse membro; o que quer dizer que a autoridade
que é costumeiro um costume? Por que se repetem as repeti- de uma ordem reside sempre na disposição de obedecer-lhe ma-
ções? Tais são as questões protéicas que se apresentam a nifestada pela pessoa a quem foi dirigida. Mas fi liderança, o
Homans, Os padrões estabelecidos de conformidade ou aberra- contrôle ou a autoridade eficazes supõem que as relações mú-
ção não se sustentam automàticamente, e a regularidade persis- tuas ele um grupo sejam tais que o processo grupal zele por
te porque o sfastamento encontra resistência. Nem é a resis- que o indivíduo escolha direito, isto é, por que as escolhas
tência simples inércia. Consiste, antes, na maneira pela qual "erradas" ponham em operação fÔl'ças que as tragam de volta
estão inter-relacionados os elementos do sistema: uma mudança ao que era considerado certo pelo grupo.
num elemento resulta numa mudança em outros, que a neutra- 6. Ao estudar a mudança social nada descobrimos de
lizam e o trazem de volta ao estado original. Diz-se que um nôvo na relação entre os elementos elo comportamento. S6
sistema em que isso ocorre está em equilíbrio. Um sistema
social é uma configuração de [ôrças dinâmicas; às vêzes, a COIl- 41 Ibíd" p. 282.
Vl"lUOS como a mudança de valor de um ou mais dos elernen- A mudança conscientemente clirigida pode-se converter num
tm; .(por exemplo) um acréscimo ou decréscimo) provoca mu- problema para o líder ou para os líderes (não um "problema"
danças em outros. para o "sistema" como tal}, qual seja, o de manipular os ele-
mentos ou as relações entre elementos do sistema de modo
Ao tratar da mudança, Homans aprecia tanto os proces-
que qualquer afastamento do caminho que conduz à meta tope
sos de crescimento ou elaboração. de estruturas ("evolução
com mudanças que obstem ao afastamento, (Observe-se que
adaptativa") quanto os processos de desorganização e desinte-
isso não supõe necessariamente a manipulação dos membros do
gração de estruturas ("anomia"). Ao fazê-Ia, distingue no siste-
sistema, mas pode significar a manipulação da estrutura existente
ma total dois sistemas analiticamente separáveis, o "externo" e
de relações, de tal modo que o que ,os membros desejam fazer
O "interno", e os relaciona em têrrnos do conceito de realimen-
coincida com o que se requer para que o sistema continue a
tação. O sistema externo se refere às relações entre opiniões,
ser um sistema.)
atividades, interações e normas encaradas C01110 respostas dadas
pelos membros às necessidades de sobrevivência num meio. 7. Finalmente, Hornans rejeita o modêlo biológico de es-
O sistema interno se refere às elaborações dêsses elementos e trutura-função ao atacar-lhe as escoras metodológicas básicas.
às suas relações, que simultânea mente nascem do sistema exter- Critica sobretudo a noção de sobrevivência da sociedade como
no e o realimentam, bem como ao sistema em conjunto, Os demasiado nebulosa para ser útil, a menos que seja muito clara
dois sistemas analiticamenre separados definem-se relativamen- e concretamente especificada. Com efeito, dá a entender que a
te e são mutuamente dependentes. A realimentação qLle ocorre idéia da sobrevivência ou continuidade na teoria funcional só
entre ambos pode ser favorável ou desfavorável à existência pode tornar-se rigorosa se a sobrevivência Iôr redefinída como
continuada de um, do outro, ou de ambos. Por exemplo, à equilíbrio. E sublinhou que os sistemas não "procuram" essa
medida que o sistema interno evolve do externo) disso pode condição, nem todos os sistemas se acham nesse estado.
resultar uma divisão particular de trabalho (por exemplo, o de- Posto que o modêlo de Homans evite grande parte da di-
senvolvimento de grupos baseados em diferenciação de ativida- ficuldade e da ambigüidade inerentes ao sistema parsoniano, sua
des ou distinções sociais), um esquema de interaçâo que paSSJ. própria fraqueza parece residir precisamente na noção, rnecâni-
a agir como U111 sistema de comunicação onde êste era mínimo camente derivada, do equilíbrio. Hornans nos diz que, se um
ou não existia 110 sistema externo, c corno contrôle social auto- sistema está em equilíbrio, podemos esperar que disso decorram
-impôsto e que sustenta um conjunto de normas surgidas, certas conseqüências, mas não 110S ministra base alguma pata
É a elaboração dêsse excedente de estruturas, conducentes a determinar se um sistema está 011 não em equilíbrio _...-.. pata
novas atividades e novas reações ao meio, que proporciona mar" definir as condições em que êle está ou não em equilíbrio.
