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1. Introdução:
Trata-se de uma disciplina crítica do Direito Positivo. Talvez esse constante voltar
sobre si seja o objetivo de todas as disciplinas do Direito. Em todo caso, especialmente
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SOUTO, Cláudio; SOUTO, Solange. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro e São Paulo:
Livros Técnicos e Científicos e EDUSP, 1981, p. 13.
Direito, Filosofia e Humanística
Disciplina: Sociologia Jurídica
Prof. Ms. Gustavo Siqueira
Aula 1 - 18/01/10
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a Sociologia Jurídica possui esse caráter crítico, pois precisa do Direito Positivo para
sua análise, parte-se do empírico para chegar-se ao crítico.
Mas essa concepção, quando analisado de forma estanque, está perdendo força.
Palavra-chave: interdisciplinariedade.
1) Voluntária:
2) Repressiva:
Efeitos da lei: todos os efeitos gerados pela lei sem considerar sua eficácia.
Ex: uma pessoa respeita a lei de outra cidade; mudança de uma empresa por causa de
um aumento do imposto.
Teóricos:
c. Virada que a antropologia jurídica faz, onde esta disciplina deixa de estudar
apenas civilizações primitivas, passando a estudar os processos humanos
complexos.
Não se trata apenas do direito de petição, mas também do conhecimento dos direitos
por toda a sociedade.
Econômicos: como, por exemplo, o alto custo para o ingresso nos tribunais. E
para Boaventura quanto mais baixa a causa mais alta, proporcionalmente, são as custas
judiciais. Outro obstáculo seria a manutenção do processo, por exemplo, pericias .
Onde não se promove esse acesso à justiça existe uma forma de discriminação do
acesso à justiça. Boaventura propõe algumas soluções para o problema da
discriminação do acesso a justiça. Discriminação esta onde poucos podem acessar a
justiça e onde um número menor pode acessar uma justiça de qualidade. Uma das
causas desse problema é não ter transformado as assessorias judiciárias (advocacia
gratuita) em assessorias jurídicas (educação jurídica).
Junto com essa educação jurídica, uma boa solução é acesso ao judiciário através das
Ações Coletivas: principalmente na área do consumidor tem ampliado o acesso ao
judiciário.
Aqui não se preocupa só com as decisões dos magistrados, mas também sobre a
formação dos juízes, principalmente com os cursos para a formação dos juízes. Tema
este focado até mesmo em congressos de magistrados.
Litigiosidade social: a partir desta visão de uma nova sociologia (interdisciplinar), o foco
deve estar na solução dos conflitos e não meramente na norma.
Pluralismo Jurídico: concepção em que as fontes do direito não são apenas as fontes
estatais. É uma contraposição ao monismo jurídico. Essas outras fontes extra-estatais
podem servir para a solução dos conflitos sociais de forma muito mais “eficaz”.
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Interessante lembrar que Boaventura não faz distinção formal entre sociologia do
direito ou jurídica, trabalhando os dois aspectos. Alguns autores chamam a Sociologia
no Direito de evolucionista, mesmo que contra a lei. Neste sentido, veja-se o “direito
achado na rua” ou o Direito Alternativo, como será estudado posteriormente.
Boaventura diz que para democratizar a justiça são necessários dois elementos
essenciais:
A solução para esse embate deve ser através de diálogo, criando pressupostos para o
diálogo entre os dois; objetivando que a mídia seja um instrumento para o acesso à
justiça, de conhecimento dos direitos e prerrogativas por parte dos cidadãos.
Celeridade processual: quem sofre mais com a demora? Pode ser um fato para a
desigualdade.
Juiz-Juiz e Juiz-Gestor:
O juiz não deve ser só juiz, não deve só julgar, mas deve ser preocupar com a gestão de
seu juízo, visar a excelência nos serviços prestados. Nisso entra a responsabilidade
social do juiz, pois aqui não se trata apenas de uma decisão técnica. Há ainda uma
relação com os outros órgãos, visando maior integração com MP, Polícia etc. O juiz
precisa ter consciência da interdisciplinaridade para melhor efetividade da justiça.
Como que o direito escolhe as relações jurídicas? Existem vários fatores que vão
colaborar para que o direito torne determinadas relações sociais em relações jurídicas,
como, por exemplo, fatores econômicos, tecnológicos. Vários fatores contingenciais
influenciam a elaboração do direito.
Cada sociedade, em cada momento histórico, vai escolher o que positivar no direito.
Controle Social: em sentido amplo, é todo aquele fato que influencia a conduta a
conduta humana. Pode fazer a pessoa praticar uma ação ou não.
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b. Fiscalização: exercido sobre aqueles que não seguem uma norma de controle
social. Geralmente prevendo uma sanção.
4.1.2 Destinatários:
4.1.3 Fiscalizadores:
Direito é uma forma de controle social especial. Especial por que possui algumas
características, como por exemplo:
2. Sanções certas: a sanção quando se viola uma relação jurídica é certa. Numa relação
social não. Sanção premial ou não pré-definidas.
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7. "Em expansão": cada vez mais o direito vai expandindo para atuar em outras
esferas5.
4.3.1 Perspectiva liberal-funcionalista: para essa perspectiva o controle social serve para
o bem estar das pessoas, para o convívio pacífica, expandir a felicidade etc.
Isso é busca até mesmo na biologia, o novo que sucede o velho é diferente. A mudança
é inerente a toda sociedade.
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Neste sentido vide Ana Lúcia Sabadel.
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Após a positivação de uma nova norma a sociedade passa a agir de determinada forma?
O direito é tanto mudança, quanto manutenção. Manutenção por que tem algumas
coisas que a sociedade quer manter.
Estas são alterações no modo de vida da sociedade, seja na forma que a sociedade julga
as pessoas ou valoriza as coisas.
Em princípio essas transformações sociais não influenciam o direito, mas quando são
sensíveis elas alteram o direito.
O que transforma a sociedade? Não existe regra fixa, pré-determinada; existem vários
fatores que influenciam a transformação social. Ex: fatores geográficos, ideológicos,
ambientais, tecnológicos.
É a sociedade que influencia o direito, seja em sua criação ou em sua aplicação? Tanto o
direito influencia a sociedade, quanto a sociedade influência o direito.
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Se grande parte da sociedade usa cinto após a lei, podemos falar em mudança social. Se
apenas 10% usa não podemos falar nesta mudança.
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Santi Romano (1875—1947) foi um jurista italiano com atuação nas áreas da teoria do direito, do direito
constitucional, do direito administrativo e do direito internacional. (Wiki)
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Toda norma refere-se necessariamente a outra norma. Se uma lei existe é porque outra
norma para sua validação. Essa remissão, derivação, validação pode ser:
Toda norma tem fundamento em outra norma. O que nos leva à norma fundamental.
O Direito é uma ciência autônoma que não pode ter contradições; ainda é necessária a
completude deste ordenamento.
O socialismo utópico para eles é apenas uma carta de boas intenções. O socialismo
científico quer analisar a sociedade como foi, é e será.
Três formas:
Escravidão:
Feudalismo:
Capitalismo:
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Para Karl Marx o direito moderno só é observado nas sociedades capitalistas, pois nas
sociedades escravocratas as relações sociais eram mantidas pela força do senhor. No
feudalismo a sociedade é regulada pela terra. Na sociedade capitalista a relação de
exploração é mantida pelo direito.
Todos os atos do capitalismo são atos jurídicos. É justamente o direito que vai garantir
a manutenção de exploração. Não é mais a força e a terra. Agora o explorador tem
poderes infinitos, pois o limite é o direito, mas quem limita o direito é o Estado, este é
ilimitado. Portanto, estes são elementos capitalistas para manter as coisas como elas
estão.
O direito ainda tem um caráter ideológico: "todos são iguais". Mas que igualdade?
Marx abre a mente de todos para outra realidade, busca abrir os olhos para um lado que
o direito não olha: o econômico.
O Estado não deve buscar somente o lucro nas atividades que exerce.
Ex.: BNDS
Se o direito não se preocupa com o econômico ocorre desigualdade. É uma via de mão
dupla. Deve-se buscar um equilíbrio, um equilíbrio democrático. Isso está relacionado
com a Justiça Econômica, principalmente na idéia de igualdade material.
A sociedade é uma estrutura, ou seja, como ela se apresenta, e dentro dessa estrutura há
os processos sociais onde ocorrem essas transformações.
9.1 Estratificação Social: termo importado da geologia, o qual significa análise de uma
rocha, das camadas que existem nessas rochas. A estratificação social são as camadas
dentro da sociedade; a posição das pessoas na sociedade. SOUTO diz que a
estratificação serve como controle social para influenciar as ações das pessoas.
