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Direito, Filosofia e Humanística

Disciplina: Sociologia Jurídica


Prof. Ms. Gustavo Siqueira
Aula 1 - 18/01/10
Material de Apoio - Monitoria

1. Introdução:

1.1 Sociologia Jurídica ou Sociologia do Direito?

Sociologia do Direito: concepção positivista da sociologia, dizem que a sociologia é algo


externo ao Direito, não poderia influenciar aplicação do Direito.

Defensor: Niklas Luhmann 1

Sociologia no Direito: a sociologia deve influenciar o direito, utilizar conceitos, avaliar


sua eficácia etc.

Defensor: Boaventura de Souza Santos2

Sociologia Jurídica: englobaria as duas anteriores.

1.2 Conceito e função da Sociologia do Direito.

“Sociologia jurídica ou Sociologia do Direito é a ciência que investiga, através de


métodos e técnicas de pesquisa empírica (isto é, baseada na observação controlada dos
fatos), o fenômeno social jurídico em correlação com a realidade social.” 3

Objeto: é o fenômeno jurídico.

Trata-se de uma disciplina crítica do Direito Positivo. Talvez esse constante voltar
sobre si seja o objetivo de todas as disciplinas do Direito. Em todo caso, especialmente

1
2
3
SOUTO, Cláudio; SOUTO, Solange. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro e São Paulo:
Livros Técnicos e Científicos e EDUSP, 1981, p. 13.
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a Sociologia Jurídica possui esse caráter crítico, pois precisa do Direito Positivo para
sua análise, parte-se do empírico para chegar-se ao crítico.

1.2.1 A definição tradicional: norma, valor e fato.

Norma: Ciência Jurídica. Validade, vigência, constitucionalidade da norma etc.

Valor: Axiologia. Fundamentos do direito, idéia de justiça etc.

Fato: sociologia jurídica ou do direito.

Mas essa concepção, quando analisado de forma estanque, está perdendo força.

1.2.2 A interdisciplinaridade e o fim das divisões estanques.

Interdisciplinaridade é a relação entre várias disciplinas. Cada vez mais a sociedade é


uma sociedade complexa, ou um sistema complexo como veremos posteriormente.

O Direito sozinho não responde pelos problemas da sociedade.

A sociologia é por essência interdisciplinar.

Palavra-chave: interdisciplinariedade.

1.3 Objetivo: fenômeno jurídico.

Geralmente ligado à norma e a aplicação da norma; estes são elementos indissociáveis.

1.4 Sociologia do Direito e eficácia jurídica.

Eficácia e efeitos da Lei:

Eficácia Jurídica: é no mundo dos fatos que se encontra a eficácia; é a aplicação


da norma. Esta eficácia pode ser:
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1) Voluntária:
2) Repressiva:

Efeitos da lei: todos os efeitos gerados pela lei sem considerar sua eficácia.

Ex: uma pessoa respeita a lei de outra cidade; mudança de uma empresa por causa de
um aumento do imposto.

“Ensinar sociologia jurídica nas faculdades de Direito é uma necessidade para


desmistificar certezas e explicar que o mundo é muito mais complexo e inseguro do que
sugere a certeza da norma, é uma necessidade para explicitar como o mundo do Direito
é fruto de construções circunstanciais e cambiantes. Embora seja tão difícil viver sem as
aparentes e ingênuas certezas do Direito, seria uma pena se esquecêssemos que, entre
os extremos do negro e do branco, há inúmeras tonalidades de cinza.” 4

2. Introdução à Sociologia da Administração Judiciária.

A administração judiciária está ligada à principal função do judiciário (dizer o direito),


abarcando desde acesso à justiça, concursos para magistrados etc.

2.1 A preocupação da sociologia com os Tribunais.

Fatores que fizeram a sociologia se interessar pelos Tribunais:

Teóricos:

a. Desenvolvimento da sociologia das organizações, das instituições organizadas.


4
FRAGALE FILHO, Roberto. Ensinar sociologia jurídica nas Faculdades de Direito:
Possibilidades e significados. In CERQUEIRA, Daniel Torres; FRAGALE FILHO, Roberto.
O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica.
Campinas: Milennium, 2007, p. 56.
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b. Estudo da ciência política dos Tribunais, ou seja, como instâncias de poder e


decisão.

c. Virada que a antropologia jurídica faz, onde esta disciplina deixa de estudar
apenas civilizações primitivas, passando a estudar os processos humanos
complexos.

Práticos: nascem após a 2ª Guerra, principalmente quando as minorias passam a


reivindicar diversos direitos sociais. O Estado de Bem Estar Social passa a fornecer
maior gama de direitos sociais. Os direitos passam, na teoria, a ser acessíveis para
todos.

a. Crise na administração do Estado (Boaventura): o Estado formalmente concede


a todos esses direitos sociais, mas não prática o Estado não consegue cumprir
ou efetivar esses direitos. A ciência do direito passa a olhar para os fatos.

2.2 Linhas de investigação/Temas da Sociologia dos Tribunais.

2.2.1 Acesso à Justiça.

Não se trata apenas do direito de petição, mas também do conhecimento dos direitos
por toda a sociedade.

Existem obstáculos ao acesso à justiça:

Econômicos: como, por exemplo, o alto custo para o ingresso nos tribunais. E
para Boaventura quanto mais baixa a causa mais alta, proporcionalmente, são as custas
judiciais. Outro obstáculo seria a manutenção do processo, por exemplo, pericias .

Sociais e culturais: como a distância que a sociedade sente dos órgãos do


Judiciário. Boaventura cita o exemplo que quanto mais carente uma pessoa é menos
advogados ela conhece, quanto mais abastada uma pessoa é mais advogados ela
conhece.
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Onde não se promove esse acesso à justiça existe uma forma de discriminação do
acesso à justiça. Boaventura propõe algumas soluções para o problema da
discriminação do acesso a justiça. Discriminação esta onde poucos podem acessar a
justiça e onde um número menor pode acessar uma justiça de qualidade. Uma das
causas desse problema é não ter transformado as assessorias judiciárias (advocacia
gratuita) em assessorias jurídicas (educação jurídica).

Junto com essa educação jurídica, uma boa solução é acesso ao judiciário através das
Ações Coletivas: principalmente na área do consumidor tem ampliado o acesso ao
judiciário.

2.2.2 Administração da Justiça: como a justiça julga.

Duas questões devem estar em mente quanto ao tema:

i) O judiciário não é neutro, ele sofre estímulos, influências da economia,


política, da sociedade e da legislação.
ii) Decisões dos magistrados, como eles decidem. Será que a origem desses
juízes influencia suas decisões?

Aqui não se preocupa só com as decisões dos magistrados, mas também sobre a
formação dos juízes, principalmente com os cursos para a formação dos juízes. Tema
este focado até mesmo em congressos de magistrados.

2.2.3 Litigiosidade social e suas resoluções:

Litigiosidade social: a partir desta visão de uma nova sociologia (interdisciplinar), o foco
deve estar na solução dos conflitos e não meramente na norma.

Principalmente as soluções extrajudiciais para os conflitos (ex: arbitragem); visando que


esses conflitos seja solucionados antes de chegar ao judiciário.

Pluralismo Jurídico: concepção em que as fontes do direito não são apenas as fontes
estatais. É uma contraposição ao monismo jurídico. Essas outras fontes extra-estatais
podem servir para a solução dos conflitos sociais de forma muito mais “eficaz”.
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Interessante lembrar que Boaventura não faz distinção formal entre sociologia do
direito ou jurídica, trabalhando os dois aspectos. Alguns autores chamam a Sociologia
no Direito de evolucionista, mesmo que contra a lei. Neste sentido, veja-se o “direito
achado na rua” ou o Direito Alternativo, como será estudado posteriormente.

2.3 Para a democratização da administração da Justiça:

Quais os mecanismos necessários para democratizar a justiça?

Boaventura diz que para democratizar a justiça são necessários dois elementos
essenciais:

2.3.1 Constituição interna do processo: maior participação da sociedade na


administração da justiça, na solução do conflito, na simplificação dos atos, seja no
processo ou no procedimento, enfim, nas discussões do judiciário.

2.3.2 Acesso à Justiça: principalmente igualdade no acesso à justiça.

2.4 O Judiciário e a mídia:

A lógica dos dois é diferente, à primeira vista contraditória.

Mídia: busca velocidade na informação, instantânea.

Judiciário: processual, preza pela segurança.

A solução para esse embate deve ser através de diálogo, criando pressupostos para o
diálogo entre os dois; objetivando que a mídia seja um instrumento para o acesso à
justiça, de conhecimento dos direitos e prerrogativas por parte dos cidadãos.

2.5 Gestão Judiciária:

Está ligada à incorporação de princípios da Administração para o Judiciário para


otimizar os seus princípios, visando expansão ao acesso à justiça, celeridade.
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Celeridade processual: quem sofre mais com a demora? Pode ser um fato para a
desigualdade.

Juiz-Juiz e Juiz-Gestor:

O juiz não deve ser só juiz, não deve só julgar, mas deve ser preocupar com a gestão de
seu juízo, visar a excelência nos serviços prestados. Nisso entra a responsabilidade
social do juiz, pois aqui não se trata apenas de uma decisão técnica. Há ainda uma
relação com os outros órgãos, visando maior integração com MP, Polícia etc. O juiz
precisa ter consciência da interdisciplinaridade para melhor efetividade da justiça.

Palavras-chave: interdisciplinaridade, atuação multiprofissional, proximidade com a


comunidade para ampliar a justiça.

3. Relações sociais e relações jurídicas:.

Existem diversas espécies de relações sociais: Afetividade, Amizade e Econômica.


Algumas delas podem passar a ser relações jurídicas. As relações jurídicas são
específicas, pois em determinado momento a sociedade escolheu tais relações como
mais importantes.

Como que o direito escolhe as relações jurídicas? Existem vários fatores que vão
colaborar para que o direito torne determinadas relações sociais em relações jurídicas,
como, por exemplo, fatores econômicos, tecnológicos. Vários fatores contingenciais
influenciam a elaboração do direito.

Cada sociedade, em cada momento histórico, vai escolher o que positivar no direito.

4. Controle social e Direito: ou Função reguladora do Direito sobre a sociedade:

4.1 O que é controle social?

Controle Social: em sentido amplo, é todo aquele fato que influencia a conduta a
conduta humana. Pode fazer a pessoa praticar uma ação ou não.
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O direito é uma forma especial de controle social.

Ex: Como que o direito regular essa vida em sociedade.

4.1.1 Exercícios do controle social.

a. Orientação: ex: propaganda.

b. Fiscalização: exercido sobre aqueles que não seguem uma norma de controle
social. Geralmente prevendo uma sanção.

4.1.2 Destinatários:

a. Toda uma sociedade: controle social específico.

b. Todo um país: controle social difuso.

4.1.3 Fiscalizadores:

Em uma teoria tradicional o único fiscalizador deve ser o Estado.

Em uma teoria evolucionista a sociedade é fiscalizadora do controle social. Mesmo


assim o Estado exerce o controle social pelo Direito.

4.2 Controle social e Direito:

Direito é uma forma de controle social especial. Especial por que possui algumas
características, como por exemplo:

1. Formalização em normas: na grande maioria das vezes normas escritas, normas


certas, claras e acessíveis a todos;

2. Sanções certas: a sanção quando se viola uma relação jurídica é certa. Numa relação
social não. Sanção premial ou não pré-definidas.
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3. Aplicado por agentes oficiais do Estado;

4. Direito é dotado de certeza (em tese);

5. Exigibilidade: o direito é exigível; pode-se exigir o seu direito através do judiciário;


em uma relação social não.

6. Generalidade: também teoricamente o direito é igual para todos; já as normas


sociais não. Nas relações privadas a desigualdade é possível, nas jurídicas não.

7. "Em expansão": cada vez mais o direito vai expandindo para atuar em outras
esferas5.

4.3 Finalidade do controle social:

4.3.1 Perspectiva liberal-funcionalista: para essa perspectiva o controle social serve para
o bem estar das pessoas, para o convívio pacífica, expandir a felicidade etc.

4.3.2 Perspectiva da teoria conflitiva: o controle social é instrumento da elite da


sociedade para manter um status quo de desigualdade e injustiça; para manter as pessoas
onde estão. Instrumento de dominação daqueles que não participam.

4.4 O social é sempre mudança, mesmo quando é controle:

Mesmo quando o direito é só controle ele é alteração.

Isso é busca até mesmo na biologia, o novo que sucede o velho é diferente. A mudança
é inerente a toda sociedade.

Esse controle sempre deve estar preparado para mudança.

5
Neste sentido vide Ana Lúcia Sabadel.
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4.5 Função reguladora do Direito sobre a sociedade:

Como que o direito regula a sociedade?

O direito muda a sociedade?

Após a positivação de uma nova norma a sociedade passa a agir de determinada forma?

O direito é tanto mudança, quanto manutenção. Manutenção por que tem algumas
coisas que a sociedade quer manter.

5. Transformações sociais e Direito:

Alguns autores utilizam mudança social e direito.

Estas são alterações no modo de vida da sociedade, seja na forma que a sociedade julga
as pessoas ou valoriza as coisas.

5.1 O que são transformações sociais?

Em princípio essas transformações sociais não influenciam o direito, mas quando são
sensíveis elas alteram o direito.

5.2 Os fatores de transformação social.

O que transforma a sociedade? Não existe regra fixa, pré-determinada; existem vários
fatores que influenciam a transformação social. Ex: fatores geográficos, ideológicos,
ambientais, tecnológicos.

5.3 Direito e transformações sociais:

É a sociedade que influencia o direito, seja em sua criação ou em sua aplicação? Tanto o
direito influencia a sociedade, quanto a sociedade influência o direito.
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Se grande parte da sociedade usa cinto após a lei, podemos falar em mudança social. Se
apenas 10% usa não podemos falar nesta mudança.

Maneiras sociedade influenciar a lei:

Oficial: plebiscito, iniciativa popular, voto.

Não-oficial: greve, reuniões.


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7. Teorias para explicar o funcionamento do ordenamento jurídico.

7.1 Teoria Orgânica:

Remete a Savigny, ao nascimento do direito através do Volksgeist. O direito está na


história, na cultura, é um elemento vivo. Cria um instrumento artificial que é criar o
direito positivo. É um organismo dentro da sociedade. Para ele o direito não é um
comando, uma ordem, mas um complexo relacionado com a vida social.

O grande questionamento seria: o que é o Volksgeist? É um conceito vazio, cabe tudo.


Ex: Nazismo deturpando a teoria de Savigny.

7.2 Teoria Institucionalista:

Referência: Santi Romano1.

A sociedade é composta por instituições que tem o mesmo significado de


ordenamento. O ordenamento é composto pela sociedade, ordem social e organização.

1. Ordenamento e sociedade implicam necessariamente em Direito. Ubi societas ibi jus.


2. Ordem social: O que não é arbítrio, violência. Utiliza-se de uma definição negativa.
3. Organização: é como a sociedade se organiza.

A crítica é sobre o que seria realmente o ordenamento, pois também é um outro


conceito vazio.

7.3 Teoria Genética do Direito:

Referência: Hans Kelsen

Quando se fala em ordenamento, ciência do direito, sempre está se referindo a normas.

1
Santi Romano (1875—1947) foi um jurista italiano com atuação nas áreas da teoria do direito, do direito
constitucional, do direito administrativo e do direito internacional. (Wiki)
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O objetivo da ciência do direito é afastar do direito os valores subjetivos de outras


ciências. Uma ciência com as normas.

Toda norma refere-se necessariamente a outra norma. Se uma lei existe é porque outra
norma para sua validação. Essa remissão, derivação, validação pode ser:

Estática: em relação ao conteúdo. A segunda deriva do conteúdo da primeira.

Dinâmica: a primeira norma autoriza formalmente a criação da outra norma.

Toda norma tem fundamento em outra norma. O que nos leva à norma fundamental.
O Direito é uma ciência autônoma que não pode ter contradições; ainda é necessária a
completude deste ordenamento.

7.4 Positivismo Sociológico e Positivismo Jurídico:

Positivismo Sociológico: remetemos-nos a teoria de Auguste Comte, este deseja uma


reforma social através da sociologia. Só a sociologia ou física social. O direito para
Comte é um ramo da Sociologia.

O positivismo sociológico quer retirar do direito a metafísica, a especulação,


transformando-a em uma ciência empírica; pretende, em um primeiro momento, afastar
a teologia, depois da metafísica. Ciência aqui é o que é perceptível pela análise dos fatos.

O Positivismo pergunta o que é estável, o que é comum, a todas as sociedades. Nesta


análise percebe duas constantes: a organização familiar e a religião. O Positivismo
posteriormente criou o que poderia ser chamado de uma religião positiva.

Análise Positivista do Direito: Positivismo jurídico.

