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Tópicos do
Ensinamento
2007
M485t Melo, Homero Fraga Bandeira
Tópicos do Ensinamento / Homero Fraga Bandeira de Melo - Rio de
Janeiro, RJ : (editora), 2007.
?p.
ISBN
CDU 17.03
I
Qual é a solução?
Existe solução?
A solução, se existisse, seria possível?
Muitas vezes o Ego nos apresenta falsas soluções. Soluções essas que
só complicam os nossos atuais problemas.
Qual é a solução?
Quais são os nossos verdadeiros problemas? Quem são esses que falam
por nós? A que viemos? De onde viemos? Para onde vamos? Quem
somos? Por que somos? Para que somos? Somos em função de um
outro? Abdicamos de nossa existência real, em prol de um simples
existir? Quais são os atributos em nós que subexistem? O que subexiste?
Que problema é esse que você tem? Se ele não tiver realidade, descarte
o mesmo. Ele não serve para você. Fará você perder tempo. Fará você
perder a sua existência. O seu tempo é valioso, não o perca com falsos
questionamentos. Faça o melhor possível do que fizeram de você.
Mas, esse homem era cientista, e foi desafiado por outro que lhe disse:
isso não é a realidade, a realidade é: que mesmo aparentando saúde, em
algum ponto você está doente, mas a sua mente lhe oculta isso. Ao que
o homem saudável replicou: isso tudo é teoria, e não serve para mim,
só para os outros.
E assim foi. Em um belo dia (o dia tal), o doutor fulano saiu pontualmente
de casa ás 07:00h da manhã, e encontrou o médico um que lhe disse o
combinado. Às 09:45h já dentro do laboratório encontra o médico dois
que lhe diz o mesmo. Ao meio-dia, o médico três lhe diz o mesmo
combinado. Às 14:00h o doutor fulano diz a seu colega de sala: Creio
que eu não esteja bem. Ao que o outro replica: o que você é? Você é o
que os outros querem que você seja, ou é aquilo que você é? Para ser
aquilo que você é, você tem que deixar de ser. Tem que deixar a mente.
Existem várias mentes dentro de você, e agora você tem mais uma: a da
doença, pois agora você acredita nela, e ela existe para você! Deram a
você uma nova mente, inventaram algo dentro de você, que não é real,
e nem tampouco a situação anterior era a real. O real é a não-mente, o
indiscernível, o inqualificável.
II
Talvez um dos princípios gnósticos mais enfatizados seja o da Revolução
da Consciência, o tornar-se àquilo que se é, em conformidade com o
pensamento de Nietzsche. Mas, como tornar-se a si mesmo, se no próprio
ato de tornar-se já se é outra pessoa? Sabemos que a realidade não é o
fundamento; mas, sim, a consistência. Devemos buscar a consistência
nas essências vazias (equitas tantum equitas – Averróis), na inconstância
do movimento que pode ser percebido quando concentramo-nos no aqui
e agora.
No Livro XI das Confissões, Santo Agostinho propõe a questão do
tempo. Pergunta o Santo Doutor: Mas, o que é o tempo? O passado já
passou e dele resta apenas a memória fugaz, que não é certa. E pode se
alterar em minha referência ao lembrar-me; ou seja: o passado é apenas
o que Deleuze chama: efeito de sentido; um efeito de superfície
instaurado na imanência. O futuro ainda não veio, e muito embora eu
me dirija a ele, sempre me parece que ele esteja em uma trans-
historicidade inalcançável. O que resta? O presente!
As doutrinas orientais que os ocidentais rejeitam veementemente, pois
não buscam e não tem a verdade, instauram-se no silêncio e na
contemplação. Erroneamente, o Pensamento Ocidental crê, então, devido
a isto que tais doutrinas não tenham sentido (e não tem mesmo!), e
somente universidades ocidentais muito sérias, pelo regular inglesas as
estudam em seus programas de pós-graduação.
A melhor definição que talvez encontremos para os buscadores da
verdade, é a de que buscam aquilo que não tem, mas, que um dia, em
um futuro trans-histórico, continuarão a não ter, pois serão sábios, então,
serão a própria verdade.
Mas, há um ponto pacífico aí: amamos o que não temos, e amamos os
que buscam. Suspeitamos claramente de quem diz que encontrou algo
que não condiga com a nossa experiência, queremos ver a verdade por
nós mesmos, e, por fim, precisamos ser chamados à verdade dos fatos
(ou a verdade da ausência deles; dos efeitos sem causa!). Por isso,
ouvimos a todos e buscamos o caminho da comprovação, que é sempre
não-mente.
Nos parece que mesmo diante de toda a informação e de toda a
consideração intelectual, a única forma de efetivamente vermos ou
comprovarmos algo é justamente renunciando a todo o conhecimento.
Nossa prática diz que é assim, e, que, dessa forma, a consciência se
abre para o que realmente é, e que não pode ser traduzido pelo
pensamento e nem pela linguagem. Aquilo que realmente é, não pode
ser apreendido pela mente.
Nesta revisão em linguagem clara de nosso ensinamento, buscamos,
somente, apontar o caminho.
É necessário que vejamos por nós, sintamos por nós, experienciemos.
Nossa verdade não deve ser a do Contrato Social, a da Igreja ou a de
outra instituição qualquer. Esta não é a verdade! Verdade é como
liberdade e felicidade, elas não te forma dadas, mas, você passa toda a
sua vida tentando conquistá-las.
Ateu: Ora, vejam só! Pensei que você era cientista! Mas, estou vendo
que, possivelmente, você não aprendeu nada na universidade! Veja,
meu filho, estes livros aqui: O Capital de Karl Marx, e A Origem das
Espécies de Charles Darwin. Deveria ler isto, e passaria, então, a se
interessar pelo que realmente vale!
Religioso: Meus filhos! Ouçam! O que viemos fazer aqui? Por Deus
Nosso Senhor! Há tantas belezas naturais aqui! Observem os pássaros!
Que lindos! Voam! O Pai tudo lhes dá! Não pode ser possível que
tenhamos vindo aqui para discutir se estamos certos ou não! A questão
é: o que queremos? O que valorizamos? De acordo com o nosso objetivo
daremos mais valor a tais ou quais coisas. Não há certo ou errado na
questão.
Ateu: Sr. Religioso, estava mesmo esperando o Sr. falar. Sabe Sr. Religioso,
o senhor parece um disco quebrado da Bíblia. Será que o senhor só leu esse
livro? Tome fique com estes, é para o seu bem! É para o senhor ver tal
como David Hume, que Deus é apenas uma ficção forte!
Cientista: Mas, que estória é essa de que Deus não existe? Existe sim.
Foi ele quem criou a Natureza. Deus é Natura-Naturalis. O próprio
fundamento das Leis.
