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PONTA DELGADA

MEMÓRIAS DA SUA HISTÓRIA

Alberto Vieira

Foi no norte alcantilado da Madeira que a aldeia de Ponta Delgada marcou a sua realidade humana como lugarejo, condição de
vida, rente ao mar, depois que o navio do povoador abicou na enseada e os homens pisaram a terra fecunda e virgem. E foi
crescendo e frondejando ao afago perene das ondas. Com o decorrer do século XVIII Ponta Delgada já era estância de prazer
durante o Verão, de famílias nobres que se deslocavam da cidade para o remanso daquela formosa aldeia de frescos ares e
deleitosas sombras. E, porque também fora berço de fidalgos, ficou conhecida em toda a redondeza da ilha por Corte do Norte. A
atestar ainda o esplendor que caracterizava o fausto de velhas casas senhoriais, permanecem, em nossos dias, vestígios dos
antigos solares, cuja existência a história da Madeira assinala: a capela dos Reis Magos, a de Santo António, no Pico, e a de
Sant'Ana, no Ladrilho.(Horácio Bento de Gouveia, A Canga, Funchal, 1975)

A ORIGEM DO NOME E EVOLUÇÃO DO LUGAR

A primeira questão que ocorre quando nos debruçamos sobre a História de um local é a origem
do seu nome. A toponímia encontra a explicação para isso, indo buscá-la à tradição e História.
Para Ponta Delgada o veredicto foi ditado por Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI:
"...assim chamada por ser ali hum passo muito perigoso, que se passa por cima de dois paus, que
atravessam de uma rocha a outra, e em tanta altura fica o mar por baixo que se perde a vista dos
olhos". Note-se que para a homónima, mas cidade em S. Miguel(Açores), a origem do lugar
deriva de Aestar situada junto de uma ponta de pedra de biscouto, delgada e não grossa com
outras da ilha@(Livro Quarto das Saudades da Terra). A este respeito diz-nos ainda A. A.
Sarmento (Freguesias da Madeira, 1953)como justificativo: A Rochas desabadas se escoaram,
arrumando-se de encontro ao mar, poisadas em recife de suporte, que sobremarca uma ponta de
introversão resvaladeira, abaixada e esguia, que pelo contraste, ao lado, com desabridas penhas,
ficou sendo - a Ponta Delgada.@

Se quanto à origem do nome parece haver certezas o mesmo já não se passa quanto à data de
início do povoamento. Não sabemos ao certo quando começou o povoamento da encosta norte da
ilha, mas certamente que foi numa época tardia em relação ao que sucedeu na encosta sul. As
dificuldades de penetração, por via marítima e terrestre, terão sido factor de ponderação para os
possíveis interessados e actuaram, de certeza, como entrave à sua humanização. É provável que
desde meados do século XV tenham afluído a esta encosta norte alguns povoadores aventureiros
que traçaram os novos povoados nas clareiras abertas. S. Vicente foi sem dúvida o primeiro
logradouro, seguido de Ponta Delgada. A este último associa-se o nome de Manuel Afonso
Sanha, natural de Braga, que teria recebido em 1466 ou 1469-- Álvaro Rodrigues de Azevedo
refere, certamente baseado em Henrique Henriques de Noronha, o ano de 1469, sendo
corroborado por F. A. Silva (Elucidário Madeirense), enquanto um nobiliário citado por A. A. Sarmento(
Freguesias da Madeira) dá como sendo em 1466-- terras de sesmaria no extenso vale que o próprio ou algum dos
seus baptizou de Ponta Delgada. E isto terá sido o começo do povoamento do lugar. A capela do Senhor Jesus foi a
marca desta primeira presença e o testemunho denunciador da devoção deste bracarense, que escolheu o norte da
ilha para fixar morada.

O lugar de Ponta Delgada adquiriu o estatuto de paróquia em 1550, estando até então os
seus moradores dependentes da paróquia de S. Vicente. Esta é, sem dúvida, a mais antiga que foi erguida nesta costa
norte em data que se desconhece. O isolamento, a distância em relação a Machico fizeram com que cedo os
moradores conseguissem para o lugar o estatuto de curato e depois de paróquia. Em 1520 Sebastião Pereira foi
provido como capelão das igrejas de S. Vicente, Ponta Delgada e Boaventura por as mesmas localidades terem já 42
fregueses. Em documentos posteriores até 1536 o mesmo é citado como vigário de S. Vicente e Ponta Delgada ou
isoladamente de cada uma destas: no ano de 1531 para S. Vicente e no de 1536 para Ponta Delgada. Depois surgiu a
separação em 1550 de Ponta Delgada, passando a existir duas paróquias na vertente norte. No decurso desta segunda
metade parece que a freguesia foi em crescendo, isto a fazer fé nos diversos alvarás de acrescentamento. Gaspar
Frutuoso refere apenas 60 fogos em Ponta Delgada. Para o século dezoito, mais propriamente 1727, Henrique
Henriques de Noronha dá conta do avanço populacional 331 fogos albergavam 1075 almas. Em qualquer dos casos
S. Vicente destaca-se como a mais importante freguesia da vertente norte. No século dezanove a situação é distinta.
Em 1817 um documento aponta apenas 170 fogos e 3176 almas enquanto Paulo Dias de Almeida(1821) surgiam 800
fogos para 3214 almas, e num documento de 1825 referem-se já 3338 almas.

AS GENTES DO NORTE

Ponta Delgada ficou conhecida como a "Corte do Norte". A nobreza e riqueza das suas
principais famílias está na origem deste epíteto. De entre todos os troncos familiares do norte destaca-se a família
Carvalhal da Ponta Delgada. António Carvalhal, moço fidalgo, é referenciado por Gaspar Frutuoso como Ahomem
tão cavaleiro como esforçado por sua pessoa, nobre e magnífico por sua condição e grande virtude@. A sua valentia
ficou demonstrada por diversas vezes nos embates contra os corsários franceses, nomeadamente em 1566, com o
assalto ao Funchal, ao reunir na encosta norte quinhentos homens para o embate. Aquando da ocupação filipina
António Carvalhal trouxe do norte 300 homens que os colocou ao serviço do rei Católico entre Maio e Setembro de
1582. Um descendente seu, António Carvalhal Esmeraldo, conhecido como Aonio, foi um dos mais importantes
poetas da época, deixando inéditos os seus poemas.

