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A Autora é Advogada. Mestre em Direito CPGD/UFSC. Pesquisadora do Grupo Universidade Sem
Muros (UFSC/CNPq). Vice-Presidente da Organização Advogados Sem Fronteiras – ASF-Brasil.
Endereço eletrônico: contato@danielafelix.com.br. Curriculum lattes/CNPq:
http://lattes.cnpq.br/8302153504234332.
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O Autor é mestrando em Filosofia UECE. Graduado em Direito UFC, especialista em Filosofia do
Direito UECE/ESMP e em Semiótica Aplicada à Literatura e Áreas Afins UECE. Endereço eletrônico:
s.walber@ig.com.br. Curriculum lattes/CNPq: http://lattes.cnpq.br/9182106958806728.
ORIGEM E EXTINÇÃO DO DIREITO EM PASHUKANIS
RESUMO: O presente trabalho tem por objeto os estudos de Eugeny Pashukanis acerca
da origem, desenvolvimento e extinção do direito, expressos em sua obra A Teoria
Geral do Direito e o Marxismo. Jurista respeitado, líder e dirigente da Revolução Russa
de 1917, Pashukanis elaborou seu texto visando o esclarecimento pessoal e como meio
de sistematização de suas idéias para uma intervenção mais qualificada no debate
travado à época, quando, em pleno período de implantação do socialismo na Rússia, era
discutido o caráter do direito na nova sociedade. Utilizando o método materialista de
Karl Marx, Pashukanis estuda a gênese da forma jurídica a partir do aparecimento da
forma mercadoria; aponta para a inevitável ligação entre direito e capitalismo e afirma a
impossibilidade da existência de um “direito socialista”, como queria Piotr Stucka,
jurista bolchevique que com ele polemizou. O direito continua existindo no período de
transição (socialismo) e conserva elementos burgueses. Por isso, só com a definitiva
extinção das formas mercantis advindas do capitalismo é possível falar na extinção do
direito.
Palavras-chave: Direito – Forma Jurídica – Marxismo.
ABSTRACT: The present work has for object Eugeny Pashukanis’ ideas about the
origin, development and the end of law expressed in his work The General Theory of
Law and Marxism. Respected jurist and leader os the Russian Revolution, Pashukanis
wrote his text aiming at his own compreension as a preparation to the debate ocurred
during the construction of the socialism in Russia, when was debated the character of
the law in the new society. Using the materialist method by Karl Marx, Pashukanis
studies the beginnig of the law from the appearance of the commodity; he shows the
inevitable connection between law and capitalism and affirm that the existence of a
“socialism law” (as wanted Piotr Stucka, bolchevist jurist, with whom Pashukanis
polemized) is impossible. The law exists in the socialism and remains bourgeois
elements. Therefore, we just can talk about the end of law when the commodity form
been born.
WORD-KEY: Law, Theory of Law, Marxism
1. INTRODUÇÃO
2. O MÉTODO DE PASHUKANIS
3
PASHUKANIS, E. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 11.
4
Id. Ibid., p. 11.
5
Id. Ibid., p. 11.
6
Id. Ibid., p. 14.
Para ele, a solução destas questões determinará se a Teoria Geral do Direito
pode ser considerada como uma disciplina teórica autônoma.
Ora, Direito é um conceito das chamadas ciências sociais, portanto, sujeito a
uma história real que se constrói a partir do desenvolvimento das relações humanas.
Como afirmou Pashukanis,
7
Id. Ibid., p. 35.
análise do fenômeno jurídico. Este esboço é tão fluido que as
fronteiras que delimitam a esfera jurídica das esferas vizinhas
são completamente enevoadas.8
8
Id. Ibid., p. 18-19.
9
Id. Ibid., p. 47.
10
Id. Ibid., p. 39.
3. A ORIGEM DO DIREITO
11
Id. Ibid., p. 02.
12
Id. Ibid., p. 03.
13
NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e Direito: um estudo sobre Pashukanis. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2000, p. 29.
relações em geral, como um sistema de relações que
correspondem aos interesses das classes dominantes e
salvaguarda tais interesses pela violência organizada. Por
conseguinte, no interior do sistema de classes, o Direito não
pode ser separado, enquanto relação, das relações sociais em
geral, e Stucka não está habilitado a responder à insidiosa
pergunta do professor Rejsner: como as relações sociais se
transformaram em instituições jurídicas, isto é, como o direito
tornou-se o que é?14
14
PASHUKANIS, Ibid., p. 52-53.
15
NAVES, Ibid., p. 57.
16
PASHUKANIS, Ibid., p. 145.