Será que o direito ignora as classes sociais ao dizer que todos são iguais? Nisto valem as
abordagens:
2. Trabalhadores: que vendem sua mão de obra e são explorados segunda marx.
Não usa o termo classes, mas estamentos. Existem dezenas de estamentos, vários
fatores irão influenciar profissão, religião, estudo etc.
Estamento: deve-se relembrar que no séc. XV a mobilidade é restrita. Ex: Reis, Nobres.
Para os contemporâneos Weber tem razão, existem várias classes, mas há ainda fatores
pessoais que irão determinar essas classes; como a pessoa nasce pode influenciar a
classe que estarão no futuro, isto principalmente com vistas aos desprivilegiados.
Classe contemporaneamente deve ser analisada sob vários fatores, nisso entra a
interdisciplinaridade.
É a movimentação dos indivíduos dentro das classes, dessa estratificação; podendo ser
de cima para baixo.
i. Casamento:
ii. Trabalho:
iii. Estudo:
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v. Loteria:
9.2.3 Legitimidade.
Cada sociedade legitima seu sistema de classes de uma forma, ou seja, tenta explicar e
justificar por que uns tem mais outros menos.
Falar em mobilidade é falar que aquele que não tem pode ter. Justifica-se a situação pela
mobilidade. Teoricamente o liberalismo concebe que todos partem do mesmo ponto.
Em tese o ponto partida deveria ser igual.
Se o direito não trata das pessoas diferentes, tratará todos igualmente, todavia será uma
sociedade que trata diferentemente.
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Disciplina: Sociologia Jurídica
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Ex:
Mendicância e a vadiagem
Art. 176, CP
Furto X Sonegação: uma pessoa que sonega o imposto está obtendo coisa alheia
para si.
SABADEL diz, que na década de 90, 70% das pessoas no RJ e SP não tinham acesso
ao judiciário nas causas cíveis. Por falta de recursos. Também nessas cidades 98% dos
presos não tinham condições de pagar advogados.
A sociologia serve para criticar essa desigualdade econômica e serve para criticar essa
igualdade formal. Se o direito trata as pessoas de forma igual, mas as pessoas são
desiguais, a desigualdade permanece. O direito neste modelo não enfrenta a questão da
desigualdade, assim como na época de escravidão.
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Disciplina: Sociologia Jurídica
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"Do ponto de vista sociológico o poder é um fenômeno relacional inerente aos grupos
e assume formas extremamente variadas". Nelson Saldanha
O direito está nas relações entre as pessoas. O poder é inerente as relações entre as
pessoas, manifestando-se de formas variadas; ele permeia as relações entre as pessoas e
assume formas variadas.
O direito é maior que as fontes formais. Essas outras formas se articulam, a sociedade é
um complexo entre essas normas. Ex: normas religiosas, regras de bairro, favela. Para
os defensores do pluralismo jurídico tudo isso é direito.
Para o Pluralismo Jurídico o direito não é instrumento de controle, não é uma direção
que as pessoas devem seguir. O direito vem como resposta às necessidade, das
ausências, das não concessões. É justamente essas não concessões, essa busca pelo
pluralismo, que fará com que o Estado positive seus direitos.
Esse pluralismo argumenta que só o Estado não seria suficiente para regular a
sociedade. Ex: pessoas que moram em favelas que não tem registros dos imóveis. A
compra e venda nesses lugares não é feito pelo registro, mas pela tradição. Um novo
direito nasceu naquela sociedade.
Referência Nacional: Antônio Carlos Wolkmer. Para ele o Pluralismo Jurídico pertence
a essência de cada sociedade; está relacionado às práticas cotidianas.
10.2.1 Interlegalidade: direito como mistura de vários sistemas. Múltiplas fontes inter-
relacionadas.
10.2.2 Sociedades Multiculturais: direito das sociedades que sofrem problemas com
imigrações de outros povos. O direito muitas vezes não tem assimilado essas novas
culturas, mas deixa espaço para essas sociedades, para que nesse espaço essas
comunidades criem seu novo direito. Ex: religião.
Enuncia que nada que o pluralismo diz não é direito, são comandos sociais, não são
regras obrigatórias. São simplesmente regulamentos não obrigatórios. O direito já se
afastou da religião. Ex: as pessoas sabem diferenciar pecado de crime.
Dentro do Direito Oficial: onde o direito do Estado permite a criação de outras regras.
Ex: acordos coletivos trabalhistas, essas acordos autoreguláveis. O direito estatal
autoriza a criação desses acordos. A conciliação e arbitragem oficiais teoricamente as
pessoas criam o direito entre elas.
Fora do direito oficial: onde o direito ocorre longe das vias institucionalizadas.
Voltamos à forma de resolução de conflitos fora do judiciário. Ex.: associações de
bairros com centros de conciliação.
Os críticos dizem que tal abordagem não é Direito, pois não se poderia reconhecer tais
questões em um Tribunal. Enfim, pode-se olhar o direito de forma pluralista ou
monista.
Outra crítica é que as regras de outros grupos - e.g. Ku Klux Klan ou a Máfia - seriam
Direito? Para os defensores do Pluralismo Jurídico não podem ser encaradas como o
direito porque não tem relação com a ética, principalmente não tem em vista o bem
comum da sociedade.
1. Auto-organização;
2. Auto-reprodução;
3. Auto-diferenciação;
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4. Auto-referência;
5. Auto-observação;
Quanto mais complexo, mais opções, mais perturbações, mais seletividade, mais
contingência.
Contingência = Seletividade
12.5 Sistema:
O sistema que é o ambiente dos subsistemas tem a sua complexidade, suas várias
escolhas. A complexidade estruturada é quando uma perturbação.
A relação entre o ambiente e o sistema é dupla, pois assim como os subsistemas, eles
são abertos e fechados. Portanto, as perturbações são necessárias.
Diferenciação:
É uma teoria para compreensão da realidade, mas acima de tudo para o fortalecimento
do direito, pois só o direito pode determinar suas próprias normas, isso para evitar a
corrupção sistêmica.
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Disciplina: Sociologia Jurídica
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12.7 Comunicações:
O direito tem sua linguagem própria. Na linguagem jurídica muitas palavras tem
sentidos próprias.
Cria sua identidade quando há a diferenciação. Essa identidade também está em sua
auto-referência.
Luhmann diz que mudança social é transfomar o improvável em provável, uma coisa
que não existe em uma coisa que existe.
O direito que está fechado, se auto-reproduzindo, como ele mudará? Fará isso pelos
seus auto-procedimento, por exemplo, legislação; ou seja, influência das perturbações,
mas nunca determinar a criação do direito. O direito pode alterar ou não.
O direito criou sua própria complexidade, o direito traz suas próprias escolhas.
b. Função própria:
Alguns dizem que o Direito é um subsistema imunológico do sistema social. Ele criará
ordem para que os subsistemas coexistam.
Esse direito reflexivo é uma crítica a Kelsen, pois para este o direito é um sistema de
normas que se referem a outras normas até uma norma fundamental. Aqui o direito é
auto-circular.
Expectativa Cognitiva: quando após uma frustração a expectativa se altera. Ex: familiar,
social, religiosa. A expectativa aqui não é válida para todos.
Dois elementos:
Para evitar isso deve-se concretizar as normas jurídicas. O Estado que não respeita suas
próprias normas está corrompendo o sistema.
Para Kelsen as normas jurídicas vem sempre de outras normas. O Estado e o Direito
são da mesma coisa, uma ordem coercitiva.
15.1 Sociedade Hipercomplexa: complexa é dizer que existem várias opções, variáveis.
A hipercomplexidade vem da infinita capacidade humana para criar, ela é o aumento
das aptidões da sociedade, criações, evoluções. A hipercomplexidade é decorrência de
uma sociedade que a cada dia cria novas opções, onde muito se transforma.
Quanto mais confiança existe, entre as pessoas e entre estas o direito, menor é a
hipercomplexidade, menor o número de possibilidades e a comunidade se torna um
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pouco menos complexa. A confiança passa ser um instrumento essencial ao direito; ela
não se acaba com a complexidade, mas a reduz positivamente.
Expectativas:
Cognitivas:
Legislativas:
O direito vai trabalhar com alguns riscos, mas alguns riscos são insuportáveis. Nestes
casos o direito não pode admitir tais riscos. Ex: matar alguém, furtar, são riscos que o
direito não aceita punindo o agente. É um risco insuportável para a sociedade. Muitas
vezes a sociedade diz isso através do direito. Outros riscos são suportáveis e o Direito
não os tutelam.
