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A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM A HORA DA ESTRELA

André Luiz SchueriI1


Níncia Cecília Ribas Borges Teixeira2

“Os meus desacertos foram a fonte inevitável da


minha caminhada vã em busca dos êxitos”.
(FÁBIO PIRAJÁ)

Resumo: O trabalho o tem como objetivo analisar como são construídas as identidades das
personagens centrais da obra A Hora da Estrela. Segundo Bakhtin (1993), a linguagem utilizada no
romance é parte do contexto social, abrindo-se a outros discursos, ideologicamente situados.
Mesmo que não tome a forma do discurso direto, mas apareça integrado no discurso do narrador ou
de outra personagem, a posição ideológica dessa personagem sempre se fará sentir. É sob esta
perspectiva que se pretende realizar esta leitura do romance A Hora da Estrela de Clarice Lispector,
tentando verificar como se apresenta o discurso nas representações das personagens Macabéa e
Rodrigo. Nessa obra, seu último romance publicado em vida, nasce uma trama recheada de críticas
sociais, contrariando sua trajetória literária, até então criticada negativamente por não estar engajada
em nenhuma luta política e social. A visão da presença de elementos sociais na produção literária de
Clarice não minimiza seu valor estético, antes amplia o entendimento da luta permanente da
escritora com o signo lingüístico e com as estruturas narrativas na tradição literária brasileira.

Palavras-Chave: Identidade, Discurso, Narrador, Personagem.

1
Acadêmico de Letras. Bolsista do PET-Letras (UNICENTRO)
2
Pós-Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ). Tutora do Grupo PET-Letras.
INTRODUÇÃO

A Hora da Estrela é o último romance publicado em vida por Clarice Lispector, escrito
em 1977. O processo de escrita de Clarice é sempre original e com um estilo incomparável. A
linguagem da escritora, considerada introspectiva e intimista, despertou o interesse da crítica,
gerando uma imensa gama de interpretações e reflexões acerca de seu estilo narrativo; de questões
filosófico-existencialistas e da representação do universo feminino em suas obras.

Em A Hora da Estrela, Clarice Lispector cria um narrador masculino para contar as


aventuras – ou desventuras - de uma nordestina na grande cidade do Rio de Janeiro. Se em outras
obras de Lispector a mulher aparece representada como protagonista da história e sempre com seus
conflitos interiores, não conseguindo se expressar e nem fazer valer suas vontades que ficam retidas
em um universo imaginário, nessa obra a autora tenta se livrar da introspecção através do narrador
Rodrigo S.M, criando um novo modo de narrar em contraposição a seus hábitos.

Lispector inventa Rodrigo e cria a personagem Macabéa que será revelada aos poucos,
como uma mulher feia, raquítica, sem cultura, alienada , excluída do mundo e de si mesma, há,
dessa forma, a construção de uma identidade feminina altamente estereotipada. Transgredindo
novamente todo e qualquer modelo de narrativa presentes no cânone literário, a autora intimista e
psicológica, desloca seus leitores para a mais profunda investigação do abismo interior de seus
personagens. Essa personagem feminina em questão não terá conflitos interiores, ao contrário de
outras mulheres representadas em outros textos de Clarice. Não é como Laura do conto A Imitação
da Rosa; uma mulher comum, qualquer, sempre em casa, retida em si mesma ou nas malhas da
memória, tão pouco como Ana, personagem do conto Amor, que não consegue se libertar de sua
condição de mulher, cujo papel limita-se a cuidar dos afazeres da casa. Macabéa será representada
como um ser feminino vítima de uma repressão cultural recorrente de sua infância vivida no sertão
de Alagoas. Essa personagem pertence a classe dos marginalizados, que para a sociedade carioca da
década de 70 e inclusive para o narrador Rodrigo S.M vai ser o estranho, o outro. Assim, Macabéa é
descrita como uma mulher excluída do contexto social, ela não se reconhece na grande cidade
capitalista em que vive, não sabe quem é, e tão pouco se interroga sobre sua vida, como o próprio
narrador a define, “vivia numa sociedade técnica onde ela era um parafuso
dispensável.”(LISPECTOR, 1977, p.29).

