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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS


CURSO DE DIREITO

ASPECTOS NORMATIVOS E PROCESSUAIS DA LEI 11.340/06


“LEI MARIA DA PENHA”

SARA FURTADO

Itajaí, outubro de 2007.


i

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI


CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO

ASPECTOS NORMATIVOS E PROCESSUAIS DA LEI 11.340/06


“LEI MARIA DA PENHA”

SARA FURTADO

Monografia submetida à Universidade


do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Msc. Adriana Maria Gomes de Souza Spengler

Itajaí, outubro de 2007.


ii

AGRADECIMENTOS

A Deus, por seu infinito amor e presença


constante em minha vida, e por permitir este
momento de imensa alegria;

Ao meu pai Clóvis Furtado, pelos estímulos desde


as primeiras letras;

A Peter, papai que a vida me trouxe, pelo apoio,


carinho e constante preocupação;

Às minhas irmãs Ana Cláudia, pelo exemplo de


perseverança e sucesso, sempre me fazendo
acreditar no meu potencial, e Priscila, pela
constante companhia e pelo carinho a mim
dispensado no dia-a-dia;

A Erivelton, por me ajudar a acreditar nos sonhos,


acompanhando-me desde o início nesta
caminhada e me apoiando nas horas mais
difíceis;

À minha Professora Orientadora Adriana, por me


ajudar a realizar este trabalho, tendo aceitado
com entusiasmo tarefa de me guiar durante a sua
elaboração.

A Altino, amigo de faculdade que quero preservar


ao longo da vida, pela ternura e amizade;

Aos mestres, pelos conhecimentos


compartilhados ao longo da graduação.

Àquelas pessoas que, passando pela minha vida


nesta fase, contribuíram com experiências,
incentivo e amizade.
iii

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha mãe Eide Souza


Wiedemann, heroína do lar, que tendo coragem
em se desvencilhar da violência doméstica,
conduziu nossa família de volta à tranqüilidade e
à dignidade, a despeito de todos os ventos
contrários.
iv

O homem veio do barro, mas, as mulheres, vieram do pó. Pó de estrelas.


Por isso brilham.
Por isso luzem.
Por isso ofuscam.
Por isso reinam.
Por isso voam.
Ave-mulher.
Ave, mulher!
Ave-Maria.

Edmilson Sanches
v

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 16 de outubro de 2007.

Sara Furtado
Graduanda
vi

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale


do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Sara Furtado, sob o título
Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da Penha”, foi
submetida em 23 de novembro de 2007 à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: Msc. Osmar Dinis Facchini (membro), Maria de Lourdes
Alves Lima Zanatta (membro) e Msc. Adriana Maria Gomes de Souza Spengler
(presidente) e aprovada com a nota [ ]( ).

Itajaí, 23 de novembro de 2007.

Professora Msc. Adriana Maria Gomes de Souza Spengler


Orientadora e Presidente da Banca

Professor Msc. Antônio Augusto Lapa


Coordenação da Monografia
vii

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à


compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Gênero

Gênero se refere às relações e diferenças sociais entre homens e mulheres que


são aprendidas, variam amplamente nas sociedades e diferentes culturas, e
mudam com o passar do tempo. O termo gênero não substitui o termo sexo, que
se refere exclusivamente às diferenças biológicas entre homens e mulheres. Por
exemplo, dados estatísticos são apresentados por sexo. O termo gênero é usado
para analisar as funções, responsabilidades, obrigações e necessidades de
homens e mulheres nas diferentes áreas e contextos sociais. 1

Violência

Emprego de força para a obtenção de um resultado contrário à vontade do


paciente, podendo exercitar-se em caráter físico, ou real (vis corporalis) ou em
forma intimidativa (vis compulsiva).2

Violência baseada no gênero

[...] aquela praticada pelo homem contra a mulher que revele uma concepção
masculina de dominação social (patriarcado), propiciada por relações
culturalmente desiguais entre os sexos, nas quais o masculino define sua
identidade social como superior à feminina, estabelecendo uma relação de poder
e submissão que chega mesmo ao domínio do corpo da mulher. 3

1
UNESCO. De mãos dadas com a Mulher: a UNESCO como agente promotor da igualdade
entre gêneros. Brasília: UNESCO, 2002. p. 71.
2
SIDOU, Othon J. M. Dicionário Jurídico: academia brasileira de letras jurídicas. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1996.
3
SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei n° 11.340/06: Violência
doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi.
viii

Violência contra a mulher

[...] qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na
esfera privada. 4

Violência doméstica e familiar

Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou


omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.5

4
ORGANIZAÇAO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher: Convenção de Belém do Pará.
5
BRASIL. Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Lei/L113406.htm Acesso em: 26 maio
2007.
ix

SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... XI

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 3

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA NA LEGISLAÇÃO PENAL PÁTRIA............................. 3

1.1 HISTÓRICO ......................................................................................................3


1.2 PERÍODO COLONIAL ......................................................................................4
1.2.1 O rigor nas punições em geral....................................................................4
1.2.2 O tratamento legal da violência doméstica nas Ordenações Filipinas ...8
1.3 PERÍODO IMPERIAL......................................................................................11
1.3.1 O Código Criminal do Império ..................................................................11
1.3.2 O tratamento legal da violência doméstica no Código Criminal do
Império .................................................................................................................12
1.4 PERÍODO REPUBLICANO ............................................................................13
1.4.1 O Código Penal de 1890 ............................................................................13
1.4.1.1 O tratamento da violência doméstica no Código Penal de 1890 ........14
1.4.2 A Consolidação das Leis Penais ..............................................................16
1.4.2.1 O tratamento legal da violência doméstica na Consolidação das Leis
Penais ..................................................................................................................16
1.4.3 O Código Penal de 1940 ............................................................................17
1.4.3.1 O tratamento legal da violência doméstica no Código de 1940..........18
1.4.3.2 A reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940.............................20
1.5 O JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL ...............................................................25
1.6 A LEI 10.455/02 ..............................................................................................28
1.7 A LEI 10.778/03 ..............................................................................................29
1.8 A LEI 10.886/04 ..............................................................................................31
1.9 A LEI 11.106/05 ..............................................................................................33

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 37

A ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


PELA REDAÇÃO DA LEI 11.340/06................................................ 37

2.1 O CASO MARIA DA PENHA..........................................................................37


2.2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER: CONCEITOS E DEFINIÇÕES .........................................40
2.2.1 Definição de violência de gênero .............................................................40
2.2.2 Definição de violência contra a mulher....................................................43
2.2.3 Definição de violência doméstica e familiar ............................................45
x

2.3 SUJEITOS ATIVOS E PASSIVOS NA LEI 11.340/06....................................47


2.3.1 Sujeitos passivos .......................................................................................47
2.3.2 Sujeitos ativos............................................................................................54
2.3.3 O reconhecimento das relações homoafetivas .......................................57
2.4 ÂMBITOS DE OCORRÊNCIA ........................................................................59
2.4.1 Âmbito da unidade doméstica ..................................................................60
2.4.1.1 Empregada doméstica ............................................................................61
2.4.2 Âmbito da família .......................................................................................62
2.4.2.1 Família homoafetiva e paralela ..............................................................63
2.4.3 Âmbito das relações íntimas de afeto ......................................................64
2.5 FORMAS DE VIOLÊNCIA ..............................................................................67
2.5.1 Violência física ...........................................................................................69
2.5.2 Violência psicológica.................................................................................69
2.5.3 Violência sexual .........................................................................................71
2.5.4. Violência patrimonial e as causas de imunidade do art. 181 do CP.....73
2.5.5 Violência moral...........................................................................................76

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 78

ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LEI MARIA DA


PENHA ............................................................................................. 78

3.1 RENÚNCIA, RETRATAÇÃO E REPRESENTAÇÃO - CONCEITOS .............78


3.1.1. Renúncia ....................................................................................................79
3.1.2 Retratação da representação ....................................................................81
3.2 RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO NA LEI MARIA DA PENHA ...................81
3.2.1 Utilização equivocada do termo renúncia................................................82
3.2.2 Utilidade do instituto..................................................................................85
3.2.3 Coerência interpretativa e solução da controvérsia doutrinária acerca
do artigo 16 da Lei 11.340/2006..........................................................................86
3.2.4 A questão da representação no crime de lesão corporal leve ...............88
3.3 AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA................................................92
3.3.1 As medidas protetivas que obrigam o agressor .....................................95
3.3.1.1 Suspensão da posse ou restrição do porte de armas .........................96
3.3.1.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida
..............................................................................................................................98
3.3.1.3 proibição de determinadas condutas....................................................99

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 103

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS...................................... 106


xi

RESUMO

A violência doméstica está inserida na sociedade desde


épocas remotas. Com o surgimento dos movimentos feministas, o problema veio
à tona no âmbito público, retirando-a da esfera exclusivamente privada e
reclamando atuação efetiva do Estado. A partir daí, passou a ter visibilidade e ser
tratada no âmbito do Direito Penal. Com a Constituição de 1988, começaram a
ser reconhecidos os direitos da mulher, abolindo-se, paulatinamente, dos textos
legais, discriminações e diminuições da condição feminina, com garantias cada
vez mais amplas. Contudo, a violência doméstica continua sendo um flagelo pelo
qual passam mulheres de todas as classes. A lei 9.099/95, ao implantar os
Juizados Especiais Criminais na tentativa de tornar mais célere o julgamento e
punição dos crimes de menor potencial ofensivo, não se mostrou eficaz.

A Lei 11.340/06 surgiu a partir do clamor social por uma


resposta especial à situação de absoluta falta de proteção a qual estiveram
sujeitas as mulheres que sofrem agressões no âmbito doméstico e familiar. Além
disso, veio como resposta aos compromissos internacionais assumidos pelo
Estado Brasileiro junto à OEA, no sentido de adotar uma legislação que
protegesse os direitos humanos das mulheres. Apesar de suas imperfeições,
deve ser interpretada de forma a garantir o seu objetivo principal: propiciar
proteção à mulher vítima de violência doméstica.
1

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a Violência


Doméstica e Familiar Contra a Mulher.

O seu objetivo é analisar aspectos penais e processuais


destacados da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, com uma análise do


ordenamento jurídico brasileiro desde as Ordenações Filipinas até os dias atuais,
onde se buscaram referências à violência doméstica e familiar contra a mulher.

No Capítulo 2, sob o título “A abrangência da expressão


violência doméstica pela redação da Lei 11.340/06”, fez-se um breve relato
acerca da origem da Lei em comento; tratou-se de definir conceitos necessários a
compreensão da referida Lei: violência de gênero, violência contra a mulher,
violência doméstica e familiar. Foram estudados os âmbitos de ocorrência da
violência doméstica e familiar contra a mulher, os sujeitos ativos e passivos, a
possibilidade de se considerar a empregada doméstica como vítima e a questão
das relações homoafetivas. Por último, tratou-se de verificar as formas de
violência descritas na Lei 11.340/06, abordando-se, com relação à violência
patrimonial, a questão da imunidade do artigo 181 do CP nos delitos patrimoniais
não violentos.

No terceiro e último capítulo, tratou-se de abordar aspectos


que a Autora julgou relevantes, seja por sua novidade ou pela polêmica
doutrinária estabelecida: a renúncia à representação, o retorno à ação penal
pública incondicionada nos crimes de lesões corporais praticados com violência
doméstica e familiar contra a mulher em razão do afastamento da aplicação da lei
9.099/95 ás situações descritas pela Lei 11.340/06, e as medidas protetivas de
urgência que obrigam o agressor e as conseqüências penais da desobediência à
ordem judicial que as conceder.
2

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as


Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre A Lei 11.340/06.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes


hipóteses:

 Até o advento da Lei 11.340/06 havia disposições no ordenamento


jurídico brasileiro para proteger a mulher vítima de violência
doméstica e familiar de forma eficaz;
 Os sujeitos ativo e passivo exclusivos considerados pela Lei
11.340/06 são, respectivamente, o homem e a mulher.
 A não recepção da Lei 9.099/95 pela Lei 11.340/06 acarreta o
retorno do crime de lesão corporal leve qualificado pela violência
doméstica e familiar contra a mulher como crime sujeito à ação
penal pública incondicionada.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase


de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as


Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica. As fontes utilizadas na pesquisa foram livros, revistas jurídicas e
artigos científicos colhidos na internet, tomando-se, em relação a estes, o cuidado
de selecionar de forma criteriosa as fontes e os autores.
3

CAPÍTULO 1

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA NA LEGISLAÇÃO PENAL PÁTRIA

1.1 HISTÓRICO

Notadamente a violência doméstica e familiar contra a


mulher é acontecimento constante, desde tempos imemoriais no seio das
sociedades. Saliba e Saliba6 consideram que “A violência contra a mulher não é
um ponto isolado na história, mas sim fruto de um processo cultural da sociedade
moderna”.

A violência afeta mulheres de todas as idades, raças e


classes sociais e tem graves repercussões na sociedade. Agravos à saúde física
e mental, dificuldades no emprego, na aprendizagem, riscos de prostituição, uso
de drogas e outros comportamento de risco. Conforme relata Schraiber7, nas
populações de várias partes do mundo, e em diferentes culturas, um grande
número de mulheres relata que já foi agredida física, psicológica ou sexualmente,
pelo menos uma vez na vida.

Comum, mas não por isto menos revoltante, é o vergonhoso


ditado popular: “mulher gosta de apanhar”. A sociedade reproduz suas práticas e
as expressa na linguagem, chegando a ponto de cruelmente, zombar da
dificuldade que tem a mulher em denunciar a violência sofrida e o seu agressor e
de levar a efeito a proteção legal de seus direitos sufocados pelo manto da
desigualdade social histórica.

6
SALIBA, Maurício Gonçalves; SALIBA, Marcelo Gonçalves. Violência doméstica e familiar –
Crime e castigo: lei n° 11.340/06. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, n.
12, p. 50-52, Porto Alegre, jun./jul. 2006.
7
SCHRAIBER, Lilia Blimer; d’OLIVEIRA, Ana Flávia Lucas Pires. Violência contra mulheres:
interface com a saúde. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. v. 3, n.5, 1999.
Disponível em: <http://www.interface.org.br/revista5/ensaio1.pdf> Acesso em: 11 set. 2007.
4

Iniciando-se o presente estudo, parte-se da busca na


legislação brasileira de referências à violência doméstica e familiar contra a
mulher, desde o período colonial até a promulgação do Código Penal de 1940,
inclusive com as alterações que ocorreram até a presente data.

1.2 PERÍODO COLONIAL

1.2.1 O rigor nas punições em geral

À época do Descobrimento, estavam vigentes em Portugal


as Ordenações Afonsinas, que foram consideradas pelos seus contemporâneos
como um marco fundamental no direito português. Contudo, verifica-se que as
Ordenações Afonsinas não tiveram nenhuma aplicação no Brasil, pois ainda não
havia aqui nenhum núcleo colonizado.