O mais evidente testemunho da família Carvalhal surge em Gaspar Frutuoso: ANeste lugar
reside António de Carvalhal, homem tão cavaleiro como esforçado por sua pessoa, nobre e magnífico por sua
condição e grande virtude, com a qual, por sua magnificência, tem adquirido tanta fama e ganhado tanto nome com
as vontades dos homens, que por isso lhe obedecem, e, se for necessário dar um brado, ajuntará quinhentos homens
da banda do Norte a seu serviço para qualquer feito de guerra, como já lhe aconteceu, ou para qualquer outro feito; e
não sem razão, porque sua casa é hospital e a colheita de todo pobre, hospedagem de caminhantes e refúgio,
finalmente, de necessitados. Assim despende sua fazenda toda (que muita possui desta banda) nestas obras, que em
sua casa se gastam cada ano trinta moios de trigo, afora outros muitos que empresta, e com ele socorre a quem tem
necessidade, que todos recolhe de sua lavoura. É filho de Duarte Ribeiro e casado com Dona Ana Esmeralda, filha
de Cristóvão Esmeraldo, provedor que foi da fazenda de Sua Alteza nesta ilha da Madeira e na do Porto Santo. É tão
forçoso, que anda pelas serras da ilha da Madeira, que são mui ásperas, a cavalo sem ter conta com cilha porque as
pernas lhe servem disso; é homem grande, seco, largo das espáduas e bem proporcionado em todos os membros,
pelo que tem tanta força que, indo um dia por entre um mato a cavalo, passando por baixo de uma árvore, lançou as
mãos a um ramo grosso e, cingindo o cavalo com as pernas pela barriga, o alevantou do chão mais de um palmo. E,
estando mancebo em casa de seu pai, estava o pai em uma sua eira, ao redor da qual andavam umas porcas, às quais
arremetendo um grande e furioso cachaço, cometeu a feri-lo e, fugindo o velho ao redor de um penedo, o cachaço o
ia seguindo, chegando neste tempo o filho, António do Carvalhal lhe lançou mão das orelhas e, não o podendo bem
ter, disse ao pai, que cansado estava, lançasse mão do manchil que na cinta tinha e o matasse antes de lhe fugir, o
que o pai logo fez.

Veio depois a ter tanta força que, apertando um homem pelo pulso, lhe fazia perder o
alento; e por mostrar suas forças ao Bispo Dom Jorge de Lemos, não podendo um ferrador ferrar duas mulas bravas,
as tomou ele ambas pelas orelhas e as fez estar quedas até que as ferraram. E, andando no paço, sendo mancebo e
moço-fidalgo, em o mosteiro de Santo Agostinho, em Santarém, outros moços fidalgos junto do Entrudo se puseram
todos contar ele às laranjadas, e ele (vendo-se perseguido deles, arremeteu a uma de duas pedras de atafona que viu
estar ali perto e, metendo o braço pelo meio de uma delas e alevantando-a, se escudou com ela quase tão facilmente
como com uma rodela. E, estendendo os dedos de uma mão sobre o pescoço de uma galinha viva e alevantando com
a outra o dedo do meio, da pancada que dá com ele, deixando-o cair, mata a galinha. E, mandando um dia a mulher
buscar meia dúzia de galinhas grandes, de boa casta, para criar, trazendo-lhas, lhas amostrou, e ele, tomando-as todas
juntas em uma mão pelos pescoços, lhe sacudiu os corpos no chão, ficando-lhes os pescoços na mão, dizendo:
*tomai aí vossas galinhas+, e muitas outras coisas faz de grandes forças. E da campa de uma sepultura de dura pedra,
onde estava esculpido um carvalho com suas laudes, as quebrava com os dedos e dava aos moços fidalgos, seus
companheiros, como fruta.
E é tão animoso e valente cavaleiro, que na era de mil quinhentos e sessenta e nove, dia
da Visitação de Santa Isabel, estando em sua casa em Machico, onde, então, era provedor da Misericórdia, jantando
com mais de vinte hóspedes à sua mesa, entre os quais estava o reverendo padre pregador Frei Manuel Marques, da
ordem de São Francisco, que foi comissário neste bispado de Angra, porque o levava ali António do Carvalhal a
pregar aquele dia, e dando-lhe rebate que vinham demandar o porto de Machico franceses com sete velas, de que era
capitão o grande corsário Jaques Soria, o qual havia sido sota-capitão do Pé de Pau, quando foi saquear a ilha de
Palma no tempo que França tinha guerra com Carlos Quinto, imperador e Rei de Castela, António do Carvalhal se
alevantou da mesa e acudiu logo ao porto, onde acudiam também todos, assim os da vila como os de fora, com tanto
ânimo e esforço que mais não podia ser.

E podia-se ver quem era António do Carvalhal na confiança que todos tinham dele, que,
com o ter ali presente consigo, estavam tão contentes e seguros como se tiveram muitos mil homens, e ele com todos
estava determinado e oferecido a morrer, em tanto que rogou ao padre Frei Manuel Marques que visse a peleja de
longe e, se o visse morrer, lhe pedia que fosse consolar sua mulher. Estando, assim, ele e os outros apostados a
morrer por defender a desembarcação aos franceses, dali a pouco, chegando os inimigos ao porto, puseram bandeira
branca de paz e mandaram um batel a terra, dizendo que não vinham de guerra, e pediram que lhe dessem água a
troco de homens que traziam cativos de um navio que tomaram, indo da mesma ilha para Portugal, entre os quais ia
o mestre-escola e um Fuão Mendes e um pregador de S. Francisco, chamado Frei João de S. Pedro, natural do
Funchal, com um companheiro Frei Hierónimo, os quais levou à Arochella, dando outra gente por água, e não a
estes, que não quis, então, dar por lhe dizerem no navio que eram gente de grande resgate. E não curaram de apertar
muito com eles os de Machico, por estarem sem tiros de artilharia e haverem medo de os inimigos lhe esbombardear
as casas.@(Doutor Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1968).