Dessa forma, Macabéa encontra-se sem uma identidade definida e unificada. É pela voz
do narrador Rodrigo que acontece uma busca pela identidade que vai sendo construída aos poucos,
uma identidade fragmentada que vai se moldando entre os questionamentos e as dúvidas do
narrador-escritor em relação a vida e a literatura, por meio de uma linguagem simples que contrapõe
seus hábitos é que a nordestina ganha forma. Um estereótipo de uma migrante nordestina que traz
no rosto um sentimento de perdição, uma personagem feminina descrita de maneira transgressora,
desestabilizando estereótipos de outras mulheres representadas nas obras do cânone literário, pois
Macabéa não apenas seguirá o código ideológico referente ao papel da mulher na sociedade , como
também representará tudo o que há de feio, desagradável, disforme, indecoroso e indecente na
sociedade. Assim, ela fará parte da classe dos marginalizados e excluídos.

Portanto, em A Hora da Estrela, Lispector desvenda diferentes identidades emergentes


na literatura. Nessa obra, nasce uma trama recheada de críticas sociais, contrariando sua trajetória
literária, até então criticada negativamente por não estar engajada em nenhuma luta política e social.
A visão da presença de elementos sociais na produção literária de Clarice não minimiza seu valor
estético, antes amplia o entendimento da luta permanente da escritora com o signo lingüístico e com
as estruturas narrativas na tradição literária brasileira.

As relações dialógicas no discurso literário

Rodrigo S.M, um escritor que questiona e problematiza seu processo de escrita.


Macabéa, migrante nordestina em uma cidade toda feita contra ela. O que há de comum entre esses
dois personagens e até que ponto Clarice sustenta o falso autor de seu livro?

Buscando respostas a essas questões, a análise recaíra sobre o processo de representação


e auto-representação verificando como se apresenta a configuração do discurso por meio das
personagens Rodrigo e Macabéa. Para isso, será utilizado como referencial teórico os estudos
realizados por Mikhail Bakhtin, bem como a fortuna crítica da autora Clarice Lispector.

Segundo Bakhtin, a compreensão de que a existência ocupa lugar na fronteira do “eu” com o
“outro” determina o caráter social da vida humana, que se realiza através da linguagem. Portanto, a
linguagem é um instrumento de interação social, visto que:

[...]a palavra penetra literalmente em todas relações entre indivíduos, nas relações de colaboração,
nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político,
etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a
todas as relações sociais em todos os domínios.(BAKHTIN, 1997, p. 41)

Dessa concepção de linguagem, que percebe a palavra permeando toda e qualquer atividade
humana, Bakhtin(1993) retira o seu conceito básico de dialogismo, isto é, a relação de sentido que
ocorre entre dois enunciados, cada um deles social e ideologicamente situado. Essa relação pode
verificar-se em enunciados de falantes diferentes, por meio do chamado diálogo composicional ou
dramático, ou principalmente no enunciado de um só falante, configurando o chamado dialogismo
interno. Isso se compreende melhor a partir da noção da língua como um elemento vivo, mutável,
em constante evolução. Para Bakhtin(1993) a língua só se realiza através do processo de
enunciação, que compreende não só a matéria lingüística, mas o contexto social em que o
enunciado se manifesta. Disso decorre que o “discurso é um fenômeno social em todas as esferas de
sua existência” (BAKHTIN, 1993, p.71), e traz para dentro de sua estrutura sintática e semântica
outras vozes, outros discursos, igualmente situados social e ideologicamente e que, além disso, ao
serem citados, não perdem, de todo, sua forma e conteúdo.
O discurso efetivo de alguém é, assim, o resultado da interação entre os processos
ideológicos e os fenômenos lingüísticos. O dialogismo bakhtiniano adquire novas e mais complexas
significações quando aplicado à literatura, notadamente na questão do discurso no romance.
Discorrendo sobre o assunto, Bakhtin declara que “o romance, tomado como conjunto, caracteriza-
se por ser um fenômeno pluriestilístico, porque, nele, diversas e heterogêneas unidades estilísticas
se encontram, não de forma estanque, mas harmoniosamente, submetidas ao estilo maior do
conjunto” (73). Noutras palavras, cada uma dessas unidades se individualiza e diferencia nos planos
vocabular, sintático e sobretudo semântico, mas se relaciona com as outras unidades estilísticas,
todas elas portadoras de visões de mundo, de modo a construir a visão conflituosa e crítica da
sociedade que o estilo do romance pretende representar.
O romance é também plurivocal, porque, nele, também se apresentam diferentes línguas e
vozes sociais (“dialetos sociais, maneirismos de grupo, jargões profissionais, linguagens de gêneros,
fala de gerações, das idades, etc.”), que possibilitam ao romance organizar e difundir seus temas,
abrindo-se à complexidade geralmente conflituosa das sociedades modernas, nomeadamente
burguesas em que este gênero literário costuma inspirar-se.
A idéia de que um enunciado está sempre voltado para outro repete-se e ganha maior grau de
complexidade quando Bakhtin se refere aos fenômenos específicos do discurso com suas variedades
de formas e graus de orientação dialógica. Na visão bakhtiniana, o discurso está sempre voltado
para seu objeto (tema) que já traz no bojo idéias de outros falantes. Em conseqüência, o discurso é
sempre levado dialogicamente ao discurso do outro, repleto de entonações, conotações e juízos
valorativos. Assimila o outro discurso, refuta-o, funde-se com ele, e, assim, acaba por constituir-se
enquanto discurso. Enfim, o discurso forma-se a partir das relações dialógicas com outros discursos,
que influenciam o seu aspecto estilístico. Bakhtin(1993) ressalva que o discurso é “diálogo vivo”;
por isso, está sempre voltado para a réplica, para a resposta que ainda não foi dita, mas que é
provocada e, conseqüentemente, passa a ser esperada. Todo falante espera ser compreendido, espera
a resposta, a objeção ou a aquiescência; por isso orienta seu discurso para o universo do ouvinte;
com isso acrescenta novos elementos ao seu discurso.