Os riscos sempre existiram, mas agora os riscos são globais. Outrora, como nas grandes
navegações, os riscos estavam sob poucos indivíduos; hoje o ato de um só indivíduo
pode modelar o presente, ou até mesmo o futuro. Ex: desastres nucleares.
Características:
1. Global:
2. Invisível:
3. Imperceptível:
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Edgar Morin: confiança nas sociedades hipercomplexas. Para ele tanto a fraternidade,
quanto o amor, a relação entres as pessoas, são relações que podem retomar os laços
que esta sociedade hipercomplexa se afastou.
Vulnerabilidade: o risco atinge a todos, mas alguns são mais vulneráveis. Ex: em uma
enchente alguns podem perder tudo e outros podem se restabelecer rapidamente.
Beck ainda fala de uma sociedade cosmopolita, uma consciência política cosmopolita.
Poder do ponto de vista sociológico não está apenas no Estado, mas nas pessoas.
Para Luhmann o direito vem para legitimar o poder e a força. Para Luhmann o que
legitima o direito é o procedimento interno que instituiu o Direito.
Mas para Weber não basta o aspecto formal, sim o conteúdo, o aspecto material. Para
Max Weber existem dois tipos de legitimidade:
1. Quando o Estado garante teoricamente direitos para todos, mas não cumpre. Ex:
normas programáticas.
2. Quando o Direito não cumpre as demandas da sociedade, mesmo sendo eficaz ele
não cumpre as demandas da sociedade de risco.
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1. Imparcialidade:
2. Racionalidade:
3. Eficiência:
18.1 Conceito:
A revolução ela insurge contra o direito, contra o sistema jurídico existente. É uma
revogação do direito anterior em todo ou em parte. As revoluções políticas alteram o
direito público. Quando a revolução é social altera o direito privado, principalmente o
direito de propriedade.
A revolução a priori destrói todo o direito positivo, mas ao mesmo tempo cria um novo
direito. Juridicamente não existe direito à revolução. Pode-se justificar uma revolução
como moral, teologia, ideologia, mas jamais justificá-la com o direito.
Reforma são as alterações não essenciais do sistema político e social apenas para não
possibilitar uma futura revolução. Só alteraria a moldura do sistema.
Antes se dizia que não cabia ao juiz resolver os problemas sociais, mas tão só a lei. Essa
mentalidade é substituída pela busca da resolução dos conflitos. O judiciário precisa
focar no problema e não na lei.
MPF: Historicidade das normas. As leis, a constituição, devem ser interpretadas a cada
geração, a cada momento. A lei deve se atualizada quando interpretada. Trazer a lei para
sua realidade.
Como o judiciário vai manter sua função de julgar e a eficácia das leis.
Deve-se distinguir:
1. Democratização da justiça:
Validade: correspondência das normas, mas especialmente dos valores das normas
com os valores da sociedade.
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Disciplina: Sociologia Jurídica
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Eficácia e efetividade:
O combate a corrupção e das regalias são essenciais, mas, além disso, a aproximação do
Judiciário com o jurisdicionado seja através da mídia, seja através do acesso à
administração do judiciário, pois há uma cúpula do judiciário que não conclama a
sociedade para participar. Isto para a reconstrução do "tecido ético", baseado uma ética
cosmopolita (solidariedade, fraternidade).
O juiz gestor trabalhará nas relações com as pessoas, visando melhorar o serviço
prestado pelo Judiciário. Não perdendo nunca de vista o foco nos direitos
fundamentais.
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BOAVENTURA DE SOUSA
SANTOS
Prot. Associado da
Faculdade de Economia da Coimbra
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA DA
ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA*
Entra outras razoes, o aumento dramático organização profissional; a existência na
dos processos e as consequências que saciedade de múltiplas instâncias
produziu nos tribunais propiciou o interasse jurisdicionais que competem com os
da sociologia pelo estudo da administração tribunais na resolução d OS conflitos. Os
da justiça. Entre as fanas tinhas de principios de uma nova politica judiciária,
investigação, distinguem-se: as que se anunciam, e a democratização da
desigualdades no acesso ao direito; o fim do justiça, para que apontam, exigem que se
mito da neutralidade dos tribunais façam investigações empíricas nestas áreas
concebidas como sub-sts-tema do sistema am Portugal.
politico sujeito a um padrão especifico da
' Este trabalho foi inicialmente apresentado, em varsáo abreviada, no 1." Simpósio
Internacional do Processo Civil e Organização Judiciária realizado na Faculdade de Direito de
Coimbra de 21 a 26 da Maio de 1984, e publicado no Brasil na Ravista de Processo 37. 1&35.
pp. 121-139 e, em versão espanhola, na Revista Uruguaya da Derecho Procesal 1, 19135,
pp. 21-35.
contrário doutros ramos da sociologia, a sociologia do direito ocupa-se de um fenómeno social, o direito, sobre o
qual incidem séculos de produção intelectual cristalizada na idade moderna em disciplinas como a filosofia do
direito, a dogmática jurídica e a história do direito.
Uma das ilustrações mais significativas deste peso dos precursores consiste no privilegiamento, sobretudo
no período inicial, de uma visão normativista do direito em detrimento de uma visão institucional e organizacional
e, dentro daquela, no privilegiamento do direito substantivo em detrimento do direito processual, uma distinção ela
própria vinculada a tradições teóricas importadas acriticamente pela sociologia do direito. Sem recuarmos aos
precursores dos precursores, Giambattista Vico (1953) e Montesquieu (1950-1961), é notório que a visão
Boaventura de
Sousa Santos
normativista e substantivista do direito domina, no século XIX, a produção e as discussões teóricas, quer de
juristas, quer de cientistas sociais, como hoje lhe chamaríamos, interessados pelo direito. Assim, e quanto aos
primeiros, de todos os debates que na época são portadores de uma perspectiva sociológica do direito, ou seja, de
uma perspectiva que explicitamente tematiza as articulações do direito com as condições e as estruturas sociais
em que opera, o debate sem dúvida polarizador é o que opõe os que defendem uma concepção de direito
enquanto variável dependente, nos termos da qual o direito se deve limitar a acompanhar e a incorporar os valores
sociais e os padrões de conduta espontânea e paulatinamente constituídos na sociedade, e os que defendem uma
concepção do direito enquanto variável independente, nos termos da qual o direito deve ser um activo promotor de
mudança social tanto no domínio material como no da cultura e das mentalidades, um debate que, para lembrar
posições extremas e subsidiárias de universos intelectuais muito distintos, se pode simbolizar nos nomes de
1
Savigny (1840) e de Bentham ( ). O mesmo se pode dizer quanto ao debate oitocentista sobre o direito no âmbito
da sociologia emergente. Se é certo que se acorda em que o direito reflecte as condições prevalecentes e ao
mesmo tempo actua conformadora-mente sobre elas, o debate polariza-se entre os que concebem o direito como
o indicador privilegiado dos padrões de solidariedade social, garante da composição harmoniosa dos conflitos por
via da qual se maximiza a integração social e realiza o bem comum, e os que concebem o direito como expressão
última de interesses de classe, um instrumento de dominação económica e política que por via da sua
formaenunciativa (geral e abstracta) opera a transformação ideológica dos interesses particularísticos da classe
2
dominante em interesse colectivo universal, um debate que se pode simbolizar nos nomes de Durkheim (1977) ( )
3
e de Marx( ).
No primeiro quartel do nosso século a visão normativista substantivista do direito continuou a dominar, ainda
que com nuances, o pensamento sociológico sobre o direito. É assim exemplarmente o caso de Ehrlich, para
alguns o fundador da sociologia do direito, em qualquer dos dois grandes temas da sua produção cientifica: o
direito vivo e a criação judiciária do direito (1929 e 1967). No que respeita ao primeiro, o direito vivo, é central a
contraposição entre o direito oficialmente estatuído e formalmente vigente e a normatividade emergente das
relações sociais pela qual se regem os comportamentos e se previne e resolve a esmagadora maioria dos
conflitos. No que respeita ao segundo, a criação judiciária do direito, é ainda a mesma visão fundante que dá
sentido à distinção entre a normatividade abstracta e exangue da lei e a normatividade concreta e conformadora
da decisão do juiz. Atente-se, no entanto, que este segundo tema, e em geral a orientação teórica da escola do
4
direito livre ou da jurisprudência sociológica (Pound, 1911 e 1912) ( ), ao deslocar a questão da normatividade do
direito dos enunciados abstractos da lei para as decisões particulares do juiz, criou as pre-condições teóricas da
transição para uma nova visão sociológica centrada nas dimensões processuais, institucionais e organizacionais
do direito. Nesta mesma transição e ainda no mesmo período (o primeiro quartel do nosso século) se situa a obra
de M. Weber (1964) (5). A preocupação de Weber em definir a especificidade e o lugar privilegiado do direito entre
as demais fontes de normatividade em circulação nas relações sociais no seio das sociedades capitalistas levou-o
a centrar a sua análise no pessoal especializado encarregado da aplicação das normas jurídicas, as profissões
jurídicas, a burocracia estatal. Segundo ele, o que caracterizava o direito das sociedades
capitalistas e o distinguia do direito das sociedades anteriores era o construir um monopólio estatal administrado
por funcionários especializados segundo critérios dotados de racionalidade formal, assente em normas gerais e
abstractas aplicadas a casos concretos por via de processos lógicos controlaveis, uma administração em tudo
integrável no tipo ideal deburocracia por ele elaborado.