Mas Ponta Delgada não foi apenas refúgio de famílias nobilitadas pois alguns filhos da
terra se evidenciaram na História da ilha pelos feitos no campo das letras e política regional. No campo das letras
temos duas figuras de renome. O Conselheiro Francisco António de Freitas, de Ponta Delgada(1826-1913)que foi
presidente da Junta Geral do distrito e um destacado investigador madeirense, que não deixou obras publicadas, mas
reuniu uma importante biblioteca depois adquirida pela Câmara Municipal do Funchal. A ele se deve a salvaguarda
do alvará que criou o concelho. O original remetido pela coroa não foi tragado pelo fogo aquando da revolta popular
de 1868, pois mãos hábeis souberam furta-lo à fúria dos revoltosos e guarda-lo em mão segura que o fez passar para
a posse deste que pelo entusiasmo com que se dedicava à História da nossa ilha o fez guardar e divulgar em 1901 ao
permitir a sua publicação integral na Revista Madeirense. Todavia, após a sua morte todo esse precioso espólio
documental, fruto de uma entusiástica e total dedicação à História da sua ilha, se dispersou em leilão realizado a 17
de Novembro de 1917. Deste modo, perdeu-se mais uma vez o rastro desta peça e apenas a sua publicação nos
permitiu ir ao encontro do original lavrado na Chancelaria Régia.

Horácio Bento de Gouveia, natural de Ponta Delgada (1901-1983), considerado por


alguns o "Aquilino madeirense" deixou uma volumosa obra literária onde traça um retrato realista da zona norte,
nomeadamente da sua terra Natal, Ponta Delgada. A vivência do homem do lugar, como lavrador de cana, viticultor,
ou emigrante, são elementos constantes da sua prosa.

É na política e no jornalismo que surge maior número de figuras de destaque. António


Gonçalves de Freitas, de Ponta Delgada (1827-1875), foi considerado pelo Padre Fernando Augusto da Silva como
"um dos mais distintos madeirenses do século XIX". Várias vezes assediado com cargos de ministro apenas aceitou
ser deputado pela Madeira (1860-1865).

A par da sabedoria e pertinácia de muitos destes nossos antepassados é de assinalar em


alguns o engenho, arte e ciência. Francisco Bento de Gouveia, de Ponta Delgada (1874-1956), para além de se
afirmar como um jornalista de renome, exercendo actividade no ADiário Popular@ e ADiário de Madeira@, foi um
homem de muito engenho, tendo descoberto um processo de fabrico de papel a partir da folha da cana de açúcar.
Ficaram, também, célebres as suas inovações eneologicas com o vinho jaquet.
RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE POPULAR: FESTAS E ROMARIAS PARA TODA A
ILHA

A notoriedade de Ponta Delgada deve-se fundamentalmente ao seu arraial no primeiro domingo de Setembro.

Os arraiais madeirenses são a componente mais evidente das nossas festas e romarias. De todos os que adquirem
maior brilhantismo são os que têm lugar nas romarias tradicionais, que é como quem diz Nossa Senhora do Monte,
Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada, Nossa Senhora do Loreto, Nossa Senhora do Rosário, Senhor dos
Milagres(...). A devoção popularizou-se ao longo dos últimos cinco séculos, de modo que estas romarias são
momentos de grande movimentação das gentes. Primeiro a pé, pelos caminhos íngremes que ligavam a ilha de Norte
a Sul.

Diz Isabella de França (1853-54) que "estas romarias são o único divertimento da gente do campo. Há igrejas em
diversas partes da ilha que possuem imagens famosas e onde se celebra festa em dia especial, quase sempre no que é
dedicado ao padroeiro". Este testemunho é revelador da importância que assumia para o madeirense as romarias.
Muitas destas surgiram com os primeiros colonos. Tradições arreigadas à "alma" do colono ou surgidas na ilha
permanecem ainda, a marcar a devoção popular. Os meses de Julho, Agosto e Setembro são os de maior devoção e
festividades. O clima, as tarefas agrícolas (apanha dos cereais, a vindima) favoreciam a movimentação das gentes,
mesmo quando a orografia da ilha os atraiçoava. A pé ou a cavalo todos se deslocavam para o Monte ou Ponta
Delgada.

Para apoio destes romeiros abriram-se caminhos, construíram-se casas de romeiros junto dos templos de devoção.
Algumas destas construções, geminadas com as igrejas, são, ainda hoje, visíveis. A par disso, havia, entre todos, um
espírito de solidariedade para com estes. O bispo, nas suas visitações do século XVII, recomendava ao município a
recuperação dos caminhos e proibia os pastores de manter o gado na serra sobranceira. Os moradores acolhiam -nos
dando-lhes, por vezes, guarida. No caso de Ponta Delgada ainda está de pé a referida casa, junto à igreja e nas
proximidades do cemitério. Duas inscrições registam a sua função. Na frontaria da casa diz-se: SIT NOMEN
DOMINI BENEDICTUM. Já no poço testemunha-se a sua função através da frase bíblica: OMNES SITIENTES
VENITE AD AQVAS, isto é, Atodos os que tenham sede vinde aqui beber@. Note-se que alguns faziam legados das
suas habitações para casa de romeiros, foi isso que aconteceu com António gomes em 1646.