17
NAVES, Ibid., p. 58.
18
PASHUKANIS, Ibid., p. 55.
3.1. O sujeito de direito
Para Pashukanis, “toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos. O sujeito
é o átomo da teoria jurídica, seu elemento mais simples, indecomponível”19, daí que sua
concepção teórica se organiza, portanto, sobre a noção de sujeito de direito. Essa
concepção implica uma posição antinormativista, ou seja, de recusa da idéia de que a
norma gera a relação jurídica. Na verdade, é a relação jurídica que permite a conexão
dos sujeitos privados através dos contratos.
Só no modo de produção capitalista os indivíduos se tornam sujeitos. Isso
acontece porque, para que haja uma esfera geral de troca de mercadorias, é preciso que
aqueles que estão trocando os bens sejam proprietários, logo, que sejam livres e iguais
(pelo menos formalmente). A liberdade é fundamental porque a troca implica um ato
volitivo, uma expressão do querer do proprietário. Como diz Marx:
4. A PROTEÇÃO DO DIREITO
21
NAVES, Ibid., p. 68-69.
22
PASHUKANIS, Ibid., p. 82.
23
Id. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. São Paulo: Acadêmica, 1988, p. 118.
24
Id. Ibid., p. 118.
eminentemente mercantil. É nesse contexto que também surgem as primeiras noções de
delito, igualmente vinculado ao caráter mercantil do pacto contratual, quando
configurado um ato arbitrário por uma das partes, o que se desdobra no binômio delito x
reparação (compreendendo-se esta reparação como forma de sanção). Desta forma, “a
vingança passa a ser instituição jurídica a partir do momento em que se une à forma da
troca equivalente, da troca medida por valores”25.
A Igreja, por sua vez, deixa seu contributo na noção de castigo divino, ou
seja, a pena enquanto algo abstrato e superior, legando ao Direito Penal o princípio da
vingança privada, sendo esta “um meio eficaz de manutenção da disciplina pública, ou
seja, do domínio de classe”26.
A consolidação do Direito Penal moderno, enquanto braço armado do
Estado, efetiva-se a partir da relação de opressão da burguesia face às classes
exploradas, ou melhor, da exploração entre capital x trabalho. Chegando a esta
consideração – de que o Direito Penal moderno é o instrumento repressivo do Estado na
luta de classes –, Pashukanis ocupa-se da análise de pontos fundamentais do discurso
jurídico penal burguês, tais como, a prática penal do Estado de classes, a relação entre
valor-norma-pena, bem como a caracterização do delinquente e da culpa.
A crítica à prática penal, ou também jurisdição criminal do Estado burguês,
centra-se basicamente no combate a dois fenômenos: a guerra, de caráter
eminentemente externo, e a desordem, que se materializa pela contenção das lutas de
classes, àquelas que se opõem ou contraditam à ordem dominante, o que
consequentemente recai sob a forma de aplicação da pena.
A crítica de Pashukanis consiste, contudo, em refletir “Se a prática penal do
poder de Estado é, no seu conteúdo e no seu caráter, um instrumento de defesa de
dominação de classe, ela aparece na sua forma como um elemento da superestrutura
jurídica e integra-se no sistema jurídico como um dos seus ramos”27.
Uma vez que o Direito Penal, que para Pashukanis só existe no Estado
capitalista, se presta à manutenção do status quo da classe dominante (a burguesia), em
detrimento das classes proletárias, não há que se contestar então a legitimação e
instrumentalização pelo Estado no uso da repressão e da aplicação da norma penal28
25
Id. Ibid., p. 120-121.
26
Id. Ibid., p. 122.
27
Id. Ibid., p. 125.
28
Esta aplicação da norma penal trata-se de um valor de troca da reparação pelo tempo de privação da
liberdade, medido pela gravidade do delito aos que não podem pagar.
como garantia da ordem, pois o que está em jogo é justamente a contradição entre
mercadoria e seu valor de troca, ou seja, o princípio da equivalência.
Assim, reconhecida a forma jurídica construída a partir do princípio da
equivalência, conclui-se que a resposta do Estado, independendo dela ser na esfera
pública ou privada, será sempre medida enquanto valor de troca, tal e qual se faz com a
mercadoria, mediante a devida reparação ou ao cumprimento de uma pena, sendo esta
de privação da liberdade. A pena, por sua vez, é imposta de acordo com a noção de
culpa, de delinquente e de delito.