No ano de 1521, entraram em vigor as Ordenações


Manuelinas, que tiveram aplicação pouco significativa, tendo em vista que
somente no ano de 1532 foi fundada a primeira cidade - São Vicente. Entre 1534
e 1536, houve a divisão do território em capitanias hereditárias. Confirma
Pierangelli8:

As legislações Afonsinas não chegaram a influir no Brasil,


ressalvadas as disposições que foram enxertadas nas
Ordenações Manuelinas. Estas sim, embora fossem escassos os
agrupamentos, todos localizados na faixa litorânea, chegaram a
ter alguma aplicação no período das capitanias hereditárias, [...].

Zaffaroni9 relata que, em 1603, ano em que foram


promulgadas as Ordenações Filipinas, já havia povoados organizados na colônia,
mas somente em 1609 foi organizada a administração da justiça no território
brasileiro, com a criação da Relação da Bahia. Por estas razões, afirma o autor

8
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Jalovi,
1980. p.7.
9
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:
parte geral. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 201.
5

que o Direito Penal que efetivamente vigorou no Brasil Colônia foi o Livro V das
Ordenações Filipinas.

Neste sentido, Pierangelli10 narra a seqüência das


codificações portuguesas que disciplinaram a matéria penal no Brasil:

As normas penais que vigoraram no Brasil a partir do


Descobrimento estão contidas no Livro V das Ordenações do
Reino. Nessa época, estavam vigentes em Portugal as
Ordenações Afonsinas, cujo texto foi composto por ordem de Dom
João I, tendo os trabalhos sido concluídos no ano de 1446. A
partir de 1521, passam a viger em Portugal e, conseqüentemente,
no Brasil, as Ordenações Manuelinas, fruto de um trabalho de
revisão que durou 26 anos, por Ordem de Dom Manuel, “o
Venturoso”. Em 1603, já sob o reinado de Felipe II, foram
publicadas em Portugal as Ordenações Filipinas, fruto de uma
nova estruturação dos códigos anteriores, a qual iniciara por
ordem de Felipe I. Com a restauração da monarquia Portuguesa,
houve a revalidação destas normas no ano de 1643, por Dom
João VI, as quais permaneceram vigentes até o ano de 1830, com
a promulgação do Código Criminal.

Marques11 corrobora a assertiva:

Foram elas o grande código do Brasil colonial, e persistiram em


parte como lei do Brasil independente em longevidade
impressionante e singular. Se, após a restauração da
independência portuguesa, as Ordenações foram confirmadas por
lei de 29 de janeiro de 1643, de El-Rei D. João VI, no Brasil,
determinava D. Pedro I, em lei de 20 de outubro de 1823, que as
ditas Ordenações ficassem “em inteiro vigor na parte em que não
tiverem sido revogadas, para por elas se regularem os negócios
do interior do Império.”

Os autores que tratam sobre a legislação penal do livro V


das Ordenações Filipinas referem-se, em uníssono, às crueldades, barbáries e,
por que não dizer, verdadeiros absurdos, que eram legitimadas pelo diploma.

10
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 07.
6

Zaffaroni12 usa as palavras de Batista Pereira para sintetizar


o conteúdo do Livro:

[...] era um misto de despotismo e de beatice, uma legislação


híbrida e feroz, inspirada em falsas idéias religiosas e políticas,
que, [...] confundia o crime com o pecado, e absorvia o indivíduo
no Estado fazendo dele um instrumento. Na previsão de conter os
maus pelo terror, a lei não media a pena pela gravidade da culpa;
[...] Assim, a pena capital era aplicada com mão larga; abundavam
as penas infamantes, como o açoite, a marca de fogo, as galés, e
com a mesma severidade com que se punia a heresia, a
blasfêmia, a apostasia e a feitiçaria, eram castigados os que, sem
licença de El-Rei e dos Prelados, benziam cães e bichos, e os que
penetravam nos mosteiros para tirar freiras e pernoitar com elas.
[...] A este acervo de monstruosidade outras se cumulavam: a
aberrância da pena, o confisco dos bens, a transmissibilidade da
infâmia do crime.

Mas as descrições acerca da rigidez das punições e dos


abusos cometidos vão além, conforme Marques13 relata:

[...] de todos é sabido o rigor e iniqüidade do livro V das


Ordenações. O legislador ali ‘só teve em vista conter os homens
por meio de terror, [...]. Penas crudelíssimas eram cominadas a
infrações muitas vezes sem maior importância. E o catálogo de
delitos era tão extenso que um rei africano estranhou, ao lhe
serem lidas as Ordenações, que nelas não contivesse pena para
quem andasse descalço.

Outro aspecto digno de registro é a desigualdade com que


eram tratadas as pessoas perante a lei, que conferia privilégios ou punições
conforme a posição social do agente ou da vítima.

Nesse sentido, é o que registra Falconi14:

11
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. v. I. Campinas: Millennium, 2002, p. 90.
12
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro: parte geral. p. 199.
13
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. p 90.
7

[...] o fato criminoso era considerado mais em razão do agente,


ativo e passivo, do que como circunstância de desequilíbrio social.
Assim, quanto mais importante fosse a vítima, maior seria o risco
da pena contra o criminoso. Doutra parte, quanto mais importante
fosse o criminoso, maiores as chances da impunidade. Havia, até
mesmo, condutas que eram “crime” para alguns, não o sendo para
outros.

Marques15 também referencia as desigualdades


perpetradas:

Além de bárbaras e atrozes, as penas eram desiguais: influía na


sanção a qualidade ou a condição da pessoa, pois se puniam
diversamente os nobres e os plebeus. A arbitrariedade também
imperava no tocante à aplicação da pena, como se vê no título 1º,
em que se mandava punir os hereges com as penas determinadas
pelo Direito, mas sem esclarecer qual era esse direito aplicável.

Dotti16 faz coro com os demais ao informar:

As Ordenações Filipinas [...] desvendaram durante dois séculos a


face negra do Direito penal. Contra os hereges, apóstatas,
feiticeiros, blasfemos, benzedores de cães e demais bichos, sem
autorização do rei, e muitos outros tipos pitorescos de autores,
eram impostas as mais variadas formas de suplícios com a
execução das penas de morte, de mutilação e da perda da
liberdade, além das mediadas infamantes. Mas, em contraste com
uma tipologia de agentes marcada por ferro em brasa, existiam as
categorias privilegiadas de sujeitos que gozavam de imunidade ou
especial tratamento punitivo: fidalgos, cavalheiros,
desembargadores, escudeiros, etc.

Zaffaroni17, por fim, observa que ainda não era utilizado


pelos legisladores o princípio da legalidade (nullum crimen nulla poena sine lege).

14
FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. São Paulo: Ícone, 2002. p. 56.
15
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. p. 91.
16
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2 ed. Rio de janeiro: Forense, 2005. p.
182.
8

Desta forma, a lei cominava para alguns delitos a “pena crime arbitrária”, que era
aplicada pelo julgador conforme lhe parecesse razoável.

Foi neste panorama jurídico que estiveram inseridos os


habitantes do Brasil colonial. A partir desta constatação, passa a ser verificado o
tratamento dispensado pela lei aos atos violentos praticados contra a mulher
durante o período.

1.2.2 O tratamento legal da violência doméstica nas Ordenações Filipinas

Encontram-se no Livro V das Ordenações Filipinas exemplos


veementes do poder que o homem tinha sobre a mulher, poder este que se
caracterizava pela posse ampla de seu corpo e pela sujeição da mulher ao arbítrio
do pai, do irmão, do marido etc. Desta forma, o homem tinha o direito legítimo,
garantido pela lei, de castigar a sua mulher, desde que, para isso, não utilizasse
arma, conforme o Título XXXVI18 do referido Diploma:

Das penas dos que Matão, ferem ou tirão arma de Corte. [sic]
[...] E estas penas não haverão lugar no que tirar arma, ou ferir
em defensão de seu corpo e vida, nem nos escravos captivos que,
com páo, ou pedra ferirem, nem na pessoa, que for de menos
idade de quinze annos, que sem qualquer arma ferir, ou matar,
ora seja captivo, ora fôrro [...], nem em quem castigar criado, ou
discípulo, ou sua mulher, ou seu filho, ou seu scravo, [...].
Porém, se em castigando ferirem com arma, não serão relevados
das ditas penas. (grifo nosso).

O cometimento de adultério pela mulher dava ao marido o


direito de matá-la, assim como ao adúltero, conforme o título XXXVIII19:

Do que matou sua mulher, pola achar em adulterio.


Achando o homem casado sua mulher em adulterio, licitamente
poderá matar assim a ella, como o adultero, salvo se o marido for

17
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro: parte geral. p.199.
18
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 42.
19
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 42.
9

peão, e o adultero Fidalgo, ou nosso Dezembargador, ou pessoa


de maior qualidade. Porém, quando matasse alguma das
sobreditas pessoas, achando-a com sua mulher em adulterio, não
morrerá por isso mas será degradado para África [...].
1. E não somente poderá o marido matar a sua mulher e o
adultero, que achar com ella em adulterio, mas ainda os póde
licitamente matar, sendo certo que lhe cometerão adulterio; e
entendendo assi provar, e provando depois o adulterio per prova
licita e bastante conforme á Direito, será livre sem pena alguma
[...].

O artigo citado é corolário da desigualdade de tratamento


entre as pessoas, pois conferia flagrante diferença entre peões e fidalgos. E ainda
deixava claro que o marido não precisava constatar a flagrância do “crime”: se
tivesse certeza do adultério, mesmo sem ter surpreendido o ato, ainda assim
estava autorizado a matar a adúltera e o adúltero, salvo se este possuísse
qualidade social superior à do marido traído (“Fidalgo, nosso Dezembargador ou
pessoa de maior qualidade”).

Mas a lei ia ainda mais longe, praticamente obrigando o


homem a matar sua mulher pelo ato de infidelidade, tendo em vista que não era
permitido ao marido perdoar sua esposa nestas condições, conforme o Título
XXV, §920:

Do que dorme com mulher casada:


[...] 9. E sendo provado, que algum homem consentio a sua
mulher, que lhe fizesse adultério, serão elle e ella açoutados com
senhas capellas de cornos, e degradados para o Brazil, e o
adultero será degradado para África, sem embargo de o marido
lhes querer perdoar.

O mesmo livro ainda estabelecia diferença exorbitante em


relação ao adultério cometido pelo homem: este seria punido apenas se
possuísse uma amante, não fazendo a lei nenhuma referência em casos de
infidelidade esporádica. E ia além: nestes casos, o homem sofria apenas o
degredo e penas pecuniárias, enquanto à “barregã” eram infligidas penas de

20
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 34.
10

“açoute pela Villa com baraço e pregão”, degredo e penas pecuniárias, conforme
o titulo XXVIII: Dos barregueiros casados e de suas barregãas21.

Em relação à violência sexual, não havia distinção se o


homem “dormisse per força” com a mulher se ela fosse familiar, ou estranha, ou
escrava, ou criada, conforme o Titulo XVIII22.

Ainda, segundo o Titulo XVII [sic], se o homem “dormisse


com parentes ou affins”, ambos seriam condenados à fogueira e “feitos per fogo
em pó”. As penas para este crime variavam, conforme o grau de parentesco,
desde a fogueira, a “morte natural”, o degredo para Africa ou Brazil, cada um para
“differentes capitanias” e para Castro Marim, até o “baraço e pregão”, além do
perdimento de bens para a Coroa. A única ressalva para a vítima de violência
sexual doméstica era no caso de ela ser menor de treze anos ou se viesse “logo
queixar e descobrir ás Justiças”. Nestes casos, seria ela “relevada de todas as
penas, que pelo dito crime podia merecer”23.

Em um contexto social em que a mulher vivia atrelada à


autoridade do pai, do irmão, do marido ou daquele que lhe provesse o sustento,
questiona-se a possibilidade real de a vítima reagir ou negar-se diante do
comportamento lascivo de seu agressor.

Assim, observa-se que a mulher que sofresse abusos


sexuais dentro do ambiente doméstico, além de não ser considerada como vítima,
era elevada à categoria de agente do delito, sofrendo as mesmas penas que o
seu agressor, a menos que, contrariando o poder patriarcal, se expusesse ao
arbítrio da (in)justiça, numa época em que a mulher era “demonizada”, vista como
culpada pelo desejo lascivo do homem, verdadeira encarnação da tentação, à
qual tinha o homem que resistir a qualquer custo.

21
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 36.
22
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 29.
23
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 28-29.
11

Acerca da situação social da mulher na Idade Média, Porto24


observa:

Nesta era, a mulher foi muito vitimizada, não apenas pelo homem
– marido, pai e irmãos – como ainda pelas religiões, pois, sobre
sua natureza feminina, tida como o portal dos pecados, muitas
vezes pesaram acusações de bruxaria e hermetismos heréticos
que as levaram a tortura e a fogueira.

O mesmo autor salienta que não obstante a igualdade


pregada por Paulo de Tarso na Epistola aos Gálatas, onde declamava que diante
da comum filiação divina “já não há nem judeu nem grego, nem escravo nem livre,
nem homem nem mulher” (grifo do autor), a mensagem cristã não conseguiu
combater a desigualdade, tendo em vista que na sociedade medieval valia o
argumento de que esta igualdade entre os homens ocorria somente no plano
sobrenatural, verificando-se após a morte.

Não foi encontrada, na pesquisa sobre a legislação penal do


período colonial, nenhuma referência aos conceitos “violência de gênero”,
“violência doméstica” e “violência contra a mulher”, nem tampouco qualquer
disposição legal que conferisse proteção à mulher em face de qualquer tipo de ato
violento no ambiente doméstico ou em razão de convivência familiar ou afim.

1.3 PERÍODO IMPERIAL

1.3.1 O Código Criminal do Império

O Brasil se tornou independente de Portugal no ano de


1822. Contudo, conforme informa Falconi25, a antiga legislação penal do Império
não foi revogada imediatamente: O artigo 179, §18, da Constituição de 1824,
impôs a organização de “um Código Criminal, fundado nas sólidas bases da
justiça e da equidade”. Conforme se citou anteriormente, Esta mudança somente

24
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher: lei
11.340/06 – análise crítica e sistêmica. São Paulo: Livraria do Advogado, 2007. p. 14.

25
FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal.
12

veio a ocorrer em 1830, na data de 16 de dezembro, com a promulgação do


Código Criminal do Império.

Para Falconi26, o novo diploma penal foi “calcado quase que


exclusivamente nos padrões da Revolução Francesa, que era a grande
coqueluche da época”.

Pierangelli27 ainda assinala que o Diploma teve fortes


influências das idéias iluministas e foi considerado uma grande inovação
legislativa, exercendo influência sobre as posteriores codificações penais de
vários países da América Latina.

Edgard Costa, apud Marques28, registra que o estatuto


criminal de 1830 “foi, na América Latina, o primeiro Código Penal independente e
autônomo, efetivamente nacional e próprio; a sua influência sobre a legislação
espanhola e, através desta, sobre a dos países latino-americanos, foi forte e
acentuada”.