14
1
1 ) Fiel às suas posições teóricas, Bentham procurou influenciar as transformações jurídicas no início do periodo liberal em Portugal
(cfr. Bentham, 1823).
2
( ) Num estudo de autonomização teórica em relação à ciência jurídica, Durkheim recusa a distinção entre direito público e direito
privado, por considerá-la insustentável no plano sociológico, substituindo-a pela distinção entre direito repressivo (o direito penal) e
direito restitutivo (direito civil, direito comercial, direito processual, direito administrativo e constitucional). Cada um destes tipos de
direito corresponde a uma forma de solidariedade social. O direito repressivo corresponde à solidariedade mecânica, assente nos
valores da consciência colectiva cuja violação constitui um crime, uma forma de solidariedade dominante nas sociedades do passado.
O direito restitutivo corresponde à solidariedade orgânica, dominante nas sociedades contemporâneas, assente na divisão do
trabalho social cuja violação acarreta a sanção de simples reposição das coisas.
3
( ) Como se sabe, Marx não produziu uma teoria sociológica do direito. No entanto, a sua vasta obra está repleta de referências não
sistemáticas ao direito. Cfr., em especial, A Contribuição à Critica da Filosofia do Direito de Hegel (1843); A Ideologia Alemã
(1845-46); artigos no Neue Rheinische Zeitung (1848-49), O Dezoito de Brumário de Napoleão Bonaparte (1852); Grundrisse
(1857-58); O Capital (1867); A Guerra Civil em França (1871) e A Critica do Programa de Gotha (1875).
4
( ) Foi, aliás, Roscoe Pound quem apresentou Ehrlich à comunidade cientifica anglo-saxónica em 1936.
5
( ) A melhor selecção do que nesta obra respeita à sociologia do direito é a de Max Rheinstein (1967).
Boaventura de
Sousa Santos
6
( ) Para além dos clássicos (M. Weber e R. Michels) as referências básicas neste ramo
da sociologia sào: P. Selznick (1949); P. Blau (1955); J. March e H. Simon (1958); M. Crozier
(1963); S. Clegg e D. Dunkerley (1980).
8
( ) Para uma visão geral, veja-se J. Grossman e R. Wells (orgs.) (1980: 3-76). Em especial, cfr.: G. Schubert (1960); A. Bickel (1963);
H. Jacob (org.) (1967); R. Dahl (1967); uma análise crítica do artigo precedente em J. Cásper (1976); M . Shapiro (1975).
9
( ) Neste sentido, cfr. Santos (1980) e a bibliografia ai citada.
Boaventura de
Sousa Santos
16
uma crise de cuja persistência somos hoje testemunhas. Esta condição está
em parte relacionada com a anterior. As lutas sociais a que fiz referência
aceleraram a transformação do Estado liberal no Estado assistencial ou no
Estado-providên-cia, um Estado activamente envolvido na gestão dos conflitos
e consertações entre classes e grupos sociais, e apostado na minimização
possível das desigualdades sociais no âmbito do modo de produção capitalista
dominante nas relações económicas. A consolidação do Estado-provldència
significou a expansão dos direitos sociais e, através deles, a integração das
classes trabalhadoras nos circuitos do consumo anteriormente fora do seu
11
alcancei ). Esta integração, por sua vez, implicou que os conflitos emergentes
dos novos direitos sociais fossem constitutivamente' conflitos jurídicos cuja
diri-mição caberia em principio aos tribunais, litigios sobre a relação de
trabalho, sobre a segurança social, sobre a habitação, sobre os bens de
consumo duradouros, etc., etc. Acresce que a integração das classes
trabalhadoras (operariado e nova pequena burguesia) nos circuitos do
consumo foi acompanhada e em parte causada pela Integração da mulher no
mercado de trabalho, tomada possível pela expansão da acumulação que
caracterizou este período. Em consequência, o aumento da pool de
rendimentos familiares foi concomitante com mudanças radicais nos padrões
do comportamento familiar (entre cônjuges e entre pais e filhos) e nas próprias
estratégias matrimoniais, o que veio a constituir a base de uma acrescida
conflitualidade familiar tornada socialmente mais visível e até mais aceite
através das transformações do direito de família que entretanto se foram
verificando. E esta foi mais uma causa do aumento dos litígios judiciais.
De tudo isto resultou uma explosão de litigiosidade à qual a administração
da justiça dificilmente poderia dar resposta. Acresce que esta explosão veio a
agravar-se no inicio da
(10) São muito numerosas as análises empíricas dos diferentes movimentos sociais. Dentre os autores que melhor teorizaram a
emergência e o significado sociais destes movimentos é justo salientar, na Europa, A. Tou-raine (1965 e 1973) e, nos EUA, A.
Oberschall (1973) e F. Piven (1977). Dentre os autores que melhor têm analisado as relações entre os movimentos sociais e o direito,
destaco F. Piven e R. Cloward (1971) e J. Handler (1978).
Boaventura de
Sousa Santos
II
13
( J Na justiça penal há, por assim dizer, uma procura forçada da justiça,
nomeadamente por parte do réu. no entanto, a nível global, pode igualmente falar-se de
procura social da justiça penal.
Boaventura de
Sousa Santos
14
i ) Na Europa Continental a hegemonia da ciência jurídica positivista tornou
particularmente difícil o reconhecimento dos pressupostos políticos e sociais por detrás das
soluções técnicas processuais Neste sentido, M Cappelletti (1969) e P. Calamandrei (1956).
vista a propor as soluções que melhor os pudessem superar. Muito em geral
pode dizer-se que os resultados desta investigação permitiram concluir que
eram de três tipos esses obstáculos: económicos, sociais e culturais (,s). Quanto
aos obstáculos económicos, verificou-se que, nas sociedades capitalistas em
geral, os custos da litigação eram muito elevados e que a relação entre o valor
da causa e o custo da sua litigação aumentava à medida que baixava o valor da
causa. Assim, na Alemanha, verificou-se que a litigação de uma causa de valor
médio na primeira instância de recurso custaria cerca de metade do valor da
causa. Na Inglaterra verificou-se que em cerca de um terço das causas em que
houve contestação os custos globais foram superiores aos do valor da causa.
Na Itália, os custos da litigação podem atingir 8,4% do valor da causa nas
causas com valor elevado, enquanto nas causas com valor diminuto essa
percentagem pode elevar-se a 170% (Cappelletti e Garth, 1978: I, 10 e segs.).
Estes estudos revelam que a justiça civil é cara para os cidadãos em geral, mas
revelam sobretudo que a justiça civil é proporcionalmente mais cara para os
cidadãos economicamente mais débeis. É que são eles fundamentalmente os
protagonistas e os interessados nas acções de menor valor e é nessas acções
que a justiça é proporcionalmente mais cara, o que configura um fenómeno da
dupla vitimização das classes populares face à administração da justiça.