A romaria de Ponta Delgada assume especial significado, sendo considerada a romaria mais antiga da ilha. Primeiro
porque o lugar se situa lá longe na encosta norte obrigou o madeirense a um grande esforço de calcorrear a ilha para
expressão da sua devoção. Depois, pela dimensão que assumiu em toda a ilha, o que conduzia a que no princípio de
Setembro todos estivessem virados para a encosta norte. As longas caminhadas por entre as montanhas reforçam o
carácter lúdico destas manifestações e apresentavam-se como momentos de grande animação, de encontro de gentes,
de troca de amizades...

A devoção ao senhor Bom Jesus começou por ser particular e resultou da origem de um dos principais povoadores
do lugar de Ponta Delgada. Foi Manuel Afonso Sanha, oriundo de Braga, quem trouxe para aqui o culto ao Senhor
Bom Jesus, ao construir em 1470 nas suas terras uma capela da mesma invocação. O culto ao senhor Bom Jesus
espalhou-se rapidamente a toda a ilha. A sua invocação em momentos de dificuldade e a necessidade de agradecer a
benesse alcançada através do "pagamento da promessa" conduziu paulatinamente à sua afirmação. Assim no decurso
do séculos XVI e XVII é manifesta a importância desta romaria no calendário religioso da ilha, atraindo os bispos na
época de veraneio.

São diversos os testemunhos denunciadores da devoção dos locais ou forasteiros. A documentação elucida-nos sobre
vários legados. Em 1648 Maria Luís estabelece um legado ao Bom Jesus de acender a lâmpada todos os domingos e
dias santos.

O Senhor Bom Jesus é a devoção mais antiga e terá surgido na ilha desde 1466 com Manuel Afonso Sanha um
colono oriundo de Braga que fez transplantar para a sua sesmaria na Ponta Delgada o seu patrono. Deste modo, a
primeira ermida que também fez erguer foi em sua honra. Da devoção privada passou-se à de todas as gentes do
local, da encosta norte, e, depois, de toda a ilha.
A tradição prolongou-se no tempo chegando até nós. E, neste curso
de cinco séculos, são evidentes os testemunhos desta viva
tradição. Em 1817 José Moniz de Câmara, vizinho da Fajã de Areia,
declarava ao Padre Francisco Borges seu testamenteiro para
cumprir os seus legados, entre os quais estava a obrigação de
cumprir uma romaria ao Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada,
entrando de joelhos desde a porta principal até ao altar-mor
seguido de uma missa. O culto está também patente na confraria
com o mesmo nome, que domina os legados perpétuos a partir de
1645. Esta devoção atingia as gentes do lugar mas também as de
São Vicente.

O facto desta devoção se afirmar a partir de meados do século


XVII deverá estar relacionado com a fama de milagreiro do Senhor
Bom Jesus. Assim, em 1866 o presidente da Câmara de S. Vicente dá
conta de que a festa contou com a afluência de muito povo, o que
provocou uma desorganização junto da imagem, não intervindo o
regedor do lugar porque estava ocupado a vender círios. No ano
imediato foi ainda maior a presença de peregrinos: "no primeiro
de Setembro teve lugar a grande romaria de Ponta Delgada, a qual
foi bastante concorrida, pois "é a opinião geral de que a romaria
deste ano excedia um terço dos anos anteriores". Tudo correu sem
incidentes, havendo apenas a lamentar a morte de um barqueiro da
Ribeira Brava que caiu embriagado nas fajãs de São Vicente.

É evidente que o facto de Ponta Delgada ser o principal porto de


desembarque e embarque no concelho favoreceu a presença de
romeiros de diversas partes da ilha, que aí acolhiam por via
marítima, a exemplo do que sucedia noutras freguesias da ilha. O
fervor religioso justifica muitas vezes esse sacrifício e não
impediu que em 1908, a apenas dois meses do incêndio que vitimou
a igreja a 12 de Julho, o arraial tivesse lugar.

A afluência dos peregrinos ao local de romagem era grande e


fazia-se através dos caminhos que ligavam o local ao sul da ilha,
por via de Boaventura ou de S. Vicente. Deste modo na última
semana de Agosto era desusado o número destes que calcorreavam a
pé as encostas íngremes. No século XX com a abertura das estradas
de ligação entre S. Vicente e a Ribeira Brava e Ponta Delgada o
movimento transferiu-se para a estrada. Não será de estranhar o
facto de a romaria do Senhor Bom Jesus se estender à Encumeada,
Caramujo e Estanquinhos. Assim em 1936 o imposto sobre a carne e
barracas montada nestes locais nos dias 5 a 10 de Setembro era
cobrado por Joaquim Nunes Brazão Machado
A afluência dos peregrinos ao local de romagem era grande e fazia-se através dos caminhos que ligavam o local ao
sul da ilha, por via de Boaventura ou de S. Vicente. Deste modo na última semana de Agosto era desusado o número
de peregrinos que calcorreavam a pé as encostas íngremes. No século XX com a abertura das estradas de ligação
entre S. Vicente e a Ribeira Brava e Ponta Delgada o movimento transferiu-se para a estrada.

O culto está envolto em lenda. Senão vejamos: de todas as romagens excede a do Senhor Bom Jesus da Ponta
Delgada, orago desta Freguesia, situada como já dissemos, na parte Norte desta ilha; onde concorre de toda ela quase
todos os anos, a maior parte dos seus habitadores, com votos, e segura confiança, de alcançarem com despacho em
suas petições; e sendo a passagem para a dita Freguesia, por todas as partes perigosa, jamais se acha memoria, de
que perigasse pessoa alguma, das muitas que ali concorrem em todas as estações do ano; antes experimentam
singulares benefícios do Senhor, e evidentes prodígios de sua omnipotência; que sempre ansioso do nosso bem, se
quis ostentar mais liberal na cruz, em que ali adoramos o crucificado.