A Construção da Identidade em A Hora da Estrela

Em primeiro momento do romance o narrador apresenta-se hesitante, no início há uma


dificuldade de Rodrigo S.M em descrever sua personagem, “[...] como é que sei tudo o que vai se
seguir e que ainda o desconheço, já que nunca o vivi.”(LISPECTOR,1977,p.12). Mas aos poucos o
narrador vai desvelando e se aproximando do mundo de Macabéa. Ela é dada a conhecer como uma
datilógrafa, semi-analfabeta, que migra do sertão de Alagoas para a metrópole do Rio de Janeiro,
sempre apontada como um ser que assume uma posição desprivilegiada no meio em que vive. Por
outro lado é pela construção da personagem protagonista que Rodrigo S.M vai paralelamente
construindo sua própria história e adquirindo uma identidade, revela por meio de suas constantes
intervenções no texto suas angustias e frustrações.

O processo de escrita conduzido pelo narrador de A Hora da Estrela parece o de


“migração”, do mundo de um escritor contemporâneo a um mundo de Macabéa, personagem
literária e, ao mesmo tempo mulher de classe baixa. Esse processo parece exigir do narrador um
outro modo de escrever para que esse narrador fale da nordestina. Daí o esforço de Rodrigo em se
negar como intelectual e de se erigir como e trabalhador manual. Um artesão, enfim – função,de
resto típica das classes baixas e servis, desde a velha Roma escravista, pelo menos.(BOSI, 1991, p.
14).
Esse esforço de identificação com a personagem, entretanto, revelará um contraditório
Rodrigo. A indumentária tardia de artesão e homem das classes baixas pouco convence. Ele, com
efeito, “[...]é um homem rico, um escritor nordestino afastado de suas origens, que por razões
ideológicas atribui a si mesmo a missão de criar uma personagem pobre, mulher, migrante” (SÁ,
2004, p. 53).
Essa exigência de semelhança entre Rodrigo e Macabéa é apenas uma das condições
implícitas – a mais ostensiva –, de um verdadeiro contrato de mutualismo. Na verdade, a
interdependência entre um e outro é profunda e vital. Assim como Macabéa precisa de Rodrigo, este
também precisa de Macabéa. A existência do narrador Rodrigo depende da existência de Macabéa
como personagem. Rodrigo se sente incapaz de se definir como narrador justamente por isso – não
sabe como abordar sua personagem. Sabemos que o processo narrativo forma um personagem, mas
também forma automaticamente um narrador. Eis o problema de Rodrigo: sem conseguir impor ao
seu texto a personagem, Rodrigo se vê sem identidade como narrador. Os personagens de A Hora
da Estrela, nesse sentido, aparecem de forma fragmentada, ou seja, violentada, degradada,
aniquilada, de tal modo que os traços sociológicos, culturais, psicológicos e filosóficos se
manifestam uniformemente na integralidade dos discursos que se fazem ou se destroem nos
fragmentos da narrativa. O discurso de Rodrigo S. M desvenda para o leitor o processo de criação
ficcional. No entanto, esse narrador é também um ser fictício, composto de palavras apenas. Berta
Waldman observa que ele “[...]será então o mediador do dilaceramento de Clarice Lispector,
empenhada sempre em tocar a realidade e traduzi-la literariamente, mas será também instrumento
seu, isca, porque através dele a escritora se embrenhará na busca da não-palavra.” (WALDMAN,
1979, p. 66). A ensaísta lembra ainda que “[...] o desdobramento do escritor internalizado na obra
marca um processo de inversão que sugere que se o personagem pode ser autor, este pode também
ser sua personagem.” (Idem, p.64). A figura de Rodrigo S. M. permite, pois, a Clarice Lispector
assumir a condição de personagem que assiste, como se estivesse fora de si, ao espetáculo da
escritura da obra, ao mesmo tempo em que reflete sobre o mistério da criação literária.
Ainda quanto ao discurso do narrador na obra, verifica-se um senso crítico deste diante dos
fatos, a alienação da moça o incomoda no inicio da narrativa e ele sente a necessidade de escrever
sobre a nordestina com o intuito de revelar-lhe a vida, “[...] preciso falar dessa nordestina senão
sufoco”(LISPECTOR,1977, p.17). Rodrigo S.M é um escritor que está enjoado, fatigado da
literatura com “termos suculentos”, “adjetivos esplendorosos” e “substantivos carnudos” como ele
mesmo define. Assim é que experimentará uma nova forma de narrar, em contraposição a seus
hábitos, “uma história com começo, meio e “gran finale” seguida de silencio e de chuva caindo.”
Segundo o narrador, o escritor na sociedade moderna é visto como um ser
marginalizado, sem classe social que só se livra de ser um acaso na vida pelo ato de escrever.[...]
“marginalizado que sou. A classe alta me tem como um monstro esquisito, a média com
desconfiança de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca vem a mim.”(LISPECTOR,1977
p. 24). Pela voz desse narrador masculino inventado por Clarice, verifica-se a presença de
elementos sociais presentes nas representações de Rodrigo e Macabéa. O escritor moderno afastado
de qualquer camada social, e uma migrante nordestina que tenta sobreviver numa sociedade
capitalista toda feita contra ela. A moça nordestina perdida na grande cidade do Rio de Janeiro é
vista como a estrangeira, a diferente, enfim, uma ameaça, que a sociedade logo trata de excluir.
Macabéa dessa forma soa como tudo que é estranho. Representa uma ameaça que pode levar a
desordem e contrariar um sistema proposto. Assim, a identidade da personagem se encontra
fragmentada, o que confirma o não lugar de Macabéa em seu espaço social.