De facto, verificou-se que essa vitimização é tripla na medida em que um
dos outros obstáculos investigados, a lentidão dos processos, pode ser
facilmente convertido num custo económico adicional e este é
proporcionalmente mais gravoso para os cidadãos de menos recursos. No final
da década de 60, a duração média de um processo civil na Itália era, para o
percurso das três instâncias. 6 anos e 5 meses (Resta, 1977: 80); alguns anos
mais tarde, na Espanha, essa duração era cerca de 5 anos e 3 meses
(Cappelletti e Garth, 1978: 14). No final da década de 60 as acções civis perante
o tribunal de grande instância em França duravam 1,9 anos e perante o tribunal
de primeira instância na Bélgica 2,33 anos (Cappelleti e Garth, 1978). A análise
da duração média dos processos civis e a consequente verificação do aumento
da lentidão da justiça é um dos temas mais intrigantes da investigação
sociológica sobre os tribunais nos nossos dias. Por um lado, verifica-se que a
litigação civil tem vindo a diminuir
(15) o sentido geral dos estudos do período inicial está patente em Conterence
Proceedings (1964) e em J. Carlin e J. Howard (1965). Pode ainda ter-se uma visão global
e aprofundada dos estudos realizados nos vários países, durante a década seguinte, em
Cappelletti e B. Garth (orgs.) (1978), uma obra monumental e uma referência bibliográfica
obrigatória neste domínio.
de volume nas últimas décadas. Os estudos feitos na Itália neste campo (Resta,
1977: 83 e segs.) corroboram inteiramente os produzidos em Espanha, onde
Juan Toharia (1974: 190) conclui que ao maior desenvolvimento social e econó-
mico, e ao consequente aumento da vida jurídica civil e da conflitualidade social
nesta área, tem correspondido um decréscimo das causas civis nos tribunais de
justiça. A este fenómeno voltarei mais tarde. Por agora basta referir o paradoxo
denunciado muito recentemente por Vincenzo Ferrari (1983: 338): apesar da
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça
carga do contencioso civil ter vindo a diminuir e apesar das muitas inovações
introduzidas com o objectivo de tornar a justiça civil mais expedita, o facto é que
se tem vindo a verificar um aumento constante da duração média dos processos
civis. E mais intrigante ainda é o facto de este aumento se revelar resistente não
só às inovações parciais que o procuram controlar mas também em relação às
restruturações globais do processo tendentes a eliminar por completo a lentidão
da justiça. Assim, o processo de trabalho, que, no início da década de 70,
constitui juntamente com o Statuto dei lavoratori uma importante vitória das
organizações operárias italianas no sentido de acelerar a administração da
justiça mais directamente relevante para os interesses das classes
trabalhadoras, tem-se vindo a revelar, em tempos recentes, impotente para
impedir o aumento progressivo da duração das causas laborais.
Estas verificações têm levado a sociologia judiciária a concluir que as
reformas do processo, embora importantes para fazer baixar os custos
económicos decorrentes da lentidão da justiça, não são de modo nenhum uma
panaceia, É preciso tomar em conta e submeter a análise sistemática outros
factores quiçá mais importantes. Por um lado, a organização judiciária e a
racionalidade ou irracionalidade dos critérios de distribuição territorial dos
magistrados. Por outro, a distribuição dos custos mas também dos benefícios
decorrentes da lentidão da justiça. Neste domínio, e a título de exemplo, é
importante investigar em que medida largos estratos da advocacia organizam e
rentabilizam a sua actividade com base na (e não apesar da) demora dos
processos (Ferrari, 1983: 339; Resta, 1977: 87). Mas, como comecei por referir,
a sociologia da administração da justiça tem-se ocupado também dos
obstáculos sociais e culturais ao efectivo acesso à justiça por parte das classes
populares, e este constitui talvez um dos campos de estudo mais inovadores.
Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da
justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem e que
essa distância tem como causas próximas não apenas factores económicos,
mas também factores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar
mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades económicas.
Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os
seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema
que os afecta como sendo problema jurídico. Podem ignorar os direitos em jogo
ou ignorar as possibilidades de reparação jurídica. Caplowitz (1963), por
exemplo, concluiu que quanto mais baixo é o estrato social do consumidor
maior é a probalidade que desconheça os seus direitos no caso de compra de
um produto defeituoso. Em segundo lugar, mesmo reconhecendo o problema
como jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa se
disponha a interpor a acção. Os dados mostram que os indivíduos das classes
baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo
quando reconhecem estar perante um problema legal. Numa investigação
efectuada em Nova Iorque junto de pessoas que tinham sido vítimas de
pequenos acidentes de viação, verificou-se que 27% dos inquiridos da classe
baixa nada faziam em comparação com apenas 2% dos inquiridos da classe
alta (citado em Carlin e Howard, 1965), ou seja, quanto mais baixo é o status
socio-económico da pessoa acidentada menor é a probabilidade que interponha
uma acção de indemnização. Dois factores parecem explicar esta desconfiança
ou esta resignação: por um lado, experiências anteriores com a justiça de que
resultou uma alienação em relação ao mundo jurídico (uma reacção
compreensível ã luz dos estudos que revelam ser grande a diferença de
qualidade entre os serviços advocatícios prestados às classes de maiores
recursos e os prestados às classes de menores recursos); por outro lado, uma
situação geral de dependência e de insegurança que produz o temor de
represálias se se recorrer aos tribunais. Em terceiro e último lugar, verifica-se
que o reconhecimento do problema como problema jurídico e o desejo de
recorrer aos tribunais para o resolver não são suficientes para que a iniciativa
seja de facto tomada. Quanto mais baixo é o estrato socio-económico do
cidadão menos provável é que conheça advogado ou que tenha amigos que
conheçam advogados, menos provável é que saiba onde e como e quando
pode contactar o advogado e maior é a distância geográfica entre o lugar onde
vive ou trabalha e a zona da cidade onde se encontram os escritórios de
advocacia e os tribunais.
O conjunto uestes estudos revelou que a discriminação social no acesso à
justiça é um fenómeno muito mais complexo do que à primeira vista pode
parecer, já que, para além das condicionantes económicas, sempre mais
óbvias, envolve condicionantes sociais e culturais resultantes de processos de
socialização e de interiorização de valores dominantes muito difíceis de
transformar.
A riqueza dos resultados das investigações sociológicas no domínio do
acesso à justiça não pôde deixar de se reflectir nas inovações institucionais e
organizacionais que, um pouco por toda a parte, foram sendo levadas a cabo
para minimizar as escandalosas discrepâncias entre justiça civil e justiça social
verificadas.
No imediato pós-guerra, vigorava na maioria dos países
um sistema de assistência judiciária gratuita organizada pela
22 ordem dos advogados a titulo de múnus honorificum (Cappel-
letti e Garth, 1978: I, 22 e segs.; Blankenburg, 1980). Os inconvenientes deste
sistema eram muitos e foram rapidamente denunciados. A qualidade dos
serviços jurídicos era baixíssima, uma vez que, ausente a motivação
económica, a distribuição acabava por recair em advogados sem experiência e
por vezes ainda não plenamente profissionalizados, em geral sem qualquer
dedicação à causa. Os critérios de eligibi-lidade eram em geral estritos e, muito
importante, a assistência limitava-se aos actos em juízo, estando excluída a
consulta jurídica, a informação sobre os direitos. A denúncia das carências
deste sistema privado e caritativo levou a que, na maioria dos países, ele fosse
sendo substituído por um sistema público e assistencial organizado ou
subsidiado pelo Estado. Na Inglaterra, criou-se logo em 1949 um sistema de
advocacia convencionada posteriormente aperfeiçoado (1974), segundo o qual
qualquer cidadão elegível nos termos da lei para o patrocínio judiciário gratuito
escolhe o advogado dentre os que se inscreveram para a prestação dos
serviços e que constam de uma lista; uma lista sempre grande, dado o atractivo
da remuneração adequada a cargo do Estado. Nas duas décadas seguintes
muitos países introduziram esquemas semelhantes de serviços jurídicos
gratuitos. Estes esquemas, conhecidos nos países anglo-saxónicos pela
designação de Judicare, uma vez postos em prática, foram submetidos a
estudos sociológicos que, apesar de assinalarem as significativas vantagens do
novo sistema em relação ao anterior, não deixaram contudo de revelar as suas
limitações (Blankenburg, 1980: 1 e segs.; Abel-Smith ef a/., 1973). Em primeiro
lugar, apesar de em teoria o sistema incluir a consulta jurídica
independentemente da existência de um litígio, o facto é que, na prática, se
concentrava na assistência judiciária. Em segundo lugar, este sistema
limitava-se a tentar vencer os obstáculos económicos ao acesso à justiça, mas
não os obstáculos sociais e culturais. Nada fazia no domínio da educação
jurídica dos cidadãos, da consciencialização sobre os novos direitos sociais dos
trabalhadores, consumidores,
inquilinos, jovens, mulheres, etc. Por último, concebendo a assistência judiciária como um serviço
prestado a cidadãos de menos recursos individualmente considerados, este sistema excluía, à partida, a
concepção dos problemas desses cidadãos enquanto problemas colectivos das classes sociais su-
bordinadas. Estas críticas conduziram a algumas alterações no sistema de serviços jurídicos gratuitos e,
no caso dos Estados Unidos da América, conduziram mesmo à criação de um sistema totalmente novo
baseado em advogados contratados pelo Estado, trabalhando em escritórios de advocacia localizados nos
bairros mais pobres da cidade e seguindo uma estratégia advocatícia orientada para os problemas
jurídicos dos pobres enquanto problemas de classe, uma estratégia privilegiando as acções colectivas, a
criação de novas correntes jurisprudenciais sobre problemas recorrentes das classes populares e,
finalmente, a transformação ou reforma do direito substantivo (Cahn e Cahn, 1964; Note, 1967). Não cabe
Introdução à Sociologia
da Administração da
Justiça
aqui avaliar em pormenor este movimento de inovação institucional a que Portugal se tem, pouco
honrosamente, furtado, um movimento cujas sucessivas etapas denotam uma consciência
progressivamente mais aguda da necessidade de garantir o acesso efectivo à justiça por parte de todos os
cidadãos. Hoje, pode mesmo dizer-se que este movimento transborda dos interesses jurídicos das classes
mais baixas e estende-se já aos interesses jurídicos das classes médias, sobretudo aos chamados
interesses difusos, interesses protagonizados por grupos sociais pouco organizados e protegidos por
direitos sociais emergentes cuja titularidade individual é problemática. Os direitos das crianças contra a
violência nos programas de Televisão e os brinquedos agressivos ou perigosos, os direitos da mulher
contra a discriminação sexual no emprego e na comunicação social, os direitos dos consumidores contra a
produção de bens de consumo perigosos ou defeituosos, os direitos dos cidadãos em geral contra a
poluição do meio ambiente. A defesa pública destes direitos deu origem à instituição da chamada
advocacia de interesse público subsidiada pelas comunidades, por fundações e pelo Estado (Trubek eí a/.,
1980). Deu também origem a algumas reformas no processo civil, nomeadamente o alargamento do
conceito de legitimidade processual e de interesse em agir.