A sua Imagem é verdadeiramente divina; não só pelo que representa, filho de Deus vivo, e redentor de todo o género
humano; mas na arte, tão misteriosamente perfeito, e devoto, que à sua vista, se enternessem os corações mais duros
e com amorosos afectos se saiem pelos olhos em lágrimas, porque parece impossível chegar a velho, sem grande dor,
e arrependimento das culpas; como testeficão todos aqueles, aquém se manifesta esta prodigiosa Imagem; cuja
matéria é de pão, e a estatura de hum proporcionado homem.

Ignora-se a certeza da sua origem, mas a tradição comum, entre todos os islenhos afirma que fora achada dentro de
hum caixão, aquém o mar expôs naquela praia pelos anos de 1540., em que padecia o Reino de Inglaterra a maior
perseguição da heresia de Henrique VIII., cujo Príncipe negando a obediência a Igreja católica Romana, deu entrada
a heresia naquele antigo, e cristianíssimo Reino, destruindo mil Mosteiros e dez Igrejas, com a ambição de lhe
usurpar os bens, e se apropriar os dízimos, e frutos eclesiásticos."(Henrique Henriques de Noronha, 1712)

O primitivo templo terá sido erguido a partir da década de sessenta do século XV quando aí se fixou Manuel Afonso
Sanha. No século dezassete a primitiva capela estava deteriorada e incapaz para conter tantas almas, pelo que em
1690 se fez erguer um novo templo sob as ruínas do primitivo. Depois só no século XVIII - 1745 e 1771-
procederam-se a diversas obras de restauro. Em princípios do século dezanove o culto mantinha-se vivo a fazer fé no
testemunho de Paulo Dias de Almeida: AA igreja é feita à borda do mar, que a tem arruinado por lhe bater na
muralha que a defende e que também está danificada. Esta Igreja é muito rica pela muita devoção dos povos, que ali
vão em romarias ao Senhor Jesus da Ponta Delgada@. (Paulo Dias de Almeida,1817). Mas, toda esta riqueza de arte
sacra-- talha dourada do altar mor, órgão, pintura e escultura-- acumulada pela devoção e sacrifício dos locais e
romeiros de todas a ilha perderam-se no incêndio que se ateou a 12 de Julho de 1908. Como memória deste trágico
evento resta o Cristo calcinado. A parte mais significativa da riqueza artística da igreja persiste na sacristia com
painéis de azulejos do século XVIII. A devoção ao Bom Jesus não se apagou e no imediato gerou-se uma onda de
apoio à reconstrução do templo mas só em 1919 a igreja foi sagrada e voltou a acolher os romeiros. Depois disto foi
1996 que se procedeu a obras de beneficiação de que resultou a valorização da sepultura da família Carvalhal.

Das capelas podemos salientar a dos Reis Magos(Terreiro, Ponta Delgada), conhecida desde 1577 foi reconstruída
em 1778 pelo morgado João de Carvalhal Esmeraldo e Câmara. No seu interior merece realce um retábulo em talha
dourada do século XVIII, com uma pintura a óleo sobre tela representando a Adoração dos Reis Magos, e nas telas
laterais outros dois dedicados a São João Baptista e a um Bispo da Igreja.

De entre as casas senhoriais destacam-se pela sua imponência as do Ladrilho, nos Terços, a do Pico, e a do
Aposento(1746), no Açougue, ambas classificadas como imóveis de valor local em 1993. A primeira pertence à
família do escritor Dr. Horácio Bento de Gouveia. É hoje Casa Museu Dr. Horácio Bento de Gouveia. A segunda
tendo integrada a capela de Santo António, ganhou nome através do romance de Agustina Bessa Luís (Corte do
Norte, Lisboa, 1987): AComeçou por ir para a Corte do Norte, lugar agora em decadência se o compararmos com a
antiga região de morgados, com os seus engenhos de açúcar e a animação que daí resultava. A casa do Pico, com os
tectos reparados ainda no estilo de alfarge, mas pobres, de madeiras de forro e traves delgadas, não lhe fez qualquer
impressão. A caseira, uma mulher doente e rodeada de gatos lazarentos, só tinha como sopro de vida uma espécie de
amor pelas plantas.

Tinha-as em profusão pela casa e na entrada, eram como uma prevenção com a rigidez de uma montagem de
cuidados e atenções que excluíam toda a interferência humana. As orquídeas eram a sua paixão e cresciam em
grandes cachos como se houvesse entre a mulher e elas um acordo preciso, uma forma de entendimento amoroso.
Não só as orquídeas, mas também os amores-perfeitos, grandes como medalhas, e os lírios rosa e toda a espécie de
plantas de cheiro, desde o manjericão à verbena e ao alecrim, passando pelo buxo aromático.@

AS RIQUEZAS DA FREGUESIA

Ponta Delgada para lapas


Com boas praias de mar
Aonde os vapores costeiros
Fazem porto para voltar.
Versos de Manuel Gonçalves(feiticeiro do norte), Funchal, 1959.

A economia do concelho assenta de forma evidente em dois vectores, no aproveitamento dos valiosos recursos do seu
amplo espaço, que vão das lenhas e madeiras, aos recursos minerais, aos logradouros comuns como área de pastoreio e ao aproveitamento
agrícola da pouco área arável. Construíram-se socalcos encosta acima que se transformaram em campos de cana, cereais, batatas e feijão,
necessários à subsistência familiar e para envio ao Funchal..