Questão interessante: relacionar a teoria genética de Kelsen com a teoria do direito


como sistema auto-poiético de Luhmann.
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8. O Direito e o fenômeno econômico.

Exemplo de fatores da história do Brasil: A escravidão em Portugal termina no séc.


XVIII e no Brasil no séc. XIX, mas não foi mencionada na Constituição de 1824, nem
na Consolidação das Leis Civis, era uma simples nota de rodapé no ordenamento. A
manutenção da escravidão deve ser vista como um fator não só econômico, mas social
e cultural.

Crítica feita ao sistema econômico: o capitalismo.

8.1 Socialismo Utópico:

Questionamento do que a sociedade é, foi, na busca de uma sociedade mais justa;


estatui como deveria ser uma sociedade ideal. Ao final sofre uma ferrenha crítica do
Socialismo Científico.

8.2 Socialismo Científico:

O socialismo utópico para eles é apenas uma carta de boas intenções. O socialismo
científico quer analisar a sociedade como foi, é e será.

MPF: Seria possível mudar a história?

Socialismo científico começa com um elogio ao capitalismo, mas chega-se a conclusão


que o capitalismo só faz tais e tais coisas

8.2.1 Materialismo Histórico: a economia é que guia os rumos da história. A sociedade


pode ser analisada pela formas econômicas.

Três formas:

Escravidão:

Feudalismo:

Capitalismo:
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A história é conhecida como a história da exploração do homem pelo homem. Outros


fatos influenciam a sociedade, mas a economia é preponderante.

8.3 Critica ao Estado e ao Direito:

Para Karl Marx o direito moderno só é observado nas sociedades capitalistas, pois nas
sociedades escravocratas as relações sociais eram mantidas pela força do senhor. No
feudalismo a sociedade é regulada pela terra. Na sociedade capitalista a relação de
exploração é mantida pelo direito.

Todos os atos do capitalismo são atos jurídicos. É justamente o direito que vai garantir
a manutenção de exploração. Não é mais a força e a terra. Agora o explorador tem
poderes infinitos, pois o limite é o direito, mas quem limita o direito é o Estado, este é
ilimitado. Portanto, estes são elementos capitalistas para manter as coisas como elas
estão.

O direito ainda tem um caráter ideológico: "todos são iguais". Mas que igualdade?

Marx abre a mente de todos para outra realidade, busca abrir os olhos para um lado que
o direito não olha: o econômico.

8.4 Desenvolvimento econômico e Direito:

O Estado não deve buscar somente o lucro nas atividades que exerce.

Ex: Art. 170, CF: atividade econômica do Estado.

Sempre ligado ao desenvolvimento social, ambiental, vida digna e justiça social.

Ex.: BNDS

É o econômico que deve dirigir o direito ou o contrário?


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8.5 Justiça Econômica:

Se o direito não se preocupa com o econômico ocorre desigualdade. É uma via de mão
dupla. Deve-se buscar um equilíbrio, um equilíbrio democrático. Isso está relacionado
com a Justiça Econômica, principalmente na idéia de igualdade material.

Em alguns momentos a sociedade quer igualdade formal, em outras, material. Algumas


desigualdades nós aceitamos: cotas para mulheres, deficientes.

Justiça econômica é trazer valores éticos para a economia, buscando especialmente a


distribuição de riquezas. Isso se dá principalmente através do Direito.

9. Estratificação Social, Mobilidades, Desigualdades e Direito:

A sociedade é uma estrutura, ou seja, como ela se apresenta, e dentro dessa estrutura há
os processos sociais onde ocorrem essas transformações.

Para se falar em estratificação social deve-se falar de classe social; principalmente em


termos práticos, não simplesmente teorizar sobre as classes sociais.

9.1 Estratificação Social: termo importado da geologia, o qual significa análise de uma
rocha, das camadas que existem nessas rochas. A estratificação social são as camadas
dentro da sociedade; a posição das pessoas na sociedade. SOUTO diz que a
estratificação serve como controle social para influenciar as ações das pessoas.

Essa estratificação pode ser:

Adquirida: a pessoa consegue esse local na sociedade.

Atribuída: herança da classe

Será que o direito ignora as classes sociais ao dizer que todos são iguais? Nisto valem as
abordagens:

9.1.1 Abordagem Qualitativa: Karl Marx

Existem duas classes principais, mas há mais classes:


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1. Proprietários do meio de produção: e o produto.

2. Trabalhadores: que vendem sua mão de obra e são explorados segunda marx.

9.1.2 Abordagem Quantitativa: Max Weber.

Não usa o termo classes, mas estamentos. Existem dezenas de estamentos, vários
fatores irão influenciar profissão, religião, estudo etc.

Estamento: deve-se relembrar que no séc. XV a mobilidade é restrita. Ex: Reis, Nobres.

Weber fala de mobilidade de estamento já existente em outros períodos da história.

9.1.3 Abordagem Objetiva ou Subjetiva:.

Objetiva: posições sociais objetivamente percebidas.

Subjetiva: por declaração ou reconhecimento.

9.1.4 Criticas contemporâneas:

Para os contemporâneos Weber tem razão, existem várias classes, mas há ainda fatores
pessoais que irão determinar essas classes; como a pessoa nasce pode influenciar a
classe que estarão no futuro, isto principalmente com vistas aos desprivilegiados.

Classe contemporaneamente deve ser analisada sob vários fatores, nisso entra a
interdisciplinaridade.

Classe e Relação Econômica: Quem sofre mais economicamente, assalariado ou


empregador?

9.2 Elementos de definição de classe: desigualdade, mobilidade, legitimação.

SABADEL trata exatamente esse tópico em sua obra.

O ponto de partida demonstra que é inegável a existência de desigualdade social. É um


fato.
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Essa hierarquia, ou posição social, influencia o modo de pensar, a mentalidade e a


forma de escolha política.

O meio exerce um controle social, mas não determina.

9.2.1 Sociedades de estratificação fechada ou aberta:

Fechada: não existe mobilidade. Antigos sistemas de castas indianos.

Abertas: possuem mobilidade social.

9.2.2 Mobilidade social.

É a movimentação dos indivíduos dentro das classes, dessa estratificação; podendo ser
de cima para baixo.

9.2.2.1 Fatores de influenciaram:

a. Secularização: afastamento da sociedade da igreja.

b. Urbanização: principalmente no Brasil podemos pensar isso. Aqui por mais de


400 anos a escravidão e o latifúndio estava relacionados. Ao ir para a cidade os
laços de controle social reduzem. A cidade é o local da liberdade, é onde se pode
trabalhar e conseguir uma nova posição social.

i. Ex: direitos trabalhistas quando positivados por Vargas só positivou os


direitos trabalhistas urbanos, deixando de lado o rural para não mexer nos
estamentos.

c. Outros exemplos de mobilidade:

i. Casamento:

ii. Trabalho:

iii. Estudo:
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iv. Concurso público:

v. Loteria:

A mobilidade social pode ser:

Horizontal: melhoria na mesma classe

Vertical: ascensão ou queda de classe.

A mobilidade existe, mas é estatisticamente limitada. O que há de fato é que as pessoas


mantenham a classe de origem, mas é uma tendência, influência.

9.2.3 Legitimidade.

Cada sociedade legitima seu sistema de classes de uma forma, ou seja, tenta explicar e
justificar por que uns tem mais outros menos.

Várias formas de legitimação:

a. Trabalho: o mais comum, um instrumento ideológico.

b. Sorte: ou azar. Karma.

c. Teológico: “Deus quis”.

A questão é verificar até onde essa legitimação vai.

Falar em mobilidade é falar que aquele que não tem pode ter. Justifica-se a situação pela
mobilidade. Teoricamente o liberalismo concebe que todos partem do mesmo ponto.
Em tese o ponto partida deveria ser igual.

9.3 Classes e sociologia jurídica:

Voltamos à questão se o direito se esquece das classes sociais.

Se o direito não trata das pessoas diferentes, tratará todos igualmente, todavia será uma
sociedade que trata diferentemente.
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Ex:

Voto dos analfabetos no Brasil. Só veio ser cancelado na década de 80.

Capoeira como crime.

Mendicância e a vadiagem

Art. 176, CP

Furto X Sonegação: uma pessoa que sonega o imposto está obtendo coisa alheia
para si.

O direito, apesar de muitas vezes ser um instrumento de diferenciação de classes, pode


ser visto como uma forma positiva para extinguir essa desigualdade. Ex: direito do
trabalho, princípios constitucionais.

9.4 Classes sociais e aplicação do Direito:

SABADEL diz, que na década de 90, 70% das pessoas no RJ e SP não tinham acesso
ao judiciário nas causas cíveis. Por falta de recursos. Também nessas cidades 98% dos
presos não tinham condições de pagar advogados.

Seletividade do controle social é mais voltada para as classes mais pobres.

"O direito depende do status social". Prof. Black de Oxford

A sociologia serve para criticar essa desigualdade econômica e serve para criticar essa
igualdade formal. Se o direito trata as pessoas de forma igual, mas as pessoas são
desiguais, a desigualdade permanece. O direito neste modelo não enfrenta a questão da
desigualdade, assim como na época de escravidão.
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9.5 Direito e Poder.

"Do ponto de vista sociológico o poder é um fenômeno relacional inerente aos grupos
e assume formas extremamente variadas". Nelson Saldanha

O direito está nas relações entre as pessoas. O poder é inerente as relações entre as
pessoas, manifestando-se de formas variadas; ele permeia as relações entre as pessoas e
assume formas variadas.

Weber vai fazer a divisão do poder de três formas:

1. Tradicional: doutrinas conservadores, proteção do sagrado, do santo. Utiliza-se


do passado. Ex: "sempre foi assim".

2. Carismático: relacionado à pessoa. Ex: o herói, o profeta. No Brasil isso


acontece na política.

3. Legal/burocrático: relacionado à lei, a atuação do estado, poder do estado.


Principalmente a burocracia.

a. Burocracia para Weber está relacionado a racionalidade e eficiência.

A última divisão está mais presente na contemporaneidade

Como o direito se relaciona com essas formas de legitimação? Especialmente com a


legal, através do equilíbrio. Se o religioso prevalece teríamos uma nova inquisição. Esses
poderes também têm que se equilibrar com o direito. Se o poder domina o direito
teremos uma ditadura, ou um absolutismo, como outrora.

10. Pluralismo Jurídico.

É o oposto do monismo ou centralismo jurídico. O Direito só vem do Estado, este é


única fonte formal. A sociologia não vai se preocupar só com a realidade, mas se as
outras fontes, principalmente se existem outros ordenamentos paralelos.

Os estudiosos do pluralismo jurídico entendem que o Estado não tem o monopólio do


direito. Existem na realidade vários sistemas jurídicos. O pluralismo jurídico não exclui
o Estado, mas acrescenta outras fontes.
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O direito é maior que as fontes formais. Essas outras formas se articulam, a sociedade é
um complexo entre essas normas. Ex: normas religiosas, regras de bairro, favela. Para
os defensores do pluralismo jurídico tudo isso é direito.

Para o Pluralismo Jurídico o direito não é instrumento de controle, não é uma direção
que as pessoas devem seguir. O direito vem como resposta às necessidade, das
ausências, das não concessões. É justamente essas não concessões, essa busca pelo
pluralismo, que fará com que o Estado positive seus direitos.

Esse pluralismo argumenta que só o Estado não seria suficiente para regular a
sociedade. Ex: pessoas que moram em favelas que não tem registros dos imóveis. A
compra e venda nesses lugares não é feito pelo registro, mas pela tradição. Um novo
direito nasceu naquela sociedade.

Referência Nacional: Antônio Carlos Wolkmer. Para ele o Pluralismo Jurídico pertence
a essência de cada sociedade; está relacionado às práticas cotidianas.

10.1 Conceitos de Direito:

As normas jurídicas surgem somente no do Estado? Se sim, não há pluralismo.

O Direito é também para o Pluralismo um conjunto de normas obrigatórias.

10.2 Teorias do Pluralismo Jurídico:

10.2.1 Interlegalidade: direito como mistura de vários sistemas. Múltiplas fontes inter-
relacionadas.

10.2.2 Sociedades Multiculturais: direito das sociedades que sofrem problemas com
imigrações de outros povos. O direito muitas vezes não tem assimilado essas novas
culturas, mas deixa espaço para essas sociedades, para que nesse espaço essas
comunidades criem seu novo direito. Ex: religião.

10.2.3 Direito Internacional: novas normas em contraposição ao direito nacional.


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10.3 Críticas ao Pluralismo jurídico:

Enuncia que nada que o pluralismo diz não é direito, são comandos sociais, não são
regras obrigatórias. São simplesmente regulamentos não obrigatórios. O direito já se
afastou da religião. Ex: as pessoas sabem diferenciar pecado de crime.

Qualquer norma social é Direito? Perguntariam os partidários do monismo jurídico.

10.4 Pluralismo na prática jurídica:

Dentro do Direito Oficial: onde o direito do Estado permite a criação de outras regras.
Ex: acordos coletivos trabalhistas, essas acordos autoreguláveis. O direito estatal
autoriza a criação desses acordos. A conciliação e arbitragem oficiais teoricamente as
pessoas criam o direito entre elas.

Fora do direito oficial: onde o direito ocorre longe das vias institucionalizadas.
Voltamos à forma de resolução de conflitos fora do judiciário. Ex.: associações de
bairros com centros de conciliação.

Nota característica de poderem ser exigidos perante toda sociedade.

Os críticos dizem que tal abordagem não é Direito, pois não se poderia reconhecer tais
questões em um Tribunal. Enfim, pode-se olhar o direito de forma pluralista ou
monista.

Outra crítica é que as regras de outros grupos - e.g. Ku Klux Klan ou a Máfia - seriam
Direito? Para os defensores do Pluralismo Jurídico não podem ser encaradas como o
direito porque não tem relação com a ética, principalmente não tem em vista o bem
comum da sociedade.

Referência: Marcelo Neves. Crítico do Pluralismo Jurídico.

No Brasil o Direito tem muita interferência da política e da economia. Ex: salário


mínimo da CF prevendo diversas questões. E quando o Estado estipula o salário
mínimo é uma afronta à própria Constituição, esses fatores econômicos influenciam o
direito muitas vezes de forma negativa.
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11. Teoria Sistêmica da Sociedade:

O direito é um subsistema do sistema social. Sociedade, ou sistema social, não é o


agrupamento de indivíduos num território. A grande diferença do sistema social com os
outros sistemas é a comunicação. Por isso a grande importância da comunicação de
Luhmann, ela é que diferencia o homem dos outros animais. Ao se comunicar o ser
humano se refere às suas regras de comunicação já existente, portanto necessita de
elementos pré-existentes.

A comunicação é entre os sistemas e entre os subsistemas.

Exemplos de subsistemas sociais: política, educação, moral, religião.

A comunicação é dar sentido, significado, a algo.

12. Teoria Sistêmica e Autopoiese:

Autopoiese: Umberto Maturana e Francisco Varela (Chilenos). Para eles autopoiese é


condição para a vida. É um sistema que se autoreproduz. O conjunto de células entre si
se reproduzem, prescindido do meio ambiente para isso. É uma lógica circular. Produz
e reproduz os seus elementos, há uma auto-organização.

Um sistema autopoiético é essencialmente autonomo, sendo um sistema fechado e


aberto.

5 características que Luhmann trás da biologia para o Direito:

1. Auto-organização;

2. Auto-reprodução;

3. Auto-diferenciação;
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4. Auto-referência;

5. Auto-observação;

12.1 Perturbações: são influencias que o ambiente vai fazer no sistema.

Fechados: porque se autoregulam, auto-organiza etc.

Abertos: porque recebe essas perturbações

O direito é um sistema aberto e um sistema fechado.

12.2 Acoplamento Estrutural: são pontes entre subsistemas.

Ex: Ponte entre o Direito e a Política é a Constituição.

Corrupção sistêmica: vide infra.

12.3 Sistemas Sociais:

Os sistemas são cognitivamente abertos.

Em relação às operações e procedimentos eles são fechados.

12.4 Complexidade, Contingência e Seletividade:

Seletividade: seletividade entre as perturbações que recebe e as comunicações que faz.

Complexidade: possibildiade de vários comportamento, ações, possibilidade. A


sociedade é mais complexa quando há mais possibilidades de ações para as pessoas.

Contigência: toda complexidade implica em uma contingência. Contingência é uma


escolha, seletividade. Essa contingência seria sempre um olhar para o futuro, progrando
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uma nova legislações ou solução para o direito. Se há escolha há um risco. A


contingência é uma característica de todo sistema que se comunica.

Quanto mais complexo, mais opções, mais perturbações, mais seletividade, mais
contingência.

Contingência = Seletividade

Sem a comunicação o sistema morre.

12.5 Sistema:

O sistema que é o ambiente dos subsistemas tem a sua complexidade, suas várias
escolhas. A complexidade estruturada é quando uma perturbação.