panai, um dos melhores estudos éodeJ. Hogarth (1971J. Os astudos sobre o& agentes da
administração da justiça não se centraram apenas nos magistrados profissionais mas
incidiram também sabre os jurados, por exemplo. CIr, o estudo clássico de H, Kalven Jr. e H.
5o
Zeisel (1966). ( ) Cfr nota 19
21
( ) Sigo a caracteriiação proposta por E Diaz ^ 197S: 43 esegsj-
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça
mim realizados no inicio da década de 70 nas favelas do Rio de Janeiro e onde me foi possivel detectar e
analisar a existência no interior destes bairros urbanos de um direito informal não oficial, não
profissionalizado, centrado na Associação de moradores que funcionava como instância de resolução de
litígios entre vizinhos sobretudo nos dominios da habitação e da propriedade da terra (Santos, 1974 e
1977). Estes e muitos outros estudos que se seguiram com objectivos analíticos semelhantes permitiram
Boaventura de Sousa
Santos
concluir o seguinte. Em primeiro lugar, de um ponto de vista sociológico, o Estado contemporâneo não tem
o monopólio da produção e distribuição do direito. Sendo embora o direito estatal o modo de juridicidade
dominante, ele coexiste na sociedade com outros modos de juridicidade, outros direitos que com ele se
articulam de modos diversos (Santos. 1980: 64 e segs.; Ruivo e Marques, 1982). Este conjunto de
articulações e interrelações entre vários modos de produção do direito constitui o que designo por
formação juridica. Em segundo lugar, o relativo declínio da litigiosidade civil, longe de ser indício de
diminuição da conflitualidade social e juridica, é antes o resultado do desvio dessa conflitualidade para
outros mecanismos de resolução, informais, mais baratos e expeditos, existentes na sociedade.
Estas conclusões não deixaram de influenciar algumas das reformas de administração da justiça nos
últimos anos. Distinguirei dois tipos de reformas: as reformas no interior da justiça civil tradicional e a
criação de alternativas. Quanto às primeiras são de salientar as seguintes: o reforço dos poderes do juiz
na apreciação da prova e na condução do processo segundo os princípios da oralidade, da concentração
e da imedição, um tipo de reformas com longa tradição na teoria processualista europeia iniciada pela
obra pioneira de Franz Klein; a criação de um novo tipo de relacionamento entre os vários participantes no
processo, mais informal, mais horizontal, visando um processamento mais inteligível e uma participação
mais activa das partes e testemunhas. Como exemplo deste tipo de reforma citarei o chamado Stuttgart
Modell na Alemanha Federal e os tribunais de grande instância criados em 1967 nos departamentos
periféricos da região parisiense (Balle ef al., 1981); por último, e relacionado com as anteriores, as
reformas no sentido de ampliar o âmbito e incentivar o uso da conciliação entre as partes sob o controle
10
do juiz ( ).
As reformas que visam a criação de alternativas constituem hoje uma das áreas de maior inovação
na política judiciária. Elas visam criar, em paralelo à administração da justiça convencional, novos
mecanismos de resolução de litígios cujos traços constitutivos têm grandes semelhanças com os
originalmente estudados pela antropologia e pela sociologia do direito, ou seja, instituições leves, relativa
ou totalmente desprofissionalizadas, por vezes impedindo mesmo a presença de advogados, de utilização
barata, se não mesmo gratuita, localizados de modo a maximizar o acesso aos seus serviços, operando
23
por via expedita e pouco regulada, com vista à obtenção de soluções mediadas entre as partes ( ). Neste
domínio, os países socialistas de Estado do Leste Europeu têm uma grande experiência (os tribunais
sociais e os tribunais de camaradas), assim como a China e o Japão com as instituições, algumas
ancestrais, de mediação. Em tempos recentes, é de mencionar a criação experimental dos centros de
24
Justiça de bairro nos EUA e os conciliateurs em França ( ). Em Portugal, algumas iniciativas no mesmo
sentido no pós 25 de Abril não tiveram qualquer concretização (Sindicato dos Magistrados do M. P., 1982).
Ill
22
( ) Uma proposta defendida entre nós por Pessoa Vaz (1976).
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça
11Nos EUA, o estudo mais recente e sofisticado foi levado a cabo na Universidade de
Wisconsin-Madison. Veja-se uma panorâmica geral dos resultados em Law and Society
Review 15 (1980-1981) dedicada ao tema ■Special Issue on Dispute Processing and Civil
Litigation-.
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça
Abel, R. (org.)
Blau, P.
Abel-Smith, B., er
a/.
Bohannan, P.
Barcellona, P.
(org.)
Cahn; Cahn
Balle, C, et al.
Calamandrei, P.
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Calera, N.. et al.
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Para el Dialogo
Ulmer, S. 1979
Introduzione alla Sociologia del Diritto, Milão. Einaudi, 2.' ed.
Situando-se, porém, a questão no domínio último podendo a justiça ser denegada por insuficiência
da aplicação do direito ao caso ou conflito carecido de meios económicos.
de composição, àquele aumento de poderes nâo
O direito ao direito e acesso aos tribunais é. pois,
poderá deixar de corresponder a paralela adição de
um direito fundamental constitucionalmente
instrumentos de conhecimento a de informação
reconhecido
que, justamente em face da natureza específica da
aplicação judiciária do direito, ha-de procurar-se E O que se tem feito em seu cumprimento? Nada,
fora da ciência normativa e, privilegiadamente, no absolutamente nada.
campo das ciências sociais, aí relevando o papel a Continuamos, por isso, a reger-nos pela Lei n."
atribuir à sociologia. 7/70, de 9 de Junho, da Assistência Judiciaria, e
Faz aqui sentido, por Isso, o recurso a referida respectivo Regulamento, aprovado pelo Decreto
distinção entre ^aw in books» e «faw in acííon». n.° 562/70. de 18 de Novembro, que visa apenas
fazendo corresponder a primeira a chamada suprir as deficiências económicas de quem tem de
"sociologia genética-e, à segunda a «sociologia recorrer aos Tribunais.
operacional». Assim, esta ganha a dimensão de Daí a sua insuficiência para responder ao preceito
uma verdadeira sociologia judiciária cujo conteúdo constitucional, por não corresponder aos aspectos
se analisará em duas vertentes estruturais que lhe sócio-culturais postos em relevo no trabalho de
marcam o objecto essencial: por um lado, enquanto Boaventura de Sousa Santos, e que só por si são
sociologia da administração da justiça em sentido uma barreira à democratização da Justiça, como o
restrito, caber-lhe-á o estudo e a crítica do autor demonstra.