Uma das primeiras actividades e riquezas do concelho foi a exploração silvícola para madeiras e lenhas, exportadas ao
Funchal. A transformação dos troncos em tabuado era feita pelas serras de água. Este era um engenho mecânico movido a água, com vantagens
sobre o sistema manual no sentido de que era muito mais rápido e necessitava apenas de um só homem. As serras de água situavam-se junto às
origens das levadas de modo a permitirem o melhor aproveitamento das águas para regadio ou uso múltiplo como força dos engenhos de açúcar e
moinhos de água. Caso contrário sujeitavam-se no Verão à disponibilidade da água, agora desviada para o regadio. Em Ponta Delgada António
Correia Henriques tinha que parar a serra no período de regadio. Estes engenhos surgiram junto dos cursos de água e das áreas onde existia
madeiras suficientes para a sua laboração ou então de fácil acesso. Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI, refere duas apontando que o lugar é
de Amuitas aguas@. No decurso do século dezassete temos notícia de várias serras de água. Em 1653 refere-se a de
António Correia Mendes na Ribeira da Camisa.

A consciência ecológica não é uma realidade só nos nossos dias e, por isso mesmo, não podemos
acusar os nossos antepassados. A floresta era um bem comum, que servia de pasto, para aproveitamento das lenhas e
madeiras. A preservação desta importante reserva florestal concelhia é uma realidade de hoje e de ontem. Em 1871
alguns moradores de Ponta Delgada denunciam Lusitano de França Andrade por ter cortado paus de vinhaticos a
pouca distância de uma nascente de águas. A corroborar o estado calamitoso das serras está também uma reclamação
do juiz eleito de Ponta Delgada, João Vicente de Andrade, que refere estarem as serras destruídas pelo machado.

A COLONIA

O sistema de propriedade torna-se importante na definição das relações sociais que se


estabeleceram em torno da agricultura. A sua origem fundamenta-se no sistema sesmarial que regeu a distribuição de
terras a partir do século XV. A excessiva concentração das dadas de terra num pequeno grupo de sesmeiros levou ao
aparecimento de formas características de propriedade. Primeiro foram as terras arroteadas vinculadas a que se
associava o pagamento de um foro, depois a necessidade de tornar agricultáveis as terras.

Em Ponta Delgada e Boaventura foi bastante evidente, a partir do século XVII, o domínio do
contrato de colonia e do sistema de arrendamento a materializar as relações sociais em torno da terra. AA Canga@ de
Horácio Bento de Gouveia é um dos seus melhores retratos. Os mais destacados proprietários vêem-se na
necessidade de ceder parcelas não arroteadas a quem estivesse interessado em as tornar aráveis fazendo as
queimadas e erguendo paredes. Este último trabalho garantia-lhe uma forma de propriedade, isto é a das benfeitorias
aí realizadas. Daqui resultou dois tipos de proprietários: o proprietário da terra e o das benfeitorias.

A maioria destes proprietários das terras vivia no Funchal e só se deslocava aqui na época das
colheitas para receber a sua parte. De entre estes podemos referir o caso de Joaquim Afonso Cuibem Salazar Amil
que através do seu procurador Manuel Moniz de Menezes recebia rendas no valor de 1049.000rs, 74 alqueires de
cereal e 5 galinhas. Em posição semelhante temos D. Giomar Accioli, Cristóvão Luís Esmeraldo, Manuel Félix,
Nuno de Freitas da Silva e João Carvalhal. Já os arrendatários são daqui ou das freguesias limítrofes, como era o
caso do Seixal. Apenas um entre inúmeros casos. Em 1799 José de Andrade de Boaventura arrendou a Joana Félix
umas vinhas e árvores de fruto no Terreiro defronte da Capela dos Reis Magos. Este contrato de arrendamento tinha
a duração de nove anos e obrigava a segunda ao pagamento anual de 4.300 rs. Afonso Correia Henriques tinha em
Ponta Delgada um garnel onde os seus colonos depositavam o trigo, que depois vendia ou remetia ao Funchal para
seu sustento.

O colono era obrigado a fazer bemfeitorias para valorizar o terreno agrícola, ficando seu
proprietário com a possibilidade de a alienar. Foi isso que aconteceu com Manuel de França Homem, Aque se achava
doente e morrendo em uma cama sem saber a hora@, vendeu ao seu filho Inácio de França Homem as bemfeitorias
das terras do morgado Nuno de Freitas por 15.000 rs. É de salientar que ambas os contratantes têm a noção da
ilicitude do acto. Assim o pai declara Aque bem sabia que pai não podia vender a filho mas que confessou que por
não ter gosto de vender outro e vende seu filho debaixo de cargas ganhando para o sustentar na sua enfermidade por
essa razão lhes vendia@. Outra situação digna de nota sucedeu em 1802 com Manuel Nunes, viúvo, a comprar a
Manuel Afonso de França bemfeitorias de vinho e inhames em terras do morgado João Carvalhal Esmeraldo, na
Primeira Lombada por 29.000rs. O acto justifica-se Aporque está velho excluído de seus parentes sem que queiram
recolher e chegar a si por caridade como católico por essa razão as não poder solicitar e colonizar com seu dono e
senhorio, razão porque fez venda das ditas bemfeitorias e mais móveis...para que o tivesse em sua companhia
suprindo de comer e roupa e morada e o lavar e remendar enquanto vivo e lhe fazer o enterro.@

A riqueza acumulada por alguns senhores permitia apostar numa certa agiotagem, fazendo de
banqueiros. Assim no decurso do último quartel do século XVIII temos vários contratos de empréstimo de dinheiro a
uma taxa fixa de 5 % . De entre os mais destacados banqueiros locais destacam-se Francisco Afonso de França
Andrade, os capitães Afonso Gouveia de Castro, Afonso Filipe de Castro e Francisco de Abreu de Feitas, D. Joana
Raimundo de Freitas, Padre Manuel de Castro Andrade e Ana Joaquina de Fritas. O capitão Francisco de Abreu de
Freitas, juiz ordinário, entregou 1.941.500 rs a juro no período de 1770 a 1803.