gem ao sistema social para a evolução adaptativa. Como o equilíbrio se define operacionalmente em têrrnos das
Por outro lado, 110 caso de estruturas já elaboradas, uma conseqüências reais do fato de achar-se um sistema nesse esta-
mudança em um ou mais elementos do sistema externo pode do, necessitamos de critérios independentes dessas conseqüências
conduzir aum decréscimo do valor quantitativo ou qualitativo ernplricas. Mas como o modêlo de Hornans nos deixa asora
de elementos do sistema interno. Tais efeitos internos, H se- só podemos esperar para ver o que acontece e depois dizer que .
o sistema deve ter estado ou não em equilíbrio, ex post [acto.
guir, podem realimentar o sistema externo, acelerando ainda mais
o processo de mudança, A menos que êsse processo seja ata- Esta, contudo, não é a principal dificuldade, pois Homans
lhado de alguma forma, as relações mútuas do sistema se de- sabe perfeitamente - tendo-o proclamado diversas vêzes --. que
compõem numa espiral de realimentação positiva e o sistema o sistema ele que êle está falando é um sistema aberto, em inte-
como tal, desorganizado, pode-se desintegrar ou cindir-se em ração com um meio, de tal forma que uma mudança irreoer-
fragmentos separados. sioel de estados do sistema é uma característica inerente. A

59
-leria encerrar num modêlo de equilíbrio meca111CO. Os siste-
sua admissão dêsse fato faz-se em têrrnos da sua distinção entre mas de equilíbrio mecânico não elaboram estruturas, não criam
"sistema externo" e "sistema interno". 45 relações novas e mais complicadas, não revelam causas eficientes
Supondo que esteja estabelecido entre os. membro,s de u.n: gru- favoráveis a causas finais, não progridem sem a ajuda de nin-
po um conjunto qualquer de relações que satisfaçam 3. condição de guém para novos níveis de sobrevivência. São sistemas fecha-
sobrevivência do grupo por algum tempo em seu meio part:cular, dos e entrópicos. Os sistemas sociais não o são. Num ponto,
físico e social, podemos demonstr.ar que, b~~ead.? nessas, rel~ço:s, o Homans recorreu à analogia do motor a gasolina, mas não deixou
grupo criará novas; que. e~t~s últimas modificarão ou ate cnarao as
de reconhecer que
relações presumidas no 1ntC1O;. e que, fmalm~nte, o .c?mp,or~amen.t?
do grupo, além de ser determinado pelo meio, modificara, ele pro- . .. existe uma grande diferença entre descrever o motor a ga-
prio, o meio. 46 . solina e descrever o grupo. Com o motor a gasolina mostramos
A vida social nunca é totalmente utilitária: .e~abora-se, cornpli- como os acontecimentos ulteriores do ciclo criam as próprias con-
ca-se transcendendo as exigências da situação original. A elabora- dições que presumimos no comêço. Teremos de conceder campo de
ção ~carreta mudanças nos motivos dos indiví~u?s... ~as ~ <:la. ação à evolução emergente. ~!) •
boração também significa mudanças em suas atividades e mteraçoe~
_ mudanças, com efeito, na organização do grupo como um todo. 4,
Em segundo lugar, Homans argumenta com a sua simpli
A sociedade não se limita a sobreviver; sobrevivendo, .cria con-
dições que, em circunstâncias f~voráveis, ~hepetmlte sobre~l~er num
cidade caracteristicamente eloqüente em favor do moderno en-
nôvo nível. Se lhe derem meia oportunidade, ela progtedlr~ sem a foque dos sistemas, mesmo utilizando em parte o seu vocabulá-
ajuda de ninguém. De que outra maneira poderemos explicar que rio básico. Pois êsse enfoque também se ocupa de traduzir cau-
de uma tribo surja uma civilização? .. sas finais em causas eficientes, que envolvem comunicações in-
Afirmamos, por exemplo, que entre os Ti~opia a família pre~isa ternas e realimentações, e descobrir as condições em que "esta-
ter alguma divisão de trabalho e alguma. cadela de coman~o .. Ate o dos constantes" relativamente transitórios dão lugar a novos "es-
ponto em que "explicamos" a existência des.:'as cata~tetlstl~aS. de