O direito tem um código binário próprio: lícito e ilícito.

12.6 Sistema e Ambiente:

Os subsistemas criam a sua diferenciação. Em dado momento da história que não


existia como algo autônomo começa a criar a sua comunicação própria, auto-
observação.

A relação entre o ambiente e o sistema é dupla, pois assim como os subsistemas, eles
são abertos e fechados. Portanto, as perturbações são necessárias.

O subsistema é dependente e independente dos sistemas. A independência é a


autopoiese. Se o sistema não é autônomo ele não existe. Cada subsistema em um
sistema social tem a sua função, no caso do direito é dizer o que é lícito e ilícito. As
perturbações não podem afetar o seu código binário.

Diferenciação:

É uma teoria para compreensão da realidade, mas acima de tudo para o fortalecimento
do direito, pois só o direito pode determinar suas próprias normas, isso para evitar a
corrupção sistêmica.
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A comunicação do direito se dá através das normas, essa comunicação seria um


ambiente interno do direito.

12.7 Comunicações:

Na relação entre um subsistema e ambiente há uma comunicação-receptação-


processamento. Quando a comunicação é interrompida significa que ela não será
processada ou não será útil para o subsistema.

O direito tem sua linguagem própria. Na linguagem jurídica muitas palavras tem
sentidos próprias.

12.8 Identidade do Sistema:

Cria sua identidade quando há a diferenciação. Essa identidade também está em sua
auto-referência.

12.9 Evolução Social na Teoria dos Sistemas:

Mudança social, transformação social etc.

Luhmann diz que mudança social é transfomar o improvável em provável, uma coisa
que não existe em uma coisa que existe.

O direito que está fechado, se auto-reproduzindo, como ele mudará? Fará isso pelos
seus auto-procedimento, por exemplo, legislação; ou seja, influência das perturbações,
mas nunca determinar a criação do direito. O direito pode alterar ou não.

Um sistema ideal os outros subsistemas não influenciam o direito para Luhmann.


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13. O Direito como Sistema Autopoiético:

O direito criou sua própria complexidade, o direito traz suas próprias escolhas.

O direito normatiza as expectativas de comportamentos. O que as pessoas esperam que


as outras pratiquem. O direito aplica seu código binário em algumas relações e outras
não.

Junto a esse código binário, há a linguagem jurídica com três características:

a. Autônomo: só o direito pode alterar o direito.

i. O direito é um sistema aberto porque se comunica; fechado por que


autoregula.

b. Função própria:

c. Segundo grau: O direito é sempre um subsistema do sistema social, só pode


existir dentro de seu ambiente.

O sistema jurídico é autônomo ou condicionado pela sociedade? Para Marx é


superestrutura econômica que condiciona o Direito. Para Luhmann o direito é
autônomo, apenas sofre influências, mas não determinam.

Quais os elementos do sistema jurídico? São suas comunicações. O tipo peculiar de


comunicação do direito são as normas.

Circularidade do direito é sua auto-referência, referência as normas já existentes. Com


isso o direito interage com as perturbações sociais, apreendendo o que o ocorre em seu
sistema. Para Luhman não há direito fora do direito.
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Os sub-ramos do direito seriam elementos do subsistema do direito. Não são


subsistemas porque não tem autopoiese. Portanto, o direito é produto do próprio
direito.

Alguns dizem que o Direito é um subsistema imunológico do sistema social. Ele criará
ordem para que os subsistemas coexistam.

13.1 Direito Reflexivo:

Expoente: Gunther Teubner.

É o direito fechado e aberto que mantém sua ordem, autoconservação, ao mesmo


tempo que recebe as perturbações de outros sistemas.

O direito é normativamente fechado, mas é aberto cognitivamente, pois receber essas


perturbações dos ambientes.

O direito reflexivo é uma via de adaptação do direito a toda realidade social,


principalmente essa realidade globalizada. Podendo positivá-las ou não.

O direito é que vai legitimar as regras do sistema. O que legitima o direito é o


procedimento, a receptação as perturbações até que está se torne um novo direito.

Esse direito reflexivo é uma crítica a Kelsen, pois para este o direito é um sistema de
normas que se referem a outras normas até uma norma fundamental. Aqui o direito é
auto-circular.

13.2 Direito Responsivo:

É o direito que é só fechado ou só aberto. Se ele só fechado ele é extremamente formal.


Se ele extramamente aberto ele vai perdendo a sua característica de ciência.

13.3 Expectativas Normativas E Cognitivas:


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Expectativa Cognitiva: quando após uma frustração a expectativa se altera. Ex: familiar,
social, religiosa. A expectativa aqui não é válida para todos.

Expectativa Normativa: após a frustração a expectativa não se altera. É a expectativa do


direito, a frustração não altera essa expectativa. É quando violado que o direito mostra
a sua força. A expectativa do direito é válida para todos.

O direito pode transformar uma expectativa cognitiva em normativa.

14. Corrupção Sistêmica:

Quando o código binário do direito (lícito-ilícito) é sobreposto por outro código


binário (ter - não ter).

A corrupção sistêmica é contrária a autonomia do sistema.

Ex: o salário mínimo é estipulado por binômios da economia e da política, não do


direito. Exemplo dado por Marcelo Neves.

Essa corrupção coloca em risco a eficiência do direito.

14.1 Alopoiese: quando o sistema perde a sua circularide. É o oposto da autopoiese. A


fronteira dos sistemas vão deixando de existir, o direito vai se desvirtuando, não se sabe
o que é direito, economia, política etc.

14.2 Corrupção Sistêmica e Exclusão:

Dois elementos:

Sub-inclusão: quando algumas pessoas sofrem o ônus de estar em um sistema,


mas não recebem os benefícios desse sistema.

Sobre-inclusão: as pessoas têm os benefícios do sistema, mas não arcam com o


ônus do sistema.
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Num sistema corrompido essa exclusão está presente.

Para evitar isso deve-se concretizar as normas jurídicas. O Estado que não respeita suas
próprias normas está corrompendo o sistema.

Relacionar a teoria pura do direito com a teoria sistêmica autopoiética de Luhmann.

Para Kelsen as normas jurídicas vem sempre de outras normas. O Estado e o Direito
são da mesma coisa, uma ordem coercitiva.

Para a teoria sistêmica as normas não derivam de nenhuma norma fundamental, ou


ordem que a legitima, pois o sistema é circulante, ele próprio se cria. Não precisa de
uma norma fundamental para legitimá-lo. O estado e o poder estão no sistema política,
são estruturas do subsistema política. Os quais se relacionam com o direito através do
acoplamento estrutural que é a Constituição. O que legitima o poder é o direito. O que
legitima o direito é o procedimento auto-organizacional.
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15. Sistemas autopoiéticos e a teria da confiança na sociedade hipercomplexa:

15.1 Sociedade Hipercomplexa: complexa é dizer que existem várias opções, variáveis.
A hipercomplexidade vem da infinita capacidade humana para criar, ela é o aumento
das aptidões da sociedade, criações, evoluções. A hipercomplexidade é decorrência de
uma sociedade que a cada dia cria novas opções, onde muito se transforma.

A hipercomplexidade é uma complexidade crescente. Tão crescente que a abolição da


complexidade é um retrocesso.

Outra decorrência dessa sociedade hipercomplexa é internacionalização dos problemas.


É o que Ulrich Beck1 chama de sociedade de risco.

15.2 Acoplamento Estrutural:

Como o direito resolve os problemas dessa sociedade hipercomplexa? Através do


acoplamento estrutural, ou seja, da interdisciplinariedade, a comunicação entre outros
subsistemas.

O pluralismo jurídico é uma dessas alternativas à hipercomplexidade.

A comunicação global, a democracia participativa, o pluralismo de valores, os crimes


cibernéticos são perturbações que o direito deve levar em consideração.

15.3 Direito e Confiança:

A confiança é um instrumento que reduz a hipercomplexidade nas relações jurídicas.

Quanto mais confiança existe, entre as pessoas e entre estas o direito, menor é a
hipercomplexidade, menor o número de possibilidades e a comunidade se torna um

1
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pouco menos complexa. A confiança passa ser um instrumento essencial ao direito; ela
não se acaba com a complexidade, mas a reduz positivamente.

Expectativas:

Cognitivas:

Legislativas:

16. O Direito na Sociedade de Risco:

O direito vai trabalhar com alguns riscos, mas alguns riscos são insuportáveis. Nestes
casos o direito não pode admitir tais riscos. Ex: matar alguém, furtar, são riscos que o
direito não aceita punindo o agente. É um risco insuportável para a sociedade. Muitas
vezes a sociedade diz isso através do direito. Outros riscos são suportáveis e o Direito
não os tutelam.

16.1 Sociedade de Risco:

É um termo utilizado pelo Ulrich Beck, hipercomplexidade é utilizado por Luhmann.


Entretanto, são ideias semelhantes.

Os riscos sempre existiram, mas agora os riscos são globais. Outrora, como nas grandes
navegações, os riscos estavam sob poucos indivíduos; hoje o ato de um só indivíduo
pode modelar o presente, ou até mesmo o futuro. Ex: desastres nucleares.

Os riscos ultrapassam as fronteira e as classes sociais.

Características:

1. Global:

2. Invisível:

3. Imperceptível:
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Entretanto, esse risco é decorrente de um modo de produção industrial que deixa de


lado outras questões. A tecnologia quando avança também trás novos riscos. Ex:
indústria química, genética. O direito também sofrerá influência da tecnologia.

Os riscos de nosso tempo podem ser irreversíveis.

Edgar Morin: confiança nas sociedades hipercomplexas. Para ele tanto a fraternidade,
quanto o amor, a relação entres as pessoas, são relações que podem retomar os laços
que esta sociedade hipercomplexa se afastou.

Se por um lado um mundo aumenta, por outro ele diminui.

Alguns conceitos importantes de Beck:

Sair do laboratório: termo utilizado por Beck em comparação às condições normais de


temperatura e pressão dos laboratórios das ciências naturais.

Vulnerabilidade: o risco atinge a todos, mas alguns são mais vulneráveis. Ex: em uma
enchente alguns podem perder tudo e outros podem se restabelecer rapidamente.

16.2 Direito e Sociedade de Risco:

O grande problema é quando essa sociedade de risco começa a violar os próprios


direitos humanos. O direito tem que se preparar contra isso, principalmente para a
solução desses problemas.

Beck ainda fala de uma sociedade cosmopolita, uma consciência política cosmopolita.

17. Relações de Poder e Legitimação na interpretação sociológica:

Análise da sociedade e não na mera especulação filosófica. O que a sociedade é ou que


foi.
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17.1 Legitimidade e Poder:

Poder do ponto de vista sociológico não está apenas no Estado, mas nas pessoas.

A legitimidade numa perspectiva sociológica está ligada ao reconhecimento.

Para Luhmann o direito vem para legitimar o poder e a força. Para Luhmann o que
legitima o direito é o procedimento interno que instituiu o Direito.

Para Carl Schmitt o Direito legitima o poder, a força e a violência.

Mas para Weber não basta o aspecto formal, sim o conteúdo, o aspecto material. Para
Max Weber existem dois tipos de legitimidade:

Formal: lei, portanto do Direito.

Material: relacionado ao conteúdo.

Para Habermas a legitimidade está no procedimento democrático. Democracia para ele


é a participação discursiva da sociedade não criação da lei. Esse processamento
democrático sempre seria preenchido pelos direitos fundamentais.

17.2 Legitimidade e Eficácia:

Eficácia na sociologia tem dois problemas:

1. Quando o Estado garante teoricamente direitos para todos, mas não cumpre. Ex:
normas programáticas.

2. Quando o Direito não cumpre as demandas da sociedade, mesmo sendo eficaz ele
não cumpre as demandas da sociedade de risco.
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Isso leva a abertura de espaço para os "novos direito", o Pluralismo Jurídico.

Eficácia: é aplicação, cumprimento.

Efetividade: solução completa para o problema.

17.3 Poder, Direito e burocracia:

Burocracia também é uma forma controle social.

Em Weber a burocracia é um sistema de organização dos grupos sociais. Compostas de


3 características principais:

1. Imparcialidade:

2. Racionalidade:

3. Eficiência:

O Estado age através da burocracia, principalmente de sua burocracia legal. O grande


problema é que o conceito de burocracia é utilizado de forma pejorativa.

18. Revolução: instrumento de transformação social:

Referência: Hannah Arendt.

18.1 Conceito:

Para Arendt o conceito de revolução pode ser tratado de duas formas:

1. Antes da Revoluções Burguesas: é a restauração, uma retomada do antigo, uma


tradição perdida.

2. Após a Revolução Americana e Francesa: revolução como uma nova ordem.


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18.2 Conceito jurídico:

Referência: Paulo Bonavides.

A revolução ela insurge contra o direito, contra o sistema jurídico existente. É uma
revogação do direito anterior em todo ou em parte. As revoluções políticas alteram o
direito público. Quando a revolução é social altera o direito privado, principalmente o
direito de propriedade.

A revolução a priori destrói todo o direito positivo, mas ao mesmo tempo cria um novo
direito. Juridicamente não existe direito à revolução. Pode-se justificar uma revolução
como moral, teologia, ideologia, mas jamais justificá-la com o direito.

A violência numa revolução é um elemento extrínseco, pode ocorrer uma revolução


sem violência.

Conceito jurídico: quebra do princípio da legalidade, queda de um ordenamento


jurídico com a sua substituição por uma normatividade nova e estabelecimento de um
poder constituinte originário. Sem limites legais, mas com limites éticos, morais.

Revolução e legitimidade: não há revolução legitimada pelo o direito, mas legitimada a


posteriori.

18.3 Golpe e Reforma:

O golpe é contra um governante ou grupo governado, não é contra as instituições


sociais, mas contra um grupo. O princípio que rege aquela sociedade se mantém.

Reforma são as alterações não essenciais do sistema político e social apenas para não
possibilitar uma futura revolução. Só alteraria a moldura do sistema.

19. O Poder Judiciário e as novas demandas sociais:

Referência: José Eduardo Faria.


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Antes se dizia que não cabia ao juiz resolver os problemas sociais, mas tão só a lei. Essa
mentalidade é substituída pela busca da resolução dos conflitos. O judiciário precisa
focar no problema e não na lei.

MPF: Historicidade das normas. As leis, a constituição, devem ser interpretadas a cada
geração, a cada momento. A lei deve se atualizada quando interpretada. Trazer a lei para
sua realidade.

20. O Judiciário e a crise de legitimação: reflexões para administração da justiça

Referência: José Ribas Vieira

Como o judiciário vai manter sua função de julgar e a eficácia das leis.

Deve-se distinguir:

1. Sociologia Judiciária ou da Administração da Justiça: foco no Poder Judiciário.


Relação deste com os jurisdicionados.
2. Sociologia do Direito: foco na lei, efetividade etc.

A explosão dos direitos sociais na europa se dá no pós-guerra. No Brasil pela


incompetência do judiciário, por não responder a tempo e a contento as demandas
jurídicas.

O judiciário deve se preocupar:

1. Democratização da justiça:

2. Efetividade dos direitos humanos: o judiciário deve reconhecer direitos


fundamentais.

Dois termos de Weber:

Validade: correspondência das normas, mas especialmente dos valores das normas
com os valores da sociedade.
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Eficácia e efetividade:

Eficácia: cumprimento da norma.

Efetividade: solução do conflito.

O combate a corrupção e das regalias são essenciais, mas, além disso, a aproximação do
Judiciário com o jurisdicionado seja através da mídia, seja através do acesso à
administração do judiciário, pois há uma cúpula do judiciário que não conclama a
sociedade para participar. Isto para a reconstrução do "tecido ético", baseado uma ética
cosmopolita (solidariedade, fraternidade).