1.3.2 O tratamento legal da violência doméstica no Código Criminal do


Império

Neste diploma, desapareceu a nefasta previsão legal que


permitia ao homem castigar fisicamente a mulher. Com relação ao crime de
adultério, também desapareceu a permissão que era dada ao marido traído de
matar a adúltera e o adúltero. Contudo, continuou a diferenciação: o artigo 25029
do referido Código estabelecia que, para que a mulher sofresse as penas do
crime adultério, bastava que cometesse um episódio de infidelidade isolado,
enquanto ao homem eram aplicadas as penas, somente se tivesse “concubina,
teúda e manteúda”. Surgiu, no artigo 16, § 6º30, uma “circumstancia aggravante”
que podia dar ensejo à majoração da pena no caso de violência perpetrada contra

26
FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. p. 61.
27
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 8.
28
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. p. 96.
29
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 250.
30
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 169.
13

pessoa que estivesse sem condições de reagir à altura da agressão: “§ 6º. Haver
no delinquente [sic] superioridade em sexo, forças ou armas, de maneira que o
offendido não pudesse defender-se com probabilidade de repelir a offensa”.

No que tange à violência sexual, no caso do crime de


estupro, previsto no artigo 219, a pena era dobrada se aquele que cometesse o
estupro tivesse em seu poder ou guarda a “deflorada”, conforme o artigo 220 do
mesmo Diploma.31

Não se verificou nenhuma referência com relação aos


termos violência de gênero, violência doméstica ou violência contra a mulher”. Os
crimes relacionados à lesão corporal (“ferimentos”) tinham tratamento genérico,
assim como o homicídio.

Segundo o artigo 192, ao homicídio cometido com as


agravantes mencionadas no artigo dezesseis “numeros dous, sete, dez, onze,
doze, treze, quatorze e dezessete”, as penas cominadas iam desde 20 anos de
prisão à pena de morte. Se o crime não fosse cometido com estas agravantes, a
pena era mais branda: ia desde 6 anos de prisão com trabalho a “galés
perpetuas”. Destarte, depreende-se da leitura destes artigos que, se um homem
matasse sua mulher, sofreria pena menor do que se, por exemplo, tivesse matado
qualquer vítima a ele estranha, arrombando, para isto, a sua casa.

1.4 PERÍODO REPUBLICANO

1.4.1 O Código Penal de 1890

Com a abolição da escravatura, no ano de 1888, a


legislação penal pátria sofreu diversas alterações, as quais geraram a
necessidade de revisão das normas penais vigentes.

Por ocasião da Proclamação da República, em 1889, foram


interrompidos os trabalhos de revisão já iniciados, sendo retomados por ordem de
Campos Sales, à época Ministro da Justiça do Governo Provisório; a 11 de

31
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 243.
14

outubro de 1890, foi promulgado o Código Penal Brasileiro, chamado “Código


Penal de 1890”, com vacatio legis de seis meses, conforme noticia Marques32.

A obra recebeu fortes críticas de diversos juristas, tendo sido


apresentado à câmara de Deputados um projeto de reforma já no ano de 1893
(apenas três anos após a sua promulgação).

Nesse sentido, é o que registra Falconi33:

Foi o pior de tantos outros quantos tenhamos tido, somente tendo


sido aprovado por razões políticas do momento. É que, com o
advento da Proclamação da República, havia necessidade
premente de cambiar o sistema normativo, evitando, assim, que o
movimento republicano se transformasse em um “golpe de
Estado”, que é muito diferente de uma verdadeira revolução. No
primeiro caso, trocam-se os governantes; no segundo, trovam-se
as leis. [...] De tão fraco que era, já em 1893 havia em
desenvolvimento o Projeto “Vieira Araújo”.

Pierangelli34 lembra que o Diploma, apesar da profunda


desaprovação e das idéias reformistas dos juristas da época, recebeu, aos
poucos, na tentativa de sanarem-se os seus defeitos e lacunas, alterações e
aditamentos através de leis esparsas, que passaram por uma compilação. Esse
corpo de dispositivos passou, já no governo de Getúlio Vargas, a se chamar
Consolidação das Leis Penais.

1.4.1.1 O tratamento da violência doméstica no Código Penal de 1890

No Código penal de 1890, verificou-se que o adultério


continuava a ter o mesmo tratamento dado pela legislação anterior (artigos 279,
280 e 281)35.

32
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal.
33
FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. p. 61
34
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 10.
35
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 301.
15

Foi mantida, como circunstância agravante, a “superioridade


em sexo, força ou armas”, conforme o artigo 39, § 5º36.

O parágrafo 9º do mesmo artigo trouxe uma inovação, ao


estabelecer como agravante a circunstância de a vítima ser o “ascendente,
descendente, conjuge, mestre, discipulo, tutor, tutelado, amo, domestico, ou de
qualquer maneira legitimo superior ou inferior do agente”37, indicando,
implicitamente, circunstâncias de relação de convivência doméstica entre a vítima
e o agressor. O crime de homicídio (artigo 29438), quando cometido com esta
agravante, passava a ter tratamento penal mais severo, com penas maiores.

Os crimes de violência carnal (artigos 266, 267 e 268 -


atentado violento ao pudor e estupro) e rapto (artigo 270), tinham suas penas
aumentadas se houvesse entre o agente e a vítima relações familiares ou
domésticas39:

Art. 273. As penas estabelecidas para qualquer destes crimes


serão applicadas com augmento da sexta parte:
3.º, se fôr criado ou domestico da offendida, ou de pessoa de sua
família.
E com augmento da quarta parte:
4.º, se for ascendente, irmão ou cunhado da pessoa offendida;
5.º, se for tutor, curador, encarregado da sua educação ou guarda,
ou por qualquer outro titulo tiver autoridade sobre ella.
Paragrapho único. Além da pena, e da interdição, em que
incorrerá também, o ascendente perderá todos os direitos que a
lei lhe confere sobre a pessoa e bens da offendida.

Apesar das inovações demonstradas na legislação penal em


análise, não se encontrou no corpo de seus dispositivos nenhuma menção aos
vocábulos “violência de gênero”, “violência doméstica”, ou, ainda, “violência contra
mulher”.

36
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 273.
37
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 273.
38
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 302-303.
39
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 299-300.
16

1.4.2 A Consolidação das Leis Penais

Entre 1932 e 1940, passou a vigorar a Consolidação das


Leis Penais, que segundo Falconi40, “tratou-se de uma compilação e, sendo
assim, Vicente Piragibe não criou nada de novo, limitando-se a juntar toda a
legislação existente numa obra literária”.

Nessa esteira, oportuno inserir a descrição do autor sobre o


Diploma:

[...] essa miscelânea que foi a Consolidação da Lei Penal [sic],


que não tinha estrutura de lei, pois era apenas uma obra feita para
pesquisadores, a nível de direito comparado, [...], e não para
aplicação como se lei fosse. Louve-se o trabalho de Vicente
Piragibe como estudioso do Direito Penal, mas como legislador
jamais. Até porque, essa não era a sua intenção. Uma obra
literária tem seus parâmetros; uma norma jurídica tem
necessariamente que obedecer certos critérios de elaboração;
imagine-se então um conjunto de normas jurídicas enfeixadas em
um só diploma.

Mas não levou muito tempo até que entrasse em vigor um


Código Penal bem elaborado. A Consolidação das Leis vigeu por apenas oito
anos, sendo, em seguida, substituída pelo Código penal de 1940.

1.4.2.1 O tratamento legal da violência doméstica na Consolidação das Leis


Penais
Na análise do diploma em epígrafe não foi observada
nenhuma inovação no tocante aos crimes que envolviam violência doméstica e
familiar contra a mulher.

40
FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. p. 64.
17

Tendo em vista a sua curta vigência e a forma como foi


elaborado, não poderia a Consolidação comportar significativas alterações a
respeito de temas de tal relevância.

1.4.3 O Código Penal de 1940

A partir da instauração do Estado Novo, em 1937, começam


os trabalhos de elaboração de um anteprojeto de código penal, o qual foi
sancionado em 1940, tendo entrado em vigor em 1942. O Código está em vigor
até hoje. Conforme informa Marques41: “as qualidades, no vigente estatuto penal,
superam seus defeitos. [...] é obra que honra nossa cultura jurídica e que já tem
merecido boas referências e lisonjeiros qualificativos da crítica estrangeira”.

Como salienta Pierangelli42:

O Código de 1940 possui defeitos, como não poderia deixar de


ocorrer, os quais foram demonstrados durante os seus trinta e
sete anos de aplicação. Verdade, porém, é que constitui obra que
enaltece a cultura jurídica de nosso país e tem merecido elogiosas
referências da crítica estrangeira.

Digna de evidencia é a nova estruturação trazida pelo


referido diploma. Segundo Bittencourt43, os códigos anteriores revelavam a
“proeminência do Estado sobre a pessoa”, tendo em vista que na ordem de
disposição dos tipos penais, os crimes contra o Estado ocupavam o início da
Parte Especial. Somente com a promulgação do Código de 1940, os crimes
contra a pessoa passaram a ocupar o início do livro, recebendo, assim, a vida, a
merecida proeminência como bem jurídico. Enfim, notadamente, o legislador
passou a considerar o ser humano “como o epicentro do ordenamento jurídico,

41
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. p. 126.
42
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 12.
43
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 1.
18

atribuindo à pessoa humana posição destacada na tutela que o Direito Penal


pretende exercer”.

Acerca da ordem ocupada pelos tipos penais, Mirabete44


observa que a Parte Especial do atual Código Penal “está sistematizada de
acordo com a natureza e importância do objeto jurídico tutelado pelos tipos
penais”. Assim, passou o bem jurídico vida a ser reconhecido pelo legislador
penal como o bem mais importante a ser tutelado pelo Estado.

No ano de 1969, durante o governo de Jânio Quadros, foi


convertido em lei um novo projeto de código penal, que entraria em vigor em
1970. Contudo, sua vigência foi sendo prorrogada, até ser expressamente
revogada em 1978 pelo governo Geisel.

Falconi45 comenta os possíveis motivos da não vigência do


estatuto de 1969:

Não chegou a entrar em vigor, pois sofreu o maior “vacatio legis”


de que se tem conhecimento, sendo revogado, antes mesmo de
entrar em vigor, em 1977. Tendo sido encomendado em 1963, no
governo Jango, como poderia entrar em vigor nos governos
seguintes!!

O autor faz menção ao fato de que os governos militares que


tomaram o país em 1964 jamais dariam vigência a um diploma penal talhado
segundo uma ideologia política diametralmente oposta aquela que se impôs
durante os anos da ditadura.

1.4.3.1 O tratamento legal da violência doméstica no Código de 1940

O Código trouxe algumas inovações no tratamento aos


crimes que envolvem a mulher, como se demonstra a seguir:

44
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 2005. p.
41.
45
FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. p.65.
19

O crime de adultério passou a ser tratado de forma


isonômica em relação ao homem e à mulher, conforme se extrai do item 77 da
Exposição de Motivos do Projeto de Código Penal46:

O exclusivismo da recíproca posse sexual dos cônjuges é


condição de disciplina, harmonia e continuidade do núcleo
familiar. [...] Uma notável inovação contem o projeto: para que se
configure o adultério do marido, não é necessário que tenha e
mantenha concubina, bastando, tal como no adultério da mulher, a
simples infidelidade conjugal.

Ressalta-se o uso da expressão “posse sexual dos


cônjuges” [sic].

Observa-se, pela primeira vez, o termo relações domésticas,


inserido na Parte Geral, no artigo 4447, entre as circunstâncias agravantes:

Art. 44 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando


não constituem ou qualificam o crime:
II – ter o agente cometido o crime:

g) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações


domésticas, de coabitação ou de hospitalidade;

O artigo 48 trouxe como circunstâncias atenuantes os


motivos relevante valor social ou moral e a influência de violenta emoção,
provocada por ato injusto da vítima.48 E, no crime de homicídio (artigo 121),
encontram-se como casos de diminuição de pena expressões semelhantes às
atenuantes acima descritas:

Art. 121 – Matar alguém:


Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena:

46
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 77-78.
47
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 456.
48
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 457.
20

§ 1.º - se o agente comete o crime impelido por motivo de


relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta
emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Novamente, no artigo 129 § 4º (crime de lesão corporal),


encontram-se descritas, como causas de diminuição de pena, as circunstâncias
previstas no artigo supracitado.

É corriqueira a aceitação, ainda hoje, em nosso meio


jurídico, da utilização equivocada destas circunstâncias pelos homens (maridos,
namorados, companheiros) como justificativa para o cometimento de crimes
(homicídios, lesões corporais etc) contra suas mulheres, sob as mais diversas
alegações, entre elas a infidelidade.

1.4.3.2 A reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940

No ano de 1984, uma substancial modificação foi operada


com a reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940, através da Lei nº 7.209,
de 11 de julho de 1984, a qual subsiste até hoje. Contudo, não foi observada
nenhuma modificação que contemplasse inserção dos termos “violência de
gênero”, “violência doméstica” ou “violência contra a mulher” na descrição de um
tipo penal que viesse a dar proteção específica à mulher vítima de violência
doméstica.

Isso apesar de, desde a década de 70, conforme observa


Sabadell49, os movimentos feministas buscarem a conscientização dos diversos
setores da sociedade, a fim de erradicar a violência doméstica contra a mulher.
Esses movimentos consideravam que a violência doméstica, apesar de ocorrer no
âmbito privado, é um problema social; por isso, passaram a reivindicar o seu
tratamento político, exigindo uma atuação efetiva do poder público:

As feministas indicaram que a violência doméstica, apesar de


ocorrer no âmbito privado, é um problema social geral, e

49
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 840, p. 429-
456, out. 2005.
21

reivindicaram sua politização, considerando-a como problema


público (o privado é político!), revelando, deste modo, “a violência
da privacidade”, que reproduz a subordinação das mulheres, e
observando que “a retórica da privacidade permite mascarar a
desigualdade e a subordinação”.50

A mesma autora informa que o debate sobre o tema


enfrentou resistência até por parte de alguns grupos feministas, que preferiam
tratar de todas as formas de violência decorrentes do patriarcado, numa análise
mais abrangente sobre os “sutis e difusos mecanismos de dominação masculina”,
sob a alegação de que “a violência física, salvo o caso do estupro, não constituía
um problema central para as mulheres”. Contudo, como observa a autora, “não
obstante o desinteresse inicial e uma certa resistência ao tema, a problemática da
violência doméstica adquiriu visibilidade particular por meio da prática política dos
movimentos de mulheres que eclodiram neste período.”

Desses debates resultou um conceito de violência doméstica


tendente a ser ampliado, que passou a considerar, além da violência física, a
violência emocional e psíquica. A autora observa que:

No fim da década de 80, ampliou-se a discussão sobre violência


doméstica, com a introdução do tema na esfera do direito interno
e do direito internacional. [...] Por detrás da [...] eleição do termo
ampliar, oculta-se um árduo debate sobre a construção do
conceito de violência doméstica.

As diversas conceituações propostas muitas vezes


estenderam demasiadamente o conceito, dando margem a interpretações
errôneas e tendentes à manutenção da impunidade, pois dificultavam ao
legislador definir as condutas a serem criminalizadas. Segundo Sabadell51:

[...] a tendência à ampliação do conceito levou à inclusão de todas


as formas de violência que podem ocorrer no âmbito das relações

50
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
51
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
22

familiares, encontrando-se, nos anos de 1990, autores que


propunham abarcar ao conceito as agressões entre vizinhos e
amigos.