vida grupal pela presunção de que o grupo nua poderia sobreviver
tados constantes", num nível diferente de complexidade estru-
sem elas fomos funcionalistas. Mas em nosso estudo da estrutura- tural. Na obra que publicou uns dez anos depois, Homans
~ão e da' realimentação do sistema interno, ,collSideramos. .. as cau- passa a falar num "equilíbrio prático", "a fim de evitar 05
sas eficientes dessas características. Isto e, mostramos alguns. dos argumentos quase místicos que envolveram a segunda dessas pa-
processos que criam ou modificam as ~aracter~sticas_ de _gru~b preso lavras em Ciência Social". Prossegue êle:
supostas no princípio... Mas as rca!I~lenta.çoes nuo sao todas fa-
voráveis c a distância social entre pai e filho ou, de um modo Nem presumimos que, se ocorrer uma mudança no equilíbrio
mais "e~a{ 'entre pessoas de diferentes pcrições sociais, pode ser prático, o comportamento reaja necessàriamente de modo a reduzi-lo
uma f~nte' de possível conflito e falha de comunicação. 18 ou a livrar-se dêle, Aqui não há horneostase: não se acredita que
um grupo aja como age um corpo animal, que lança de si uma in-
fecção. Ainda que alguns grupos, em certas circunstâncias, se com-
Citamos aqui extensamente Homans para estabelecer ~ois portem dessa maneira, não há provas de que o façam sempre. Nem
fatos concludentes. Em primeiro lugar, êle sustenta efetiva- presumimos nós, como os chamados sociólogos funcionais, simples-
mente não só que a natureza orgânica da sociedade vai muito mente que o equilíbrio existe e depois nos socorremos dêle para
além de tudo o que foi concebido pelos antropólogos Iun- tentar explicar por que as demais características de um gJ:UpO Ou de
cionais, mas que também vai muito além de tudo o que se po- uma sociedade devem ser o que são. Se um grupo está em equilí-
brio, dizem êles, o seu comportamento deve exibir certas outras
características. Para nós,por outro lado, a causas específicas devem
H, lbld ... CapÍlulos 4 c ). seguir-se efeitos específicos, porém não exigimos mais do que isso
,IG Ibid., p. 9l.
-17 lbul., p. 109. ·llI -Ibid., p, 94.
43 uu.. pp. 272-74.
61
do comportamento de nenhum grupo; não existe outro deve em re- "organização" ", 52 Pois os físiologistas do século XVIII en-
lação a êle. O equilíbrio prático, portanto, não é um estado para o
qual se dirige tôda criação; é antes um estado que o comportamento, frentavam um dilema básico, decorrente de um pressuposto
temporária e precàriamente, às vêzes atinge. Não é alguma coisa subjacente à teoria da matéria:
que presumimos; é algo que observamos dentro dos limites dos nos-
sos métodos. Não é alguma coisa que utilizamos para explicar as a saber, a pressuposição de que a matéria-prima da Natureza deve
outras características do comportamento social; é antes algo que, ser, intrinsecamente, animada ou inanimada. Se, ele um lado, a ma-
quando ocorre, deve ser explicado por essas outras características. no téria fôsse essencialmente bruta, mecânica e insensível, as conse-
qüências seriam claras: nenhuma agregação feita exclusivamente de
matéria poderia ser outra coisa senão bruta, mecânica e insensível
Está claro que Hornans deixou tanto o modêlo clássico de -- como Descartes declarara que eram os animais. A ser assim a
equilíbrio quanto o modêlo organísmico funcional muito para própria idéia de uma máquina consciente seria uma contradicão em
trás na evolução de sua concepção teórica do sistema sociocul- têrrnos: nada que se compusesse lmicamente de ma téria seria capaz
rural. Teremos ocasião de discutir mais tarde o seu decepcio- de pensar ou sentir, e as capacidades mentais (quiçá também as pro-
priedades vitais) deveriam provir de algum ingrediente distante,
nante recurso a um psicologismo reducionista - gigantesco não material. na
retrocesso em relação ao seu enfoque anterior dos sistemas.