O juiz gestor trabalhará nas relações com as pessoas, visando melhorar o serviço
prestado pelo Judiciário. Não perdendo nunca de vista o foco nos direitos
fundamentais.
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Revista Critica de Ciências Sociais N," 21


Novembro 19&S

BOAVENTURA DE SOUSA
SANTOS

Prot. Associado da
Faculdade de Economia da Coimbra

INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA DA
ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA*
Entra outras razoes, o aumento dramático organização profissional; a existência na
dos processos e as consequências que saciedade de múltiplas instâncias
produziu nos tribunais propiciou o interasse jurisdicionais que competem com os
da sociologia pelo estudo da administração tribunais na resolução d OS conflitos. Os
da justiça. Entre as fanas tinhas de principios de uma nova politica judiciária,
investigação, distinguem-se: as que se anunciam, e a democratização da
desigualdades no acesso ao direito; o fim do justiça, para que apontam, exigem que se
mito da neutralidade dos tribunais façam investigações empíricas nestas áreas
concebidas como sub-sts-tema do sistema am Portugal.
politico sujeito a um padrão especifico da

A sociologia do direito só se constitui em ciência socialn na


Condições
saciais e
acepção contemporânea do termo, isto é, em ramo especializado da sociologia teóricas da
geral, depois da segunda guerra mundial. Foi então que, mediante o uso de sociologia dos
técnicas e métodos de investigação empírica e mediante a teorização própria tribunais
feita sobre os resultados dessa investigação, a sociologia do direito
verdadeiramente construiu sobre o direito um objecto teórico específico,
autónomo, quer em relação à dogmática política, quer em relação à filosofia do
direito. No entanto, antes deste período foi grande e rica a produção científica
orientada por uma perspectiva sociológica do direito e a tal ponto que a
sociologia do direito é, sem dúvida, de todos os ramos da sociologia aquele em
que o peso dos precursores, das suas orientações teóricas, das suas
preferências de investigação, das suas criações conceituais, mais fortemente se
tem feito sentir. 0 que não surpreende se tivermos em conta que, ao

' Este trabalho foi inicialmente apresentado, em varsáo abreviada, no 1." Simpósio
Internacional do Processo Civil e Organização Judiciária realizado na Faculdade de Direito de
Coimbra de 21 a 26 da Maio de 1984, e publicado no Brasil na Ravista de Processo 37. 1&35.
pp. 121-139 e, em versão espanhola, na Revista Uruguaya da Derecho Procesal 1, 19135,
pp. 21-35.

contrário doutros ramos da sociologia, a sociologia do direito ocupa-se de um fenómeno social, o direito, sobre o
qual incidem séculos de produção intelectual cristalizada na idade moderna em disciplinas como a filosofia do
direito, a dogmática jurídica e a história do direito.
Uma das ilustrações mais significativas deste peso dos precursores consiste no privilegiamento, sobretudo
no período inicial, de uma visão normativista do direito em detrimento de uma visão institucional e organizacional
e, dentro daquela, no privilegiamento do direito substantivo em detrimento do direito processual, uma distinção ela
própria vinculada a tradições teóricas importadas acriticamente pela sociologia do direito. Sem recuarmos aos
precursores dos precursores, Giambattista Vico (1953) e Montesquieu (1950-1961), é notório que a visão
Boaventura de
Sousa Santos

normativista e substantivista do direito domina, no século XIX, a produção e as discussões teóricas, quer de
juristas, quer de cientistas sociais, como hoje lhe chamaríamos, interessados pelo direito. Assim, e quanto aos
primeiros, de todos os debates que na época são portadores de uma perspectiva sociológica do direito, ou seja, de
uma perspectiva que explicitamente tematiza as articulações do direito com as condições e as estruturas sociais
em que opera, o debate sem dúvida polarizador é o que opõe os que defendem uma concepção de direito
enquanto variável dependente, nos termos da qual o direito se deve limitar a acompanhar e a incorporar os valores
sociais e os padrões de conduta espontânea e paulatinamente constituídos na sociedade, e os que defendem uma
concepção do direito enquanto variável independente, nos termos da qual o direito deve ser um activo promotor de
mudança social tanto no domínio material como no da cultura e das mentalidades, um debate que, para lembrar
posições extremas e subsidiárias de universos intelectuais muito distintos, se pode simbolizar nos nomes de
1
Savigny (1840) e de Bentham ( ). O mesmo se pode dizer quanto ao debate oitocentista sobre o direito no âmbito
da sociologia emergente. Se é certo que se acorda em que o direito reflecte as condições prevalecentes e ao
mesmo tempo actua conformadora-mente sobre elas, o debate polariza-se entre os que concebem o direito como
o indicador privilegiado dos padrões de solidariedade social, garante da composição harmoniosa dos conflitos por
via da qual se maximiza a integração social e realiza o bem comum, e os que concebem o direito como expressão
última de interesses de classe, um instrumento de dominação económica e política que por via da sua
formaenunciativa (geral e abstracta) opera a transformação ideológica dos interesses particularísticos da classe
2
dominante em interesse colectivo universal, um debate que se pode simbolizar nos nomes de Durkheim (1977) ( )
3
e de Marx( ).
No primeiro quartel do nosso século a visão normativista substantivista do direito continuou a dominar, ainda
que com nuances, o pensamento sociológico sobre o direito. É assim exemplarmente o caso de Ehrlich, para
alguns o fundador da sociologia do direito, em qualquer dos dois grandes temas da sua produção cientifica: o
direito vivo e a criação judiciária do direito (1929 e 1967). No que respeita ao primeiro, o direito vivo, é central a
contraposição entre o direito oficialmente estatuído e formalmente vigente e a normatividade emergente das
relações sociais pela qual se regem os comportamentos e se previne e resolve a esmagadora maioria dos
conflitos. No que respeita ao segundo, a criação judiciária do direito, é ainda a mesma visão fundante que dá
sentido à distinção entre a normatividade abstracta e exangue da lei e a normatividade concreta e conformadora
da decisão do juiz. Atente-se, no entanto, que este segundo tema, e em geral a orientação teórica da escola do
4
direito livre ou da jurisprudência sociológica (Pound, 1911 e 1912) ( ), ao deslocar a questão da normatividade do
direito dos enunciados abstractos da lei para as decisões particulares do juiz, criou as pre-condições teóricas da
transição para uma nova visão sociológica centrada nas dimensões processuais, institucionais e organizacionais
do direito. Nesta mesma transição e ainda no mesmo período (o primeiro quartel do nosso século) se situa a obra
de M. Weber (1964) (5). A preocupação de Weber em definir a especificidade e o lugar privilegiado do direito entre
as demais fontes de normatividade em circulação nas relações sociais no seio das sociedades capitalistas levou-o
a centrar a sua análise no pessoal especializado encarregado da aplicação das normas jurídicas, as profissões
jurídicas, a burocracia estatal. Segundo ele, o que caracterizava o direito das sociedades
capitalistas e o distinguia do direito das sociedades anteriores era o construir um monopólio estatal administrado
por funcionários especializados segundo critérios dotados de racionalidade formal, assente em normas gerais e
abstractas aplicadas a casos concretos por via de processos lógicos controlaveis, uma administração em tudo
integrável no tipo ideal deburocracia por ele elaborado.
14

Esta tradição intelectual diversificada mas em que domina a visão


normativista e substantivista do direito teve uma influência decisiva na
constituição do objecto da sociologia do direito no pós-guerra. Dentre os
grandes temas deste período refiro dois a título de exemplo: a discrepância
entre o direito formalmente vigente e o direito socialmente eficaz, a célebre

1
1 ) Fiel às suas posições teóricas, Bentham procurou influenciar as transformações jurídicas no início do periodo liberal em Portugal
(cfr. Bentham, 1823).
2
( ) Num estudo de autonomização teórica em relação à ciência jurídica, Durkheim recusa a distinção entre direito público e direito
privado, por considerá-la insustentável no plano sociológico, substituindo-a pela distinção entre direito repressivo (o direito penal) e
direito restitutivo (direito civil, direito comercial, direito processual, direito administrativo e constitucional). Cada um destes tipos de
direito corresponde a uma forma de solidariedade social. O direito repressivo corresponde à solidariedade mecânica, assente nos
valores da consciência colectiva cuja violação constitui um crime, uma forma de solidariedade dominante nas sociedades do passado.
O direito restitutivo corresponde à solidariedade orgânica, dominante nas sociedades contemporâneas, assente na divisão do
trabalho social cuja violação acarreta a sanção de simples reposição das coisas.
3
( ) Como se sabe, Marx não produziu uma teoria sociológica do direito. No entanto, a sua vasta obra está repleta de referências não
sistemáticas ao direito. Cfr., em especial, A Contribuição à Critica da Filosofia do Direito de Hegel (1843); A Ideologia Alemã
(1845-46); artigos no Neue Rheinische Zeitung (1848-49), O Dezoito de Brumário de Napoleão Bonaparte (1852); Grundrisse
(1857-58); O Capital (1867); A Guerra Civil em França (1871) e A Critica do Programa de Gotha (1875).
4
( ) Foi, aliás, Roscoe Pound quem apresentou Ehrlich à comunidade cientifica anglo-saxónica em 1936.
5
( ) A melhor selecção do que nesta obra respeita à sociologia do direito é a de Max Rheinstein (1967).
Boaventura de
Sousa Santos

dicotomia law in booksllaw in action da sociologia jurídica americana; as


relações entre o direito e o desenvolvimento socio-económico e mais
especificamente o papel do direito na transformação modernizadora das
sociedades tradicionais. Em qualquer destes temas, bastante distintos, um
centrado preferentemente nas preocupações sociais dos países desenvolvidos
e o outro nas dos países em desenvolvimento, são nítidos o privilegiamento das
questões normativas e substantivas do direito e a relativa negligência das
questões processuais, institucionais e organizacionais.
No entanto, esta conjuntura intelectual em breve se alterou. Contribuíram
para isso duas ordens de condições, ambas emergentes no final da década de
50, início da década de 60: condições teóricas e condições sociais. Entre as
primeiras, as condições teóricas, saliento três. Em primeiro lugar, o desen-
volvimento da sociologia das organizações, um ramo da sociologia que tem em
Weber um dos principais inspiradores, dedicado em geral ao estudo dos
agrupamentos sociais criados de modo mais ou menos deliberado para a
obtenção de um fim específico, com enfoques diversos sobre a estrutura e a
forma das organizações, sobre o conjunto das Interacções sociais no seu seio
6
ou no impacto delas no comportamento dos indivíduos) ). Este ramo da
sociologia desenvolveu em breve un interesse específico por uma das
organizações de larga escala dominante na nossa sociedade, a organização

6
( ) Para além dos clássicos (M. Weber e R. Michels) as referências básicas neste ramo
da sociologia sào: P. Selznick (1949); P. Blau (1955); J. March e H. Simon (1958); M. Crozier
(1963); S. Clegg e D. Dunkerley (1980).

judiciária e particularmente os tribunais (Heydebrand, 1977 e 1979).


A segunda condição teórica é constituída pelo desenvolvimento da ciência
política e pelo interesse que esta revelou pelos tribunais enquanto instância de
decisão e de poder políticos. A teoria dos sistemas utilizada na análise do
6
sistema político em geral ( ) encontrou no sistema judiciário um ponto de
aplicação específico e as acções dos actores do sistema, particularmente as dos
7
juízes, passaram a ser analisadas em função das suas orientações políticas ( ).
A terceira condição teórica é constituída pelo desenvol- 15
vimento da antropologia do direito ou da etnologia jurídica, ao libertar-se
progressivamente do seu objecto privilegiado, as sociedades coloniais,
virando-se para os novos países africanos e asiáticos e para os países em
desenvolvimento da América Latina, até finalmente descobrir o seu objecto
duplamente primitivo dentro de casa, nas sociedades capitalistas desenvolvidas.
Ao centrar-se nos litígios e nos mecanismos da sua prevenção e da sua
resolução, a antropologia do direito desviou a atenção analítica das normas e
orientou-se para os processos e para as instituições, seus graus diferentes de
formalização e de especialização e sua eficácia estruturadora dos
comportamentos (8).
Cabe agora referir brevemente as condições sociais que, juntamente com
as condições teóricas, possibilitaram a orientação do interesse sociológico para
as dimensões processuais, institucionais e organizacionais do direito. Distingo
duas condições principais. A primeira diz respeito às lutas sociais
protagonizadas por grupos sociais até então sem tradição histórica de acção
colectiva de confrontação, os negros, os estudantes, amplos sectores da
pequena burguesia em luta por novos direitos sociais no domínio da segurança
social, habitação, educação, transportes, meio ambiente e qualidade de vida,
etc, movimentos sociais que em conjunção (por vezes difícil) com o movimento
operário procuraram aprofundar o conteúdo democrático dos regimes saídos do

( ) Veja-se Easton (1965), uma das obras mais influentes.


7

8
( ) Para uma visão geral, veja-se J. Grossman e R. Wells (orgs.) (1980: 3-76). Em especial, cfr.: G. Schubert (1960); A. Bickel (1963);
H. Jacob (org.) (1967); R. Dahl (1967); uma análise crítica do artigo precedente em J. Cásper (1976); M . Shapiro (1975).
9
( ) Neste sentido, cfr. Santos (1980) e a bibliografia ai citada.
Boaventura de
Sousa Santos

pós--guerra( 9 ). Foi neste contexto que as desigualdades sociais foram sendo


recodificadas no imaginário social e político e passaram a constituir uma ameaça
ã legitimidade dos regimes políticos assentes na igualdade de direitos. A
igualdade dos cidadãos perante a lei passou a ser confrontada com a desi-
gualdade da lei perante os cidadãos, uma confrontação que em breve se
transformou num vasto campo de análise sociológica e de inovação social
centrado na questão do acesso diferencial ao direito e ã justiça por parte das
diferentes classes e estratos sociais.
A segunda condição social do interesse da sociologia pelo processo e pelos tribunais é constituída pela
eclosão, na década de 60r da chamada crise da administração da justiça,

16

uma crise de cuja persistência somos hoje testemunhas. Esta condição está
em parte relacionada com a anterior. As lutas sociais a que fiz referência
aceleraram a transformação do Estado liberal no Estado assistencial ou no
Estado-providên-cia, um Estado activamente envolvido na gestão dos conflitos
e consertações entre classes e grupos sociais, e apostado na minimização
possível das desigualdades sociais no âmbito do modo de produção capitalista
dominante nas relações económicas. A consolidação do Estado-provldència
significou a expansão dos direitos sociais e, através deles, a integração das
classes trabalhadoras nos circuitos do consumo anteriormente fora do seu
11
alcancei ). Esta integração, por sua vez, implicou que os conflitos emergentes
dos novos direitos sociais fossem constitutivamente' conflitos jurídicos cuja
diri-mição caberia em principio aos tribunais, litigios sobre a relação de
trabalho, sobre a segurança social, sobre a habitação, sobre os bens de
consumo duradouros, etc., etc. Acresce que a integração das classes
trabalhadoras (operariado e nova pequena burguesia) nos circuitos do
consumo foi acompanhada e em parte causada pela Integração da mulher no
mercado de trabalho, tomada possível pela expansão da acumulação que
caracterizou este período. Em consequência, o aumento da pool de
rendimentos familiares foi concomitante com mudanças radicais nos padrões
do comportamento familiar (entre cônjuges e entre pais e filhos) e nas próprias
estratégias matrimoniais, o que veio a constituir a base de uma acrescida
conflitualidade familiar tornada socialmente mais visível e até mais aceite
através das transformações do direito de família que entretanto se foram
verificando. E esta foi mais uma causa do aumento dos litígios judiciais.
De tudo isto resultou uma explosão de litigiosidade à qual a administração
da justiça dificilmente poderia dar resposta. Acresce que esta explosão veio a
agravar-se no inicio da

C1) As transformações do poder do Eslaúo daí decorrentes são


importantes e complexas. C1r., â titula de exemplo, Santos ã),
década de 70, ou seja, num período em que a expansão económica terminava
e se iniciava uma recessão que se prolonga até hoje e que. pela sua pertinácia,
assume um carácter estrutural. Daí resultou a redução progressiva dos
recursos financeiros do Estado e a sua crescente incapacidade para dar
cumprimento aos compromissos assistenciais e 2providenciais assumidos para
com as classes populares na década ante-rior(' ). Uma situação que dã pelo
nome de crise financeira do Estado e que se foi manifestando nas mais
diversas áreas de actividade estalai e que, por isso, se repercutiu também na
incapacidade do Estado para expandir os serviços de administração da justiça
de modo a criar uma oferta de justiça compatível com a procura entretanto
verificada. Daqui resultou um factor adicional da crise da administração da
justiça. A visibilidade social que lhe foi dada pelos meios de comunicação
social e a vulnerabilidade política que ela engendrou para as elites dirigentes
esteve na base da cciação de um novo e vasto campo de estudos sociológicos
sobre a administração da justiça, sobre a organização dos tribunais, sobre a

(10) São muito numerosas as análises empíricas dos diferentes movimentos sociais. Dentre os autores que melhor teorizaram a
emergência e o significado sociais destes movimentos é justo salientar, na Europa, A. Tou-raine (1965 e 1973) e, nos EUA, A.
Oberschall (1973) e F. Piven (1977). Dentre os autores que melhor têm analisado as relações entre os movimentos sociais e o direito,
destaco F. Piven e R. Cloward (1971) e J. Handler (1978).
Boaventura de
Sousa Santos

formação e o recrutamento dos magistrados, sobre as motivações das


sentençasH sobre as ideologias políticas e profissionais dos vários sectores da
administração da justiça, sobre o custo da justiça, sobre os bloqueamentos dos
processos e sobre o ritmo do seu andamento em suas várias fases.