Ateu: Ora! Vejam só! Este aqui está aí porquê não leu Saddock e Kaplan,
e porquê não passou por aqui nenhum psicólogo reprogramador. Aliás,
o que este indivíduo precisa é de um psiquiatra, e de um bom hospício.
Vejam bem! O que leva alguém a ficar nesse estado?
Religioso: Isso mesmo, Cientista! Seja qual seja a crença deste homem,
devemos respeitá-lo. Vamos deixá-lo em paz, e que Deus o abençoe.
Ateu: .... Mas, é claro que tenho mesmo razão, Sr. Cientista. Não gastei
o meu precioso tempo estudando as formigas. Gastei sim, lendo Paul
Valéry, que me trás a tragicidade da existência. Ih! Olhem! O maluco, o
louco desvairado, acordou!
Ateu: Sr. Cientista, já lhe ocorreu que este homem pode ser surdo?
Vamos analisar os ouvidos dele. Sujo do jeito que está deve ter terra no
conduto auditivo dele.
O Sábio olha para o Ateu, e sorri.
Sábio: O homem que não sabe o que quer, não sabe o que deve buscar,
pois ainda não sentiu o caminho dentro de si. Vocês ainda não são
homens. Eu os ouvi desde há muito. Desde que entraram aqui. Falam
demais! Do homens que muito falam, há sempre duas espécies: os
ignorantes (aqueles que não sabem que não sabem), e os que pensam
que sabem (pensam que sabem que sabem).
Ateu: Puxa vida! Até que o selvagem não é tão ruim assim! Vamos lá,
agora me diga o seu nome, sim?
Sábio: Eu não tenho nome. Mas, para que o quer saber? Seria muito melhor
que se preocupasse consigo próprio. Seria melhor que olhasse para dentro
de si mesmo, e procurasse por você aí dentro. Talvez ainda não tenha feito
isso. Talvez tenha, e, por isso, você se escondeu por detrás dos livros. Eles
não te levam a lugar algum, e é por isso que você os deseja. O homem que
conhece a si próprio é o único que pode dizer que é senhor de si mesmo,
pois a posse de si mesmo implica em liberdade. A posse de si mesmo implica
em ter todo o poder, e não precisar usar dele jamais. Ter a si mesmo, é ter
tudo e não ter nada com o que contar.
Cientista: Respeita o moço, Ateu. Não vês que ele é gentil conosco.
Caro senhor, meu nome é Yevgeni Mahogany, a seu dispor! Cientista
do Instituto de Bromélias, Borboletas e Afins do Setor de Botânica da
Universidade Estatal desta Capital.
Religioso: Espero que nos desculpe. Perturbamos o seu sono. Já vamos
embora.
Religioso: Obrigado.
Sábio: O homem que segue o seu caminho, ocupa-se com o que é digno.
O homem que se ocupa do que é digno, tem paz. O homem que tem paz,
tem liberdade. E, o homem que tem liberdade, tem força. Tudo o que o
homem que segue, o seu caminho digno, precisa, lhe é dado, pois o homem
que tem liberdade, tem força. O homem que tem força, tem tudo o que
precisa para caminhar no caminho, que dá sempre para outro caminho, que
por vezes leva a estradas amplas do conhecimento do inefável, que dá para
outras estradas até o infinitos dos tempos que estão por vir.
Nosso amigo Ateu ficou sem entender. O Cientista resolveu seguir a
sua vida estudando borboletas, e o Religioso tornou-se senhor de si
mesmo, e desistiu de tentar fazer com que os outros aceitassem a sua
verdade. Agora ele não tinha mais a verdade. Ele apenas, como Mestre
de si mesmo, apontava o caminho, e deixava ao livre-arbítrio das pessoas
seguirem ou não. As pessoas não mais o seguiam, pois ele, agora, estava
muito ocupado de si. Para aqueles que se iniciavam no caminho, o novo
Mestre ajudava, pois eles não mais o seguiam, seguiam no caminho da
dignidade, do amor e da comprovação por si próprios.
III
Em nossas análises, práticas e experiências passadas, e, particularmente
com as recentes começamos a notar que é muito tênue a fronteira que
separa o ensinamento dos demais conhecimentos esotéricos e exotéricos.
Nos parece que chegamos a síntese. Estamos claramente na fronteira.
Podemos aproveitar de todo o conhecimento e nos amalgamar com todo
(e em todo) ele. Podemos absorver as mais diversas formas de
ensinamento e compreender as mesmas. É de boa lembrança que todo o
ensinamento está alicerçado em quatro pilares, que são os quatro pilares
do templo: a filosofia, a mística, a música e a ciência.
Nos parece que no ensinamento revisado, ainda caibam dogmas, mas
não muitos. Os preconceitos devem ser extintos para dar forma ao nosso
novo conhecimento prático. Dos gnósticos de primeiro momento em
nossa atual era, foi legado o conhecimento das várias religiões e ordens
de mistério. Foi assim que se conseguiu a síntese. Portanto, resulta
infundada toda e qualquer forma de preconceito contra qualquer tipo
de crença, religião, filosofia ou ciência. Devemos nos aproximar das
várias formas de expressão de conhecimento humano como crianças que
detêm o conhecimento da serpente. Devemos ser inocentes e questionadores,
e, desta forma, não teremos porquê olhar para trás. O conhecimento da
síntese nos dá força, entretanto de nada vale sem práticas.
Abaixo os preconceitos em nosso ensinamento, que busquemos o
caminho com a tranqüilidade do elefante e a agudeza do olhar da águia.
Somente partindo dia após dia do ponto zero do conhecimento é que
permitiremos que o novo entre pela via da não-mente. Ser não-mente é
ser não-sendo, agir pela não-ação e com isso observar atentamente, e
em alerta sereno a nós mesmos como agentes de atividade de um mundo
que apenas passa diante de nós. O sábio age mais pelo agir necessário
que pelo agir enérgico que dispersa suas energias e o retira da postura
contemplativa de não-mente.
Sendo esse o último dos Tópicos do Ensinamento, gostaria de deixar
com vocês uma mensagem que faço minha e que foi musicada por meu
amigo e irmão espiritual Adriano Freire da Motta.
Que a Paz esteja com todos junto ao objetivo da Dignidade. Uma vida
que não tenha Objetivo Digno é um desperdício do tempo espiritual.
Reflexões do Adriano
Transcrição da Fita 1 – Música 2
Nós,
Devemos ver o mundo, não como um castigo, mas como um desafio.
Assim é que perante a vida, nós teremos a força e a coragem de um
tigre, para prosseguirmos adiante, em nossas conquistas.