Em 1985 surgiu no Estado de São Paulo a primeira


Delegacia da Mulher e passaram a funcionar as primeiras casas de abrigo para
vítimas de violência doméstica.

Com a promulgação da CRFB, o ordenamento jurídico


brasileiro passou a considerar a violência doméstica como um problema a ser
tutelado pelo Estado, conforme previsto no artigo 226, § 8º52:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do


Estado.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de
cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a
violência no âmbito de suas relações.

Apesar deste avanço, a legislação penal em nada foi


modificada de imediato, continuando a demanda a ser ignorada pelo legislador,
conforme observa Sabadell53:

A análise feminista desvendou que os princípios constitucionais


que estruturam e legitimam o discurso jurídico carecem de eficácia
social, visto que, em todos os níveis da atividade jurídica
(legislação, dogmática, aplicação do direito), podem ser
identificados elementos que (re)produzem a discriminação da
mulher, o que contraria as promessas de liberdade e igualdade.

Conti54, ao propor a adoção de uma lei específica para a


violência doméstica, confirma o descaso em relação ao mandamento
constitucional:

52
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: 1988. Texto
consolidado até a Emenda Constitucional n° 55 de 20 de setembro de 2007. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/con1988/CON1988_20.09.2007/index.htm> Acesso em: 02 out.
2007.
53
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
23

Estas normas não estão sendo efetivamente cumpridas. A


legislação brasileira vigente não prevê tratamento especifico para
os casos de violência doméstica. Estas causas vão para a “vala
comum” dos crimes em geral, recebendo o mesmo tratamento
dispensado para os demais ilícitos penais.

E reconhece que, até o ano de 2002, o ordenamento jurídico


pátrio não cumpria a determinação constitucional, concluindo como “Imperiosa,
pois, a modificação da legislação em vigor para que se cumpra a Constituição e
promova-se o adequado tratamento legal para a violência doméstica”.

Em 1994, o Brasil assinou a Convenção de Belém do Pará55,


tendo feito o depósito de ratificação em novembro de 1995. O instrumento
reconheceu em seu preâmbulo que a violência contra a mulher constitui violação
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das mulheres. E estabeleceu
aos Estados-partes os seguintes deveres:

Artigo 7. Os Estados Partes condenam todas as formas de


violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios
apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e
erradicar tal violência e a empenhar-se em:
a. abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a
mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e
pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de
conformidade com essa obrigação;
b. agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a
violência contra a mulher;
c. incorporar na sua legislação interna normas penais, civis,
administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para
prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como
adotar as medidas administrativas adequadas que forem
aplicáveis;

54
CONTI, José Maurício. Violência doméstica. Proposta para a elaboração de lei própria e criação
de varas especializadas. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2785>. Acesso em: 28 fev. 2007.
55
ORGANIZAÇAO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher: Convenção de Belém do Pará. Disponível em:
<http://www.cidh.org/Básicos/base8.htm>. Acesso em: 07 abr. 07.
24

d. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se


abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer
uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua
vida ou integridade ou danifique sua propriedade;
e. tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para
modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar
práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a
persistência e a tolerância da violência contra a mulher;
f. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a
mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de
proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos;
g. estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários
para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo
acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de
compensação justos e eficazes;
h. adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias
à vigência desta Convenção.

Destaca-se, também no texto da Convenção, a previsão de


pessoa ou entidade não governamental apresentar denúncia ou queixa acerca de
violação cometida por um Estado parte:

Artigo 12. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer


entidade não-governamental juridicamente reconhecida em um ou
mais Estados membros da Organização, poderá apresentar à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições
referentes a denúncias ou queixas de violação do artigo 7 desta
Convenção por um Estado Parte, devendo a Comissão considerar
tais petições de acordo com as normas e procedimentos
estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos
e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de
petições.

Apesar de o Brasil ter se comprometido internacionalmente


através deste instrumento, não se articulou uma resposta adequada ao problema
da violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei 9.099/95, que instituiu os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais, poderia ter sido um instrumento jurídico
eficaz, mas não logrou êxito na prática, como se verá adiante.
25

1.5 O JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

No ano de 1995 (mais de um ano após a assinatura da


Convenção de Belém do Pará), entrou em vigor a Lei 9.099/95. O diploma
inaugurou o conceito de delito de menor potencial ofensivo, assim considerando
os crimes sancionados com pena privativa de liberdade não superior a dois anos.
Dessa forma, os crimes de lesão corporal leve em geral passaram a ser tratados
como delitos de menor potencial ofensivo, dando ensejo a aplicação de normas
processuais penais, procedimentais e relativas à execução da pena diferenciadas.
Um dos objetivos da Lei 9.099/95, segundo Sabadell56, é:

[...] oferecer melhores soluções aos conflitos sociais causados


pela prática delitiva, prevendo o emprego de procedimentos mais
ágeis para os crimes definidos como de menor potencial ofensivo.
Dentre estes procedimentos, destaca-se a possibilidade de
conciliação entre vítima e agressor (transação penal) e,
finalmente, a suspensão condicional do processo, desvinculando-
se, assim, da aplicação da pena privativa de liberdade.

Tendo em vista que o requisito para o enquadramento do


delito na Lei 9.099/95 é a pena privativa de liberdade cominada ao delito não ser
superior a dois anos, os crimes de lesão corporal em geral passaram a ser
processados e julgados nos juizados especiais criminais, inclusive aqueles
praticados com violência contra a mulher no ambiente doméstico. Por absoluta
falta de previsão legal especifica para esses casos, as normas despenalizadoras
previstas pelo diploma passaram a reger a maior parte destes conflitos, ainda que
inadequadamente, conforme aduz Sabadell57:

No que se refere à problemática das mulheres, uma parte


significativa dos casos atendidos pelas delegacias da mulher
referem-se aos crimes de lesão corporal leve e ameaça,

56
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
57
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
26

castigados com penas inferiores a dois anos, o que leva a


aplicação da lei 9.099/95.

Campos58 constata a absoluta incompatibilidade entre a Lei


9.099/95 e a Referida Convenção no tocante à violência contra a mulher:

[...] a Lei 9.099/95 está em completa dissonância com os


instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos das
mulheres, em espacial com a Convenção de Belém do Pará,
notadamente pela ausência de medidas que garantam sua
integridade física e emocional. [...] não compreendeu a natureza
diferenciada da violência doméstica. Essa (in)compreensão
jurídica tem como conseqüência a banalização da violência de
gênero.

Sabadell59 observa que a lei 9099/95 sofreu críticas desde o


início de sua vigência e que as pesquisas acerca da efetividade da norma
revelaram contradições dignas de nota:

[...] primeiro, a falta de eficácia das normas penais em casos de


violência doméstica com a interrupção do processo ainda em sua
fase preliminar [...], algo que é considerado, por muitas feministas,
como indicativo da banalização do conflito. Segundo, o aumento
expressivo de denúncias de violência doméstica nas delegacias
da mulher a partir da entrada dessa norma em vigor.

Conti60 ressalta as mesmas contradições, ao afirmar que a


lei 9.099/95 acabou gerando efeitos positivos e também negativos. Entre os
efeitos positivos, destaca:

[...] a possibilidade de realização de acordos que evitavam a


punição do agressor, o que permite sua recuperação sem se

58
CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência doméstica e juizados especiais
criminais: análise desde o feminismo e o garantismo. Revista de Estudos Criminais, Porto
Alegre, n. 19, p. 53 a 65, jul./set. 2005.
59
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
60
CONTI, José Maurício. Violência doméstica. Proposta para a elaboração de lei própria e criação
de varas especializadas. Jus Navigandi.
27

sujeitar a penas severas, como a privação de liberdade, que


muitas vezes acabava por prejudicar a própria família do agressor,
aumentava a litigiosidade entre as partes e dificultava uma
desejável reconciliação e recuperação do infrator.”

E em seguida, observa a falta de efetividade da referida lei


nos casos em que havia a necessidade de uma atuação mais rígida do Estado:

[...] este diploma legal, na tentativa de dar maior agilidade e


eficiência a Justiça, [...], ao mesmo tempo que produziu os
resultados esperados em várias situações, gerou efeitos colaterais
perversos. O agressor passou a se beneficiar de uma legislação
mais tolerante e, com isto, viu-se aumentar a dificuldade para
puni-lo com severidade e afastá-lo do convívio familiar, em casos
nos quais esta seria a solução adequada.

Eliana J. Munhós Ferreira, prefaciando a obra de Souza61,


acerca da falta de efetividade da referida lei, observa:

A lei 9.099/95, [...], imbuída das melhores intenções do legislador


naquele momento, teve o sentido de agilizar a atuação judicial,
reduzir conflitos judicializados, estimular as composições
amigáveis e aliviar o sistema penitenciário, mas acabou por se
revelar um instrumento de impunidade nos caos de violência
doméstica [...].

De maneira idêntica posiciona-se Souza62, concluindo pela


“total ineficiência do sistema da lei 9.099/95”.

Robaldo63, neste sentido, observa que “a violência contra


mulher era solucionada com cestas básicas ou buquê de flores.”

61
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher: lei
Maria da Penha 11.340/2006. Curitiba: Juruá, 2007. p. 14.
62
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
31.
63
ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Lei Maria da Penha: alguns aspectos relevantes.
Disponível em:
<http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20061024124609147&mode=print> Acesso
em: 28 fev. 2007.
28

Campos64 também critica a aplicação da Lei 9099/95 aos


casos de violência contra a mulher:

A lei considera como de menor potencial ofensivo os crimes cuja


pena máxima não ultrapasse dois anos. Assim, a potencialidade
da ofensa é medida pela quantidade de pena cominada. O critério
adotado pela lei desrespeita a valoração normativa do bem
jurídico tutelado e, se aplicada indistintamente aos casos de
violência conjugal, implica a negação da tutela jurídica os direitos
fundamentais das mulheres.

Em seguida, observa que a categoria “não incorpora o


comprometimento emocional e psicológico e os danos morais advindos de relação
marcada pela habitualidade de violência”65 e conclui como “pejorativa” a
adjetivação da violência doméstica como crime de menor potencial ofensivo66:

[...] ao não ser utilizado o critério do bem jurídico [...], para definir
quais seriam os crimes de menor potencial ofensivo, [...] foram
criadas situações absolutamente paradoxais, como é o caso de
adjetivar a maioria doa casos de violência doméstica como
“crimes menores”.

Verifica-se que a Lei dos Juizados Especiais foi duramente


criticada pelos aplicadores do Direito em relação à sua limitação em resolver a
violência doméstica, pois abordou de forma indistinta situações totalmente
específicas. A Lei 10.455/02 trouxe uma tentativa de dar um tratamento
processual mais adequado aos casos que envolviam violência doméstica, como
se trará a lume a seguir.

1.6 A LEI 10.455/02

64
CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência doméstica e juizados especiais
criminais: análise desde o feminismo e o garantismo. Revista de Estudos Criminais.
65
CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência doméstica e juizados especiais
criminais: análise desde o feminismo e o garantismo. Revista de Estudos Criminais
66
CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência doméstica e juizados especiais
criminais: análise desde o feminismo e o garantismo. Revista de Estudos Criminais.
29

Em 2002, através da Lei nº 10.455, foi acrescentado ao


parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099/95 a previsão de uma medida cautelar
de natureza penal que previa o afastamento do agressor do lar conjugal na
hipótese de violência doméstica:

Art. 1o O parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099, de 26 de


setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 69 ..................................................................
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo,
for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o
compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em
flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica,
o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu
afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
vítima."(NR)67

Sabadell68 identifica a Lei 10.455/02 como sinal de que o


legislador foi “paulatinamente ocupando-se da questão da violência doméstica”.
Todavia, a autora questiona a utilidade do texto legal, ao afirmar: “Ora, a lei não
definiu o que se entendia por violência doméstica, dificultando a aplicação do
referido artigo”.

1.7 A LEI 10.778/03

Somente em 2003, a partir da entrada em vigor da Lei


10.77869, há no ordenamento jurídico brasileiro a primeira referência ao conceito
de violência contra a mulher, derivado da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em
1995, conforme exposto anteriormente. Além da conceituação, o diploma trouxe
em seu bojo a obrigatoriedade da notificação compulsória dos casos de violência
doméstica atendidos na rede de serviços de saúde:

67
BRASIL. Lei 10.455, de 13 de maio de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2002/L10455.htm>. Acesso em: 26 maio 2007.
68
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
69
BRASIL. Lei 10.778, de 24 de novembro de 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10.778.htm>. Acesso em: 26 maio 2007.
30

Art. 1o Constitui objeto de notificação compulsória, em todo o


território nacional, a violência contra a mulher atendida em
serviços de saúde públicos e privados.
§ 1o Para os efeitos desta Lei, deve-se entender por violência
contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero,
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico
à mulher, tanto no âmbito público como no privado.
§ 2o Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência
física, sexual e psicológica e que:
I – tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em
qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou
haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que
compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso
sexual;
II – tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer
pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual,
tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição
forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem
como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou
qualquer outro lugar; e
III – seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes,
onde quer que ocorra.
§ 3o Para efeito da definição serão observados também as
convenções e acordos internacionais assinados pelo Brasil, que
disponham sobre prevenção, punição e erradicação da violência
contra a mulher.

Apesar do grande avanço no tocante à conceituação, o


diploma comporta deficiência, como alerta Sabadell70: “[...] é necessário destacar
falta de concretude dessa definição, pois ela não esclarece o termo “gênero”“.

Vergners, citado por Sabadell71 observa que “a norma adota


um conceito muito amplo ao referir-se a violência contra a mulher causada em
razão do gênero”.

Sabadell72 esclarece:

70
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
71
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
31

Ocorre que o legislador nacional recebeu influência da legislação


internacional e acabou incidindo nos mesmos erros do legislador
internacional. [...].
Examinando a definição dada pela Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher de
1994, [...], verificamos que a referida definição do legislador pátrio
[...] é praticamente idêntica àquela usada pela Convenção. [...]
A imitação do legislador internacional chega ao ponto de a Lei
10.455/2002 se referir à “violação”, apesar da inexistência de tal
crime na legislação brasileira!73

A autora observa, ainda, que se trata de um “empréstimo


jurídico”, pois houve assimilação voluntária de normas de direito internacional,
costume que, na sua visão, acarreta imperfeições no texto legal, pois não se
atende a “necessidade de adaptação ao contexto nacional”. Assim, a referida Lei
“não estabeleceu o conceito de violência doméstica, de forma a suprir a lacuna
criada pela lei10.455/2002”. 74

1.8 A LEI 10.886/04

Em 2004, com a edição da Lei nº 10.88675, houve uma


modificação no artigo 129 do Código Penal, que passou a prever uma pena
mínima aumentada de 3 para 6 meses no caso de lesão corporal leve decorrente
de violência doméstica. Além disso, o legislador apresentou um novo tipo penal,
denominado expressamente “violência doméstica”:

Art. 1o O art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de


1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§
9o e 10:
"Art. 129. ...............................................................