II

Uma vez analisados os antecedentes e as condições da Temas da contribuição da sociologia do direito


para o aprofundamento sociologia dos das complexas interacções entre o direito processual e a
tribunais administração da justiça, por um lado. e a realidade social e económica em que Operam, por outro,
passarei agora a analisar de modo sistemático o âmbito diversificado dessa contribuição com vista a apontar com
base nela, na parte final deste trabalho, as linhas de investigação mais promissoras Ê o perfil de uma nova politica
judiciária. Concentrar-me-ei na análise das contribuições no âmbito da justiça civil, embora muitas destas tenham
um âmbito mais geral e abarquem também a justiça penal, como facilmente se reconhecerá.
Distinguirei três grandes grupos temáticos: o acesso ã justiça: a administração da
justiça enquanto Instituição política e organização profissional, dirigida á produção de
serviços especializados; a litigiosidade social e os mecanismos da sua resolução
existentes na sociedade.
1Z
( ) Uma das obras mais recentes sobre esta questão é Fana et aí. ¡1983).
O acesso a O terna do acesso à justiça é aquele que mais directa-
justiça mente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça
social, entre igualdade juridico-formal e desigualdade socio-
-económica. No âmbito da justiça civil, muito mais propria-
mente do que no da justiça penal, pode íalar-se de procura,
real ou potencial, da justiça (13). Uma vez definidas as suas
características internas e medido o seu âmbito em termos
quantitativos, é possível compará-la com a oferta da justiça
produzida pelo Estado Não se trata de um problema novo. No
princípio do século, tanto na Áustria como na Alemanha,
1Q foram frequentes as denúncias da discrepância entre a pro-
cura e a oferta da justiça e foram várias as tentativas para a minimizar, quer por
parte do Estado (a reforma do processo civil levada a cabo por Franz Klein na
Áustria) {Kleinf 1958; Denti, 1971). quer por parte dos interesses organizados
das classes sociais mais débeis (por exemplo, os centros de consulta jurídica
organizados pelos sindicatos alemães) (Reífner, 1978). Foi, no entanto, no
pós-guerra que esta questão explodiu. Por um lado, a consagração
constitucional dos novos direitos económicos e sociais e a sua expansão
paralela à do Estado de bem estar transformou o direito ao acesso efectivo à
justiça num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos
os demais. Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu
respeito, os novos direitos sociais e económicos passariam a meras
declarações politicas, de conteúdo e função mistificadores. Dai a constatação
de que a organização da justiça civil e, em particular, a tramitação processual
não podiam ser reduzidas à sua dimensão técnica, socialmente neutra, como
era comum serem concebidas pela teoria processualista, devendo investigar-se
as funções sociais por elas desempenhadas e em particular o modo como as
opções técnicas no seu seio veiculavam opções a favor ou contra interesses
sociais divergentes ou mesmo antagônicos (interesses de patrões ou de operá-
rios, de senhorios ou de inquilinos, de rendeiros ou de proprietários fundiários,
de consumidores ou de produtores, de homens ou de mulheres, de pais ou de
,4
filhos, de camponeses ou de citadinos, etc, etc.) ( ).
Neste domínio, a contribuição da sociologia consistiu em investigar
sistemática e empiricamente os obstáculos ao acesso efectivo ã justiça por
parte das classes populares com

13
( J Na justiça penal há, por assim dizer, uma procura forçada da justiça,
nomeadamente por parte do réu. no entanto, a nível global, pode igualmente falar-se de
procura social da justiça penal.
Boaventura de
Sousa Santos

14
i ) Na Europa Continental a hegemonia da ciência jurídica positivista tornou
particularmente difícil o reconhecimento dos pressupostos políticos e sociais por detrás das
soluções técnicas processuais Neste sentido, M Cappelletti (1969) e P. Calamandrei (1956).
vista a propor as soluções que melhor os pudessem superar. Muito em geral
pode dizer-se que os resultados desta investigação permitiram concluir que
eram de três tipos esses obstáculos: económicos, sociais e culturais (,s). Quanto
aos obstáculos económicos, verificou-se que, nas sociedades capitalistas em
geral, os custos da litigação eram muito elevados e que a relação entre o valor
da causa e o custo da sua litigação aumentava à medida que baixava o valor da
causa. Assim, na Alemanha, verificou-se que a litigação de uma causa de valor
médio na primeira instância de recurso custaria cerca de metade do valor da
causa. Na Inglaterra verificou-se que em cerca de um terço das causas em que
houve contestação os custos globais foram superiores aos do valor da causa.
Na Itália, os custos da litigação podem atingir 8,4% do valor da causa nas
causas com valor elevado, enquanto nas causas com valor diminuto essa
percentagem pode elevar-se a 170% (Cappelletti e Garth, 1978: I, 10 e segs.).
Estes estudos revelam que a justiça civil é cara para os cidadãos em geral, mas
revelam sobretudo que a justiça civil é proporcionalmente mais cara para os
cidadãos economicamente mais débeis. É que são eles fundamentalmente os
protagonistas e os interessados nas acções de menor valor e é nessas acções
que a justiça é proporcionalmente mais cara, o que configura um fenómeno da
dupla vitimização das classes populares face à administração da justiça.
De facto, verificou-se que essa vitimização é tripla na medida em que um
dos outros obstáculos investigados, a lentidão dos processos, pode ser
facilmente convertido num custo económico adicional e este é
proporcionalmente mais gravoso para os cidadãos de menos recursos. No final
da década de 60, a duração média de um processo civil na Itália era, para o
percurso das três instâncias. 6 anos e 5 meses (Resta, 1977: 80); alguns anos
mais tarde, na Espanha, essa duração era cerca de 5 anos e 3 meses
(Cappelletti e Garth, 1978: 14). No final da década de 60 as acções civis perante
o tribunal de grande instância em França duravam 1,9 anos e perante o tribunal
de primeira instância na Bélgica 2,33 anos (Cappelleti e Garth, 1978). A análise
da duração média dos processos civis e a consequente verificação do aumento
da lentidão da justiça é um dos temas mais intrigantes da investigação
sociológica sobre os tribunais nos nossos dias. Por um lado, verifica-se que a
litigação civil tem vindo a diminuir

(15) o sentido geral dos estudos do período inicial está patente em Conterence
Proceedings (1964) e em J. Carlin e J. Howard (1965). Pode ainda ter-se uma visão global
e aprofundada dos estudos realizados nos vários países, durante a década seguinte, em
Cappelletti e B. Garth (orgs.) (1978), uma obra monumental e uma referência bibliográfica
obrigatória neste domínio.

de volume nas últimas décadas. Os estudos feitos na Itália neste campo (Resta,
1977: 83 e segs.) corroboram inteiramente os produzidos em Espanha, onde
Juan Toharia (1974: 190) conclui que ao maior desenvolvimento social e econó-
mico, e ao consequente aumento da vida jurídica civil e da conflitualidade social
nesta área, tem correspondido um decréscimo das causas civis nos tribunais de
justiça. A este fenómeno voltarei mais tarde. Por agora basta referir o paradoxo
denunciado muito recentemente por Vincenzo Ferrari (1983: 338): apesar da
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça

carga do contencioso civil ter vindo a diminuir e apesar das muitas inovações
introduzidas com o objectivo de tornar a justiça civil mais expedita, o facto é que
se tem vindo a verificar um aumento constante da duração média dos processos
civis. E mais intrigante ainda é o facto de este aumento se revelar resistente não
só às inovações parciais que o procuram controlar mas também em relação às
restruturações globais do processo tendentes a eliminar por completo a lentidão
da justiça. Assim, o processo de trabalho, que, no início da década de 70,
constitui juntamente com o Statuto dei lavoratori uma importante vitória das
organizações operárias italianas no sentido de acelerar a administração da
justiça mais directamente relevante para os interesses das classes
trabalhadoras, tem-se vindo a revelar, em tempos recentes, impotente para
impedir o aumento progressivo da duração das causas laborais.
Estas verificações têm levado a sociologia judiciária a concluir que as
reformas do processo, embora importantes para fazer baixar os custos
económicos decorrentes da lentidão da justiça, não são de modo nenhum uma
panaceia, É preciso tomar em conta e submeter a análise sistemática outros
factores quiçá mais importantes. Por um lado, a organização judiciária e a
racionalidade ou irracionalidade dos critérios de distribuição territorial dos
magistrados. Por outro, a distribuição dos custos mas também dos benefícios
decorrentes da lentidão da justiça. Neste domínio, e a título de exemplo, é
importante investigar em que medida largos estratos da advocacia organizam e
rentabilizam a sua actividade com base na (e não apesar da) demora dos
processos (Ferrari, 1983: 339; Resta, 1977: 87). Mas, como comecei por referir,
a sociologia da administração da justiça tem-se ocupado também dos
obstáculos sociais e culturais ao efectivo acesso à justiça por parte das classes
populares, e este constitui talvez um dos campos de estudo mais inovadores.
Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da
justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem e que
essa distância tem como causas próximas não apenas factores económicos,
mas também factores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar
mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades económicas.
Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os
seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema
que os afecta como sendo problema jurídico. Podem ignorar os direitos em jogo
ou ignorar as possibilidades de reparação jurídica. Caplowitz (1963), por
exemplo, concluiu que quanto mais baixo é o estrato social do consumidor
maior é a probalidade que desconheça os seus direitos no caso de compra de
um produto defeituoso. Em segundo lugar, mesmo reconhecendo o problema
como jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa se
disponha a interpor a acção. Os dados mostram que os indivíduos das classes
baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo
quando reconhecem estar perante um problema legal. Numa investigação
efectuada em Nova Iorque junto de pessoas que tinham sido vítimas de
pequenos acidentes de viação, verificou-se que 27% dos inquiridos da classe
baixa nada faziam em comparação com apenas 2% dos inquiridos da classe
alta (citado em Carlin e Howard, 1965), ou seja, quanto mais baixo é o status
socio-económico da pessoa acidentada menor é a probabilidade que interponha
uma acção de indemnização. Dois factores parecem explicar esta desconfiança
ou esta resignação: por um lado, experiências anteriores com a justiça de que
resultou uma alienação em relação ao mundo jurídico (uma reacção
compreensível ã luz dos estudos que revelam ser grande a diferença de
qualidade entre os serviços advocatícios prestados às classes de maiores
recursos e os prestados às classes de menores recursos); por outro lado, uma
situação geral de dependência e de insegurança que produz o temor de
represálias se se recorrer aos tribunais. Em terceiro e último lugar, verifica-se
que o reconhecimento do problema como problema jurídico e o desejo de
recorrer aos tribunais para o resolver não são suficientes para que a iniciativa
seja de facto tomada. Quanto mais baixo é o estrato socio-económico do
cidadão menos provável é que conheça advogado ou que tenha amigos que
conheçam advogados, menos provável é que saiba onde e como e quando
pode contactar o advogado e maior é a distância geográfica entre o lugar onde
vive ou trabalha e a zona da cidade onde se encontram os escritórios de
advocacia e os tribunais.
O conjunto uestes estudos revelou que a discriminação social no acesso à
justiça é um fenómeno muito mais complexo do que à primeira vista pode
parecer, já que, para além das condicionantes económicas, sempre mais
óbvias, envolve condicionantes sociais e culturais resultantes de processos de
socialização e de interiorização de valores dominantes muito difíceis de
transformar.
A riqueza dos resultados das investigações sociológicas no domínio do
acesso à justiça não pôde deixar de se reflectir nas inovações institucionais e
organizacionais que, um pouco por toda a parte, foram sendo levadas a cabo
para minimizar as escandalosas discrepâncias entre justiça civil e justiça social
verificadas.
No imediato pós-guerra, vigorava na maioria dos países
um sistema de assistência judiciária gratuita organizada pela
22 ordem dos advogados a titulo de múnus honorificum (Cappel-
letti e Garth, 1978: I, 22 e segs.; Blankenburg, 1980). Os inconvenientes deste
sistema eram muitos e foram rapidamente denunciados. A qualidade dos
serviços jurídicos era baixíssima, uma vez que, ausente a motivação
económica, a distribuição acabava por recair em advogados sem experiência e
por vezes ainda não plenamente profissionalizados, em geral sem qualquer
dedicação à causa. Os critérios de eligibi-lidade eram em geral estritos e, muito
importante, a assistência limitava-se aos actos em juízo, estando excluída a
consulta jurídica, a informação sobre os direitos. A denúncia das carências
deste sistema privado e caritativo levou a que, na maioria dos países, ele fosse
sendo substituído por um sistema público e assistencial organizado ou
subsidiado pelo Estado. Na Inglaterra, criou-se logo em 1949 um sistema de
advocacia convencionada posteriormente aperfeiçoado (1974), segundo o qual
qualquer cidadão elegível nos termos da lei para o patrocínio judiciário gratuito
escolhe o advogado dentre os que se inscreveram para a prestação dos
serviços e que constam de uma lista; uma lista sempre grande, dado o atractivo
da remuneração adequada a cargo do Estado. Nas duas décadas seguintes
muitos países introduziram esquemas semelhantes de serviços jurídicos
gratuitos. Estes esquemas, conhecidos nos países anglo-saxónicos pela
designação de Judicare, uma vez postos em prática, foram submetidos a
estudos sociológicos que, apesar de assinalarem as significativas vantagens do
novo sistema em relação ao anterior, não deixaram contudo de revelar as suas
limitações (Blankenburg, 1980: 1 e segs.; Abel-Smith ef a/., 1973). Em primeiro
lugar, apesar de em teoria o sistema incluir a consulta jurídica
independentemente da existência de um litígio, o facto é que, na prática, se
concentrava na assistência judiciária. Em segundo lugar, este sistema
limitava-se a tentar vencer os obstáculos económicos ao acesso à justiça, mas
não os obstáculos sociais e culturais. Nada fazia no domínio da educação
jurídica dos cidadãos, da consciencialização sobre os novos direitos sociais dos
trabalhadores, consumidores,
inquilinos, jovens, mulheres, etc. Por último, concebendo a assistência judiciária como um serviço
prestado a cidadãos de menos recursos individualmente considerados, este sistema excluía, à partida, a
concepção dos problemas desses cidadãos enquanto problemas colectivos das classes sociais su-
bordinadas. Estas críticas conduziram a algumas alterações no sistema de serviços jurídicos gratuitos e,
no caso dos Estados Unidos da América, conduziram mesmo à criação de um sistema totalmente novo
baseado em advogados contratados pelo Estado, trabalhando em escritórios de advocacia localizados nos
bairros mais pobres da cidade e seguindo uma estratégia advocatícia orientada para os problemas
jurídicos dos pobres enquanto problemas de classe, uma estratégia privilegiando as acções colectivas, a
criação de novas correntes jurisprudenciais sobre problemas recorrentes das classes populares e,
finalmente, a transformação ou reforma do direito substantivo (Cahn e Cahn, 1964; Note, 1967). Não cabe
Introdução à Sociologia
da Administração da
Justiça

aqui avaliar em pormenor este movimento de inovação institucional a que Portugal se tem, pouco
honrosamente, furtado, um movimento cujas sucessivas etapas denotam uma consciência
progressivamente mais aguda da necessidade de garantir o acesso efectivo à justiça por parte de todos os
cidadãos. Hoje, pode mesmo dizer-se que este movimento transborda dos interesses jurídicos das classes
mais baixas e estende-se já aos interesses jurídicos das classes médias, sobretudo aos chamados
interesses difusos, interesses protagonizados por grupos sociais pouco organizados e protegidos por
direitos sociais emergentes cuja titularidade individual é problemática. Os direitos das crianças contra a
violência nos programas de Televisão e os brinquedos agressivos ou perigosos, os direitos da mulher
contra a discriminação sexual no emprego e na comunicação social, os direitos dos consumidores contra a
produção de bens de consumo perigosos ou defeituosos, os direitos dos cidadãos em geral contra a
poluição do meio ambiente. A defesa pública destes direitos deu origem à instituição da chamada
advocacia de interesse público subsidiada pelas comunidades, por fundações e pelo Estado (Trubek eí a/.,
1980). Deu também origem a algumas reformas no processo civil, nomeadamente o alargamento do
conceito de legitimidade processual e de interesse em agir.