Os laços sociais que vinculavam o colono e o senhorio à terra regiam-se por normas específicas
não exaradas nas ordens régias. O vínculo queria-se o mais duradouro possível e a própria estrutura do contrato, ao
estabelecer uma forma de propriedade do colono, permitiu a sua quase perpetuação. A situação veio até aos nossos
dias e só o Decreto Legislativo Regional n1 13/77M veio a por termo a este contrato. Antes disso, já em Ponta
Delgada nas Lombadas, se avançara em princípios do século com um pioneiro programa de extinção dos contratos
de colonia aí existentes, propiciando ao colono a posse da terra e das benfeitorias já herdadas.

A RIQUEZA ARRANCADA À TERRA

A importância agrícola da vertente norte da ilha assentou, no princípio, nas culturas de subsistência, que
asseguravam as necessidades dos colonos aí instalados e um suplemento que era escoado para a vertente sul. Os
cereais ocupam um lugar de destaque na economia local. Em 1787 registam-se 161 moios e 40 alqueires de trigo, 8
moios de centeio e 8 moios e 40 alqueires de cevada. Aliado a isto estava a existência de moinhos. Assim no tempo
de António Carvalhal, o velho, o lugar dispunha de dois moinhos, mas em 1664 todo o cereal só podiam ser moído
em Boaventura pelo que os moradores solicitam a construção de um moinho no Lugar de Baixo. Fruto disso deverá
ser a autorização em 1667 do Conde de Vimioso, proprietário dos moinhos na capitania de Machico, ao capitão
António correia Mendes fabricar aí um moinho de duas moendas, pagando de foro anual 2.000rs.

A maior riqueza para os locais foi sem dúvida o vinho. Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI, dá-nos
conta desta situação. Assim, quando refere as duas freguesias do concelho, ainda que laconicamente, diz que em
Ponta Delgada "vinhas e criações e lavrança de pão e frutas de toda a sorte". Em ambas as freguesias é já manifesto a
importância que assumia a viticultura referindo apenas "muitas vinhas". Todavia só no decurso dos séculos XVIII e
XIX esta cultura assumiu uma posição dominante na economia do concelho.
Foi com a cultura da vinha e cana de açúcar que o norte da ilha adquiriu alguma importância no contexto da
economia agrícola. A vinha terá surgido desde muito cedo, adquirindo já em finais do século XVI alguma
importância, como o testemunhou Gaspar Frutuoso. A partir do século XVIII a vertente norte da ilha era já uma
importante área produtora de vinho. As vinhas plantavam-se por todo o lado e cresciam entrelaçadas no arvoredo.
Este sistema era conhecido como balseiras. Em 1787 sabemos que Ponta Delgada produzia 2000 pipas de vinho,
quase o dobro de S. Vicente. Este valor sobe no século dezanove, uma vez que a freguesia pagava 4936 de oitavo do
vinho.
A época das vindimas coincidia com o momento da romaria, atraído os senhorios de veraneio. Aqui toda a
animação estava concentrada nos lagares, maioritariamente propriedade dos senhorios. Note-se o caso do tenente
Manuel José Fernandes Menezes que surge em 1847 com dois lagares, um em Ponta Delgada e outro na Fajã da
Areia.1863 temos notícia de 12 lagares de vinho em todo o concelho, sendo sete em S. Vicente, três em Ponta
Delgada e dois em Boaventura. Daqui se conclui do uso comum desta estrutura, tal como nos elucida Horácio Bento
de Gouveia no pertinente retrato do norte lavrado em AA Canga@. O vinho era feito nas adegas do concelho e só
depois conduzido para o Funchal. feito pelo próprio viticultor, mediante autorização da Câmara.

O final do século XIX marca o regresso dos canaviais à ilha, alastrando a área de cultivo
ao Norte da ilha. A sua promoção é encarada por todos como um meio para ultrapassar a crise
económica que fizera perigar o principal factor económico que era a vinha. A presença da cana e
engenhos no concelho estão documentados desde a década de cinquenta.

O primeiro engenho surgiu em Ponta Delgada em 1858. Em 1863 são referidos apenas
três engenhos sendo dois em Ponta Delgada e um em S. Vicente. Em Ponta Delgada surgem os
do sítio da Fonte e do Açougue. O primeiro foi fundado em 1858 pelo Conde de Carvalhal, a
cargo de um administrador, produz 98 hectolitros de aguardente. O segundo em 1861 por
Cândido Lusitano de França com 25 hectolitros de aguardente a partir de 29400 Kg de sorgo. De
acordo com o levantamento industrial feito em 1907 por Vitorino José dos Santos em 1907 o
concelho estava servido de 5 engenhos (três em S. Vicente, um em P. Delgada e outro em
Boaventura), sendo apenas misto de vapor e água em Ponta Delgada, que moíam 1095000 Kg de
cana, o que representava 2,4% da produção da ilha. Em vereação apenas temos notícia em 1908
do de Augusto Joaquim de Abreu, do sítio do Açougue (Ponta Delgada) que pretende iniciar a
laboração de aguardente na sua fábrica à Pedra Funda pelo que solicitava a aferição das medidas
e respectiva licença.

A cana do norte só poderia ser transformada em aguardente, não havendo engenho para
fazer açúcar, daqui resultaria que "a maior parte da cana teria de ser arrancada" levando à ruína a
região norte da ilha. O município, sempre ao lado dos interesses dos seus munícipes, não podia
estar de acordo com estas medidas, reclamando a revogação do decreto sacarino. A situação
levou ao encerramento em 1939 de seis fábricas em todo o concelho. Em AÁguas Mansas@
Horácio Bento de Gouveia fixou o retrato da decadência na freguesia de Ponta Delgada. Anote-se
no mesmo ano o pedido de abertura de uma nova por António Norberto de Ornelas em Ponta
Delgada.

Horácio Bento de Gouveia descreve de forma perspicaz a situação de crise da cana na


freguesia de Ponta Delgada: AO engenho de Custódio Filipe, reconstruído por mestre do Sul,
fazia rebentar de inveja Luís da Feiteira. Nova roda de castanho e novos baldes, novos cilindros,
novo alambique, dependência para escritório privativo de gerente, a fábrica apresentava um
aspecto completamente diverso do velho casarão que fora pertença de antigos fidalgos da
freguesia(Y).