72
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
73
A autora referiu-se equivocadamente à Lei 10.455/02, pois o termo violação não conta desse
diploma, mas da Lei 10.778/03, no §2° do artigo 1°.
74
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
75
BRASIL. Lei 10.886, de 17 de junho de 2004 Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.886.htm>. Acesso em: 26
maio 2007.
32

Violência Doméstica
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente,
irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha
convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as
circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se
a pena em 1/3 (um terço)." (NR)

Jesus76 observa que, apesar de ter o legislador aumentado a


pena mínima cominada para 6 meses de detenção, em nada se alterou a situação
a violência doméstica na prática, tendo em vista que o insignificante aumento de
pena em nada modificou de fato o destino dos agressores:

[...] uma vez que o fato, por exemplo, de o marido agredir a


esposa, ferindo-a, continua a ser tratado da mesma maneira. Em
face disto, ficou integralmente frustrado o objetivo da lei que [...],
desejava tornar mais seria a prática de violência contra a mulher.
[...] Não houve, pois, mudança de relevo. [...] a modificação
legislativa foi praticamente inócua, tornando-se urgente a
atualização da Lei 10.886/2004. [...] Enquanto isso, nossas
mulheres continuam apanhando impunemente de seus maridos.

Assim, na mesma esteira das legislações antecedentes, a


Lei 10.886/2004 vem eivada de imperfeição, tendo em vista que o texto não mais
prevê a violência doméstica sofrida exclusivamente pela mulher, conforme explica
Sabadell77:

[...], aceitando-se que se trate de uma definição, devemos dizer


que se refere a pessoas que, por manter um vínculo especial com
a vítima, ao praticarem violência física incidem no referido tipo
penal. Entretanto, esse vínculo não se limita à situação de (atual
ou anterior) matrimônio, união estável ou namoro entre a vítima e
o agressor. As expressões empregadas no § 9º permitem concluir

76
JESUS, Damásio de. Violência contra a mulher. Revista IOB Direito Penal e Processual
Penal, São Paulo, n. 37, p. 35-36, abr./maio 2006.
77
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
33

que, para o legislador brasileiro, o marido que agride a mulher


comete exatamente o mesmo delito que a mulher que, por
exemplo, após uma discussão agride a esposa do primo de seu
marido que esta hospedada em sua casa, já que nesse caso
existe uma relação de hospitalidade!

No entendimento da autora, houve um retrocesso, pois:

Apesar de seus defeitos, a lei 10.778/2003 mantinha referência a


questão de gênero, vínculo este que foi rompido com a Lei
10.886/2004, criando também a dúvida quanto a compatibilidade
entre a definição de violência apresentada nesta última lei e a
Convenção da OEA de 1994, ratificada pelo Brasil.

Acerca desta incompatibilidade, Alves78 aduz que a Lei


10.886/04, ao manter os crimes de lesão corporal leve praticados com violência
doméstica entre os crimes de menor potencial ofensivo previstos na Lei 9.099/95,
“formalizou, na verdade, uma contradição legislativa perante os compromissos
internacionais assumidos [...]”, pois “... não se poderia admitir um crime de menor
potencial ofensivo que fosse também uma violação aos direitos humanos
internacionalmente protegidos”.

1.9 A LEI 11.106/05

Com a promulgação da Lei 11.106/05, diversas alterações


foram operadas no CP, todas elas envolvendo a questão de gênero. Destacam-
se:

A inclusão da companheira como sujeito passivo do crime de


seqüestro e cárcere privado qualificado: Com a alteração trazida pela Lei
11.106/05, foi acrescentado o substantivo companheiro ao lado de cônjuge.
Segundo Volpe Filho, essa alteração veio a se alinhar com a matéria introduzida
pela Constituição da República de 1988 e pelo Legislador Ordinário, quando da

78
ALVES, Fabrício Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à provação de uma proposta
concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina,
ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>. Acesso em: 22 fev. 2007.
34

promulgação do novo Código Civil, que já previam a situação da União Estável


como análoga ao casamento; Antes da vigência dessa lei, não se podia qualificar
a conduta do crime de seqüestro e cárcere privado se a vítima era apenas
companheira do agressor.

A exclusão do termo mulher honesta: O artigo 215, que trata


da posse sexual mediante fraude, passou a fazer referência apenas à mulher
como agente sujeito do delito; Assim, basta ser mulher para ser vítima dos crimes
previstos no artigo 215, de acordo com a atual redação dada pela Lei 11.106/05.
Antes disso, exigia-se, conforme observa Koff79, “[...] que a mulher fosse honrada,
decente, e de bons costumes, para configurar o delito, exclusive as desregradas,
mesmo não tivessem na condição de prostituta”.

O artigo 216, que prevê o crime de atentado ao pudor


mediante fraude, teve substituído o termo mulher honesta pela palavra alguém,
incluindo como agente passivo tanto o homem como a mulher. Volpe Filho80
observa que, ao inserir esta modificação, o legislador foi feliz, “[...] eis que igualou,
ainda mais, a posição de homens e mulheres”.

Marcão81 comemora as alterações previstas, pois somente a


mulher que fosse considerada honesta estava protegida em sua liberdade sexual.
Desta forma, a expressão mulher honesta “impunha tratamento de natureza
nitidamente discriminatória”. Segundo o autor:

A ausência de honestidade sexual da mulher devassa não poderia


jamais constituir motivo para a ausência de proteção penal, na
exata medida em que aquelas dotadas de menor recato também
podem ser submetidas à ação de "ter conjunção carnal, mediante
fraude".

79
KOFF, Breno Green. Delitos contra os costumes e a Lei 11.106/05. Revista Jurídica, São
Paulo, v.53, n° 334, p. 117-120, ago. de 2005.
80
VOLPE FILHO, Clóvis Alberto. As reformas do Código Penal introduzidas pela Lei nº 11.106,
de 28 de março de 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/99/1999/>.
Acesso em: 07 jun. 2007.
81
MARCÃO, Renato Flávio. Lei 11.106/2005: Novas modificações ao Código Penal brasileiro.
Revista dos Tribunais. Ano 94, v. 840, p. 457–474, out. 2005.
35

Neste sentido, Volpe Filho82 observa que “[...] o Código


Penal da década de 40 é conhecido por trazer ‘‘conceitos negativos contra a
mulher’’, como mulher honesta. Este termo é claramente discriminatório, já que
não há o conceito de ‘‘homem honesto’’”.

O antigo inciso III do artigo 226 foi revogado, passando o


atual inciso II a prever como causa de aumento de pena a circunstância de ser
agente o cônjuge, ou seja, casado com a própria vítima, e não apenas casado,
conforme previsto anteriormente. Nessa circunstância, o cônjuge tem a pena
aumentada de metade.

A revogação total do artigo 240, onde era previsto o crime de


adultério: é cediço que este crime estava em desuso no meio jurídico. Assim, a
situação jurídica do adultério passou a ser regulada somente pelo Direito Civil.

Extrai-se, como destaque desta fase que se iniciou com a


promulgação da CRFB e terminou com a edição da Lei 11.106/05, que o
legislador foi se preocupando paulatinamente em atender o clamor social,
inserindo em nosso ordenamento jurídico modificações que atingissem
eficazmente o mal da violência doméstica. Assim, foram, aos poucos, sendo
introduzidos no meio jurídico os conceitos de violência contra a mulher, violência
doméstica, violência de gênero e passaram a ser observadas as questões
relativas à igualdade de sexos, traduzindo-se esta postura em adoção de ações
afirmativas, as quais, permitindo uma “discriminação positiva, [...] visam remediar
as desvantagens históricas, conseqüências de um passado discriminatório, [...]”83

Apesar das inovações trazidas, não houve uma resposta


eficaz ao problema da mulher que sofria, no âmbito das relações de familiares e

82
VOLPE FILHO, Clóvis Alberto. As reformas do Código Penal introduzidas pela Lei nº 11.106,
de 28 de março de 2005.
83
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: lei Maria da Penha
(lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. São Paulo: RT, 2007. p. 26.
36

de afeto, a violência praticada por aqueles que deveriam protegê-la, conforme


registra Dias84.

A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), promulgada em 07 de


agosto de 2006, veio suprir essa lacuna, disciplinando aspectos materiais e
processuais específicos dessa forma de violência. No capítulo seguinte, serão
estudados aspectos normativos fundamentais para a compreensão dessa Lei.

84
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: RT, 2007. p. 16.
37

CAPÍTULO 2

A ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


PELA REDAÇÃO DA LEI 11.340/06

A Lei 11.340/06 foi denominada “Lei Maria da Penha” em


homenagem a uma vítima de violência doméstica, a qual não se intimidou diante
das agressões sofridas e resolveu buscar justiça. Este capítulo se destina à
análise desta Lei: sua origem, conceitos relacionados e discussões doutrinárias
acerca dos sujeitos passivos e ativos, do âmbito espacial de abrangência, das
relações entre vítimas e agressores e das formas de violência coibidas.

2.1 O CASO MARIA DA PENHA

Enquanto as respostas jurídicas já analisadas ao problema


da violência contra a mulher vinham sendo timidamente articuladas, tramitava na
OEA o processo nº 12.051, sobre o caso Maria da Penha.

No ano de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia


Fernandes foi vítima da brutalidade de seu ex-marido, que contra ela disparou
tiros com arma de fogo, restando como seqüelas permanentes a paraplegia nos
membros inferiores. Não contente com o resultado da tentativa de homicídio
praticada contra a sua ex-mulher, o agente tentou eletrocutá-la durante o banho85.

Passaram-se 19 anos e 6 meses entre a prática dos delitos


e a prisão do criminoso. O caso ganhou visibilidade, demonstrando a morosidade
da justiça brasileira e o descaso para com a mulher vítima de violência, graças à
denúncia formalizada pelo CEJIL (Centro pela Justiça pelo Direito Internacional) e
pelo CLADEM (Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher),
juntamente com a vítima, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
OEA.

85
ALVES, Fabrício Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à provação de uma proposta
concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi.
38

Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos


da Organização dos Estados Americanos publicou o Relatório nº 54/0186, onde
concluiu que, no caso em tela, a República Federativa do Brasil violou os direitos
e garantias judiciais e à proteção judicial, previstos na Convenção Americana,
“pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência
doméstica no Brasil”.

No documento observa-se que as “medidas destinadas a


reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma”,
tomadas pelo Estado brasileiro, não conseguiram reduzir significativamente o
padrão de tolerância estatal, “particularmente em virtude da falta de efetividade da
ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher”. E
conclui-se que “houve violação de direito e cumprimento de deveres previstos no
artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes “[...]
por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida”.

O mesmo Relatório trouxe como recomendação expressa:


“[...] simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido
o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo" e "o
estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução
de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua
gravidade e às conseqüências penais que gera".

Em 31 de março de 2004 foi criado, pelo Decreto nº


5.030/04, o Grupo de Trabalho Interministerial integrado pela Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), tendo
como coordenadores a Casa Civil da Presidência da República, a Advocacia-
Geral da União, o Ministério da Saúde, a Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República, a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, o Ministério da
Justiça e a Secretaria Nacional de Segurança Pública/MJ, com o objetivo de
elaborar o projeto de Lei nº 4.559/04.

86
ORGANIZAÇAO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos
Humanos . Relatório n° 54/01. Caso 12.051: Maria da Penha Maia Fernandes. 4 abr. 2001.
39

O projeto original foi encaminhado pelo Presidente da


República ao Congresso Nacional em 3 de dezembro de 2004, através da
Exposição de Motivos EM nº 016 – SPM/PR, e sofreu diversas alterações na
Câmara e no Senado.

De acordo com a Exposição de Motivos, “a lógica da


hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as mulheres; assim, visou
o projeto atender aos “princípios de ação afirmativa” que têm por objetivo “corrigir
desigualdades”, “promover a inclusão social por meio de políticas públicas
especificas”, possibilitando “compensar as desvantagens sociais oriundas da
situação de discriminação e exclusão a que foram expostas”.

A Lei 11.340/06 foi publicada no Diário Oficial da União em


08 de agosto de 2006, com vacatio legis de 45 dias, e trouxe, em seus 46 artigos,
uma proposta inovadora e polêmica em diversos pontos, como aponta Alves87. O
autor louva a forma com que se deu a sua tramitação:

Certo é que essa lei é fruto do processo democrático


suprapartidário.
O que se viu foi a transmutação do clamor social em norma
jurídica, em um belíssimo processo legislativo. Representou, sem
dúvida, a união dos Poderes, trabalhando lado a lado e na mesma
direção em prol de uma solução conjunta a esse problema social
grave e de conseqüências nefastas às futuras gerações de
brasileiros.

A Lei Maria da Penha, ao descrever novas condutas


delituosas, trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro conceitos de violência
diferenciados, assim como agentes passivos e ativos específicos.

Para que se possa dar prosseguimento à compreensão do


tema proposto no título deste trabalho de monografia, considera-se importante
conceituar os termos que passarão a influir significativamente na compreensão do

Disponível em: <http://www.cidh.org/annualrep/2000port/12051.htm>. Acesso em: 23 fev. 2007.


87
ALVES, Fabrício Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à provação de uma proposta
concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi.
40

que é considerado pela Lei 11.340/06 como violência doméstica e familiar contra
a mulher e também os sujeitos ativos e passivos descritos no Diploma. É o que
será buscado adiante.

2.2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR


CONTRA A MULHER: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Os conceitos violência de gênero, violência doméstica e


violência contra a mulher estão vinculados entre si, mas se diferenciam em razão
de seu âmbito, conforme explica Souza88: a violência de gênero é um conceito
mais amplo, que abrange todas as formas de violência praticadas contra a
mulher, não só no âmbito intrafamiliar, mas também no social e trabalhista. Assim,
a violência doméstica e a violência contra a mulher seriam espécies de violência
de gênero.

2.2.1 Definição de violência de gênero

Para que se possa esclarecer o conceito de violência de


gênero, é necessário que se conceitue o termo gênero.

Silva Júnior89 observa que o conceito é extrajurídico,


devendo ser buscado fora do direito penal. Heilborn, citado por Silva Júnior90,
define gênero como “um conceito das ciências sociais que se refere à construção
social do sexo, distinguindo a dimensão biológica da social. Ou seja, o indivíduo
nasce macho ou fêmea, mas assume o papel de homem ou mulher em razão da
cultura. Assim, o autor conclui que “[...] conduta baseada no gênero é aquela que
decorre das relações entre mulheres e homens em um sistema simbolicamente
concatenado”.

88
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
35.
89
SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Lei nº 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a
mulher. Jus Navigandi.
90
SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Lei nº 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a
mulher. Jus Navigandi.
41

Viezzer, citado por Silva,91 observa que a categoria gênero


tem sido utilizada como sinônimo de sexo. Mas o autor verifica que sexo é um
termo relacionado a “componentes biológicos que distinguiriam macho e fêmea”.
Assim, “enquanto o sexo de cada um é um dado fisiológico, a conduta sexual
pode ser, no entanto, psicológica e socialmente diferente”.