Passo ao segundo tema da sociologia judiciária. Trata-se de um tema A administração


muito amplo no qual se incluem objectos de análise muito diversos. A da justiça
concepção da administração da justiça como uma instância política foi enquanto
inicialmente propugnada pelos cientistas políticos que viram nos tribunais um instituição
sub-sistema do sistema político global, partilhando com este a característica politica e
profissional

de processarem uma série de inputs externos constituídos por estímulos,


pressões, exigências sociais e políticas e de, através de mecanismos de
conversão, produzirem outputs (as decisões) portadoras elas próprias de um
impacto social e político nos restantes sub-sistemas.
Uma tal concepção dos tribunais teve duas consequências
muito importantes. Por um lado, colocou os juízes no centro
do campo analítico. Os seus comportamentos, as decisões por
eles proferidas e as motivações delas constantes, passaram a
ser uma variável dependente cuja aplicação se procurou nas
24 correlações com variáveis independentes, fossem elas a ori-
gem de classe, a formação profissional, a idade ou sobretudo a ideologia
política e social dos juízes. A segunda consequência consistiu em desmentir por
completo a ideia convencional da administração da justiça como uma função
neutra protagonizada por um juiz apostado apenas em fazer justiça acima e
equidistante dos interesses das partes. São conhecidos os estudos de Nagel
,6 17
(1969), Schubert (1965) ( ), Ulmer (1962 e 1979), Grossman( ) e outros nos
EUA, de Richter (1960) e Dahrendorf (1961), na Alemanha, de Pagani (1969),
Di Federico (1968) e Moriondo (1967), na Itália e de Toharia (1975), na
Espanha. Nos EUA, os estudos iniciais centraram-se no Supremo Tribunal de
Justiça. A título de exemplo, Schubert, distinguindo entre juízes liberais e
conservadores, correlacionou as suas ideologias políticas com as suas
posições nos relatórios e declarações de voto nas sentenças em vários
domínios do comércio jurídico desde as relações económicas até aos direitos
18
cívicos e obteve índices elevados de co-varia-ção( ). Outros estudos incidindo
sobre as decisões dos tribunais de primeira instância, tanto nos domínios penal
como no civil, mostraram em que medida as características sociais, políticas,
familiares, económicas e religiosas dos magistrados influenciaram a sua
definição da situação e dos interesses em jogo no processo e
consequentemente o sentido da decisão (19).
Boaventura de
Sousa Santos

Os estudos italianos sobre a ideologia da magistratura não assentam no


comportamento decisional mas antes nos
(16) Schubert é também o organizador das .melhores colectâneas de
estudos sobre o comportaroento e as atitudes dos juizes norte americanos
(Schubert, 1963 e 1964).
(17) Veja-se uma visão geral sobre a sua perspectiva em J. Grossman
e R. Wells (orgs.) (1980).
(18) Schubert distingue entre juízes «conservadores» e «liberais»
(designações que tèm nos EUA um significado politico diferente do que
lhes é atribuído na Europa) e identifica três atitudes diferentes consoante o
liberalismo ou o conservadorismo dos juizes seja económico, político ou
social.
C9) Para uma panorâmica geral dos estudos em Itália, cfr. R. Treves (1975 e 1980: 253
e segs.). As análises das ideologias dos magistrados têm incidido quer sobre as ideologias
profissionais (Pagani, 1969) quer sobre as ideologias político-sociais (Moriondo, 1967). No
domínio de justiça
documentos públicos, manifestos, discursos, estatutos organizativos em que os
magistrados, individual ou colectivamente, definem o perfil óptimo da função
judicial e das suas Interacções com o poder politico e com a sociedade em geral
{20}. As investigações realizadas sobre a direcção de Renato Trevos obrigam a
uma revisão radical do mito do apoilticismo da função judicial e revelam haver
três grandes tendências ideológicas no seio da magistratura italiana Em primeiro
lugar, a tendência dita "estrutural funcíonalista», com a ênfase nos valores da
ordem, do equilíbrio e da segurança social, e da certeza do direito, que agrupa
os juizes e magistrados conservadores ou moderados, defensores da divisão
dos poderes, adeptos das soluções tradicionais, quer no plano socio-económico,
quer no da organização judiciária. Em segundo lugar, a tendência do chamado
«conflitivismo pluralista" em que prevalecem as ideias de mudança social e se
defende o reformismo, tanto no interior da organização judiciária, como no da
sociedade em geral, com vista ao aprofundamento da democracia dentro do
marco jurídico-constitucional do Estado de direito. Em terceiro lugar, a tendência
mais radical do chamado «conflitlvismo dicotômico de tipo marxista» que agrupa
os juizes apostados num uso alternativo do direito, numa função mais criadora
da magistratura enquanto contribuição do direito para a construção de uma
sociedade verdadeiramente igualitária. Estas tendências têm tido expressão
organizativa na Unione di Magistrati Italiani, na Associazlone di Magistrati Italiani
e na Magistratura Democrática respectivamente.
Ainda no ámbito da administração da justiça como organização
profissional, são de salientar os estudos sobre o recrutamento dos magistrados
e a sua distribuição territorial (Ferrari, 1933: 312). Dentro do mesmo quadro
teórico, mas de uma perspectiva muito diferente, são os estudos dirigidos a
conhecer as atitudes e as opiniões dos cidadãos sobre a administração da
justiça, sobre os tribunais e sobre os juizes. Uma tradição de investigação que
teve em Podgorecki um pioneiro com os seus estudos sobre a percepção social
do direito e da justiça na Polónia e que se tem vindo a prolongar em múltiplas
investigações (Podgorecki et a/., 1973). Um estudo recente feito em Itália
revelava uma atitude moderadamente desfavorável perante a magistratura
(Ferrari, 1983: 312).

panai, um dos melhores estudos éodeJ. Hogarth (1971J. Os astudos sobre o& agentes da
administração da justiça não se centraram apenas nos magistrados profissionais mas
incidiram também sabre os jurados, por exemplo. CIr, o estudo clássico de H, Kalven Jr. e H.
5o
Zeisel (1966). ( ) Cfr nota 19
21
( ) Sigo a caracteriiação proposta por E Diaz ^ 197S: 43 esegsj-
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça

Todos estes estudos têm vindo a chamar a atenção para um ponto


tradicionalmente negligenciado: a importância crucial dos sistemas de formação
e de recrutamento dos magistrados e a necessidade urgente de os dotar de
conhecimentos culturais, sociológicos e económicos que os esclareçam sobre
as suas próprias opções pessoais e sobre o significado político do corpo
profissional a que pertencem, com vista a possibilitar-lhes um certo
distanciamento crítico e uma atitude de prudente vigilância pessoal no exercido
das suas funções numa sociedade cada vez mais complexa e dinâmica.

Este tema constitui a terceira contribuição da sociologia para a


administração da justiça. Aliás, neste domínio a contribuição inicial pertenceu à
Os conflitos antropologia ou etnologia social. Os estudos de Evans Pritchard (1969) no
sociais e os Sudão, de Gulliver (1963) e Sally Moore (1970) na Africa Oriental, de Gluckman
mecanismos (1955) e Van Velsen (1964) na África Central/Austral e de Bohannan (1957) na
da sua Africa Ocidental tiveram um impacto decisivo no desenvolvimento da sociologia
resolução do direito. Deram a conhecer formas de direito e padrões de vida jurídica
totalmente diferentes dos existentes nas sociedades ditas civilizadas; direitos
com baixo grau de abstracção, discerníveis apenas na solução concreta de
litígios particulares; direitos com pouca ou nula especialização em relação às
restantes actividades sociais; mecanismos de resolução dos litigios
caracterizados pela informalidade, rapidez, participação activa da comunidade,
conciiiaçáo ou mediação entre as partes através de um discurso jurídico
retórico, persuasivo, assente na linguagem ordinária Acima de tudo, estes
estudos revelaram a existência na mesma sociedade de uma pluralidade de
direitos convivendo e interagindo de diferentes formas. No momento histórico
em que a antropologia convergia teórica e metodologicamente com a sociologia,
o impacto destes estudos na sociologia do direito foi enorme Muitos foram os
estudos que se seguiram, tendo por unidade de análise o litígio (e não a norma)
e por orientação teórica o pluralismo jurídico, orientados para a análise de
mecanismos de resolução jurídica informal de conflitos existentes nas
sociedades contemporâneas e operando à margem do direito estatal e dos
tribunais oficiais. Citarei dois exemplos. O estudo pioneiro de S Macaulay (1966)
sobre as práticas jurídicas e sobretudo os conflitos jurídicos entre os produtores
e os comerciantes de automóveis nos EUA, resolvidos de modo informal à
margem das disposições do direito comercial e da intervenção dos tribunais,
orientados pelo objectivo de não criar rupturas nas relações económicas e
retirando destas poderosos dispositivos sancionatórios não oficiais Em segundo
lugar, os estudos por

mim realizados no inicio da década de 70 nas favelas do Rio de Janeiro e onde me foi possivel detectar e
analisar a existência no interior destes bairros urbanos de um direito informal não oficial, não
profissionalizado, centrado na Associação de moradores que funcionava como instância de resolução de
litígios entre vizinhos sobretudo nos dominios da habitação e da propriedade da terra (Santos, 1974 e
1977). Estes e muitos outros estudos que se seguiram com objectivos analíticos semelhantes permitiram
Boaventura de Sousa
Santos

concluir o seguinte. Em primeiro lugar, de um ponto de vista sociológico, o Estado contemporâneo não tem
o monopólio da produção e distribuição do direito. Sendo embora o direito estatal o modo de juridicidade
dominante, ele coexiste na sociedade com outros modos de juridicidade, outros direitos que com ele se
articulam de modos diversos (Santos. 1980: 64 e segs.; Ruivo e Marques, 1982). Este conjunto de
articulações e interrelações entre vários modos de produção do direito constitui o que designo por
formação juridica. Em segundo lugar, o relativo declínio da litigiosidade civil, longe de ser indício de
diminuição da conflitualidade social e juridica, é antes o resultado do desvio dessa conflitualidade para
outros mecanismos de resolução, informais, mais baratos e expeditos, existentes na sociedade.
Estas conclusões não deixaram de influenciar algumas das reformas de administração da justiça nos
últimos anos. Distinguirei dois tipos de reformas: as reformas no interior da justiça civil tradicional e a
criação de alternativas. Quanto às primeiras são de salientar as seguintes: o reforço dos poderes do juiz
na apreciação da prova e na condução do processo segundo os princípios da oralidade, da concentração
e da imedição, um tipo de reformas com longa tradição na teoria processualista europeia iniciada pela
obra pioneira de Franz Klein; a criação de um novo tipo de relacionamento entre os vários participantes no
processo, mais informal, mais horizontal, visando um processamento mais inteligível e uma participação
mais activa das partes e testemunhas. Como exemplo deste tipo de reforma citarei o chamado Stuttgart
Modell na Alemanha Federal e os tribunais de grande instância criados em 1967 nos departamentos
periféricos da região parisiense (Balle ef al., 1981); por último, e relacionado com as anteriores, as
reformas no sentido de ampliar o âmbito e incentivar o uso da conciliação entre as partes sob o controle
10
do juiz ( ).
As reformas que visam a criação de alternativas constituem hoje uma das áreas de maior inovação
na política judiciária. Elas visam criar, em paralelo à administração da justiça convencional, novos
mecanismos de resolução de litígios cujos traços constitutivos têm grandes semelhanças com os
originalmente estudados pela antropologia e pela sociologia do direito, ou seja, instituições leves, relativa
ou totalmente desprofissionalizadas, por vezes impedindo mesmo a presença de advogados, de utilização
barata, se não mesmo gratuita, localizados de modo a maximizar o acesso aos seus serviços, operando
23
por via expedita e pouco regulada, com vista à obtenção de soluções mediadas entre as partes ( ). Neste
domínio, os países socialistas de Estado do Leste Europeu têm uma grande experiência (os tribunais
sociais e os tribunais de camaradas), assim como a China e o Japão com as instituições, algumas
ancestrais, de mediação. Em tempos recentes, é de mencionar a criação experimental dos centros de
24
Justiça de bairro nos EUA e os conciliateurs em França ( ). Em Portugal, algumas iniciativas no mesmo
sentido no pós 25 de Abril não tiveram qualquer concretização (Sindicato dos Magistrados do M. P., 1982).

Ill

Para uma Passarei agora a mencionar as linhas de investigação nova política


mais promissoras no domínio da sociologia da administração judiciária da justiça e o seu
possível impacto na criação do que designarei por uma «nova política judiciária».

1 — A democratização da administração da justiça é uma dimensão


fundamental da democratização da vida social, económica e política. Esta
democratização tem duas vertentes. A primeira diz respeito à constituição
interna do processo e inclui uma série de orientações tais como: o maior
envolvimento e participação dos cidadãos, individualmente ou em grupos
organizados, na administração da justiça; a simplificação dos actos processuais
e o incentivo à conciliação das partes, o aumento dos poderes do juiz; a
ampliação dos conceitos de legitimidade das partes e do interesse em agir. A
segunda vertente diz respeito à democratização do acesso à justiça. É
necessário criar um Serviço Nacional de Justiça, um sistema de serviços
jurídico-sociais, gerido pelo Estado e pelas autarquias locais com a colaboração
das organizações profissionais e sociais, que garanta a igualdade do acesso à
justiça das partes das diferentes classes ou estratos sociais. Este serviço não
se deve limitar a eliminar os obstáculos económicos ao consumo da justiça por
parte dos grupos sociais de pequenos recursos. Deve tentar também eliminar
os obs-

(23) Veja-se a caracterização geral destas alternativas em Santos (1982 a


e 1982 c).

22
( ) Uma proposta defendida entre nós por Pessoa Vaz (1976).
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça

(24) A melhor colectânea de estudos sobre estas experiências é a de


R. Abel (org.) (1982).
táculos sociais e culturais, esclarecendo os cidadãos sobre os seus direitos, sobretudo os de recente
aquisição, através de consultas individuais e colectivas e através de acções educativas nos meios de
comunicação, nos locais de trabalho, nas escolas, etc.

2 —Estas medidas de democratização, apesar de amplas, têm limites óbvios. A desigualdade da


protecção dos interesses sociais dos diferentes grupos sociais está cristalizada no próprio direito
substantivo, pelo que a democratização da administração da justiça, mesmo se plenamente realizada, não
conseguirá mais do que igualizar os mecanismos de reprodução da desigualdade. Há pouco, um jurista
chileno dizia que não fazia sentido lutar no seu país pelo acesso à justiça por parte das classes populares
já que o direito substantivo era tão discriminatório em relação a elas que a atitude politica democrática
consistia exactamente em minimizar o acesso. Nos EUA os serviços jurídicos para os pobres acabaram
muitas vezes por propor reformas no direito substantivo que dessem maior satisfação aos interesses dos
seus clientes enquanto classe social.
No nosso país, sobretudo nos últimos dez anos, foi promulgada legislação que de modo mais ou
menos afoito pretende ir ao encontro dos interesses sociais das classes trabalhadoras e também dos
interesses emergentes nos domínios da segurança social e da qualidade de vida, por exemplo, a que são
particularmente sensíveis as classes médias. Sucede, porém, que muita dessa legislação tem
permanecido letra morta. Pode mesmo avançar-se como hipótese de lei sociológica que quanto mais
caracterizadamente uma lei protege os interesses populares e emergentes maior é a probabilidade de que
ela não seja aplicada. Sendo assim, a luta democrática pelo direito deve ser, no nosso país, uma luta pela
aplicação do direito vigente, tanto quanto uma luta pela mudança do direito.
Aliás, mesmo com base no direito substantivo mais sedimentado na ordem jurídica portuguesa é
possível, mediante interpretações inovadoras da lei, obter novas protecções para os interesses sociais até
agora menos protegidos. Foi esta afinal a aposta do movimento que na Itália ficou conhecido pelo uso
alternativo do direito (Barcellona, 1973, Calera ef a/., 1978). Neste campo são várias as experiências um
pouco por toda a parte. Referirei, a título de exemplo, o estudo que, com outros, realizei no Recife sobre
os conflitos urbanos, sobretudo conflitos de propriedade da terra nos bairros marginais onde vive metade
da população da cidade. Esta investigação revela que os habitantes dos bairros têm conseguido algumas

vitórias nos tribunais ainda que à partida os seus argumentos sejam


relativamente frágeis em termos estritamente jurídicos. Estas vitórias
configuram um autêntico uso alternativo do direito tornado possível pela
argumentação tecnicamente sofisticada de advogados altamente competentes
postos, gratuitamente, à disposição das classes populares pela comissão de
Justiça e Paz da diocese de Olinda e Recife por iniciativa do bispo D. Hélder
Câmara (Santos, 1982 o e 1983; Falcão, 1984).
Mas também aqui, a interpretação inovadora do direito substantivo passa
pelo aumento dos poderes dos juízes na condução do processo.