Para isso tudo é que o sábio, realmente, tem que comparecer ao mundo
físico. Para passar para toda a humanidade o que seja necessário. Bem
como, vários Mestres passaram o ensinamento. O sábio acima de tudo,
é um grande homem em missão. Para fazer com que cada planeta,
realmente, entre em seu próprio equilíbrio. O sábio faz com que o planeta
tenha força, para que seus habitantes busquem a transformação, a
mudança. O sábio transfere de si, para os outros, a sua continuidade de
propósitos e objetivos que, assim, desta forma, são cumpridos. Os
objetivos são cumpridos, se houver persistência, força interior adquirida
(e obtida por si e para si mesmo).
IV
Voltamos a floresta, e nesta manhã de fevereiro estavam passeando os
nossos queridos amigos, que, creio, vocês já conheçam; a saber: o Ateu,
o Cientista e o Sábio. O passeio tinha apenas iniciado, e nós demos a
sorte de pegar a discussão ainda no início. Entretanto, como a nossa
viagem na companhia dos digníssimos amigos é longa, e mais à frente
vocês conhecerão mais dois interessantes personagens, (a saber: o
Agnóstico – Sr. Yehudan Chaim Scharovsky; e o Religioso: Sr. Ibrahim
Schon Wasser – da Universidade de Tel Aviv e doutor em Ciências da
Religião – creio que o diálogo com ele seja proveitoso!). Gostaria
também, eu, de lhes falar um pouco (não muito para não lhes tirar o
interesse), sobre os nossos amigos neste primeiro momento na floresta.
Como bem se lembram, o Cientista é o Sr. Yevgeny Mahogany, do
Instituto de Bromélias do Centro de Botânica da Faculdade de Biologia,
que fica na Universidade Estatal desta capital. É um homem muito
inteligente (por demais) e que passou quatorze anos de sua vida na
universidade, dedicando-se a seu estudo. Com excelentes dotes
lingüísticos, o cientista domina os rudimentos de trinta e quatro línguas
(dentre elas o sânscrito, o latim e o grego!), e possui vasta cultura geral.
Nosso amigo Ateu é o pensador de nossos tempos. Dono de cultura
enciclopédica, o Senhor Ateu leu desde as Obras Completas de Sigmund
Freud por James Strachey a American Psychology Encyclopedia e outras
ainda na mesma linha! Nosso amigo Ateu possui ainda enorme
background em todo tipo de ciência exata e discute d igual para igual
assuntos concernentes à química, física, relativística, matemática,
astronomia e astrofísica. Fora ainda, como notarão, que nosso amigo
Ateu leu quase todos os filósofos antigos e escolásticos e hoje presta
uma atenção concentrada na questão dos movimentos e das velocidades
em Bérgson e Deleuze. A questão do tempo em Deleuze preocupa muito
nosso amigo Ateu e ele agora anda com mais dois livros permanentes
debaixo do braço: Mil Platôs e a Lógica do Sentido, de Gilles Deleuze.
Fora ainda os já clássicos livros de nosso amigo ateu, que ele os leva
para onde for, a saber, são: An Enquiry Concerning Human
Understanding de David Hume, A Teoria da Evolução de Charles
Darwin, e O manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels. Como
vocês já sabem, a conversa com ele será difícil. A novidade é que nosso
amigo agora tem nome: Mordehay Svaltzman Waltz.
Bem, sobre o Sábio, não tenho muito a dizer, a não ser que ele está de
viagem pelo mundo e quase foi preso pela polícia política após ter
ministrado uma palestra sobre meditação no Instituto de Botânica da
capital. É estranho, mas a polícia considerou de cunho subversivo a
mensagem de paz de nosso amigo. Se o Sábio não fosse estrangeiro, e
portador de passaporte vermelho, creio que o nosso pacífico amigo já
não estivesse tão bem de saúde.
Por fim, o Agnóstico (Sr. Yehudan Chaim Scharovsky) é de Bratislava
e foi lá que ele e Mordehay (o Ateu) se conheceram. Yehudan é médico
geneticista da Universidade Estatal de Varsóvia, e o Ateu é professor
de história em Bratislava. É uma amizade interessante!
Fora o que eu já disse de nosso amigo Religioso, devo acrescentar que
também é médico, psiquiatra e psicanalista e que se especializou em
Ciências da Religião por necessidade de inserção em um contexto social
tão conturbado como este de aparente colapso do sistema planificado
de governo. Como podem notar, nem o Religioso e nem o Sábio são
daqui, pois o Sábio nasceu às margens do Ganges e o Religioso na
capital política e administrativa da única democracia do Oriente Médio.
Ateu: ... Pois observe, Sr. Cientista que a Teoria do Universo Eterno e
Imutável, apesar de sua evolução eventualmente ótima é improvável,
pois diante do aprofundamento da Ciência dos Quanta, observamos um
retorno da física ao Paradigma Filosófico. As observações feitas por
Hubble confirmam as perspectivas einstenianas de um crescimento
diário do universo da ordem de cem quilômetros diários. Se algo cresce,
é porque não é imutável. A matemática é só o instrumental que salva as
aparências da física. Você faz ela referendar qualquer coisa, mas isso
não quer dizer que haja verdade alguma!
Ateu: Concordo contigo neste quesito, mas, volto a insistir que não é
porque a política funciona, que se sistematizou a ciência moderna, e
que, ainda, se desenvolveu uma Teoria do Estado, que podemos dizer
que há alguma verdade aí. Pois a política, o conhecimento e o Estado
são construções datadas. Não há verdade aí.
Cientista: Mesmo sabendo que o que sei está noventa e nove por cento
errado, é meu deve avançar, pois como disse Edward Tesla: a ciência é
uma branca luz que ilumina tudo por igual apartando de tudo as trevas
da ignorância e do preconceito, creio que ele tenha dito mais ou menos
assim, mas a idéia é esta.
Ateu: A ciência é uma tentativa necessária, mas ela tem que se vigiar
para não se tornar uma segunda religião...
Ateu: A questão, Sr, Cientista, não está no que se diz, mas do que se
desvia. A questão não é conhecer o mundo mediante um conjunto de
regras, e sim saber que as regras são ficções historicamente datadas.
Elas surgem do desejo, e necessidade de controle no início das
sociedades organizadas há dez mil anos aproximadamente. O conjunto
de regras, por ser fictivo é verossímil, pois como disse Platão no
Protágoras: a verdade não existe. Então, eu digo qualquer coisa e vocês
acreditam! A questão, então, não reside no conjunto de regras. Mas,
concordo com o Sábio em que ela reside no tipo de teoria que usamos
para tentar entender o mundo, aí a questão fica bem colocada, pois
dependendo do arcabouço teórico aplicado a tal ou qual fato (ou a
posição do observador) obteremos tal ou qual ficção, que daremos um
nome qualquer, (diremos: ciência) e que por ser falso, diremos que é
verossímil e portanto: verdadeiro.