Para que se possa mensurar a relação valor-norma-pena, a noção de pena e
de culpa adquirem o caráter de responsabilização individual, calcado no individualismo
radical burguês, que diz que a sociedade burguesa “proclama o princípio: ‘Cada um
por si’ e concretiza-o em todos os setores, incluindo também aí o Direito Penal, de
maneira inteiramente coerente”29. Desta feita, a valoração da norma se torna um
cálculo meramente aritmético, como mesmo explica:
29
Id. Ibid., p. 128.
30
Id. Ibid., p. 130.
importa é saber “se a sentença corresponde à gravidade do delito”31 e não a forma que
se dará a execução penal.
Como ponto de análise da superação do Direito Penal, Pashukanis nega toda
e qualquer possibilidade de uma transformação da forma jurídica penal burguesa em
proletária em um futuro Estado socialista. Neste caos, não se trata de uma mera
modificação das bases conceituais – seja ela de delito (ou tipo penal), pena, privação de
liberdade, reeducação ou delinquência –, uma vez que “são determinações necessárias
da forma jurídica, das quais não podemos nos libertar a não ser quando tiver início o
aniquilamento da superestrutura jurídica em geral”32.
Verifica, assim, que o Direito se trata de um instrumental formal e
processual típico de um Estado capitalista, que não contém, por sua vez, possibilidade
para as lutas revolucionárias, apontando que a “única via para aniquilar tais aparências
[de consciência ideológica burguesa], tornadas realidade, é a abolição prática destas
relações, ou seja, a luta revolucionária do proletariado e a realização do
socialismo”33.
5. A EXTINÇÃO DO DIREITO
Vimos anteriormente que o direito está irremediavelmente preso às estruturas
do capitalismo e às determinações do capital. Isso porque ele surge a partir do
aparecimento da forma mercadoria e justamente como uma maneira de disciplinar (ou
mais precisamente, de regulamentar) a troca mercantil através do contrato. Então, é só
com a extinção da mercadoria (que o engendrou) que se pode falar em extinção do
Direito.
Ora, com a implantação do socialismo, temos uma mudança radical na
organização social. O Direito, claro, não fica de fora dessa mudança. Mas, qual o seu
caráter na sociedade socialista? Mais ainda: com a implantação do socialismo, temos a
imediata extinção do Direito? Aliás, como mostramos no início deste trabalho, o ponto
crucial da polêmica Pashukanis – Stucka (em parte responsável pela obra ora analisada)
era exatamente este: o caráter do Direito no socialismo. Para analisarmos a tese de
Pashukanis a este respeito, vamos, inicialmente, nos debruçar sobre o conceito de três
31
Id. Ibid., p. 131.
32
Id. Ibid., p. 136.
33
Id. Ibid., p. 133.
termos fundamentais para o desenvolvimento deste capítulo: capitalismo, socialismo e
comunismo.
O capitalismo se caracteriza pela existência e concentração da propriedade
privada dos meios de produção nas mãos da classe dominante (burguesia). A classe
dominada, o proletariado, não tendo nada, exceto sua força de trabalho, se vê obrigada a
vendê-la ao burguês para sobreviver, de modo que, na sociedade capitalista, a própria
força de trabalho também se torna mercadoria.
O comunismo é a fase superior da história humana. Nele, teremos superado as
classes e, consequentemente, as desigualdades sociais. Marx distingue duas fases na
sociedade comunista: uma primeira fase (socialismo), que sucederá ao capitalismo, na
qual as marcas das idéias e valores burgueses ainda estarão muito presentes; e uma
segunda fase (o comunismo propriamente dito), sob a qual o Estado desaparecerá, bem
como a divisão social do trabalho, a mercadoria, as classes sociais e o próprio Direito.
Pelo exposto, podemos entender um ponto fundamental da teoria política
marxista: a conquista do Estado pela classe operária não significa, de imediato, a
extinção das relações mercantis e consequente instauração do comunismo. O que está
posto com a conquista do aparelho estatal são as condições de construção do período de
transição. Da mesma forma, com a conquista do Estado, são criadas as condições de
extinção da forma jurídica, não sua extinção imediata.
No período de transição, a forma jurídica persiste por meio da forma-valor (um
dos resquícios da velha ordem capitalista). Mas já nesse período ela (a forma jurídica)
assume determinadas limitações, não tendo, portanto, a mesma autonomia que tinha na
ordem burguesa. Então, no período de transição, o Direito não é o mesmo direito
burguês, pois é afetado pela existência de formas não-mercantis no interior da
economia.
Pashukanis chega a falar de um Direito burguês (sic), distinto do Direito
burguês que vigora no sistema capitalista. Vejamos o que Naves comenta a respeito:
34
NAVES, Ibid., p. 98.