Mas de Ia Mettrie, Ul1lCO entre os seus colegas, Iugiu uo
A PERSPECTIVA GERAL DOS SISTEMAS
dilema rejeitando essa suposição fundamental.

Como já foi aventado, a moderna teoria dos sistemas, em- Em si mesma, fi matéria não era orgânica nem inorgânica, viva
nem morta, sensível nem insensível. A diferenca entre êsses estados
bora aparentemente surgida de nôoo do esíôrço da última guerra, ou propriedades das coisas materiais decorria, não elas naturezas in-
pode ser vista como culminação de ampla mudança na pers- trínsecas das suas matérias-primas, senão das diferentes maneiras
pectiva científica, que forceja por preponderar sôbre os últi- em que êsses materiais estavam organizados. 04
'mos séculos. Essa visão científica do mundo, produto ele uma
dialética constante entre concepções da ciência física e da ciên- ~~tretallto, de 1a Mettrie !Jão poderia ofetecer muitas pro-
cia biológica, tem-se apartado do interêsse pela substância, pel~as vas sólidas cio seu ponto de VIsta. "Exatamente o que estava
qualidades e pelas propriedades inerentes, voltando-se para a fo- "orzanizado"
organiza o , e como, e de que maneiras . essa "organização"
calização central dos princípios da organização per se, sem se mantinha e transmitia de geração H geração: sôbre tais assun-
levar em conta o que é que está organizado. Delineando o de- tos se manteve nccessàriarnente silenciosr,", :i!j Os pormenores
senvolvimento histórico da teoria da matéria, Stephen Toulmin e teriam de. ser preenchidos pela gradua] acumulação da pesquisa
june Goodfield contam fi história da longa luta que se travou e da teorra.
para transpor o abismo teórico entre a matéria orgânica e fi A luta continuou entre as concepçôes do mecanicisino e
matéria inorgânica. 51 Um dos que deram um salto ousado para do yitalismo, porém com esforços periódicos para fundir os dois,
II frente foi de Ia Mettrie, o fisíologista do século XVIII, cujo envidados por homens como Claude Bernard no século XIX.
tratado O Homem, uma Máquina, se publicou em 1747. "Por que explicou os mecanismos reguladores da máquina animal
meio de audaciosa generalização", insinuam Toulmin e Goocl- "mediante princípios que s6 foram cabalmente explorados nas
.fielcl, "de Ia Mettrie esboçou os ousados contornos de um nôvo máquinas do século X X - os princípios que inspiraram os ter-
sistema de Fisiologia: um sistema cujo conceito-chave era a
f,~ Ibid., p . .315.
:,0 Social Behaoior: l ts Elementar» Forms, 113-114. fí:! Ibid., p. 317.
G1 Stephen Toulrnin e junc Goodfield, Tbc Arcbitect nrc of M(I/Ier ri-! Lbid., p . .3.1.8.
(Nova Iorque: Harper & Row, Publishcrs, 1962). ,~" Ibid.

63
ruostatos, os contrôles eletrônicos e os servo-mecanismos". 50 A
partir dêsse ponto, a história é recente, senão atual; é um relato c~dos e cujas in~erações podem ser descritas em função de quan-
tidades
" .
ou gradientes
. continuamente distribuídos , como na me-
dos esforços finais dos que sustentavam a teoria orgânica ou ,;

caruca estansnca.