Stoller, citado por Silva92 utiliza o vocábulo gênero para se


referir aos “papéis sexuais que definem as condutas masculinas e femininas”.

Viezzer, citado por Silva93 então conclui:

Gênero é um conceito mais adequado para analisar a relação


entre a subordinação das mulheres e a mudança social e política.
O gênero de um ser humano é o significado social e político
historicamente atribuído ao seu sexo. Nascemos macho ou fêmea.
Somos feitos como um homem ou uma mulher. E o processo de
fazer homens e mulheres é então historicamente e culturalmente
variável; conseqüentemente, pode ser potencialmente modificado
através da luta política e das políticas públicas.

Acerca da diferença entre sexo e gênero, Schraiber e


d’Oliveira94 esclarecem:

A noção de gênero vem muitas vezes sendo confundida com a


idéia de sexo feminino, quando em realidade surgiu exatamente
para destacar essa distinção. Enquanto sexo indica uma diferença
anatômica inscrita no corpo, gênero indica a construção social,
material e simbólica, a partir desta diferença, que transforma
bebês em homens e mulheres, em cada época e lugar de distintas
maneiras.

Neste sentido, define a UNESCO95:

91
SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? São Paulo: Cortez,
1992. p. 19.
92
SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a mulher. p. 19.
93
SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a mulher. p.20.
42

Gênero se refere às relações e diferenças sociais entre homens e


mulheres que são aprendidas, variam amplamente nas
sociedades e diferentes culturas, e mudam com o passar do
tempo. O termo gênero não substitui o termo sexo, que se refere
exclusivamente às diferenças biológicas entre homens e
mulheres. Por exemplo, dados estatísticos são apresentados por
sexo. O termo gênero é usado para analisar as funções,
responsabilidades, obrigações e necessidades de homens e
mulheres nas diferentes áreas e contextos sociais.

Cavalcanti96 observa que as diferenças sociais em razão do


gênero “se traduzem em desigualdades econômicas e políticas, colocando as
mulheres em posição inferior à dos homens nas diferentes áreas da vida
humana”. A autora entende que violência de gênero se traduz por uma “relação
de poder de dominação do homem e de submissão da mulher”. Assim, os papéis
históricos impostos aos sexos e reforçados pelo patriarcado “induzem relações
violentas entre os sexos” e indicam que a prática desse tipo de violência não é
algo natural, mas sim fruto da socialização: “Os costumes, a educação e os meios
de comunicação tratam de criar e preservar estereótipos que reforçam a idéia de
que o sexo masculino tem o poder de controlar os desejos, as opiniões e a
liberdade de ir e vir das mulheres”.

Silva Júnior97 descreve a violência baseada no gênero como:

[...] aquela praticada pelo homem contra a mulher que revele uma
concepção masculina de dominação social (patriarcado),
propiciada por relações culturalmente desiguais entre os sexos,
nas quais o masculino define sua identidade social como superior

94
SCHRAIBER, Lilia Blimer; d’OLIVEIRA, Ana Flávia Lucas Pires. Violência contra mulheres:
interface com a saúde. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. v. 3, n.5, 1999.
Disponível em: <http://www.interface.org.br/revista5/ensaio1.pdf> Acesso em: 11 set. 2007.
95
UNESCO. De mãos dadas com a Mulher: a UNESCO como agente promotor da igualdade
entre gêneros. Brasília: UNESCO, 2002. p. 71.
96
CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência doméstica como violação dos direitos
humanos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 901, 25 dez. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7753>. Acesso em: 02 jul. 2007.
97
SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei n° 11.340/06: Violência
doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi.
43

à feminina, estabelecendo uma relação de poder e submissão que


chega mesmo ao domínio do corpo da mulher.

Cabette98 observa que a violência de gênero se constata em


diversos níveis e aspectos, traduzindo-se, no campo social, por “desigualdades e
discriminações negativas”. No âmbito axiológico, observa-se pela desvalorização
da condição feminina. Assim, o fenômeno se caracteriza sempre por “uma atitude
de vilipêndio direto e intencional à condição humana de liberdade, igualdade e
desenvolvimento das mulheres”.

Verifica-se que a violência de gênero é resultante das


relações sociais que legitimam a dominação do homem sobre a mulher e o seu
conseqüente rebaixamento social. A luta feminista e a conscientização social e
política dos indivíduos através da educação podem trazer modificações
importantes nesse quadro de desigualdade.

2.2.2 Definição de violência contra a mulher

A violência contra a mulher é mais um conceito comumente


utilizado na bibliografia. Traduz-se por todas as formas de violência que têm como
sujeito passivo a mulher, não só no âmbito das relações familiares, mas também
na sociedade em geral99.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e


Erradicar a Violência Doméstica, de 1994 – Convenção de Belém do Pará100 – em
seu artigo 1°, define violência contra a mulher como: “[...] qualquer ato ou conduta
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.

O mesmo documento considera, em seu preâmbulo, que:

98
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Violência doméstica e familiar contra a mulher: a questão dos
crimes culposos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n.1169, 13 set. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8909>. Acesso em: 27 jun. 2007.
99
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
36.
44

[...] a violência contra a mulher constitui violação dos direitos


humanos e liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente
a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades; [...]
constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das
relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e
homens; [...] permeia todos os setores da sociedade,
independentemente de classe, raça ou grupo étnico, renda,
cultura, nível educacional, idade ou religião, e afeta negativamente
suas próprias bases.

Segundo Schraiber e d’Oliveira101, a expressão violência


contra a mulher engloba situações diversas, entre elas: a violência física, sexual e
psicológica cometida por parceiros íntimos, o estupro, o abuso sexual de
meninas, o assédio sexual no local de trabalho, a violência étnica e racial, a
violência cometida pelo Estado, por ação ou omissão, a mutilação genital
feminina, a violência e os assassinatos ligados ao dote, o estupro em massa nas
guerras e conflitos armados. Em síntese: “a violência contra a mulher diz respeito,
pois, a sofrimento e agressões dirigidas especificamente às mulheres pelo fato de
serem mulheres”.

A mensagem proferida por Kofi Anam, Secretário-Geral da


ONU, por ocasião do Dia Internacional para Eliminação da Violência contra as
Mulheres, indica a extensão dos danos causados pela violência contra as
mulheres:

A violência contra as mulheres causa enorme sofrimento, deixa


marcas nas famílias, afetando várias gerações, e empobrece as
comunidades. Impede que as mulheres realizem as suas
potencialidades, limita o crescimento econômico e compromete o
desenvolvimento. No que se refere à violência contra as mulheres,
não há sociedades civilizadas.

100
ORGANIZAÇAO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher: Convenção de Belém do Pará.
101
SCHRAIBER, Lilia Blimer; d’OLIVEIRA, Ana Flávia Lucas Pires. Violência contra mulheres:
interface com a saúde. Interface – Comunicação, Saúde, Educação.
45

Oportuno lembrar que os conceitos adotados na Lei Maria


da Penha derivam diretamente do que se estabeleceu na Convenção de Belém
do Pará, conforme se verá adiante.

2.2.3 Definição de violência doméstica e familiar

Segundo o artigo 5º da Lei Maria da Penha102, “configura


violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada
no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial”. O inciso I do mesmo artigo define unidade doméstica
como “espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas”. O inciso II conceitua família como
“comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.

Segundo Souza103, o termo violência doméstica é sinônimo


de violência familiar ou violência intrafamiliar, servindo para denominar os “atos
de maltrato desenvolvidos no âmbito domiciliar, residencial ou em relação a um
lugar onde habite um grupo familiar”; indica apenas o aspecto espacial, não
importando nesta definição nenhuma distinção de gênero ou sexo:

[...] é um conceito que não se ocupa do sujeito submetido a


violência , entrando no seu âmbito não só a mulher, mas também
qualquer outra pessoa integrante do grupo familiar [...] que venha
a sofrer agressões físicas ou psíquicas praticadas por outro
membro do mesmo grupo. Trata-se de acepção que não prioriza o
fenômeno da discriminação a que a mulher é submetida,
dispensando a ela tratamento igualitário em relação aos demais
membros do grupo familiar.

102
BRASIL. Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Lei/L113406.htm Acesso em: 26 maio
2007.
103
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
35.
46

Não por acaso, há doutrinadores que referem-se à Lei


11.340/06 como mal redigida e extremamente aberta, como aponta Dias104.

Este tipo de imperfeição conceitual, conforme aduz


Sabadell105, se deve em razão da incorporação automática da norma internacional
sem que se observe a necessidade de adaptação ao contexto nacional; trata-se,
pois, de “um empréstimo jurídico, já que houve assimilação voluntária de normas
de direito internacional pelo legislador nacional”.

Dias106 observa que o conceito de violência doméstica deve


ser entendido a partir da conjugação dos artigos 5º e 7º da Lei 11.340/06: o
primeiro define o que seja violência doméstica. O segundo, a forma como ela
pode ser praticada. Sintetiza a autora:

Primeiro a lei define o que seja violência doméstica (art. 5.º):


“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial”. Depois estabelece seu campo de abrangência. A
violência passa a ser doméstica quando praticada: a) no âmbito
da unidade doméstica; b) no âmbito da família; ou c) em qualquer
relação íntima de afeto, independente da orientação sexual.

Observa-se, pois, que o termo violência doméstica e familiar


contra a mulher, conforme foi construído na Lei Maria da Penha, deve ser
interpretado a partir de uma junção dos conceitos violência doméstica + violência
familiar ou intrafamiliar + violência contra a mulher + violência de gênero.

Sabadell107 usa esta fórmula:

[...] violência doméstica é uma forma de violência física e/ou


psíquica, exercida pelos homens contra as mulheres no âmbito

104
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 39.
105
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
106
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 40.
107
SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais.
47

das relações de privacidade e intimidade de cunho ou de


convivência amorosa, que expressa o exercício de um poder de
posse, de caráter patriarcal. O traço distintivo deste tipo de
violência é o fato de ocorrer nas (e decorrer das) relações
privadas.

Por fim, sintetizam Cunha e Pinto108:

[...] definimos violência doméstica como sendo a agressão contra


mulher, num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de
intimidade), com finalidade especifica de objetá-la, isto é, dela
retirar direitos, aproveitando-se da sua hipossuficiência.

Oportuno destacar que o autor, ao utilizar o termo


hipossuficiência, contempla o caráter de ação afirmativa que a Lei Maria da
Penha veio materializar no ordenamento jurídico brasileiro.

Diante da amplitude das conceituações apresentadas,


verifica-se que a violência doméstica alcança situações diversificadas e que o
legislador procurou conceder à mulher maior proteção da lei, nas situações em
que a privacidade e a intimidade do lar tornam invisíveis a humilhação e o
sofrimento a que muitas mulheres são silenciosamente submetidas.

Contudo, pode-se verificar que a doutrina se divide acerca


dos sujeitos passivos e ativos considerados na Lei Maria da Penha. É o que será
analisado no item seguinte.

2.3 SUJEITOS ATIVOS E PASSIVOS NA LEI 11.340/06

2.3.1 Sujeitos passivos

A Lei Maria da Penha apresenta em seu preâmbulo o


objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dispõe sobre a
criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher. Partindo
dessa constatação, pode-se concluir, numa análise superficial, que a norma
comporta somente a mulher como sujeito passivo.
48

Souza e Kümpel109 ressaltam que a Lei, ao mencionar o


sujeito passivo, traz a expressão ofendida, o que, segundo os autores, leva ao
entendimento de que somente a mulher pode ser vítima.

Souza110 compartilha esta interpretação, aduzindo que o


objetivo do legislador foi proteger apenas a mulher:

A Lei 11.340/06 em várias partes de seus dispositivos e


especialmente em seu preâmbulo, deixa claro que o sujeito
passivo reconhecido por ela é apenas a mulher que tenha sido
vítima de agressão decorrente de violência doméstica e familiar. A
tutela da norma é direcionada a proteger os Direitos Humanos da
mulher, assim como também a ela se destinam as diversas
proposições contidas nas Convenções Internacionais que lhe
serviram de parâmetro, [...].

Porém, partindo do pressuposto de que o termo gênero não


indica o sexo biológico, mas a representação social assumida pelo sujeito, há que
ser analisada a condição dos homossexuais em relação à proteção desta norma.
Ou seja, um ser humano do sexo biológico masculino que assuma socialmente a
condição de mulher, deve ser tratado como tal par os efeitos almejados pela Lei
11.340/06. É o entendimento de Dias111:

No que diz respeito ao sujeito passivo, há a exigência de uma


qualidade especial: ser mulher. Nesse conceito encontram-se as
lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que
tenham identidade com o sexo feminino. A agressão contra elas
no âmbito familiar também constitui violência doméstica.

Há, contudo, que se individualizar uma situação peculiar: a


dos transexuais. Estes, conforme ensinam Farias e Rosenvald (citados por Cunha

108
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 28.
109
SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a
mulher: Lei 11.340/2006. São Paulo: Método, 2007. p. 73.
110
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
47.
111
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 41.
49

e Pinto)112, não se confundem com os homossexuais, bissexuais, intersexuais ou


mesmo com os travestis, porquê:

O transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico-psiquica,


possuindo um sexo físico, distinto de sua conformação sexual
psicológica. Nesse quadro, a cirurgia de mudança de sexo pode
se apresentar como um modo necessário para a conformação do
seu estado físico e psíquico.

Contudo, não é pacífica a posição doutrinária sobre a


questão, tendo em vista que o transexual, geneticamente, não é mulher, somente
possui órgão genital de conformidade feminina, não sendo, por isto, na concepção
de alguns doutrinadores, sujeito da proteção concedida pela Lei Maria da Penha.

Desta maneira posicionam-se Souza e Kümpel: somente se


identifica uma mulher a partir do critério hormonal113 e, apesar de a produção dos
hormônios femininos somente começar a ocorrer em média entre os 10 e os 14
anos, a mulher está protegida integralmente desde a concepção: “Assim, o feto do
sexo feminino também está protegido, afigurando-se sujeito passivo.”114 A partir
desta constatação, os doutrinadores afirmam que, no caso de uma gestante tentar
praticar aborto e causar seqüelas ao bebê, este ao nascer, gozaria da proteção
adicional conferida pela Lei 11.340/2006 ao demandar contra a sua mãe em juízo,
em razão dos danos materiais e morais sofridos, desde que fosse do sexo
feminino.

Todavia, é de se considerar que o indivíduo, ao sofrer uma


cirurgia de mudança de sexo, passa a ostentar, fisicamente, de forma definitiva,
uma condição feminina que já demonstrava possuir, apresentando uma genitália
feminina como nova realidade morfológica115.

112
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 20-21.
113
SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a
mulher. p. 74.
114
SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a
mulher. p. 75.
115
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 21.
50

Neste ínterim, há outra corrente doutrinária que entende que


essa condição é bastante para se considerar um indivíduo como mulher. Isto em
razão de já haver entendimento jurisprudencial admitindo a retificação do registro
civil. Há doutrinadores, aliás, que admitem o transexual como vítima de estupro,
apesar de a lei falar somente em mulher.