Sábio: Sim, Ateu. Muito certo está ao dizer: as regras surgem do desejo,
pois o desejo é o problema. O homem que cultiva a vontade, pode
suplantar o desejo e aí a regra pode no se aplicar mais a ele, a não ser
por mera formalidade. Está certo, também, ao dizer que a verdade não
existe... Pois, a verdade, realmente, não existe.... Ela é. Existem coisas
que podem ser sem existir, e outras que existem e não são, outras existem
e são.
Ateu: Sr. Sábio, me perdoe, mas o senhor parece confuso, religioso até.
O ser não existe, o que existe é só o movimento das essências vazias.
Não há substância, o que há é apenas superfície. Essa estória de
categorias é de um certo senhor chamado Aristóteles, mas este senhor
foi bem enterrado por Newton, Kepler, Galileu e Da Vinci.
Ateu: Do jeito que a coisa vai, daqui a pouco vamos fazer um culto a
Osíris e outro a Hathor! O Sr. está egípcio demais hoje, Sábio! Sabia
que um certo senhor foi dar uma de faraó há uns dois mil anos e se deu
mal! Ele esqueceu a sua condição de escravo do império e morreu
acusado de crime contra o Estado. Cuidado, Sábio, certas posições
anacrônicas são perigosas! Mas, em contraposição e comentário ao
assunto, eu vejo que há uma impossibilidade em nossa conversa, pois o
senhor é um homem verídico e eu me ponho no lugar do ignorante.
Religioso: Interessante! Mas, não entendo como vocês podem ser amigos
de Mordehay. Ele é totalmente Ateu, não é?
Religioso: Então, não crê nas essências? Nos substractos? Penso que
sem tal arcabouço teórico nos seja difícil e até impossível compreender
o homem. Creio que algo o preceda.
Cientista: ... Mas, ele disse que o podemos deixar aí, que depois ele
nos alcança. Deixa o homem aí, Ateu, eu acredito que o homem
possa se cuidar.
Mais abraços.
Cientista: Bem, diante dos olhos que tudo vêem, Santo Rabi!
Permita-me apresentar.... Este é o Sábio.
Sábio: O homem que pensa que tem o pensamento, tem apenas mais
uma ilusão. O homem que sente que o pensamento é somente mais
um modo de ser não-sendo, pois é não-mente, não se preocupa em
qualificar isto ou aquilo, pois vive no presente, através de atitudes
dignas e serenas.
Religioso: Não vejo nada de mau nas palavras dele. Lembram-me as de
um grande judeu que fundou um movimento de massa há
aproximadamente 1988 anos gentios.
Agnóstico: E também por isto, não podemos dizer que estamos certos.
A história é uma narrativa ficcional e ela sempre tem três versões: a dos
vencedores, a dos vencidos e a verdadeira.
Cientista: Vamos continuar! Venha Sábio! Não ligue para eles, pois
como disse Voltaire: não concordo com uma palavra do que dizes, mas
defenderei até a morte o direito que tens de o dizer.
Ateu: Leibniz e Deleuze: A Dobra e o Barroco. Sr. Sábio, o Sr. leu isso?
Sábio: Não li. Mas, observo o mundo com o coração, e isso me ensina
muito.
Ateu: É. Sempre começa bem; mas, tem que terminar mal! Vamos
Ibrahim, vamos conversar!
Religioso: Prefiro igualmente estar com este homem, pois ele não ensina,
e eu aprendo.
Perto dali, o Cientista lança a corda para baixo, após ter alcançado o
cume da montanha.
E o Cientista se joga.
Agnóstico: Fique aqui, Sábio. Vou lá ver que negócio é esse, que é tão
maravilhoso. Mas, se algo me acontecer, chame o resgate. Que estranho!
Me parece algo hipnótico, transtornador.
Sábio: Não se deixe iludir pelo externo, pense que o que vê é só efeito
de superfície, efeito sem causa, nada mais. Isso poderia ajudar você,
quando chegar lá em cima.
Sábio: Ocorre o que a sua visão limitada e ignorante pode ver, pois o
pior dos ignorantes é aquele que ignora que ignora.
Ateu: Há! Escondendo o jogo, né? Eu tinha certeza que você tinha lido
Platão escondido no banheiro lá em Nova Delhi. Bem, em Nova Delhi
tem banheiro, lunático?
Lá em cima:
Ateu: Há algo ali! Talvez uma substância hipnótica, algo que os leve a
ter alucinações. Acho que devemos convencer ele a resgatar Yevgeny a
descer dali.
Sábio: Homem! Não suba! Não sabes o que há lá! As vezes desconhecer
o desconhecido é melhor que desconhecer aquilo que se pode conhecer.
Sábio: Sim, eu te dou estas palavras: o que vês é o que queres ver, nada
há além disso; pois a verdade tem que ser buscada dentro, e não fora.
Da mesma forma, que a linda ninfeta será destituída da beleza um dia
pela intersecção e intercessão do Senhor Tempo com tudo o que é falível;
então, desta forma, tudo o que a mente pode contemplar é o movimento
da velocidade na aparência. Se tiveres que ir, vá! Mas, não confia nas
trevas dos teus sentidos, pois eles mentem para ti! Transforma as
impressões, pois tal como uma mulher velha já foi bela um dia, o que
hoje é conhecimento, ontem, na irmandade com o ser, e
complementando-se divinamente com ele, foi parte da verdade
monádica. Que seja feita a vontade da Lei e de Seus Juízes!
Ateu: Opa! Esqueceram de convidar Anúbis e o Faraó para a festa!
Amenhotep onde estás tu? Olha, Sábio, assim que eu puder vou arrumar
um jeito de te dar um haloperidol, uma risperidona, viu? Assim você
não pode ficar, não!
Ateu: Não falo mais contigo, Sábio. Vou ler David Hume, e quando
isto acabar, vou fazer questão de arrumar a tua deportação.
V
O Ateu e o Sábio estão no mesmo lugar em que os deixamos na última
vez. Está anoitecendo e a fome começa a incomodar.
Ateu: Está anoitecendo e nós ainda estamos aqui. Creio que o quer que
haja lá em cima, não seja algo que possamos compreender. Talvez o
máximo que tenhamos aí, sejam conjecturas.
Sábio: Creio que a embaixada de meu país seja mau negócio. Se quiser
realmente sair daqui, tem que ir à Embaixada Americana (risos).
Ateu: Sábio, estou com fome e temos aqui uma barra de chocolate
apenas. Sugiro dividir a mesma entre eu e você igualmente.
Ateu: Como?