holística em Biologia, propondo um "neo-vitalismo" contra a
biologia mecanística mais grosseira, e que culminou na atual Rapop?r.t e Horvath prosseguem dando a entender que fo-
fusão assim do organicismo como do mecanismo na Cibernética ram nece,~sa~las duas, ~lasses. de ~n.strnmentos conceptuais para
e na teoria geral dos sistemas. 57 estender il?etodos teol'l~os sistemancos e rigorosos" à complexi-
. Os lineamentos dêsse recentíssimo capítulo da história da dade organizada do holtsta. Ambas derivam dos métodos bio-
Ciência são instrutivamente sumariados num artigo sôbre a teo- lógicos mais antigos da teleologia e da taxionomia. (1) A
ria da organização, de Anatol Rapoport e William J. Horvath, 58 velha teleologia voltou a ser respei tável graças à Cibernética,
Nos últimos decênios, homens como Whitehead chegaram à con- que recorre diretar~ente a leis físicas e aos princípios que go-
clusão de que os problemas crescentes da "complexidade orga- vernam a construçao das rêdes de relações causais incluindo
nizada" não poderiam ser adequadamente estudados dentro do "l'e~I!n:entações': de circ~i~os fechados, o que possibilitou uma
enfoque da Física clássica. A resposta residia antes na direção definição operacional aceitável do comportamento de busca de
do holismo orgânico da Biologia, cujos procedimentos diferiam rnc,tHs sem vel'dadeit~ te!eologia. (~) A distinção entre máqui-
daqueles da Física clássica pela sua ênfase sôbre (1) a "expli- nas com e sem os crrcuitos de reaIJmentação, qnc tendem para
cação" teleológica e (2) a abundante utilização da classificação ;\ busca de metas, é uma distinção topolágica, definível em
e da categorlzação. Se bem a Biologia e a Física modernas se Iunção da teoria dos gráficos, ramo da topologia. As relações
aproximem uma da outra mais estreitamente hoje em dia, pode- CílUS?lS apresentadas como segmentos dirigidos, descrevem
mos ainda sustentar que os métodos da Biologia oferecem mais o SIstema como um gráfico dirigido, C0111 ciclos. de tal
subsídios ao estudo da complexidade organizada enquanto pu- ~:~)l'.teque. o comportamento complexo é precisamente de-
dermos mostrar a maneira pela qual o ponto de vista biológico ,h~lldo. Esse princípio tinha sido sugerido por McC:ulloch e
mais antigo se enquadra agora em métodos mais modernos de J;l,It~S, e~ 1~~3, em sua demonstração do isomorfismo entre a
análise. O conceito-chave da complexidade organizada -- de- J~glca simbólica e a teoria da rêde, A topologia, sustentam
finida como uma coleção de entidades interligadas por uma Knpoport e Horvath, pode ser encarada como um ramo "taxio-
rêde complexa de relações - deve ser extremado da (1) "sim- uômico" .da Matemática -- mais qualitativo do que quantitati ..
plicidade organizada" - um complexo de componentes relati- VO, c CUJOS teoremas têm um sabor de oito ou oitenta; a fi r-
vamente inalteráveis, ligados por uma ordem estri tarnente se- 1!,UIn que alguma coisa existe ou não existe, é ou não é pos-
qiiencial ou atividade linear, sem circuitos fechados na cadeia '.'vcl, em lugar de expressar relações funcionais entre variáveis
causal; e da (2) "complexidade caótica" - um vasto número 1.' I': podem assumir um contínuo de valôres. Êsses dois instru-
de componentes que não precisam ser especificamente identiíi- I,;,'utos conceptuaisinterligados - a Cibe1'llétÍca c a topologia
';;~ovistos, assim, como duas disciplinas que, ao lado de ll~]a
Gil uu; p. 3.34. ;--1".'('; l'J pedra angular - a "teoria das decisões", "estarão na
I ;:I';C dêsse ramo da Ciência que trata da "complexidade 01'n'\-
;'7 Veja Ludwig von Ber taIanffy, Nodern Tbeorles 01 Deuelopment
(Nova Iorque: Harper & Row, Publishers, Torchbook org., 1962), e Pro- nizada", isto é, a teoria da 01'glo\l1ização".59 '0'

blcms 01 Li/e (Nova Iorque: Harper & Row, Publishers, Torchbook org., Eu; s~ntese, portanto, o moderno enfoque dos sistemas visa
19(0); Morton Bcckner, Tbe Biological Wlay ol Thougbt {Nova Iorque: ;1 substituir a técnica laplaciana mais antiga, analítica atômi-
Columbia University Press, 1959); c G. Sommcrhoff, illlaly!iclIl Biology
(Londres: Oxford University 1>1't:$$, 1950). UI, pOt uma. O1~entação mais holística em relação ao' proble-
os Anarol Rapoport c William J. Horvath, "Thoughis on Organizarion ma da orgaruzaçao complexa. No entender de W. Ross Ashby,
'I'hcory", General Sysft?!IIS, 4 (1959), 87-91..
fi!) tu«. 90.