Nesse sentido, Greco, citado por Cunha116, salienta que a


partir do momento em que uma decisão judicial transitada em julgado determina a
modificação da condição sexual de alguém, deve haver a repercussão em todos
os aspectos da vida de um indivíduo, entre eles, o penal.

Assim também entendem Gomes e Bianchini117:

Para ter incidência a lei nova o sujeito passivo da violência deve


necessariamente ser uma “mulher” (tanto quanto, por exemplo, no
crime de estupro). Pessoas travestidas não são mulheres. Não de
aplica no caso delas a lei nova (sim, as disposições legais outras
do CP e do CPP). No caso de cirurgia transexual, desde que a
pessoa tenha passado documentalmente a ser identificada como
mulher (Roberta Close, por exemplo), terá incidência a lei nova.

Em sentido contrário, afirma Porto118 que não há como


considerar um transexual, que tenha cirurgicamente modificado sua genitália,
ainda que modificado o seu registro civil, como sujeito passivo, eis que continua
geneticamente a ser um homem porque “equipará-lo a uma mulher importaria em
analogia desfavorável ao réu, o que é vedado em Direito Penal em homenagem
ao princípio da legalidade estrita119”.

116
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 21.
117
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Competência criminal da lei de violência contra a
mulher. Disponível em:
<http://www.blogdolfg.com.br/article.php?story=20060904210631861&mode=print> Acesso em:
05 out. 2007.
118
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 35.
119
O princípio da legalidade estrita, segundo Porto, “alem da vigência, condiciona a validade das
normas penais, pois sua negação corresponde à produção de normas vigentes, mas cujos
conteúdos significativos não atendem à garantia da taxatividade e, conseqüentemente, à
debilidade da verdade jurídica de suas aplicações”, ao passo que “o princípio da mera legalidade
apenas condiciona a vigência da norma à obediência ao processo legislativo de sua formação”.
51

A redação da Exposição de Motivos (EM n° 016 –


120
SPM/PR) faz referência exclusiva à mulher como sujeito passivo a ser
protegido no âmbito da Lei Maria da Penha. Transcrevem-se a seguir alguns
trechos do Projeto, que traduzem este direcionamento:

6. O Projeto delimita o atendimento às mulheres vítimas de


violência doméstica e familiar, por entender que a lógica da
hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as
mulheres.
12. É contra as relações desiguais que se impõem os direitos
humanos das mulheres. [...] Os direitos a vida, a saúde e a
integridade física das mulheres são violados quando um membro
da família tira vantagem de sua força física ou posição de
autoridade para infligir maus tratos físicos, sexuais, morais e
psicológicos.
14. As disposições preliminares da proposta apresentada
reproduzem as regras oriundas das convenções internacionais e
visam propiciar às mulheres de todas as regiões do País a
cientificação categórica e plena de seus direitos fundamentais [...].
18. [...] De acordo com o “Modelo de Leyes y Políticas sobre
Violência Intrafamiliar contra las Mujeres”, [...], toda legislação
política e pública deve incluir as definições de violência contra a
mulher em cada uma das suas manifestações: [...].
42. [...] não podendo a mulher ser, em nenhuma hipótese, forçada
à conciliação.
47. Como objetivo imediato, propõe a criação de Varas e Juizados
Especiais da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, [...],
para o atendimento à mulher em situação de violência, (...).
48. As atuais Varas, [...], têm colocado a mulher e sua família em
situação de risco. [...] Com a criação das Varas [...], será [...]
facilitado às mulheres o acesso à justiça e à solução dos conflitos.

O autor cita o pensamento de Ferrajoli, que considera que o princípio da “mera legalidade” não é
suficiente para assegurar a função garantista do Direito Penal. Assim, a função garantista do
princípio da legalidade estrita “reside no fato de que os delitos estejam predeterminados pela lei
de maneira taxativa, sem reenvio (ainda que seja legal) a parâmetros extralegais, a fim de que
sejam determinados pelo juiz mediante asserções refutáveis e não mediante juízos de valor
autônomos”. (PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a
mulher: lei 11.340/06 – análise crítica e sistêmica. p. 27.
120
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Subchefia de Assuntos Parlamentares. Exposição de
Motivos n° 016 – SPM/PR. 16 nov. 2004. Disponível em:
<http://200.130.7.5/spmu/legislacao/projeto_lei/expo_motivos.htm>.Acesso em: 14 abr. 2007.
52

Na leitura destes trechos não se observa, em nenhuma


passagem, a alusão, ainda que indireta, a outro sujeito passivo além da mulher.
Todavia, há que ser verificada a situação dos parágrafos 9° e 11 do artigo 129 do
CP, com a nova redação dada pelo artigo 44 da Lei 11.340/06, o qual transcreve-
se:

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de


1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes
alterações:
“Art. 129. ..................................................
..................................................................
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente,
irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha
convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
..................................................................
§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de
um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de
deficiência.” (NR)

Cunha e Pinto121 classificam a mulher como vítima própria. E


entendem que o homem também poder ser potencial vítima de violência
doméstica e familiar, no caso previsto no parágrafo 9° do artigo 129 do CP, com a
nova redação dada pelo artigo 44 da Lei em comento:

Não se ignora, é verdade, a intenção da lei. É a mulher o seu


principal foco. Foi à mulher, tida por hipossuficiente, que
pretendeu o legislador conferir especial proteção. Mas isso não
autoriza a conclusão de que apenas sendo a ofendida do sexo
feminino é que terá incidência a agravante.122

Os autores observam que a redação do referido artigo, ao


prever a qualificadora do delito de lesão corporal, não restringiu o sujeito passivo,

121
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 20.
122
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 142.
53

abrangendo ambos os sexos: “O que a lei em comento limita são as medidas de


assistência e proteção, estas sim aplicáveis somente à ofendida (vítima mulher)”.

Além disso, no caso de o ofendido ser um homem, o


agressor poderá receber todos os benefícios da Lei 9.099/95, ao contrário do que
acontecerá se a ofendida for uma mulher123. Assim, no seu entendimento, esta
qualificadora se aplica independente do sexo da vítima.

Isto porque, conforme Porto, citado por Cunha124, a tese


segundo a qual a nova disciplina dada pela Lei 11.340/06 ao artigo 129, §9°, do
CP, se aplica somente quando a vítima é mulher:

[...] contradiz o texto expresso em lei e, destarte, refoge a uma


interpretação literal do dispositivo, sempre recomendada em
termos de tipicidade penal. Em segundo lugar, a Lei 11.340/2006
é espécie da qual a anterior Lei 10.886/2004125 era gênero, pois
enquanto aquela se refere especificamente a violência contra a
mulher, instrumentalizando diversos meios para sua dissuasão,
esta se refere a outros tipos de violência doméstica cujo combate
é também socialmente relevante como a violência contra criança e
idosos, e, como tal, subsiste íntegra em face do princípio da
proibição de retrocesso social126.

123
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 143.
124
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 141.
125
A Lei 10.886/2004, conforme descrito na pagina TAL, disciplinou a violência doméstica, mas
não tratou especificamente da VIOLÊNCIA contra a mulher.
126
O princípio da proibição de retrocesso social, conforme Miozzo, foi desenvolvido pela
jurisprudência européia, mais precisamente na Alemanha e em Portugal. Na CRFB, está
implícito, sendo decorrente da noção de Estado Democrático de Direito, do princípio da
dignidade da pessoa humana, assim como da redação do inciso II do art. 3.°, na expressão
“desenvolvimento nacional”, que tem, entre outros, o sentido de progresso jurídico. Para o autor,
o princípio da proibição de retrocesso social significa que “na medida em que uma obrigação [do
Estado] de concretizar um direito, por exemplo através da criação de normas
infraconstitucionais, exsurge um dever anexo de não tomar medidas retrocessivas que atentem
contras as conquistas já atingidas em termos de legislação, no sentido de usurpá-las ou mesmo
flexibilizá-las”. (MIOZZO, Pablo Castro. O princípio da proibição do retrocesso social e sua
previsão constitucional: uma mudança de paradigma no tocante ao dever estatal de
concretização dos direitos fundamentais no Brasil. Porto Alegre, 2005. Disponível em:
<http://www.ajuris.org.br/dhumanos/mhonrosa1.doc. Acesso em: 04 out. 2007.
54

Ainda, para os autores, a causa especial de aumento de


pena prevista no parágrafo 11 do art. 129 do CP também se aplica independente
do sexo dos envolvidos na violência doméstica e familiar:

Parece óbvio que o legislador, embora preocupado com a mulher,


entendeu cabível o aumento de pena quando o crime for cometido
contra pessoa portadora de deficiência. Que ninguém sustente
que a majorante incide, apenas, quando a pessoa portadora de
deficiência é do sexo feminino.127

Para Dias128 também há a possibilidade de o sujeito passivo


não ser somente a mulher: “Seja de que sexo for o deficiente físico, sendo alvo de
lesão corporal, a pena do agressor é dilatada.”

Outra questão a ser analisada é a definição dos sujeitos


ativos a serem considerados no âmbito de aplicação desta Lei. O item
subseqüente serve a este propósito.

2.3.2 Sujeitos ativos

O artigo 5° do diploma em comento prevê, ao definir


violência doméstica e familiar contra a mulher, que a conduta seja baseada no
gênero. Neste diapasão, a Lei estaria, ao menos em princípio, considerando
apenas o homem como sujeito ativo. Contudo, a doutrina é praticamente unânime
em afirmar que qualquer pessoa pode figurar no pólo ativo, como se pode
observar adiante.

Segundo Dias129, para que uma conduta seja considerada


como violência doméstica, o sujeito ativo tanto pode ser um homem como outra
mulher. Basta estar caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação
familiar ou de afetividade, pois o legislador deu prioridade à criação de
mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, sem
importar o gênero do agressor.

127
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 143.
128
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 42.
55

Souza130 observa que esta opinião, defendida também por


Gomes e Bianchini, é a mais coerente, pois:

[...] dá menos ensejo a possíveis questionamentos quanto à


constitucionalidade, já que trata igualmente homens e mulheres
quando vistos sob a ótica do pólo ativo, resguardando a primazia
à mulher apenas enquanto vítima, já que se apresenta inaceitável
que no mesmo ambiente doméstico ou familiar o neto agrida
fisicamente a avó e esteja sujeito às regras desta Lei, enquanto
que a neta, nas mesmas condições pratique idênticos atos e não
se submeta a tais regras.

Segundo Gomes e Bianchini131:

Sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada com


a vítima [...]: do sexo masculino, feminino ou que tenha qualquer
orientação sexual. [...]; basta estar coligada a uma mulher por
vínculo afetivo, familiar ou doméstico: todas se sujeitam à nova lei.

Assim, apesar de a Lei considerar a questão de gênero, a


preocupação do legislador foi dar especial proteção à mulher, consoante o
entendimento de Souza132:

A norma não se destina diretamente à questão de gênero, a não


ser no aspecto passivo, não impedindo que as mulheres que
estejam nas mesmas condições dos homens e venham a praticar
atos de violência doméstica e familiar contra outras mulheres
sejam alcançadas pelas suas regras.

Souza e Kümpel133 compartilham este entendimento,


afirmando que “’o ofensor-agressor’ pode ser tanto o homem como a mulher, ou

129
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 41.
130
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
47.
131
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Competência criminal da lei de violência contra a
mulher.
132
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
48.
56

seja, a palavra ‘agressor’ está colocada como gênero, abarcando tanto o sexo
masculino como o feminino.”

Em todas as referências ao sujeito ativo na Exposição de


Motivos do projeto da Lei em comento foi utilizada a palavra agressor. Não se
verifica, em nenhuma passagem do texto o uso da palavra homem ou sinônimo, o
que sustentaria o entendimento dos doutrinadores ate aqui analisados, de que o
sujeito ativo pode ser homem ou mulher.

Todavia não é pacífico o entendimento doutrinário.


Conforme Porto134, é incontestável que, ao dispor que a violência doméstica e
familiar contra a mulher é baseada no gênero, quis o legislador restringir o
conceito à violência praticada pelo homem contra a mulher:

A idéia de gênero [...] revela a relação de discriminação e


violência praticada pelo homem contra a mulher, por isso que a
violência praticada entre mulheres não é baseada no gênero e
não caracteriza violência doméstica e familiar de que trata a Lei
11.340/06. Com efeito, uma mulher não pode discriminar a outra
por pertencer ao gênero feminino, já que ambas pertencem ao
mesmo gênero”135.

O autor conclui que o sujeito ativo para os efeitos da Lei


11.340/06 é apenas o homem, e que ele pode fazer prova de que não praticou a
violência contra a mulher por discriminá-la em razão do gênero. Assim, afastando-
se a presunção juris tantum de que o delito teve motivação subjetivamente
inspirada em qualquer discriminação contra a mulher, deixam de ser aplicadas as
regras protetivas da Lei Maria da Penha.

Ainda, para o mesmo autor, considerar a mulher como


sujeito ativo da Lei Maria da Penha, ainda que tenha orientação homoafetiva,
contraria a exigência de ser baseada a violência na questão de gênero.

133
SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a
mulher. p. 73.
134
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 36.
135
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 33.
57

Tendo em vista que, para parte da doutrina, também a


mulher pode ser considerada como agressora, surge a questão dos
relacionamentos homoafetivos e dos tipos de relações tuteladas pela Lei Maria da
Penha. O item seguinte abordará estas questões.

2.3.3 O reconhecimento das relações homoafetivas

Muito embora o ordenamento jurídico brasileiro não


reconheça a família homoafetiva, a sociedade não se detém apenas no que a lei
permite ou aprova. Assim, apesar de o artigo 226, §3° da CRFB ser taxativo ao
somente admitir a união estável entre homem e mulher, de o artigo 1.723 do CC
não admitir a união homoafetiva e o artigo 1.622 do CC proibir a adoção por um
casal homossexual, tramitam projetos de lei cuidando dessas matérias. A doutrina
e a jurisprudência, conforme afirmam Souza e Kümpel136, “vêm dando contornos
familiares à união do casal homossexual”.

Aos poucos vão se incorporando às leis aquelas situações


de fato que geram conflitos e direitos merecedores de disciplina. É o que se
observa na Lei 11.340/06, que já confere proteção à mulher na relação
homoafetiva, quando vítima de violência doméstica e familiar, por força do
disposto no parágrafo único do artigo 5°: “As relações pessoais enunciadas neste
artigo independem de orientação sexual”.

Assim, o referido artigo, ao definir as condutas repelidas e as


relações protegidas pelo Diploma, dispõe expressamente que a orientação sexual
é fator indiferente para a configuração da violência doméstica e familiar contra a
mulher.

Souza e Kümpel137 aduzem que em razão deste enunciado,


a mulher em convivência homoafetiva, apesar de não ter nenhuma tutela
resguardada na vara especializada da família, terá todos os direitos, medidas e

136
SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a
mulher. p. 26.
137
SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a
mulher. p. 27
58

tutelas referidas na Lei 11.340/06, tais como separação de corpos, alimentos


provisórios ou provisionais, guarda provisória e restrição ou suspensão de visitas,
“não por existir relação familiar, mas em virtude da vulnerabilidade que se
estabelece quando a mulher esta em situação de violência, tendo por fato gerador
o ato ilícito”.