35
PASHUKANIS, E. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 106-
107.
Para Pashukanis, o Direito não tem sua natureza burguesa transformada no
socialismo. Ele surge, enquanto forma acabada e pronta, nos marcos da sociedade
mercantil (capitalista) e só com a extinção dessas categorias ele deve ser extinto. Vimos
que mesmo durante o período de transição subsistem no seio da nova sociedade traços
da velha, e só com a extinção destes é que se pode falar em extinção do Direito. “O
desaparecimento das categorias do Direito burguês significará nestas condições o
desaparecimento do Direito em geral, isto é, o desaparecimento do momento jurídico
das relações humanas”36.
Então, se o Direito permanece no período de transição, podemos falar de um
Direito proletário, como queria Stucka? A resposta de Pashukanis é negativa! Mesmo a
classe proletária tendo o comando do Direito, não há que se falar em um Direito
proletário.
Ora, a emergência do período de transição não traz consigo a substituição das
antigas categorias econômicas de valor, capital, etc., por novas categorias proletárias de
valor, capital, etc. Da mesma forma, o Direito burguês não vai simplesmente se revestir
em um Direito proletário apenas por estar se construindo o socialismo. A idéia de um
Direito proletário ou socialista, segundo Pashukanis, não tem sentido porque o Direito
está relacionado às formas da economia mercantil e, se o período de transição é
justamente o contínuo aniquilamento dessas formas, torna-se, então, um contínuo
aniquilamento do próprio Direito e não a mudança de seu caráter burguês para
proletário.
Para fundamentar esta tese, Pashukanis vai se apoiar em Marx, que afirma que
o princípio de que certa quantidade de trabalho sob determinada forma deve ser trocado
por outra mesma quantidade de trabalho sob outra forma (princípio da equivalência),
permanece no período de transição, ou seja, preserva-se a forma jurídica, pois o Direito,
por sua natureza, consiste no emprego de uma mesma unidade de medida. A
ultrapassagem do Direito está condicionada à ultrapassagem da forma da relação que dá
ensejo ao princípio da equivalência. Diz Pashukanis:
36
Id. Ibid., p. 26.
destinada a sobreviver à própria burguesia – sem grifo no
original.37
6. CONCLUSÃO
Em sua obra A Teoria Geral do Direito e o Marxismo, Pashukanis rompe com
toda uma tradição jurídica burguesa (a até marxista) de eternização da forma jurídica.
De fato, o Direito é visto como algo que sempre existiu e para sempre existirá.
Pashukanis nos mostra que não é bem assim.
Fundamentado no método marxiano (materialismo histórico-dialético), no qual
os elementos mais simples apontam para a compreensão dos mais complexos, o jurista
russo funda a crítica do Direito sobre uma base materialista. Para ele, a teoria marxista
não tinha apenas que examinar o conteúdo dos vários ordenamentos jurídicos nas
diferentes épocas históricas, mas “fornecer também uma explicação materialista do
ordenamento jurídico como forma histórica determinada”40.
37
Id. Ibid., p. 28.
38
Trata-se da Crítica ao Programa de Gotha.
39
NAVES, Ibid., p. 90.
40
PASHUKANIS, Ibid., p. 18.
A partir deste método, Pashukanis aproxima o Direito da forma mercadoria e
descobre que o Direito tem por finalidade estabelecer e mediar os vínculos existentes
entre dois agentes econômicos que estão em contato no mercado. Daí em diante, regras
e garantias recíprocas são estabelecidas e a relação jurídica vai se desenvolvendo de
acordo com a complexidade do nível de desenvolvimento das relações econômicas e
sociais. Portanto, a relação jurídica tem um papel fundamental na economia capitalista,
qual seja, o de permitir e estimular a troca mercantil.
Daí decorre que o Direito está intimamente ligado ao capitalismo, já que só a
sociedade burguesa, produtora de mercadorias, criou todas as condições para que o
momento jurídico aparecesse e fosse plenamente determinado nas relações sociais.
Assim como a mercadoria existia em outras sociedades, mas só alcança seu estágio
pronto e acabado no capitalismo, também o direito só se torna pleno no âmbito da
sociedade burguesa. Nas sociedades pré-capitalistas, é difícil distinguir a forma jurídica
de outras formas sociais, além dela estar fracamente desenvolvida.
Pashukanis nos mostra que o Direito não é uma categoria eterna. É, ao
contrário, historicamente determinado: surgiu nos marcos do capitalismo e desaparecerá
junto com ele.
REFERÊNCIAS