funcionamento da máquina judiciária e, em geral,
dos tribunais e bem assim o contributo para a Mas mesmo no aspecto económico, o diploma é
adopção de novas soluções alternativas, dada a insuficiente, porque não assegura ao assistido uma
sua especial vocação para a detecção e definição representatividade jurídica capaz e eficiente.
das situações de bloqueio e de ineficácia Principalmente porque, sem o incentivo da
quantitativa e qualitativa. Por outro lado, enquanto vantagem económica que é a alavanca do
sociologia gerai, do ponto em que se aíirma como exercício de uma profissão liberal, o patrocínio com
ciência do tacto na sua expressão mais ampla de assistência judiciaria é exercido, salvo honrosas
incidência histórica, cultural, económica e política. excepções, num plano de Interesse secundário,
como um dever para que o advogado não se sente
Como consequência extrair-se-á uma concepção vocacionado, e porque normalmente é confiado a
interdisciplinar da aplicação do direito 0 que, no advogados ou estagiários inexperientes, seja qual
plano formal da administração da justiça, não for a natureza da causa.
poderá deixar de ter incidência na esfera da
organização judiciária, lnstitucionalizando-se Há cerca de vinte anos, numa comarca dos
formas e instrumentos de intervenção adequados; arredores de Lisboa, onde ocorriam muitas acções
e. no espaço material da formação de magistrados, de divórcio ou de separação judicial de pessoas e
não dispensará um leque de matérias e um método bens, não contestadas na sua generalidade, para
crítico de abordagem capazes de os situarem juris-dlcionalizar situações de ruptura ria muito
cultural e tecnicamente ultrapassadas por outras carenciadas de
legitimação, ouvíamos dizer aos funcionários do
Ao contributo jã clássico que a sociologia do direito tribunal, que estavam mais em contacto com as
vem propondo essencialmente a partir do século realidades locais, que alguns advogados levavam
XIX, acresce agora, entre nós, aquele que se dois mil escudos só pela simples obtenção da
adivinha em fase de explosão dado o advento da assistência judiciária! E assim era completamente
investigação empírica, por um lado. e tendo em frustado o fim do regime assistencial
conta a abertura cultural própria de uma sociedade
democrática, por outro, propiciando campo vasto Com a explosão da afirmação dos direitos
para o desenvolvimento de uma verdadeira fundamentais em consequência do 25 de Abril, o
sociologia da aplicação do direito, direito de acesso ao direito tornou-se uma questão
Como exemplo fica já esta INTRODUÇÃO A essencial. E a nível da Ordem dos Advogados
SOCIOLOGIA DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA desenvolveu-se uma experiência de consulta
na qual se evidenciam o rigor cientifico, o sentido jurídica gratuita, cujo nível de eficácia e de
crítico e o cunho polémico abrindo a discussão e desenvolvimento foram sempre limitados, segundo
potenciando a diferença sempre motivadora. cremos, pois embora a princípio vivida com algum
entusiasmo, não podia conter a solução das
Outros passos, por certo, se seguirão! ■ necessidades, nem podia constituir numa
obrigação para os advogados.
Em 19 de Outubro de 1978, o então (e actual)
Ministro da Justiça. Dr. Mário Raposo, dava posse
Comentário de a uma Comissão de Acesso ao Direito, porque o
Ricardo A. Velha «Direito existe para ser conhecido e aplicado». Ai
reconhecia, relativamente ao direito à protecção
jurídica, a existência de "múltiplas situações de
Juiz D&sembargador Director da "Tribuna da natureza económica, social, cultural e mesmo
Justiça" psicológicas que, demasiadas vezes, a
ultrapassam», e que «a protecção jurídica
1, Para ultrapassar as desigualdades reais que se pré-judiciária ou para--judiciária não está, entre
opõem á proclamada igualdade jurídica dos nós, legislativamente consagrada». E perguntava:
cidadãos, a Lei Fundamental reconhece no seu art. «Para que servirá aos homens o Direito se não
20°, em harmonia com o art, 13.°, que todos têm conhecem os seus direitos?»
direito ã informação e à protecção jurídica, nos Informava nessa ocasião que «em 2 de Março de
termos da lei. e a todos é assegurado o acesso aos 1978, o Comité de Ministros do Conselho da
tribunais para defesa dos seus direitos, não Europa emitiu uma Resolução (78-8) sobre a
Assistência Judiciária e, mais amplamente, sobre
Boaventura de
Sousa Santos
Consulta Jurídica, que, tendo sido aceite por determinar pelo número e natureza de
Portugal, virá implicar que, em prazo previsivel- intervenções. O serviço de consultas seria
mente não muito dilatado, o Ministério da Justiça organizado de modo a garantir a sua genuinidade,
tenha de impulsionar um conjunto de acções, e não seria admitida a advocacia livre a tais
designadamente de carácter legislativo, em ordem advogados públicos, embora se admitisse a
a dar resposta a essa perspectiva mais larga da renúncia para enveredarem pela advocacia livre (e
protecção jurídica». vice-versa).
Na mesma altura (Boletim M. J. 280, pág. 9 e Só através de um serviço deste tipo e com largas
segs.) o Presidente da Comissão designada, Dr. obrigações no plano da informação jurídica se dará
Angelo de Almeida Ribeiro, hoje Provedor de efectivo cumprimento ao art. 20.° da Constituição
Justiça e paladino dos direitos humanos, da República.
predisposto, como disse, «a apresentar um
Não contra a Ordem dos Advogados, instituição
trabalho útil e não destinado a ficar na gaveta»,
tradicional na nossa civilização, por isso com o seu
tanto mais que contava com «sérios e apropriados
lugar próprio, mas com ela e a seu lado, e ate com
estudos sobre a matéria, da Direcção dos Negócios
a sua colaboração, porque ela por si não pode
Jurídicos do Conselho da Europa», e
satisfazer todas as necessidades sociais.
reconhecendo que «vários países europeus já
possuem uma organização muito aperfeiçoada e Todavia, não vai ser fácil um empreendimento
consideram a informação jurídica dos cidadãos, e desta natureza, para o qual e fundamental a
bem assim a assistência judiciária, como autênticos vontade política. Como afirmou, porém, o Dr. Mário
serviços públicos, dispondo de folgados Raposo no dia 19 de Abril de 1985, na 1." sessão
orçamentos e fontes de receita», não obstante as do colóquio organizado pela Associação para
dificuldades de solução do problema no nosso pais, Progresso do Direito em colaboração com a
— por não ser iusto que o fosse à custa dos Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, «é
advogados, os quais rejeitam a ideia de o próprio Estado que deve intervir para resolver os
socialização do direito, e que «depois de um dia de problemas da Justiça. Enquanto esta realidade não
intenso e preocupante trabalho nem sempre os
estiver resolvida, terei, por exemplo, de pôr de
advogados se encontram disponíveis para tarefas
parte a problemática do acesso ao direito».
de bom samaritano» — não rejeitou o encargo
porque « o direito à saúde, o direito à educação, o 2. A simplificação operada com o diploma
próprio acesso à Justiça, são direitos fundamentais intercalar de processo civil (Decreto Lei n.° 242/85,
duma sociedade moderna.» de 9 de Julho) já trouxe algumas vantagens na
aceleração processual, sendo embora
Em Portugal tem sido, pois, na óptica dos
indispensável aprofundá-la. Todavia, o volume de
advogados que exercem uma profissão liberal que
processos é de tal modo elevado, afectando a
o problema tem sido encarado. Certamente por
qualidade da Justiça e tornando desumana a vida
isso, até hoje ainda não foi resolvido e, contra os
dos juizes, que só uma profunda e prioritária
auspícios do Dr. Almeida Ribeiro, o trabalho da
alteração da organização judiciária pode constituir
Comissão ficou mesmo na gaveta.
um avanço significativo na resolução da crise da
Há que concluir, portanto, que em tal plano a Justiça.
questão é sempre subordinada, como manifestação
Como dizia o Conselheiro Rodrigues Bastos,
de caridade a favor dos pobres, revelando-se uma durante uma mesa redonda realizada no dia 5 de
antinomia essencial entre os interesses da Novembro de 1985 no Centro de Estudos
advocacia exercida como profissão liberal e a reali- Judiciários, chamando a atenção para as
zação do acesso ao direito como direito deficiências da organização judiciária (cf. Tribuna
fundamental. da Justiça, 13, pág. 4), «o que nos rege em
Por isso, embora sejam de louvar e apoiar todas as matéria de organização judiciária é a legislação de
iniciativas, da Ordem dos Advogados ou de outras 1862!» Mais de um século, duas grandes guerras
instituições particulares, à semelhança mundiais, profundas transformações sociais e
inclusivamente do que acontece em vários países económicas, técnicas e científicas, no centro já da
estrangeiros, com experiências muito era da informática, e em Portugal os tribunais e as
interessantes, pautadas por vezes por grande comarcas correspondem praticamente ao que
idealismo e sentido de solidariedade social, no sen- eram na época da monarquia!