Sábio: O homem não sabe que tem asas, na medida em que toma
consciência das asas, vê as idéias a grandes alturas e pode contemplar o
conhecimento, e desta forma não precisa mais olhar para trás, pois o
presente torna-se o seu maior aliado. Seus planos são os planos
necessários, e ele jamais vive em um futuro impossível. Ateu, quando
eu digo que um avião passará nos céus da estação de Baikonur amanhã
a tarde, onde está esse avião?
Ateu: No tempo.
Sábio: Dos céus saem os demônios e os anjos. Dos céus sai o bem e o
mal. Dos céus sai o verdadeiro e o falso. Dos céus sai Lúcifer, o Príncipe
da Luz, e também Judas, o Grande Mestre. A verdadeira iluminação
resulta do descobrir-se a si mesmo, do trabalho na Forja de Vulcano e
na força iluminadora dos Arcanos treze e doze.
Ateu: Eu não te entendo muito bem. Talvez o fato de eu ter sido produto
de estado ateu, e de tu teres vindo de um mundo espiritual, dite a
diferença natural de nossas mentalidades.
Ateu: Obrigado por ter a mim como Amigo, mesmo após tudo o que eu
disse a ti.
Sábio: O homem que vive da ilusão é como um homem muito rico que
tem tudo, e não tem com quem contar. O homem que despertou para o
caminho é como um homem muitíssimo rico e que tem uma pessoa
muito importante com quem contar sempre.
Ateu: E quem é essa pessoa?
Sábio: Disse Nietzsche: Ecce Homo: Como Tornar-te Aquilo que És.
Sábio: Talvez.
Sábio: Seria bom que você descansasse; amanhã teremos uma longa
caminhada. Mas, quero te deixar uma última: “o que é mais necessário:
uma grande conclusão ou uma grande busca?”
Religioso: Falando do diabo, Yevgeny? Olha ele ali! E ainda por cima
com um Anjo ao lado!
Ateu: Tomara Yevgeny que isso seja mesmo verdade, pois odiaria ficar
num céu judeu cercado por homens puros, santos e incorruptíveis. No
inferno, pelo menos, faço negócio!
Ateu: Retiro o que eu disse, acerca deste homem! Eu errei com relação
a ele. Não é porque alguém seja muito diferente de nós, que temos o
direito de hostilizar. A necessidade nos torna irmãos. Ele passou por
cima das diferenças, e aqui estamos. O homem do Ganges agora é meu
amigo, muito embora Deus para mim, continue sendo apenas uma ficção
forte.
Cientista: Pena que o grande Voltaire não esteja aqui conosco. Ele
sorriria de bom grado!
Cientista: Temos que buscar unir forças entre diferentes, pois nem todos
são iguais e não o podem ser. Somente a força unida constrói.
Sábio: O homem que busca o que está além, encontra o que está próximo,
e este é o homem inteligente. O homem que busca o que está próximo,
encontra o distante, e este é o filósofo. O homem que busca a “si mesmo”,
mas não quer encontrar com sinceridade, que se perde tentando encontrar
em um quarto escuro, um objeto que não mais está lá, é o psicanalista.
Os cientistas, filósofos analíticos e psicanalistas só vêem problemas
onde é conveniente vê-los.
Cientista: Voltaire disse: não concordo com uma só palavra que este
homem diz, mas defenderei até a morte o direito dele as dizer. Não
creio que a ciência seja isso! Graças a ciência temos tomógrafos,
aceleradores de partículas, satélites e remédios para hipertensão e
depressão. Hoje um livro é impresso num conjunto de horas, e
estabilizantes conservam alimentos por cinco anos no mínimo. Sábio,
você tem que admitir que a ciência funciona!
VI
Na cidade do Czar tudo está eventualmente tranqüilo na data de
hoje. Mesmo com as péssimas noticias que se avizinham do lado
cinza de Berlim. Pressões internas e fugas em massa parecem que
vão redesenhar a História do Ocidente, Erich Honnecker, como se
sabe pôs um fantoche em seu lugar, o muro deve desabar em breve,
devido a pressões do lado ocidental. Mas, mesmo assim, duas figuras
caminham lentamente por uma das ruas nas proximidades da cidade
para sempre eterna, onde Lênin ensaiou os primeiros passos de um
novo tipo de sociedade.
V.M. Astaroth: O que você pode ver? Se não o que quer ver? Durante
o transcurso do Ensinamento, que nos vem desde os Sumérios, Caldeus,
Babilônios e Egípcios de primeira hora, olvidamos as vozes do oriente.
Quisemos que o mundo e o outro mundo se conformassem as nossas
crenças. A partir da criação do Pensamento demos forma ao Inominável.
Agora, acreditamos que a nossa construção seja verdadeira. Até mesmo
a nossa construção é uma razão de verossimilhança com um modelo
falso, e, portanto, o que vemos é falso. Somente aquele que é não-
mente pode contemplar o absoluto nada.
VII
O Sonho no Mosteiro
Chego à imensa catedral. As torres sobem ao mais alto dos céus. Torres
sem fim de beleza esplendorosa. Adentro a formosa construção. Em
lugar de padres e seminaristas, em lugar da língua de Deus, encontro
com o vazio. A escuridão encobre a beleza. Não fui a este lugar para
rezar, pois não converso com secretários. Também não fui em busca de
um Deus martirizado pelos Romanos. Fui em busca daquele que é tão
lindo, tão ficcional que a ele os escolásticos reservam lugar de destaque
em sua filosofia. Impossível não falar dele. Impossível ficar sem falar
dele. Impossível ficar sem ele. Impossível ausentar-se de Sua Presença.
Impossível ficar em Sua Presença. Ele não tem nenhuma verdade. Ele
as cria! Ele é o Criador, um homem autêntico.
Vozes ao longe.
O Monsenhor passa por nós. Ninguém nos vê. Parece que não estão
interessados em nós. Em meio a todos, vejo um rosto conhecido. O
ódio santo desses benditos que vem em nome do Senhor e de Sua
Santidade é de beleza descomunal. Quanto bem eles fazem em defender
a fé, as boas obras e os bens do Crucificado. Trata-se de homens com
lugar de tal forma reservado no paraíso que qualquer mal que venham
a cometer, se é que tais santos em vida cometam algum pecado, já está
perdoado de antemão pelo deus do trono romano. Trata-se de homens
prudentes, piedosos ao extremo. Exigentes trabalhadores são eles.
V.M. Astaroth: Que querem os homens tão santos que seus pés sequer
tocam o chão?
Ouço uma linda missa, mas não saio do lado de Osirac. Talvez não
adiante. Talvez eles voltem. Voltem para nos inquirir. Suplícios, dor,
pedidos de clemência encontram surdos ouvidos ao longe. Inicia-se o
órgão. Schutz está ao fundo. A beleza compõe com a agonia dos espíritos
suplicantes. A própria música em uma potência, em uma composição,
clama a Nosso Divino Salvador que tenha misericórdia de suas almas.