3 — A diminuição relativa do contencioso civil detectada em vários países


tem sido considerada disfuncional ou seja, como negativa em relação ao
processo de democratização da justiça. A análise sociológica da persistência
desse fenómeno revela que ela pode ser funcional para a prossecução de cer-
tos interesses privilegiados a quem a visibilidade própria da justiça civil
prejudicaria. Se é certo que as classes de menores recursos tendem a não
utilizar a justiça pelas razões que expusemos, a verdade é que as classes de
maiores recursos tendem igualmente a resolver os seus litígios fora do campo
judiciário. Isto tem sido observado em muitos países. Na Itália e nos EUA, por
exemplo, parece claro serem as classes intermédias (pequenos e médios
credores e proprietários, etc.) quem mais recorre aos tribunais (Resta, 1977)
11
( ). Estudos muito recentes realizados na Bélgica verificam igualmente a
crescente marginalização das magistraturas económicas numa época de crise
em que, sobretudo ao nível dos grandes grupos económicos e financeiros, as
considerações de oportunidade económica sobrepujam largamente as
considerações de legalidade económica (Jacquemin e Remiche, 1984). A com-
posição particularista e secreta de interesses económicos que, pela
envergadura destes, afecta significativamente os interesses sociais globais, é
feita muitas vezes com a conivência e a ratificação dos aparelhos políticos e
administrativos do Estado, mas fora do escrutínio público a que a justiça civil os
exporia. Este particularismo é, aliás, um dos factores de emergência de novas
formas de pluralismo jurídico nas sociedades capitalistas avançadas, formas
que constituem a expressão socio-jurídica do que em sede de ciência política se
tem vindo a designar por neo-corporativismo.
Nestas condições não me parece possível que o Estado possa, através de
medidas de dinamização da administração da justiça, absorver em futuro
próximo estas formas de justiça privada como por vezes se designam. Quando
muito, é possível que os grupos neo-corporativistas mais organizados venham a
ter poder político suficiente para impor tutelas jurisdicionais diferenciadas mais
afeitas à dinâmica interna dos seus interesses. Não me parece tão pouco que
estes mecanismos de resolução dos litígios à margem do controlo do Estado
sejam intrinsecamente negativos ou atentórios da democracia. Podem, pelo
contrário, ser agentes de democratização da sociedade. Tudo depende do
conteúdo dos interesses em jogo e do impacto do seu comércio privado no
processo de desenvolvimento democrático da sociedade no seu todo.
No entanto, é certo que muitas das reformas recentes da administração da
justiça visam reduzir a sua marginalidade ou residualidade. Estão nestes casos
as reformas de informaliza-ção da justiça a que fiz referência. As alternativas
informais são uma criação jurídica complexa cujas relações com o poder do
Estado devem ser analisadas, uma análise que fiz noutro lugar e que não
repetirei aqui (Santos, 1982 a). Bastará dizer que nas experiências em curso o
controlo ou supervisão do Estado varia muito e que nelas a questão do acesso
não tem a ver com a assistência judiciária mas antes com a capacitação das
partes em função das posições estruturais que ocupam. Nos casos em que os
litígios ocorrem entre cidadãos ou grupos de poder socio-económico parificável
(litigios entre vizinhos, entre operários, entre camponeses, entre estudantes,
etc.) a informalização da justiça pode ser um genuino factor de democratização.
Ao contrário, nos litígios entre cidadãos ou grupos com posições de poder
estruturalmente desiguais (litígios entre patrões e operários, entre consumidores
e produtores, entre inquilinos e senhorios) é bem possível que a informalização
acarrete consigo a deterioração da posição jurídica da parte mais fraca,
decorrente da perda das garantias processuais, e contribua assim para a
consolidação das desigualdades sociais; a menos que os amplos poderes do
juiz profissional ou leigo possam ser utilizados para compensar a perda das
garantias, o que será sempre difícil uma vez que estes tribunais informais
tendem a estar desprovidos de meios sancionatórios eficazes. A título de
exemplo, refiro que após a criação do tribunal de habitação em Nova Iorque
destinado a resolver de modo expedito, informal e desprofissionalizado, os
conflitos entre inquilinos e senhorios o número de despejos aumentou
(Lazerson, 1982). Os inquilinos tinham deixado de contar com os expedientes
processuais utilizados pelos
advogados para suster ou desencorajar o despejo. Aliás, a situação que no
futuro melhor e mais perigosamente simbolizará a dissociação entre justiça
célere e justiça democrática decorrerá em meu entender das reformas hoje em

11Nos EUA, o estudo mais recente e sofisticado foi levado a cabo na Universidade de
Wisconsin-Madison. Veja-se uma panorâmica geral dos resultados em Law and Society
Review 15 (1980-1981) dedicada ao tema ■Special Issue on Dispute Processing and Civil
Litigation-.
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça

curso com vista, não à informalização, mas antes à informatização da justiça,


uma questão que não abordarei aqui.

4 —A contribuição maior da sociologia para a democrati-


zação da administração da justiça consiste em mostrar empi-
ricamente que as reformas do processo ou mesmo do direito
32 substantivo não terão muito significado se não forem com-
plementadas com outros dois tipos de reformas. Por um lado, a reforma da
organização judiciária, a qual não pode contribuir para a democratização da
justiça se ela própria não for internamente democrática. E neste caso a
democratização deve correr em paralelo com a racionalização da divisão do
trabalho e com uma nova gestão dos recursos de tempo e de capacidade
técnica. Por outro lado, a reforma da formação e dos processos de
recrutamento dos magistrados sem a qual a ampliação dos poderes do juiz
propostas em muitas das reformas aqui referidas carecerá de sentido e poderá
eventualmente ser contraproducente para a democratização da administração
da justiça que se pretende. As novas gerações de juizes e magistrados deverão
ser equipadas com conhecimentos vastos e diversificados (económicos,
sociológicos, políticos) sobre a sociedade em geral e sobre a administração da
justiça em particular. Esses conhecimentos têm de ser tornados disponíveis e,
sobretudo no que respeita aos conhecimentos sobre administração da justiça no
nosso país, esses conhecimentos têm ainda de ser criados, pelo que se saúda
a recente criação, no âmbito do centro de Estudos Judiciários, do Gabinete de
Estudos Jurídico-Sociais, cuja vocação parece ser precisamente a de gerar
esse tipo de conhecimentos.
É necessário aceitar os riscos de uma magistratura cultu-
ralmente esclarecida. Por um lado, ela reivindicará o aumento
de poderes decisórios, mas isso como se viu vai no sentido
de muitas propostas e não apresenta perigos de maior se
houver um adequado sistema de recursos. Por outro lado, ela
tenderá a subordinar a coesão corporativa à lealdade a ideias
sociais e políticas disponíveis na sociedade. Daqui resultará
uma certa fractura ideológica que pode ter repercussões
organizativas. Tal não deve ser visto como patológico mas sim
como fisiológico. Essas fracturas e os conflitos a que elas
derem lugar serão a verdadeira alavanca do processo de
democratização da justiça. ■
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não deixa iludir. É per isso que a questão deve sair
Comentário de Álvaro dos limites fechados das soluções sistemáticas
Laborinho Lúcio adquiridas e partir em busca de novos
pressupostos, de raíz epistemológica diversa e de
extracção cultural geral, capazes de estabelecerem
□ irector do Centro de um espaço plu-ridlmensional de investigação onde
Estudos Judiciários o problema em análise readquira a sua dimensão
total de relação, deixando os marcos limitados de
N D nosso panorama jurídico e judiciário é sempre uma definição atomística e pura.
de saudar, pela sua escassez, qualquer trabalho
versando a SOCIOLOGIA DA ADMINISTRAÇÃO Tomando como ponto de partida a «INTRODUÇÃO
DA JUSTIÇA, e muito mais o é quando, como no A SOCIOLOGIA DA ADMINISTRAÇÃO DA
caso presente, se não trata de um trabalho JUSTIÇA» que agora se publica, respigaremos, a
qualquer! título de exemplo, o significado positivo atribuído
ao «reforço dos poderes do juiz na apreciação da
Rareando entre nós a investigação empírica que prova e na condução do processo". como
outros desenvolveram oportunamente; tem-se Integrando algumas das reformas ocorridas nos
bastado a cultura portuguesa, neste domínio, com últimos anos, ao mesmo tempo que se coloca a
breves abordagens de cunho essencialmente questão da formação do magistrado sublinhando o
teorético mais voltadas para o estudo, indispensá- papel que cabe, também aí, entre nós, ao Centro
vel, do objecto e dos métodos da sociologia, do que de Estudos Judiciários.
para o ensaio da sua aplicação quer na definição
dos contornos e do conteúdo dos problemas, quer Arrancando a competência hoje conferida aos
na busca crítica de soluções alternativas que Tribunais enquanto órgãos de soberania, de uma
permitam ultrapassa-los. É assim que, também no relação de representação ética da própria
domínio da administração da justiça, cuja crise se comunidade, haverá que exigir-se daqueles não
reconhece, a procura legítima e empenhada de apenas uma intervenção de natureza formal, de
vias alternativas se esgota, as mais das vezes, no meros árbitros de uma realidade de conflito cuja
interior normativo.do sistema, do mesmo passo que solução finai se situe fora da componente
se atribui ainda à actividade que a caracteriza vinculada da decisão a proferir, mas antes uma
traços de uma mitologia que não encontra já acção técnica e moratmente comprometida com o
correspondência nas aquisições culturais dos resultado final de cada pleito enquanto exercício,
últimos dois séculos. É assim que o debate em no concreto, do interesse geral postulado na
torno das regras que hão-de pautar os novos comunidade e que àqueles Tribunais cabe
quadros de organização judiciária, embora rico nas administrar Aí se radica não apenas a necessidade
Suas intenções de mudança, Se devolve em mas também a lógica do aumento dos poderes do
esterilidade prática, que o desenvolvimento tía crise Tribunal ainda incipientemente conseguido.
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça

Situando-se, porém, a questão no domínio último podendo a justiça ser denegada por insuficiência
da aplicação do direito ao caso ou conflito carecido de meios económicos.
de composição, àquele aumento de poderes nâo
O direito ao direito e acesso aos tribunais é. pois,
poderá deixar de corresponder a paralela adição de
um direito fundamental constitucionalmente
instrumentos de conhecimento a de informação
reconhecido
que, justamente em face da natureza específica da
aplicação judiciária do direito, ha-de procurar-se E O que se tem feito em seu cumprimento? Nada,
fora da ciência normativa e, privilegiadamente, no absolutamente nada.
campo das ciências sociais, aí relevando o papel a Continuamos, por isso, a reger-nos pela Lei n."
atribuir à sociologia. 7/70, de 9 de Junho, da Assistência Judiciaria, e
Faz aqui sentido, por Isso, o recurso a referida respectivo Regulamento, aprovado pelo Decreto
distinção entre ^aw in books» e «faw in acííon». n.° 562/70. de 18 de Novembro, que visa apenas
fazendo corresponder a primeira a chamada suprir as deficiências económicas de quem tem de
"sociologia genética-e, à segunda a «sociologia recorrer aos Tribunais.
operacional». Assim, esta ganha a dimensão de Daí a sua insuficiência para responder ao preceito
uma verdadeira sociologia judiciária cujo conteúdo constitucional, por não corresponder aos aspectos
se analisará em duas vertentes estruturais que lhe sócio-culturais postos em relevo no trabalho de
marcam o objecto essencial: por um lado, enquanto Boaventura de Sousa Santos, e que só por si são
sociologia da administração da justiça em sentido uma barreira à democratização da Justiça, como o
restrito, caber-lhe-á o estudo e a crítica do autor demonstra.
funcionamento da máquina judiciária e, em geral,
dos tribunais e bem assim o contributo para a Mas mesmo no aspecto económico, o diploma é
adopção de novas soluções alternativas, dada a insuficiente, porque não assegura ao assistido uma
sua especial vocação para a detecção e definição representatividade jurídica capaz e eficiente.
das situações de bloqueio e de ineficácia Principalmente porque, sem o incentivo da
quantitativa e qualitativa. Por outro lado, enquanto vantagem económica que é a alavanca do
sociologia gerai, do ponto em que se aíirma como exercício de uma profissão liberal, o patrocínio com
ciência do tacto na sua expressão mais ampla de assistência judiciaria é exercido, salvo honrosas
incidência histórica, cultural, económica e política. excepções, num plano de Interesse secundário,
como um dever para que o advogado não se sente
Como consequência extrair-se-á uma concepção vocacionado, e porque normalmente é confiado a
interdisciplinar da aplicação do direito 0 que, no advogados ou estagiários inexperientes, seja qual
plano formal da administração da justiça, não for a natureza da causa.
poderá deixar de ter incidência na esfera da
organização judiciária, lnstitucionalizando-se Há cerca de vinte anos, numa comarca dos
formas e instrumentos de intervenção adequados; arredores de Lisboa, onde ocorriam muitas acções
e. no espaço material da formação de magistrados, de divórcio ou de separação judicial de pessoas e
não dispensará um leque de matérias e um método bens, não contestadas na sua generalidade, para
crítico de abordagem capazes de os situarem juris-dlcionalizar situações de ruptura ria muito
cultural e tecnicamente ultrapassadas por outras carenciadas de
legitimação, ouvíamos dizer aos funcionários do
Ao contributo jã clássico que a sociologia do direito tribunal, que estavam mais em contacto com as
vem propondo essencialmente a partir do século realidades locais, que alguns advogados levavam
XIX, acresce agora, entre nós, aquele que se dois mil escudos só pela simples obtenção da
adivinha em fase de explosão dado o advento da assistência judiciária! E assim era completamente
investigação empírica, por um lado. e tendo em frustado o fim do regime assistencial
conta a abertura cultural própria de uma sociedade
democrática, por outro, propiciando campo vasto Com a explosão da afirmação dos direitos
para o desenvolvimento de uma verdadeira fundamentais em consequência do 25 de Abril, o
sociologia da aplicação do direito, direito de acesso ao direito tornou-se uma questão
Como exemplo fica já esta INTRODUÇÃO A essencial. E a nível da Ordem dos Advogados
SOCIOLOGIA DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA desenvolveu-se uma experiência de consulta
na qual se evidenciam o rigor cientifico, o sentido jurídica gratuita, cujo nível de eficácia e de
crítico e o cunho polémico abrindo a discussão e desenvolvimento foram sempre limitados, segundo
potenciando a diferença sempre motivadora. cremos, pois embora a princípio vivida com algum
entusiasmo, não podia conter a solução das
Outros passos, por certo, se seguirão! ■ necessidades, nem podia constituir numa
obrigação para os advogados.
Em 19 de Outubro de 1978, o então (e actual)
Ministro da Justiça. Dr. Mário Raposo, dava posse
Comentário de a uma Comissão de Acesso ao Direito, porque o
Ricardo A. Velha «Direito existe para ser conhecido e aplicado». Ai
reconhecia, relativamente ao direito à protecção
jurídica, a existência de "múltiplas situações de
Juiz D&sembargador Director da "Tribuna da natureza económica, social, cultural e mesmo
Justiça" psicológicas que, demasiadas vezes, a
ultrapassam», e que «a protecção jurídica
1, Para ultrapassar as desigualdades reais que se pré-judiciária ou para--judiciária não está, entre
opõem á proclamada igualdade jurídica dos nós, legislativamente consagrada». E perguntava:
cidadãos, a Lei Fundamental reconhece no seu art. «Para que servirá aos homens o Direito se não
20°, em harmonia com o art, 13.°, que todos têm conhecem os seus direitos?»
direito ã informação e à protecção jurídica, nos Informava nessa ocasião que «em 2 de Março de
termos da lei. e a todos é assegurado o acesso aos 1978, o Comité de Ministros do Conselho da
tribunais para defesa dos seus direitos, não Europa emitiu uma Resolução (78-8) sobre a
Assistência Judiciária e, mais amplamente, sobre
Boaventura de
Sousa Santos