tido de minorar as consequências do Quanto à organização interna dos tribunais basta
incumprimento do preceituado constitucionalmente, dizer-se que, numa época em que devia ser
só a criação de um Serviço Nacional de Justiça, obrigatória, pelo menos, a dactilografia de todas as
como preconiza Boaventura de Sousa Santos, com decisões judiciais, como requisito fundamental da
esse ou outro nome, pode corresponder à solução sua inteligibilidade, ainda os juízes não dispõem
do problema, dando lugar a um corpo de em seu auxílio do serviço efectivo de simples
advogados públicos ou oficiosos, sujeitos dactilógrafos para escreverem as suas sentenças!
eventualmente à disciplina do Conselho Superior Se o querem fazer, têm eles próprios de aprender
da Magistratura, onde terão os seus representantes a fazê-lo!
próprios para o efeito, mas exercendo as
respectivas funções com um estatuto específico, Importa, pois, como concluía o referido
que garanta a independência, liberdade e Conselheiro, reformar profundamente, refundir por
responsabilidade próprias, na estrita defesa dos completo, a organização judiciária.
direitos confiados, com respeito pela lei, como as Prepara-se, no Ministério da Justiça, uma nova Lei
funções desempenhadas pelo M. P. face ao poder Orgânica dos Tribunais Judiciais, que não pode,
judicial, e usufruindo de uma remuneração fixa pelo que se verifica, comportar meras alterações
paga pelo orçamento do Estado, em consideração de forma superes-truturais, se os responsáveis por
da dignidade da função, completada com uma ela querem efectivamente dotar o país de um
remuneração variável a processar pelo Gabinete de instrumento que contribua seriamente para
Gestão Financeira do Ministério da Justiça, com resolver os problemas da Justiça, e não apenas
verbas provenientes da procuradoria das custas fazer mais um diploma que seja diferente do
judiciais, em função de uma pontuação a anterior.
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça
entanto, não cabem nos limites deste qualquer resposta oficial positiva, pelo menos a
despretencioso comentário. nível prático e público.
Farei, por isso, apenas uma apreciação baseada Recentemente, diversos sectores de advogados e
na experiência de advogado e de pessoa que se juízes ou magistrados do Ministério Público têm
tem preocupado com as matérias envolvidas. levantado a conveniência de se instituir antes, pelo
2. No domínio do acesso à justiça muito, quase menos nas cidades grandes (com advocacia
tudo, há a fazer entre nós. convencionada nas restantes zonas), um sistema
semelhante ao que é descrito no ensaio de
As disposições legais relativas à assistência Boaventura de Sousa Santos e que vigora nos E.
judiciária, embora na Lei n.° 7/70 se diga que «têm U. A., em articulação também com algumas
direito à assistência todos aqueles que se associações (de inquilinos, pequenos proprietários,
encontrem em situação económica que lhes não sindicais, pequenos patrões), que tem tido
permita custear as despesas normais do pleito», intervenção positiva na concessão de apoio
não contêm, nem nessa lei nem no Regulamento consultivo e judiciário.
da Assistência Judiciária, formas eficazes de
Trata-se portanto de um problema em aberto, de
apurar quem tem verdadeiras razões de requerer
grande importância, e ao qual os diversos partidos
essa assistência. Sendo o sistema baseado em
e o Governo deviam dedicar séria atenção.
meros requerimentos soltos, individuais, dos
Iniciativas recentes têm-no levantado na
interessados aos Tribunais, sem qualquer
Assembleia da República e é de esperar assim que
enquadramento institucional, sucede com
a questão passe a merecer um novo olhar.
frequência, na prática, que a assistência é
concedida a quem dela poderia não carecer e não 3. A administração da justiça vem sofrendo desde
é concedida a quem dela precisa. há bastantes anos já de um primeiro
condicionamento físico e outro cultural altamente
Por outro lado, e este ponto é aliás salientado no limitativos da sua qualidade: em grande parte por
ensaio de Boaventura de Sousa Santos, não há falta de verbas, o número de magistrados é muito
qualquer difusão pública nem informação suficiente inferior ao necessário (embora a criação do Centro
sobre estas matérias. de Estudos Judiciários tenha sido, no plano da
formação, um significativo passo em frente), e, por
Quanto à nomeação de advogados, é feita pelo outro lado, quanto aos funcionários judiciais, não
juiz, em princípio mediante escalas elaboradas só há também limites numéricos como, sobretudo,
previamente (Lei 7/70, Base não há qualquer escola ou centro de formação.
VIII, e Regulamento, art. 18.°) pela Ordem
dos Advogados e pela Câmara dos Solici- 4. Quanto ao aprofundamento e definição do
tadores. Mas verificam-se imensas defi- papel da magistratura e à consciência dos limites
ciências no sistema. Por um lado a objectivos e subjectivos à sua «neutralidade»,
nomeação recai sobre qualquer desses trata-se de matéria que começou muito
profissionais mesmo que não esteja inte- recentemente a ser abordada, designadamente no
ressado nisso ou não trabalhe habitual- sentido da consciencialização de que fala
mente naquela área jurídica do caso em Boaventura de Sousa Santos, mas que defronta
questão (há, por exemplo, nomeações ainda grandes obstáculos culturais pela tendência
frequentes para o patrocínio de causas dominante de se ver essa independência dos
penais de profissionais que às mesmas se juizes (e a isenção dos funcionários judiciais) em
não dedicam, nem estão assim dentro da termos abstractos os quais evitam, assim, muitas
evolução em pormenor do respectivo vezes a analise conveniente.
direito processual). O que não pode deixar üma pequena lacuna do trabalho em apreciação
de gerar falta de motivação ou até de consistirá porventura na análise do papel dos
preparação especifica. Por outro lado não advogados e seus condicionamentos e, ainda, do
é, em geral, feita uma triagem dos casos e inter-relacio-namento dos diversos componentes
com alguma frequência são nomeados
da actividade judiciária, de algum modo quase
para questões sem qualquer possibilidade
sempre, historicamente, «triangular» e dialéctica,
séria de colocação ou defesa judicial.
matéria que a minha experiência profissional me
Acresce que embora se preveja que «a decisão faz supor aconselhar um Início de tratamento
final da acção fixará os honorários do advogado e teórico, até porque a administração da justiça não
do solicitador do assistido, que responderá pelo é apenas função dos magistrados.
pagamento, quer seja vencido, quer vencedor» 5. Os mecanismos da resolução dos conditos
(Base sociais em Portugal foram diversos e ricos nos
IX, n.° 1), logo na Base X, da Lei 7/70, se últimos doze anos e essas experiências não foram
diz que «A obrigação de pagamento de ainda suficientemente estudadas.
custas e honorários só é exigível quando Em qualquer caso a carência de diversificação dos
o devedor, beneficiário da assistência, Tribunais, com a criação de Tribunais (ou até, para
adquira meios que lhe permitam efec- certos conflitos pequenos, outras instituições) mais
tuá-lo».
«leves», especializados e descentralizados,
Em consequência, o defensor oficioso pouco ou
revela-se, segundo creio e tenho profissionalmente
nada recebe e suporta mesmo do seu bolso muitas
sentido, como uma orientação em qualquer caso a
despesas (de deslocações, administrativas de
reter, para ir designadamente ao encontro da
escritório, de telefones, etc.)...! O Estado, por sua
enorme diversidade e diferente «importância» dos
vez, tem-se mantido ausente da concretização
deste «direito charneira», ressalvada apenas a problemas. Sem dúvida também será conveniente
limitada intervenção do poder judicial atrás acentuar as experiências de conciliação (embora
enunciada. muitas vezes, na prática, mal realizadas) e de
arbitragem.
A Ordem dos Advogados vem propondo desde há
vários anos um sistema de advocacia São estas as considerações que numa
convencionada (uma das hipóteses mencionada no curta síntese se me afiguram resultado da
estudo em apreciação) sem que tenha havido experiência e da reflexão que tenho efec-
Introdução à Sociologia da
Administração da Justiça
tuado. Não entro no domínio do direito direito adjectivo) pois alargaria este
substantivo (e sua relacionação com o comentário excessivamente. ■