O engenho da Fonte estava um cangalho. As paredes sem cal, todo o rosto para o lado da
rua esburacado, os armazéns da garapa a abarrotarem de ponchos com os arcos comidos de
ferrugem. O proprietário, Luís da Feiteira, desde que lera no Diário Popular que o governo ia
mandar expropriar os engenhos do Norte, desinteressou-se da conservação do edifício. Agora, o
eixo da roda da água que movimenta a engrenagem dos cilindros, de tanto girar, tinha as
extremidades por um fio@.
Noutro romance, Águas Mansas(1971), o trama tem por palco os engenhos da freguesia,
donde se presente a luta contra uma política monopolística do governo e a competição
desenfreada entre os dois engenhos do centro da freguesia, de que hoje apenas persistem as
chaminés.

O CAIS DOS VAPORES

Até à abertura das estradas de ligação do concelho ao Funchal-- a


ligação a S. Vicente iniciou-se em 1926 e só terminou em 1938--,
que apenas ocorreu no nosso século, o meio mais rápido e seguro
era o marítimo. Existia uma linha de vapores costeiros que
ligavam os vários concelhos da região. O serviço foi contratado
em Novembro de 1893 à empresa Insulana de Navegação que deveria
realizar três viagens por semana. Em S. Vicente o poiso mais
adequado situava-se em Ponta Delgada, o que contribuiu para algum
benefício do lugar.

Os vapores transportavam pessoas e haveres, sendo por esta forma


que se procedia ao escoamento dos produtos agrícolas, para os
senhores residentes no Funchal. Em 1898 a câmara clama por um
melhor serviço para o “vaporzinho costeiro”, que deverá tocar o
concelho pelo menos duas vezes por semana e “ter maior lotação
para satisfazer necessidades de transporte dos produtos” como
seja o gado e pipas de vinho e aguardente.

Horácio Bento de Gouveia recorda com saudade esses tempos: “para


além de 30 anos a beira-mar, com seus portos, foi centro muito
activo da gente do Norte(…)Era o mar a estrada por onde se
conduziam as mercadorias e se deslocavam, quando as condições
marítimas favoreciam, aqueles que iam à cidade(…)Mas
transcorreram os tempos. A estrada marítima foi substituída pela
terrestre. Tomou a camioneta o lugar do vapor. Silenciaram os
caminhos outrora tumultuosos, os caminhos para o embarcadoiro. Só
as rochas conservam o apito de estridência melancólica do Açor,
do Butio, do Gavião e do Falcão.”

EXALTAÇÃO DA NATUREZA - A VISÃO DO PARAÍSO

A exaltação da natureza tem por palco o norte da ilha e como protagonistas os inúmeros
estrangeiros que desde o século XVIII a percorreram. O testemunho disto ficou dito ficou
exarado nos anais da História e tem em alguns dos visitantes ilustres a sua prova escrita. Neste
caso, a exaltação do Norte faz-se mais pela observação e deleite visual, do que pelos valores
materiais que definem a humanização deste espaço.
Na diversa literatura o norte continua no
esquecimento e foi preciso chegar ao século XIX, com o rápido surto do turismo inglês, para que
surgissem os testemunhos exactos da sua descoberta. Na década de vinte temos as primeiras
incursões ao interior e norte da ilha. A partir de então o norte entra nos percursos de visita dos
ingleses na ilha que não se satisfazem apenas com a ida ao Monte, Camacha e, por isso mesmo,
aos poucos vão alargando o seu horizonte de visão ao Pico Ruivo, Santana, Rabaçal e S. Vicente.

Ponta Delgada é apresentada por todos como uma bonita aldeia, bem situada e
ricamente povoada. Isto fora já testemunhado por Paulo Dias de Almeida em 1817: "É a melhor
povoação do Norte. Todos os habitantes são muito civilizados e concorre ali muito a gente da
cidade. A povoação está em um pequeno plano coberto de arvoredo e balseiras (...) É nesta
povoação onde se deve estabelecer a Vila, ...". Esta ideia de Ponta Delgada como um presépio
mantém-se em Maria Lamas (1956) e consagra-se em Guido de Monterey(1974): "Ponta Delgada
é um dos sítios mais característicos da ilha, de uma beleza retumbante que os olhos mortais
tentam captar para a eternidade. Ponta Delgada é sonho, é utopia é romance". Daqui resultou a
auréola com que se engalanou a localidade com o epíteto de corte do norte, que deu o mote para
o romance de Agustina Bessa Luís em 1987.

A construção da piscina de Ponta Delgada enquadra-se neste


espírito. A sua realização foi sugerida à câmara por uma comissão
criada para o efeito que arrecadou 20 contos A obra só foi
adjudicada em 1958 à firma Leacock e Cº Lda por 60.486$90. Em
1961 construiu-se um bar e estabeleceu-se como tarifa de entrada
um escudo.

Horácio Bento de Gouveia testemunha essa realidade: “ A piscina


da freguesia de Ponta Delgada que meu parente Dr. Henrique de
Freitas concebeu, surge com o objectivo não simplesmente
turístico, mas de valorização regional.(…) Vai para vinte anos.
Lançada a ideia de realizar-se a obra almejada, procuram-se
donativos. Há uma comissão organizadora que colocava o interesse
geral acima do individual, e encrudeceu até no espírito da gente
mais modesta o desejo de ver o plano tornado sensível.
comparticipam da obra o Estado e a Junta Geral do distrito,
assim como a câmara municipal de São Vicente com quantia
correspondente às suas disponibilidades do momento. E a piscina
foi uma realidade entre o calhau do sítio da Vigia e a igreja.
Aprazia ao visitante a beleza da construção e a volúpia da água
esbordando as muralhas, em permanente apelo aos corpos para a sua
frescura.”

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