Aos monges piedosos nada mais resta a fazer.
São onze e quarenta cinco, embora muito tempo ainda tenha passado.
As ampulhetas parecem desafiar Aristóteles. Talvez o grande Averróis
observasse estupefato o movimento, talvez não. Ibn Arabi poderia
estar aqui conosco, ou não. Entro na Igreja novamente. A nave
banhada na escuridão. Forço a porta. Fechada. Dou a volta. Nenhum
rosto familiar ou humano. É dia. Adentro ao jardim. Colunas
formosas sobem aos céus. Chove. É noite. Adentro aos portões. Eis
que dirigindo-me pelo corredor, diviso entre as trevas a figura do
Monsenhor. Os livros de Raimundo Lúlio estão em seus braços.
Continuo andando. Os olhos do Inquisidor são divisados mais
adiante. Ele para diante de mim, e diz:
V.M. Astaroth: Como pode isto, Padre? Somos afectados ou não pelo
pensamento, ou compomos com ele, ou somos atravessados por ele.
Sendo assim, como podem roubar algo que vós não tendes?
V.M. Astaroth: O homem que deseja nada tem. O homem que almeja
não alcança. O homem que quer não pode. O homem que pode não
quer. Que sorte de homens é esta que crê que as coisas sejam como
são? Se isto não for um jogo, o que é então? Se isto não for o que é? O
que é o que não é? Como é que os senhores se tornaram no que pensam
do que pensaram acerca do que vocês poderiam ser?
VIII
O Sonho na Universitas Scholarium
As aulas são nos moldes desse país próspero, rico e standardizado. Todos
os prédios são cinzas. As ruas são cinzas. Os carros cinzas. A marca de
sabão em pó é cinza. A impressão que se tem é que se vive a realidade
em tons de cinza, ou melhor: em preto e branco, com matizes de cinza.
Mas, este é o realismo do sistema de planificação, onde não importa se
os pregos que produzimos servem ou não para algo, mas sim que os
produzamos! Talvez não haja melhor lugar para as mentes ociosas que
odeiam o ócio contemplativo dos filósofos e das grandes mentes da
ciência e da literatura.
Padre Secular: O que te traz aqui, ó monge santo? Não segues a uma
ordem? Não tens dinheiro que possa comprar a tua liberdade. Vamos
dizer de ti ao monsenhor e serás vítima de castigo cruel.
Anzelm Volker: Digno Padre, como seria bom para todos nós se nos
preocupássemos apenas com as nossas vidas. Temos tantos problemas
em nós mesmos, tanto trabalho a fazer, que o melhor seria que nos
déssemos a nós mesmos, e nos esquecêssemos dos outros se não fosse
para consolar as mentes aflitas ou para apor a calma necessária em
momento tão perdido. Taverneiro! Mais vinho!
Anzelm corre até alcançar a Basílica. O Deus dos Cristãos está lá. Ele
olha, ele percebe a entrada de Anzelm na nave. De repente, as portas
fecham. Irá começar o julgamento. Deus se posta no melhor lugar, no
trono. Que honra ser julgado por Deus!
Marte: Quem és tu? Que clama pelo nome do falso deus dos cristãos
em vão? Quem és tu que diz o que ele deve fazer? Como és miserável!?
Eu não tenho pena de ti, ó homem de bom senso. Porém é, de certo, que
a morte é o melhor dos bens. Vou te deixar viver para que rastejes por
sobre a terra dos homens, para que sintas fome, para que desejes a
mulher do próximo sem poder ter da mulher que não seja a sua imagem.
Estás morto, Inquisidor, não é necessário matar-te.
Aquiles: Sangue!
Marte: Olha deus dos cristãos, vê o que faço com a tua miserável
guarda...
IX
Vi uma certa necessidade em escrever o Tópico 9, tendo em vista a
comunidade da Ordem Gnóstica e todos os nossos irmãos de outras
ordens e que fazem parte da Fraternidade e Grande Loja.
Coluna Direita: Teu Bem Amado está aqui entre nós e tu na presença
dele és indigno de aqui adentrar, que dizes?
Andramelech: Seja bem vindo, V.M., estamos com vários dos teus
aqui para a despedida, e eles tem sede de vossas palavras.
Voz: O que podes dizer, V.M. Astaroth, é somente aquilo que teu mestre
autoriza em teu coração. O que vem da mente ou de tua vontade, não o
deves dizer. Por isso, dá o suficiente a teus Bem Amados, pois é sabido
que o Conhecimento é como a água, que mata a sede e tira a vida em se
afogando nela.
Frater Johanson: Quando a Nau chegar terás que partir, mas antes
fala-nos do Caminho da Vida.
O Sábio nada quer e tudo têm. O Sábio aprecia a beleza, mas não
coleciona as obras. A vida do Sábio no Caminho conflui, é pura
compossividade. A vida do homem inteligente é reta e seus objetivos
são pequenos diante do Caminho do Arcano 9, o Grande Arcano A.Z.F..
X
São as Leis Gnósticas dotadas de vários dos preceitos da Lei Mosaica.
No Panteão dos Deuses há lugar para o amálgama das Leis. As Leis
devem ser seguidas para que o Iniciado adentre ao Caminho. V.M.
Astaroth e seu mestre, após longa viagem na nau, chegaram ao Palácio
do Kharma onde deverão obter julgamento por suas ações.
Coluna Direita: Salve! V.M. Astaroth! Salve o Bem Amado que trazes
contigo!
V.M. Astaroth: Sou indigno de aqui estar, mas as graças e perdão do Mise-
ricordioso permitem que eu esteja. Com a licença devida, adentrarei.
V.M. Astaroth: Oh! Voz dos Tempos! Que se dignais a acolher este humilde
e ignorante ser em vossa majestosa casa. Sei que não tenho merecimento e
que meu trabalho, pequeno e humílimo não merece sequer um olhar das
Hierarquias. Entretanto, os corações bondosos me permitem a entrada e eu
fico honroso e ainda mais tenro com vossas graças.
V.M. Astaroth: Meu merecimento e obra são pequenos e creio não ter
chegado ao coração dos homens como eu pretendia, como eu posso
descansar, diante da Grande Obra?
V.M. Rabolú: Pois eu digo que és digno, que és amado e que tua
mensagem a seu tempo encherá o coração dos novos membros de tua
confraria.
Arcanjo Miguel: Queremos te dizer, V.M. Astaroth, que terás que vencer
Lilith pelo Pensamento e não poderás usar da espada de fogo puro de
teu Mestre!