Escrito em 1977, esse romance configura-se num período de expansão e desenvolvimento


em termos mundiais e um alargamento do movimento feminista. Entretanto, no Brasil, ainda
permanecia um período de repressão causado pela ditadura militar. Diante desse contexto é possível
ver Macabéa como uma representante das mulheres que não eram vistas nem ouvidas num país que
encontrava-se ainda sobre o ranço do patriarcalismo e o agravante da ditadura.
No desenrolar da trama, Rodrigo narra o momento em que Macabéa recebe o aviso que
seria despedida por seu chefe. Esse momento parece despertar o “eu” adormecido da personagem,
pois logo após o comunicado, a jovem sente a necessidade de isolamento, numa tentativa de
encontrar-se, de se descobrir-se face ao posicionamento do chefe.
Observa-se, nessa passagem do texto, a primeira tentativa da busca de identidade de
Macabéa, após receber o aviso ela tenta se ver diante do espelho mas sua imagem parece
deformada, sua existência some , ela tem a ilusão de não se refletir no espelho, imagina que ela
tenha desaparecido, pois, até então, ela própria não sabia quem era, seu emprego de datilógrafa era
o único ponto de apoio entre seu mundo interior e exterior. Sua imagem no espelho aparece de
forma fragmentada e sem definição.

Depois de receber o aviso foi ao banheiro para ficar sozinha porque estava toda atordoada. Olhou-
se maquinalmente ao espelho que encimava a pia imunda e rachada, cheia de cabelos, o que tanto
combinava com sua vida. Pareceu-lhe que o espelho baço e escurecido não refletia imagem
alguma. Sumira por acaso a sua existência física? Logo depois passou a ilusão e enxergou a cara
toda deformada pelo espelho ordinário, o nariz tornado enorme como o de um palhaço de papelão.
Olhou-se e levemente pensou: tão jovem e já com ferrugem. (LISPECTOR, 1977, P. 25)