Consulta Jurídica, que, tendo sido aceite por determinar pelo número e natureza de
Portugal, virá implicar que, em prazo previsivel- intervenções. O serviço de consultas seria
mente não muito dilatado, o Ministério da Justiça organizado de modo a garantir a sua genuinidade,
tenha de impulsionar um conjunto de acções, e não seria admitida a advocacia livre a tais
designadamente de carácter legislativo, em ordem advogados públicos, embora se admitisse a
a dar resposta a essa perspectiva mais larga da renúncia para enveredarem pela advocacia livre (e
protecção jurídica». vice-versa).
Na mesma altura (Boletim M. J. 280, pág. 9 e Só através de um serviço deste tipo e com largas
segs.) o Presidente da Comissão designada, Dr. obrigações no plano da informação jurídica se dará
Angelo de Almeida Ribeiro, hoje Provedor de efectivo cumprimento ao art. 20.° da Constituição
Justiça e paladino dos direitos humanos, da República.
predisposto, como disse, «a apresentar um
Não contra a Ordem dos Advogados, instituição
trabalho útil e não destinado a ficar na gaveta»,
tradicional na nossa civilização, por isso com o seu
tanto mais que contava com «sérios e apropriados
lugar próprio, mas com ela e a seu lado, e ate com
estudos sobre a matéria, da Direcção dos Negócios
a sua colaboração, porque ela por si não pode
Jurídicos do Conselho da Europa», e
satisfazer todas as necessidades sociais.
reconhecendo que «vários países europeus já
possuem uma organização muito aperfeiçoada e Todavia, não vai ser fácil um empreendimento
consideram a informação jurídica dos cidadãos, e desta natureza, para o qual e fundamental a
bem assim a assistência judiciária, como autênticos vontade política. Como afirmou, porém, o Dr. Mário
serviços públicos, dispondo de folgados Raposo no dia 19 de Abril de 1985, na 1." sessão
orçamentos e fontes de receita», não obstante as do colóquio organizado pela Associação para
dificuldades de solução do problema no nosso pais, Progresso do Direito em colaboração com a
— por não ser iusto que o fosse à custa dos Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, «é
advogados, os quais rejeitam a ideia de o próprio Estado que deve intervir para resolver os
socialização do direito, e que «depois de um dia de problemas da Justiça. Enquanto esta realidade não
intenso e preocupante trabalho nem sempre os
estiver resolvida, terei, por exemplo, de pôr de
advogados se encontram disponíveis para tarefas
parte a problemática do acesso ao direito».
de bom samaritano» — não rejeitou o encargo
porque « o direito à saúde, o direito à educação, o 2. A simplificação operada com o diploma
próprio acesso à Justiça, são direitos fundamentais intercalar de processo civil (Decreto Lei n.° 242/85,
duma sociedade moderna.» de 9 de Julho) já trouxe algumas vantagens na
aceleração processual, sendo embora
Em Portugal tem sido, pois, na óptica dos
indispensável aprofundá-la. Todavia, o volume de
advogados que exercem uma profissão liberal que
processos é de tal modo elevado, afectando a
o problema tem sido encarado. Certamente por
qualidade da Justiça e tornando desumana a vida
isso, até hoje ainda não foi resolvido e, contra os
dos juizes, que só uma profunda e prioritária
auspícios do Dr. Almeida Ribeiro, o trabalho da
alteração da organização judiciária pode constituir
Comissão ficou mesmo na gaveta.
um avanço significativo na resolução da crise da
Há que concluir, portanto, que em tal plano a Justiça.
questão é sempre subordinada, como manifestação
Como dizia o Conselheiro Rodrigues Bastos,
de caridade a favor dos pobres, revelando-se uma durante uma mesa redonda realizada no dia 5 de
antinomia essencial entre os interesses da Novembro de 1985 no Centro de Estudos
advocacia exercida como profissão liberal e a reali- Judiciários, chamando a atenção para as
zação do acesso ao direito como direito deficiências da organização judiciária (cf. Tribuna
fundamental. da Justiça, 13, pág. 4), «o que nos rege em
Por isso, embora sejam de louvar e apoiar todas as matéria de organização judiciária é a legislação de
iniciativas, da Ordem dos Advogados ou de outras 1862!» Mais de um século, duas grandes guerras
instituições particulares, à semelhança mundiais, profundas transformações sociais e
inclusivamente do que acontece em vários países económicas, técnicas e científicas, no centro já da
estrangeiros, com experiências muito era da informática, e em Portugal os tribunais e as
interessantes, pautadas por vezes por grande comarcas correspondem praticamente ao que
idealismo e sentido de solidariedade social, no sen- eram na época da monarquia!
tido de minorar as consequências do Quanto à organização interna dos tribunais basta
incumprimento do preceituado constitucionalmente, dizer-se que, numa época em que devia ser
só a criação de um Serviço Nacional de Justiça, obrigatória, pelo menos, a dactilografia de todas as
como preconiza Boaventura de Sousa Santos, com decisões judiciais, como requisito fundamental da
esse ou outro nome, pode corresponder à solução sua inteligibilidade, ainda os juízes não dispõem
do problema, dando lugar a um corpo de em seu auxílio do serviço efectivo de simples
advogados públicos ou oficiosos, sujeitos dactilógrafos para escreverem as suas sentenças!
eventualmente à disciplina do Conselho Superior Se o querem fazer, têm eles próprios de aprender
da Magistratura, onde terão os seus representantes a fazê-lo!
próprios para o efeito, mas exercendo as
respectivas funções com um estatuto específico, Importa, pois, como concluía o referido
que garanta a independência, liberdade e Conselheiro, reformar profundamente, refundir por
responsabilidade próprias, na estrita defesa dos completo, a organização judiciária.
direitos confiados, com respeito pela lei, como as Prepara-se, no Ministério da Justiça, uma nova Lei
funções desempenhadas pelo M. P. face ao poder Orgânica dos Tribunais Judiciais, que não pode,
judicial, e usufruindo de uma remuneração fixa pelo que se verifica, comportar meras alterações
paga pelo orçamento do Estado, em consideração de forma superes-truturais, se os responsáveis por
da dignidade da função, completada com uma ela querem efectivamente dotar o país de um
remuneração variável a processar pelo Gabinete de instrumento que contribua seriamente para
Gestão Financeira do Ministério da Justiça, com resolver os problemas da Justiça, e não apenas
verbas provenientes da procuradoria das custas fazer mais um diploma que seja diferente do
judiciais, em função de uma pontuação a anterior.
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça

Fundamental é determinar, pela investigação os valores legais a preservar na decisão que é a


sociológica adequada, quais as reais necessidades sua responsabilidade perante a sociedade global,
judiciárias do país, actuais e tendenciais, avaliar os que nele deposita a sua confiança.
meios técnicos de que se dispõe e que devem ser
Quando da instituição do direito de preferência a
postos ao serviço dos tribunais, ponderar as reais
novo arrendamento para habitação, nos termos do
capacidades e rendimento a exigir dos juízes em
art. 1.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 420/76, de 28 de
condições humanamente aceitáveis, fixando-se
Maio , e a despeito de o relatório do diploma dizer
números de contigenta-ção a respeitar em
expressamente que «com o presente diploma
correlação com isso, para que os juízes não sejam
visa-se garantir o direito à habitação» das pessoas
as eternas vítimas da desproporção entre as
que habitavam a casa à data da caducidade do
necessidades e as possibilidades de as satisfazer
arrendamento por morte do arrendatário, logo se
e, com base nestas condições, desenvolver um
formaram duas correntes interpretativas a nível dos
plano de reestruturação e de reorganização dos
nossos tribunais. Uma, considerando tal direito de
tribunais em moldes modernos e eficientes, para
preferência um direito potestativo a novo
dar resposta capaz às necessidades de Justiça da
arrendamento da pessoa nas condições previstas
sociedade global.
pela lei em relação ao senhorio, o que legitimava a
É neste sentido que as sugestões de Boaventura sua posse, evitando a desocupação da casa até à
de Sousa Santos merecem em geral a nossa celebração do contrato de arrendamento. Outra
concordância, porque representam um trabalho corrente, alimentada por um purismo conceituai na
sério e de elevado espírito científico na busca de tradição dos juízes mais impermeáveis à abertura
soluções, que bem merece ser compreendido e sociológica, porfiava na interpretação de que,
considerado nas altas esferas da política que tratando-se de um direito de preferência, só se
conduz o país, carecido que está de soluções podia entender no sentido de haver direito a novo
verdadeiras. arrendamento se o senhorio se dispusesse a
Dentro dos mesmos objectivos, temos como arrendar a casa a terceira pessoa, depois de a
aliciante a experiência de estruturas paralelas mesma ter sido desocupada por todos os
alternativas aos tribunais, nas quais a conciliação e ocupantes anteriores.
a equidade sejam a base de resolução das Não vale a pena falar dos inconvenientes que
questões, desde que possam assentar na resultaram desta última interpretação. Mas o certo
gratuitidade de intervenção e na concessão de é que foi preciso nova intervenção legislativa para
latos poderes de averiguação a tais estruturas, sem pôr cobro à questão com o Decreto-Lei n.° 328/81.
grandes exigências formais, mas exclusivamente de 4 de Dezembro, que consagrou do modo mais
no âmbito de agrupamentos sociais diferenciados. explícito a existência de um direito pessoal a novo
Cremos que a função judicial só tende a arrendamento contra a vontade do senhorio.
valorizar-se socialmente na medida em que se Eis um exemplo da importância que cons-
debruça reflectidamente sobre litígios de alto titui, designadamente, a formação socio-
significado social, humano e patrimonial. Pelo lógica dos juizes, e a razão por que deve
contrário, burocratiza-se e degrada-se na ser fomentada, mas também revelador de
apreciação caudalosa de questões de menor que o legislador deve procurar ser o mais
significado. explícito possivel na formulação do seu
A Constituição da República permite tais estruturas pensamento. Só assim se poderão evitar
alternativas: art. 217.°, n.° 2. Todavia, estamos em apreciações da mentalidade dos juizes
crer que não encontrarão eco significativo no meio como a que lhes faz o Professor Orlando
judicial, não só pelos interesses ligados à adminis- de Carvalho em «Alguns Aspectos da
tração tradicional da justiça portuguesa, mas Negociação do Estabelecimento», {Rev. de
porque a nossa sociedade revela ainda pouca Leg. e Jur., ano 114.°, pág. 360): «...pro-
propensão ou confiança para deixar de reconhecer priedade imobiliária —que disfruta, ainda
à exclusividade dos tribunais como órgãos hoje, de um enraizado prestígio ao nível
vocacionados para a definição de litígios, e porque da jurisdição em Portugal (e porventura —
os próprios juízes não estão predipostos psico- numa sequela dessa ideologia feudal
logicamente a admitir que a Justiça possa ser «transformada» de que, muito aguda-
alcançada fora do âmbito dos Tribunais, integrados mente, POULANTZAS nos falou) com um
de juízes de carreira, ou da órbita da sua entono mais ou menos revanchista em
competência específica. face do favor que, a partir de 1910, a
legislação deu ao inquilino comerciante
3. António Sérgio via no juiz o representante do — está na origem da resistência dos jui-
interesse geral {Democracia, Cadernos da Seara zes...- ■
Nova, Lisboa, 1938). Todavia, já hoje não se
dispensa a investigação sociológica nos planos da
elaboração das leis e da sua interpretação e o
próprio momento da decisão é questionado pela Comentário de
influência da factores ideológicos, culturais e
sociais do próprio juiz. Vitor Wengorovius
Reconhece-se, por isso. para que a Justiça seja
Advogado
mais objectiva, que se torna indispensável, cada
vez mais, libertar o juiz para mais amplos
conhecimentos das ciências sociais, o que desde 1. O estudo de Boaventura de Sousa Santos é a
logo na sua formação deve ser considerado primeira incursão séria, em termos de Sociologia
decisivamente, porque só assim estarão em con- do Direito, em áreas que se incluem no tema
dições de poderem ultrapassar as suas próprias fundamental da Administração da Justiça.
limitações no âmbito da sua liberdade de livre Foi por isso com alegria que o li.
apreciação das provas e decisão consciente da
matéria de direito. É que verdadeiramente o juiz A óptica teórica do texto é manifestamente
independente é o que pode superar-se nas suas interessante, levantando questões sociológicas
perspectivas e interesses pessoais para alcançar que merecem aprofundamento, as quais, no
Boaventura de
Sousa Santos

entanto, não cabem nos limites deste qualquer resposta oficial positiva, pelo menos a
despretencioso comentário. nível prático e público.
Farei, por isso, apenas uma apreciação baseada Recentemente, diversos sectores de advogados e
na experiência de advogado e de pessoa que se juízes ou magistrados do Ministério Público têm
tem preocupado com as matérias envolvidas. levantado a conveniência de se instituir antes, pelo
2. No domínio do acesso à justiça muito, quase menos nas cidades grandes (com advocacia
tudo, há a fazer entre nós. convencionada nas restantes zonas), um sistema
semelhante ao que é descrito no ensaio de
As disposições legais relativas à assistência Boaventura de Sousa Santos e que vigora nos E.
judiciária, embora na Lei n.° 7/70 se diga que «têm U. A., em articulação também com algumas
direito à assistência todos aqueles que se associações (de inquilinos, pequenos proprietários,
encontrem em situação económica que lhes não sindicais, pequenos patrões), que tem tido
permita custear as despesas normais do pleito», intervenção positiva na concessão de apoio
não contêm, nem nessa lei nem no Regulamento consultivo e judiciário.
da Assistência Judiciária, formas eficazes de
Trata-se portanto de um problema em aberto, de
apurar quem tem verdadeiras razões de requerer
grande importância, e ao qual os diversos partidos
essa assistência. Sendo o sistema baseado em
e o Governo deviam dedicar séria atenção.
meros requerimentos soltos, individuais, dos
Iniciativas recentes têm-no levantado na
interessados aos Tribunais, sem qualquer
Assembleia da República e é de esperar assim que
enquadramento institucional, sucede com
a questão passe a merecer um novo olhar.
frequência, na prática, que a assistência é
concedida a quem dela poderia não carecer e não 3. A administração da justiça vem sofrendo desde
é concedida a quem dela precisa. há bastantes anos já de um primeiro
condicionamento físico e outro cultural altamente
Por outro lado, e este ponto é aliás salientado no limitativos da sua qualidade: em grande parte por
ensaio de Boaventura de Sousa Santos, não há falta de verbas, o número de magistrados é muito
qualquer difusão pública nem informação suficiente inferior ao necessário (embora a criação do Centro
sobre estas matérias. de Estudos Judiciários tenha sido, no plano da
formação, um significativo passo em frente), e, por
Quanto à nomeação de advogados, é feita pelo outro lado, quanto aos funcionários judiciais, não
juiz, em princípio mediante escalas elaboradas só há também limites numéricos como, sobretudo,
previamente (Lei 7/70, Base não há qualquer escola ou centro de formação.
VIII, e Regulamento, art. 18.°) pela Ordem
dos Advogados e pela Câmara dos Solici- 4. Quanto ao aprofundamento e definição do
tadores. Mas verificam-se imensas defi- papel da magistratura e à consciência dos limites
ciências no sistema. Por um lado a objectivos e subjectivos à sua «neutralidade»,
nomeação recai sobre qualquer desses trata-se de matéria que começou muito
profissionais mesmo que não esteja inte- recentemente a ser abordada, designadamente no
ressado nisso ou não trabalhe habitual- sentido da consciencialização de que fala
mente naquela área jurídica do caso em Boaventura de Sousa Santos, mas que defronta
questão (há, por exemplo, nomeações ainda grandes obstáculos culturais pela tendência
frequentes para o patrocínio de causas dominante de se ver essa independência dos
penais de profissionais que às mesmas se juizes (e a isenção dos funcionários judiciais) em
não dedicam, nem estão assim dentro da termos abstractos os quais evitam, assim, muitas
evolução em pormenor do respectivo vezes a analise conveniente.
direito processual). O que não pode deixar üma pequena lacuna do trabalho em apreciação
de gerar falta de motivação ou até de consistirá porventura na análise do papel dos
preparação especifica. Por outro lado não advogados e seus condicionamentos e, ainda, do
é, em geral, feita uma triagem dos casos e inter-relacio-namento dos diversos componentes
com alguma frequência são nomeados
da actividade judiciária, de algum modo quase
para questões sem qualquer possibilidade
sempre, historicamente, «triangular» e dialéctica,
séria de colocação ou defesa judicial.
matéria que a minha experiência profissional me
Acresce que embora se preveja que «a decisão faz supor aconselhar um Início de tratamento
final da acção fixará os honorários do advogado e teórico, até porque a administração da justiça não
do solicitador do assistido, que responderá pelo é apenas função dos magistrados.
pagamento, quer seja vencido, quer vencedor» 5. Os mecanismos da resolução dos conditos
(Base sociais em Portugal foram diversos e ricos nos
IX, n.° 1), logo na Base X, da Lei 7/70, se últimos doze anos e essas experiências não foram
diz que «A obrigação de pagamento de ainda suficientemente estudadas.
custas e honorários só é exigível quando Em qualquer caso a carência de diversificação dos
o devedor, beneficiário da assistência, Tribunais, com a criação de Tribunais (ou até, para
adquira meios que lhe permitam efec- certos conflitos pequenos, outras instituições) mais
tuá-lo».
«leves», especializados e descentralizados,
Em consequência, o defensor oficioso pouco ou
revela-se, segundo creio e tenho profissionalmente
nada recebe e suporta mesmo do seu bolso muitas
sentido, como uma orientação em qualquer caso a
despesas (de deslocações, administrativas de
reter, para ir designadamente ao encontro da
escritório, de telefones, etc.)...! O Estado, por sua
enorme diversidade e diferente «importância» dos
vez, tem-se mantido ausente da concretização
deste «direito charneira», ressalvada apenas a problemas. Sem dúvida também será conveniente
limitada intervenção do poder judicial atrás acentuar as experiências de conciliação (embora
enunciada. muitas vezes, na prática, mal realizadas) e de
arbitragem.
A Ordem dos Advogados vem propondo desde há
vários anos um sistema de advocacia São estas as considerações que numa
convencionada (uma das hipóteses mencionada no curta síntese se me afiguram resultado da
estudo em apreciação) sem que tenha havido experiência e da reflexão que tenho efec-
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça

tuado. Não entro no domínio do direito direito adjectivo) pois alargaria este
substantivo (e sua relacionação com o comentário excessivamente. ■

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