V.M. Astaroth: Vontade que é vontade tem que ser provada, por isso
aqui estou.
V.M. Astaroth: Eu não sou o que penso, sou o que sou desde tempos
imortais. Eu sou em meu Mestre, que está em secreto e que alimenta o
meu espírito.
Lilith: Tu não tens vontade, Oh, V.M. Astaroth, pois a luxúria ainda te
derrota. Tu não tens vontade. Larga a tua espada e vens lutar!
V.M. Astaroth: Pela intercessão dos Elohim Gibor e pela graça do Anjo
Anael, sou eu ao combate.
Inicia-se a luta. Durante anos a fio, Lilith tenta Astaroth com toda a gama
de sortilégios e magias possíveis. Ao fim de sete anos, vem o veredicto.
XI
Clamo aos homens inteligentes para que me digam o que não podem
dizer. Resulta óbvio que aquele que diz o que não pode ser dito não é
inteligente, mas outra sorte de homem que não o mundano.
Homens da Universidade dos Espelhos? Há homens em tal universi-
dade? Vejo poucos Centauros e uma pequena cópia forçada de homem.
Que me dirão de mim? Compus estórias ou histórias? Rótulos não
interessam, pois tal como Avicenna me pergunto: “terei eu chegado ao
coração dos homens?”
Ateu: Oh! Seu Astaroth! Alto lá! Que negócio mais metafísico é esse?
O senhor sabia que hoje temos quase certeza ser o tempo físico e que a
mente do homem está instaurada no meio-ambiente? Nada há além!
Vamos parar de metafísica!
Ateu: Mais metafísica de novo! Será que não vêem? Nada há além! Há
isto e basta. Estou mais com o Cientista que se instaura em uma ficção
chamada ciência!
Ateu: O que vocês querem com tanta metafísica? Onde desejam chegar?
Cientista, por favor, ensine algo a esses homens que vivem no espaço sideral!
Ateu: Caramba! Essa nem Jung explica! Por favor, chamem o psiquiatra!
A Voz se desvanece e some com o seu raio roxo na imensidão dos céus.
A caminhada, então, continua.
Ateu: Vejamos, Cientista, há então uma fonte de gás esquizofrenizante
nas imediações que cause estados alterados de consciência?
Ateu: Hoje está demais! Mas, que diabos está acontecendo? Deve ser a
esquizofrenia coletiva! Nada que uma injeção de thorazine e lítio não
resolva. Não vou falar comigo mesmo de novo. Isso é criação de nossas
mentes!
V.M. Astaroth: Um homem pobre não é o que não tem bens, mas o que
não se abre ao novo. Por que não contemplam simplesmente?
Sábio: Oh! Seguidores do materialismo, abram os olhos e vejam, abram
os ouvidos e ouçam. Sejam como as crianças!
Andramelech (o Mestre): Salve V.M. Astaroth! Salve Sábio!
XII
Acordem homens inteligentes, pois o dia é chegado! Que querem da
ciência, da filosofia e das leis? Homens do ontem que não conseguem
ver que hoje é um instante apenas. O tempo há de nos tragar. Nele há a
razão.
Homens enciclopédicos, prolixos, explicativos! Que faremos com tantas
explicações? As explicações só servem para obscurecer nossa
ignorância. Que mais queremos, se não continuar profundos ignorantes?
De que valem explicações?
Indivíduos da Universidade dos Espelhos? Vejo uma multitude onde
nada há. Vejo homens a construir e, principalmente, a repetir conceitos.
Não conhecem o vinho, muito menos a vida.
Que quero eu? Selvagem, tragado pelo tempo. Não me reconheço. Nem
sei onde estou. Como um Diógenes redivivo estou a gritar aos homens
do conhecimento, pois vejo o orgulho em saber transpirando por suas
vestes.
Os homens inteligentes sabem muito.
O Sábio nada sabe.
Os homens inteligentes vivem do tempo.
O Sábio vive sem tempo.
Os homens inteligentes, tenebrosos do mundo do ego, são capazes de tudo.
O Sábio reside na “não-ação”, por ser “não-mente”.
Qual é a força por trás do homem sábio? A mesma que move os
inteligentes.
Quem sou eu? Não me conheço. Cristão ou bárbaro? Abram o Coliseu!
Gisela: Não sei, mas estão todos a gritar palavras de ordem. Acho que
a frase é mais ou menos esta: “ou as coisas são ou não são”.
Gisela: Não sei. Mas, podem ser, como podem não ser.
Vloid Vad Tepes III: A situação é pior ainda, eles dizem que o “que é,
é o que é”, e que “o que não é, é o que o não é”. Eu pensei que “o que
não é” fosse sempre alguma coisa.
V.M. Astaroth: O “não ser” é sempre mais poderoso que o ser. Pois é
do “não ser” que vêm à existência o que é.
V.M. Astaroth: Nós não seremos postos para fora. Nós já estamos fora.
Na medida em que nos instauramos no movimento e que abdicamos
das categorias para fundarmo-nos na consistência, nós deixamos de
estar inclusos. Compreende? Ninguém pode nos tirar do “não lugar”.
Vloid Vad Tepes III: É aí que ela tem tudo a ver conosco. Podemos
afirmar diante do pessoal do ser a nossa maneira de pensar o diferente.
Frater Lúcifer: Acho que seria bom darmos uma olhada na tal revolução.
Seuquram: Amigos do III Reich. Hoje é um grande dia para nós. Através
deste decreto declaro a universidade livre do pensamento!
V.M. Astaroth: Isso está parecendo Nuremberg, logo vamos ter uma
“cristalnacht” para tornar a universidade “judenfrei”, ou seja, livre de
inquietações metafísicas. Temos que descobrir um meio legal de parar
esse movimento nefasto.
Vloid Vad Tepes III: O problema é que para eles o pensamento não é
ficção no sentido forte, mas sim no sentido fraco de realidade.
V.M. Astaroth: Eles são muitos. Não devemos falar. Eles podem
começar a tornar a universidade “judenfrei” por nós, tal como Mussolini
e Victorio Emmanuel o fizeram. Lembram-se? Os diplomas não tinham
validade. Podemos ser mortos pela nazistada enfurecida.
Gisela: Sem dúvida. Pegamos o plano em fase terminal. Que vamos fazer?
V.M. Astaroth: Vloid, ligue ao Filósofo. Vou falar.
Frater Adratsom: Deveriam ser presos. V.M. Astaroth, não acha que é
hora de compormos uma nova loja ou capítulo para enfrentarmos
corporativamente essa ameaça a liberdade de pensamento?
V.M. Astaroth: Não é necessário, Frater. Aqui quase todos são iniciados
nos mistérios. Nós já somos a nova loja. Convém que continuemos no
caminho do pensamento e a cada nova investida reagiremos
convenientemente.