Interessante notar que o fato de Macabéa ser datilógrafa atribui a ela um valor, uma posição
dentro da sociedade, a se ver sem o emprego de datilógrafa, a nordestina representa, mais uma vez,
no âmbito social, a classe dos excluídos. Percebe-se que o narrador procura, ainda que
implicitamente e de forma defensiva, identificar-se com sua personagem, estabelecendo assim uma
relação de alteridade ao abordar a dificuldade que um escritor, Rodrigo S. M., tem de se acercar do
outro, de conhecê-lo, de ter verdadeira empatia por ele. Essa experiência, no decorrer da narrativa
resulta em empatia, comunhão, solidariedade com o outro. Afinal, como um escritor, um intelectual,
é capaz de se apoderar de um objeto tão ralo como o sentimento de perdição de uma nordestina, e
desafiar-se a escrever da forma mais simples, o retrato mais fiel da “moça de rosto cariado?”
No início, o narrador sente um desconforto, pois ele precisa se desvencilhar de sua condição
social, e de seu mundo, - já que escritores não costumam ser proletários e nem migrantes - para se
por no nível da nordestina

[...] para falar da moça tenho que não fazer a barba durante dias e adquirir olheiras escuras e
dormir pouco, só cochilar de pura exaustão, sou um trabalhador manual. Além de vestir-me
com roupa velha e rasgada. Tudo isso para me por no nível da nordestina.
(LISPECTOR,1977,19)

No decorrer da narrativa, ao se aproximar do mundo de Macabéa, Rodrigo cria por ela um


sentimento raiva, compaixão e amor, a relação entre os dois confunde o leitor pelo fato de
simultaneamente eles parecerem tão próximos que suas histórias acabam se entrelaçando em um
jogo lingüístico instigante. Sair do restrito âmbito do seu próprio mundo faz com que o narrador
transite entre realidade e ficção, trocando de identidade com a alagoana. Quando visualiza sua
personagem olhar-se no espelho, nele vê refletido apenas o próprio rosto cansado e barbudo, o que
comprova o fato de Macabéa ser apenas uma entidade ilusória, ficcional. O jogo de adesão entre
narrador e personagem é desta forma relativizado e pontua toda a obra.

Conclusão
Quando o narrador problematiza e questiona sobre o seu processo de escrita, que o livra de
ser um acaso na vida, há uma perda de uma identidade unificada que definia Rodrigo em relação
aos demais, aos outros. A parte do ser que está degradada, um escritor fatigado, em completa
exaustão procura uma resposta, uma busca solitária que faça com que sua imagem no espelho volte
a refletir aquilo que até então ele era, ou acreditava ser, o escritor de palavras que penetram no mais
profundo abismo daqueles que as lêem, um autor que só se livra de ser um acaso na vida pelo ato
de escrever. Por um lado, permanece a tentativa incansável de um falso empobrecimento da
linguagem que o narrador não é capaz de sustentar. Ao problematizar o processo de criação de sua
personagem, Rodrigo revela implicitamente seu uso introspectivo da linguagem usada em suas
obras de outrora. Por outro lado, há pois, uma posição extremamente crítica do autor, um
abandono e um esgotamento da linguagem, manisfestados na construção da personagem Macabéa ,
uma vez que esta personagem encontra-se presa a convenções de decadência. Esse narrador, escritor
e autor está fragmentado, confuso, dividido e faz ressoar no modo como conduz a narrativa,
discursos em que a posição ideológica sua e de seu personagem sempre estará presente e se fará
sentir. Isso faz com que os discursos se integrem no decorrer da narrativa unificando autor, narrador
e personagem. Estes estabelecem um contrato de mutualismo, cuja as condições de existência se
fazem interdependentes, um torna-se subordinado ao outro. Esse processo chega a tal ponto que em
A Hora da Estrela, o narrador ao matar a personagem, percebe que também o mata.
Dessa forma, é possível dizer que há uma integração de discursos em que três histórias se
confundem no decorrer da narrativa, pois nos discursos tanto de Macabéa como do narrador, parece
estar subjacente o discurso da autora Clarice Lispector, escritora de linguagem introspectiva e
intimista, que passou a infância no Nordeste e mudou-se para o Rio de Janeiro, escreveu o romance
A Hora da Estrela as vésperas de sua morte.

Referências bibliográficas:
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec,
1993.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da linguagem. São Paulo. Hucitec,1997.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

WALDMAN, Berta. Armadilha para o real: (uma leitura de A Hora da Estrela, de Clarice
Lispector). In: Vários autores. Ficção em debate e outros temas. São Paulo: Duas Cidades;
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1979.

BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a Arte. São Paulo: Ática, 1991.

SÁ, Lúcia. A Hora da estrela e o mal-estar das elites. In: Estudos de Literatura Brasileira
Contemporânea. n. 23, Brasília, 2004.

<http://www.pitt.edu/~hispan/iili/IntroLispector.pdf > Acessoem 10/04/08.

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