65
6. Um estudo operaclonalmcnte definível .. objetivo .. não antropo-
,·~tratégia secular de variar um fator só se usa agora quando módico da intencionalidadc, do comportamento do sistema de
.! sistema é muito simples; quando êle se torna complexo, te· busca de metas, dos processos cognitivos simbólicos, da cons-
mos de recorrer a uma estratégia especial, que vem sendo de- ciência e da autopercepção, da emergência sociocultural e da
dinâmica em geral.
senvolvida talvez desde os trabalhos de R. A. Fisher, na déca-
da de 1920, e que conduz à atual teoria da informação e à
Cibernética. A maneira de não enfocar um sistema complexo, Eis aí grandes promessas, que precisam ser aceitas com te-
diz Ashby, servas, pois apenas apontam para a direção em que se encontra
o trabalho árduo. Rematamos a nossa comparação dos diversos
. .. é por meio da análise, pois êsse processo 'nos dá somente um modelos com o seguinte diagrama generalizado do que nos pare-
vasto número de partes ou itens separados de informação, os resul- cem ser as distinções cruciais. (Figura 2-1)
tados de cujas interações ninguém pode prever. Se desmontarmos
um sistema dêsses .. verificaremos que não poderemos montá-lo outra O
vez. ,<
u-
-< Modélo do
E não é só. O antigo ponto de vista de que o estado .-.
N
Z
Moelêlo elo
Equilíbrio
Modelo Processo ou
do Sistema
Organisrnico
atual de um sistema complexo é simplesmente uma função das < adaptativo
suas condições iniciais já não é defensável, pois o sistema com-
o
r;r;
J Iomcosrárico

1
O
plexo, aberto, embora determinado, "muda tanto que, à propor-
ção que passa °
tempo, o seu estado é caracterizado mais pelas
experiências que sofreu do que pelo seu estado inicial". 60
As lições dessa breve história da Ciência parecem de gran-
de significação para a Sociologia, conquanto a sua aplicação mal
tenha começado. O moderno enfoque dos sistemas deveria sei' FIGURA 2-1
particularmente atraente para a Sociologia porque, em resumo,
promete desenvolver: O modêlo do equilíbrio, rigorosamente falando, é aplicável
I tipos de sistema que, ao mover-se para um ponto de equi-
1. Um vocabulário comum, que unifique as diversas disciplinas
"do comportamento";
iihtÍ(), perdem tipicamente a organização e, a seguir, tendem fi
2 _ Uma técnica pata lidar C0111 a grande e complexa organização;
mnnter aquêle nível mínimo dentro de condições de perturba-
:)0 relativamente acanhadas. Os modelos homeostáticos se apli-
;\. Um enfoque sintético em que não é possível a análise feita aos
poucos, em virtude das intricadas inter-relações das partes, que «.un a sistemas que tendem a manter um nível especificado, rc-
não podem ser tratadas fora do contexto do todo; Lll.ivmnente alto, de organização, contra tendências sempre pre-
4. Um ponto de vista que chega ao âmago da Sociologia, porque .ontes para destruí-Ia. O modêlo do processo, ou do sistema
vê o sistema scciocultural em função das rêdes de informação .;.Llptativo complexo, aplica-se a sistemas caracterizados pela ela-
e comunicação; í •• ';;Içiio ou evolução da organização; e, como o veremos, êstes
5, O estudo das relações de preferência ao estudo das "entida- ,;(ej~lll1 nas "perturbações" e na "variedade" do meio e, eíeti-
des", destacando-se o processo e as probabilidades de transição
como base de uma estrutura flexível, com muitos graus de li-
'',unen te, delas dependem.
berdade; Examinaremos, no capítulo seguinte, uma elaboração do
1"'illCdo do sistema adaptativo e as suas principais diferenças
I l, i: modelos de sistemas de nível inferior, como os que se
60 \YI. Ross Ashby, "The Effect of Experience on a Determinare Dy- :1.1.(~bll1no equilíbrio e na homeostase.
numic System", Bebauioral Sclence, 1, (1956), 35-42.

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