Vloid Vad Tepes III: O recurso foi aceito. A Polícia Federal está vindo
à universidade apreender o material de propaganda nazista.
XIII
V.M. Astaroth: Vejam amigos, se não é Marat, morto na banheira!
V.M. Astaroth: Onde resta buscar a verdade? Vejo ficções por todos os
lados!
Frater Johanson: Não seria a ficção a única a ser buscada?
V.M. Chavajoth: Não temos lugar na história. Estamos fora dela. Fora
do fluxo. A posição do contemplar nos tira do fluxo.
Frater Stevenson: Parece não restar saída, pois que a verdade está em
lugar algum.
V.M. Chavajoth: Me parece que esse caminho conduz a ficções mais sutis.
V.M. Astaroth: Mas, é uma tentativa. Quanto melhor for nossa ficção,
melhor será o nosso possível. Podemos ver até que ponto chegamos.
Frater Lúcifer: Nesta viagem uma coisa é certa: o fenômeno dito “história”
é obscuro como o tempo. Têm uma existência obscura, uma parte é visível
e outra não o é. Talvez, a história seja um “falso-problema”.
XIV
Os dias tornaram-se lentos. O fim aproxima-se cada vez mais. A sofreguidão
dos dias me força a tomar de meus últimos ímpetos e escrever este que
segue. É bom que se saiba que muito os amo, e a dor da partida é grande.
Mas outra Nau se aproxima. Em forma de estória deixo-lhes meu último
alento, após isso, derrotado, peço que me esqueçam, pois talvez eu seja
indigno de ter estado entre vocês. Sei do amor que me devotaram, procurei
e procuro retribuir a atenção à minha pessoa e a meus parcos escritos.
V.M. Zein: Vim aqui por mim, para mim, buscando retomar o que é
meu por direito e por merecimento.
Frater Stevenson: Eu, o secretário, digo, que se saúde V.M. Zein e que
este entre.
V.M. Zein: Vim para minha morada, para minha casa eterna, para
aprender com todos e ensinar o que sei de forma humilde.
Sábio: Sou o que sou na potência daquele que há em mim. Sou não-
sendo, sendo não-mente. Queres saber se há algo em mim? Sou sempre
não-sendo.
V.M. Zein: Tal como todos, sou em mim em virtude do mais elevado,
sou mais elevado em virtude do que há para além de mim.
Sábio: Vim para aprender contigo, V.M. Zein, e com todos. O que há
além de ti que não esteja em ti?
V.M. Zein: A falta física nada prova aqui. Aqui Astaroth é, e isso é o
que me importa.
V.M. Chavajoth: Onde está a tua “verdade”, tuas dialécticas, Oh! Sábio?
Parece-me que em vez de testar, testado está sendo.
V.M. Astaroth: Homens do amanhã! Que amanhã é este que não chega?
Homens do ontem! Que ontem é este que não mais existe? Homens do
instante, são por vocês em vocês ou por outro além?
Sábio: Me parece que tua arrogância suplanta a tua vontade. Onde está
tua bem-amada? Contigo não está. Isso fissurou o teu posicionamento.
Aguardaste por toda uma vida e agora estás prestes a abandonar o trono
e a tentar o novo V.M. que virá após. Tuas existências fracassaram.
V.M. Zein: Em breve a nova nau chegará. Está nas mãos dele tomar ou
não a nau. Ele é o que é, e tu que se dizes não-mente e refletes a
arrogância em teus lábios?
Frater Lúcifer: Astaroth com suas magias deve ter enviado ele em
missão para algum confim do universo.
V.M. Chavajoth: Não sou capaz de ver a mim mesmo. Como contemplar
o outro? Puro incompossível!
Frater Lúcifer: Que seria do nono andar virtual sem Astaroth? E Anzelm
Volker só pode viver se Astaroth viver!
Frater Lúcifer: Queremos saber para onde você baniu Anzelm Volker?
Aliás, você é Anzelm Volker, não é mesmo?
V.M. Astaroth: Onde está Anzelm Volker? Como Anzelm Volker foi
possível? Muito está claro que as coisas que não são podem ser o que
são, e o que é pode ser o que não é.
Voievod Vad: Talvez, porque na falta do silêncio o que possa haver são
somente direções.
V.M. Chavajoth: Isso é que é lindo, dizer, dizer, dizer, sem nada
comunicar. Só ruídos. Só verdades-verdadeiras, produtos do falso.
Anzelm Volker: Agora é hora de eu ir. Vou para a aula de Lady Azor, a
dama negra do inferno.
XVI
Uma Viagem a Outra Dimensão
V.M. Astaroth: Que coisa mais estranha! De onde vem o barulho? Não
há nada nessa sala fora um armário e uma xícara!
Oicram Ynor: Como disse havia uma goteira nesta sala, e a goteira
parou.
Frater Nihil: Que estranho! Por mais que subamos ou desçamos essa
escada acabamos sempre no mesmo lugar. Trata-se de uma escada
mágica!
V.M. Chavajoth: Trata-se de um portal. Para onde leva não sei, mas,
com certeza leva a algum lugar extrafísico tenebroso. Essa casa se move,
parece um cubo.
V.M. Chavajoth: Calma, rapaz! Você tem muito o que aprender ainda!
É claro que existe uma saída mágica daqui. Da mesma forma que a
entrada foi mágica, a saída é mágica também. Acalme-se.
V.M. Zein: Muito estranho isso aqui. Parece que estamos em outro lugar.
Frater Nihil: Veja ali! Montes de terra, tijolos para construção. Vai se
construir o que aqui?
V.M. Chavajoth: Não seja tolo, meu querido. Todos gostam de ter o
seu inferno particular.
XVII
A sala está repleta. Muitos homens, exatamente setenta e uma mulher, a
V.M. Astarteh, estão presentes. A ordem está fundando a Nova Loja.
Dimitri Yalovitch toma seu lugar a mesa ao lado de V.M. Astarteh. O
Dr. Zandor Etchevin senta-se ao lado de Dimitri. Astaroth fala.
V.M. Astaroth: É bem sabido que diante do homem existem
possibilidades. Sempre há um possível diante de alguma situação. Neste
momento, a Capela está atuando em algumas frentes: a guerra espiritual
contra os adoradores da lei, as incursões ao prédio da Universidade dos
Espelhos, a guarda de nossos interesses junto a espíritos prisioneiros, a
decretação de uma nova ordem e ainda os costumeiros. A guerra sempre
foi inevitável. Os Lords aqui presentes bem o sabem. Porém a fundação
da Nova Loja neste plano deve ser feita a fim de que possamos dotar a
mesma de egrégora.