Dias138 afirma que “A Lei Maria da Penha, de modo


expresso, enlaça, no conceito de família, as uniões homoafetivas”:

O preceito tem enorme repercussão. Como é assegurada


proteção legal a fatos que ocorrem no ambiente doméstico, isso
quer dizer que as uniões de pessoas do mesmo sexo são
entidades familiares. Violência doméstica, como diz o próprio
nome, é violência que acontece no seio de uma família. Assim, a
Lei Maria da Penha ampliou o conceito de família alcançando as
uniões homoafetivas.

Alves, citado por Dias139 louva a inovação: “Pela primeira


vez foi consagrado, no âmbito infraconstitucional, a idéia de que a família não é
constituída por imposição da lei, mas sim por vontade dos seus próprios
membros”.

Dias140 considera em sua interpretação que o que está


sendo especialmente protegido são as situações de violência contra o gênero
feminino:

Ao ser afirmado que está sob o abrigo da Lei a mulher, sem


distinguir sua orientação sexual, encontra-se assegurada proteção
tanto às lésbicas como as travestis, as transexuais e os
transgêneros do sexo feminino que mantêm relação íntima de
afeto em ambiente familiar.

A autora considera que o alcance desta inovação vai além


da questão da violência doméstica. A Lei 11.340/06 expande seus efeitos em todo

138
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 35.
139
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 35
140
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 35.
59

o ordenamento jurídico brasileiro, pois “Há uma nova regulamentação legislativa


da família. [...] Agora, as uniões homoafetivas não mais podem ser reconhecidas
como sociedades de fato, sob pena de se negar vigência à lei federal.”141

Conforme já exposto na análise dos sujeitos ativos e


passivos, Porto não concorda com nenhuma inversão na ordem dos sujeitos
passivos e ativos que desconsidere a questão do gênero como fator determinante
para a configuração da violência contra a mulher. Assim, não restariam condições
para que se considerassem as relações homoafetivas na análise da Lei, pois a
interpretação do autor não comporta nenhum tipo de exceção. Para o autor, a
proteção da lei se reserva sempre à mulher, ainda que tenha orientação
masculinizada, mas responsabilizar uma outra mulher como agressora não seria
possível, pois é vedada a interpretação ampliativa em Direito Penal142.

A proteção da Lei Maria da Penha não abrangeria, assim as


relações homoafetivas de nenhuma espécie, porque “Ao sustentar que as
relações pessoais enunciadas neste artigo [o autor se refere ao parágrafo único
do artigo 5º da Lei 11.340/06] independem de orientação sexual, não quis o
legislador afirmar que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem
do gênero dos envolvidos”143.

Há ainda outros aspectos a serem observados quanto à


aplicação da Lei 11.340/06: os tipos de relação e o âmbito espacial a ser
considerado para a aplicação da norma. Esses aspectos serão abordados na
seqüência.

2.4 ÂMBITOS DE OCORRÊNCIA

A Lei 11.340/06, ao definir a violência doméstica e familiar


contra a mulher, delimita a esfera espacial e relacional em que ela pode ser
considerada para efeito da tutela legal. Podem sofrer violência doméstica as
vítimas que estejam na unidade doméstica, que façam parte da família ou que

141
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 36-37.
142
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 36.
143
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 36.
60

tenham com o agressor qualquer relação íntima de afeto, conforme os incisos do


artigo 5°:

Art. 5°. ..............................................................................................


I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o
espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo
familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor
conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de
coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo
independem de orientação sexual.

Em decorrência da abrangência de situações trazidas pela


Lei, observam-se diversas circunstâncias a serem analisadas. Os itens seguintes
servirão à apreciação de cada um dos três incisos.

2.4.1 Âmbito da unidade doméstica

A Lei 11.340/06 já traz a definição do que se considera


unidade doméstica para sua aplicação. Assim, praticada a violência dentro do
ambiente doméstico, que é, conforme o inciso I do artigo 5º da Lei, o “espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas”, incide a norma sobre os sujeitos do crime.

Dias144 esclarece que “a expressão unidade doméstica deve


ser entendida no sentido de que a conduta foi praticada em razão dessa unidade
da qual a vítima faz parte”.

Cunha145 aduz que “Agressão no âmbito da unidade


doméstica compreende aquela praticada no espaço caseiro, envolvendo pessoas

144
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 42.
145
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 30
61

com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes


dessa aliança [...]”.

A definição trazida pela Lei comporta inclusive a inclusão da


empregada doméstica como vítima, em razão de conviver no âmbito doméstico. A
doutrina traz este entendimento, que é analisado a seguir.

2.4.1.1 Empregada doméstica

Em razão do disposto no inciso I, inclui-se como vítima


potencial a empregada doméstica. Jesus146 aduz que não é qualquer tipo de
empregada doméstica que goza da especial proteção da Lei em comento. Estaria
excluída, assim, aquela diarista que presta serviço uma ou mais vezes na
semana, “em razão da sua pouca permanência no local de trabalho”. No caso
daquela empregada que trabalha diariamente e não mora na casa dos patrões
deve ser verificada no caso concreto a sua participação no seio da família: se ela
é aceita e tratada como membro da família e se ela se considera como tal. Já no
caso da empregada que mora e trabalha na casa da família, não resta duvida de
que deve ser considerada como um de seus membros e ser protegida pela Lei
11.340.

Souza147 concorda com a inclusão da empregada doméstica


no rol das possíveis vítimas na Lei Maria da Penha: “[...] uma empregada
doméstica pode ser vítima para os fins desta Lei, quando venha a, por exemplo,
sofrer violência sexual, moral etc., praticadas por seu patrão”.

De maneira idêntica posiciona-se Alves148:

Como se pode observar, no âmbito doméstico, o agressor pode


não ter relações familiares com a vítima, mas deve

146
JESUS, Damásio E. de; SANTOS, Hermelino de Oliveira. A empregada doméstica e a Lei
“Maria da Penha”. Complexo Jurídico Damásio de Jesus, São Paulo, nov. 2006. Disponível
em: <www.damasio.com.br>. Acesso em: 25 abr. 2007.
147
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
45-46.
148
ALVES, Fabrício Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à provação de uma proposta
concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi.
62

necessariamente conviver, de forma continuada, com ela. Essa


definição abrange, inclusive, os empregados domésticos, ou seja,
os “esporadicamente agregados” [...]. O termo “esporadicamente”
aqui dá uma noção de relacionamento provisório, típica da relação
de emprego doméstico.

Nesse sentido, registra Porto149 que a lei pretende diferenciar as


duas hipóteses de violência doméstica e familiar, “reservando à primeira, a situação em
que diversas formas de violência dão-se no âmbito da unidade doméstica, sem
necessidade de vínculos parentais [...]”.

Contudo, como alerta Nucci150:

[...] a mulher agredida no âmbito da unidade doméstica deve fazer


parte dessa relação doméstica. Não seria lógico que qualquer
mulher, bastando estar na casa de alguém, onde há relação
doméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação
da agravante trazida pela Lei Maria da Penha.

Assim, verifica-se que é unânime o entendimento dos


doutrinadores estudados, os quais concluem pela consideração da empregada
doméstica como sujeito passivo para os efeitos da tutela concedida pela Lei
11.340/06.

2.4.2 Âmbito da família

O conceito de família foi bastante alargado pela Lei


11.340/06. Antes disto, já havia sido consagrado o reconhecimento de outras
formas de entidade familiar pelo artigo 226 da CRFB, a qual referiu-se ao
casamento, a união estável, e a família monoparental como grupos constitutivos
de uma família para efeito da proteção do Estado.

Cunha e Pinto151 entendem que a violência no âmbito da


família engloba aquela praticada entre pessoas unidas por vínculo jurídico de

149
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 24-25.
150
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo:
RT, 2006. p 864.
151
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 30.
63

natureza familiar, podendo ser conjugal, em razão de parentesco (em linha reta e
por afinidade), ou por vontade expressa (adoção).

Dias152 aduz que a CRFB deixou implícitas em seu texto


outras formas de entidade familiar, através da expressão “entende-se também
como entidade familiar”, inserida no artigo em comento. Assim, considerando-se
que as formas consagradas pelo texto constitucional são apenas exemplificativas,
não estão ao desabrigo da tutela especial do Estado as famílias anaparentais
(formadas entre irmãos), as homoafetivas e as famílias paralelas, segundo o
entendimento da autora.

Diante da complexidade do termo entidade familiar trazida


pela CRFB e pela Lei 11.340/06, convém analisar o que tem entendido a doutrina
acerca da proteção das mulheres integrantes das famílias homoafetivas e
paralelas diante da violência aqui estudada.

2.4.2.1 Família homoafetiva e paralela

Não se olvide que o parágrafo único do artigo 5° dispõe que


a orientação sexual é fator que não impede a aplicação do Diploma. Resta saber
se essa disposição diz respeito ao sujeito ativo ou passivo da Lei.

Segundo o entendimento de Cunha e Pinto153, houve


profunda alteração no conceito de família em razão do que dispõe o parágrafo
único do referido artigo, pois foram revogados tacitamente os outros diplomas
legais que dispunham de forma diversa, incorporando-se também a família
homoafetiva como entidade familiar a ser protegida não só pela Lei Maria da
Penha, mas por todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Dias154 enfatiza este posicionamento doutrinário:

O reconhecimento da união homoafetiva como família é expresso,


pois a Lei Maria da Penha incide independentemente da

152
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 43.
153
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 33-34.
154
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 44.
64

orientação sexual. Assim, lésbicas, travestis, transexuais e


transgêneros, que têm identidade feminina, estão ao seu abrigo
quando a violência ocorre entre pessoas que possuem relação
afetiva no âmbito da unidade doméstica ou familiar.

A mesma autora faz menção também às relações


concomitantes mantidas geralmente por homens (uniões adulterinas) e afirma que
cada um dos vínculos constitui uma unidade familiar. Isto porque, como afirma:

[...] o conceito de família trazido pela Lei Maria da Penha enlaça


todas as estruturas de convívio marcadas por uma relação íntima
de afeto [...]. Aliás, nem se pode entender como uma lei que
regula as relações familiares conseguiria não falar em afeto.

Diante da amplidão do conceito de família trazido pela Lei


em análise, concluem estes doutrinadores que o legislador procurou atender aos
anseios da sociedade, evitando restringir, pelo contrário, alargando o rol de
uniões familiares passíveis de obter especial proteção da Justiça; Até os
relacionamentos decorrentes somente de afeto, sem qualquer tipo de convivência
doméstica, estão amparados. É o que se estuda a seguir.

2.4.3 Âmbito das relações íntimas de afeto

O inciso III do artigo 5° da Lei 11.340/2006 traz o termo


“qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido
com a ofendida, independente de coabitação”155. A expressão expande ainda
mais a abrangência da Lei, pois admite também que a violência doméstica e
familiar possa decorrer até de relações de namoro, em que os envolvidos não
morem juntos. Isto porque, como aduz Dias156:

[...] não há como restringir o alcance da previsão legal. Vínculos


afetivos que refogem ao conceito de família e de entidade familiar
nem por isso deixam de ser marcados pela violência. Assim,

155
BRASIL. Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Lei/L113406.htm Acesso em: 26 maio
2007.
156
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 45.
65

namorados e noivos, mesmo que não vivam sob o mesmo teto,


mas resultando a situação de violência no relacionamento, faz
com que a mulher mereça o abrigo da Lei Maria da Penha.

Para a autora a redação do inciso ainda vai além: inclui


também a violência decorrente de relações já findadas (conviva ou tenha
convivido), Assim, ex-marido, ex-companheiro (a) e ex-namorado (a) estão
também inclusos entre os possíveis agentes das condutas descritas na Lei
11.340/2006.

Souza157 louva a iniciativa do legislador:

O inc. III se encaixa como uma luva em relação àquelas situações


em que a mulher tenha mantido um relacionamento que
caracterize casamento, convivência [...] ou mesmo namoro, com
algum homem (ou mulher) e que, findo o relacionamento, esteja
sofrendo algum constrangimento físico ou psicológico decorrente
do inconformismo do (a) ex-parceiro (a), [...].

Já Nucci158, critica a inserção do referido inciso no texto da


Lei, por considerar que o legislador foi além do que queriam os tratados
ratificados pelo Brasil, pois a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher prevê que tal violência ocorre nas relações
em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que a mulher.
O autor afirma que a redação do tratado é bem menos abrangente do que a
redação do referido inciso. E mais: entende como inaplicável a disposição: “Ora,
se agressor e vítima não são da mesma família e nunca viveram juntos, não se
pode falar em violência doméstica e familiar. Daí emerge a inaplicabilidade do
dispositivo no inciso III”.

Porto159 discorda do entendimento de Nucci, afirmando que


inexiste vínculo de obrigatoriedade aos limites estabelecidos pelo Tratado

157
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
46.
158
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 865.
159
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 26.
66

Internacional. Se, por um lado seria censurável se a lei interna fosse promulgada
em um nível menor de proteção do bem jurídico do que aquele estipulado no
plano do Direito Internacional, por outro, optar por um nível mais profundo nessa
proteção é licito e benéfico. Para o autor, o problema do inciso III do artigo 5º não
está no limite de proteção entre a Lei 11.340/06 e a norma internacional, mas na
redação do dispositivo, porque a expressão relação íntima de afeto tem amplo
espectro significativo e dá ensejo à criminalização de “uma abrangência de
relacionamentos interpessoais tão larga que confronta perigosamente o princípio
da taxatividade160”.161

Por fim, para o autor, tendo em vista que as relações


afetivas vêm se caracterizando pela “fragilidade dos vínculos, ausência de
compromissos e de coabitação”, há dificuldade prática na verificação empírica dos
fatos através da coleta probatória, o que torna quase inaplicável a norma:

[...] a comprovação pura e simples de uma “relação íntima de


afeto” será sempre uma tarefa hercúlea, pois forçará o juiz a
adentrar n intimidade dos envolvimentos, comparando dados de
difícil apreensão com conceitos indeterminados e sumamente
pessoais. [...] as ditas relações íntimas de afeto só poderão
prestar-se à caracterização de violência doméstica quando
emergirem evidentes a constatação judicial, lastreadas em amplo
espectro probatório.

Diante da discordância entre os doutrinadores, vale a lição


de Souza162:

160
Segundo Prado, o princípio da taxatividade (nullum crimen sine lege scripta et stricta) “diz
respeito à técnica de elaboração da lei penal, que deve ser suficientemente clara e precisa na
formulação do conteúdo do tipo legal e no estabelecimento da sanção para que exista rela
segurança jurídica. [...] significa que o legislador deve redigir a disposição legal de modo
suficientemente determinado para uma mais perfeita descrição do fato típico [...]. tem ele, assim
uma função garantista, pois o vinculo do juiz a uma lei taxativa o bastante constitui uma
autolimitação do poder punitivo-judiciário e uma garantia de igualdade. (PRADO, Luiz Regis.
Curso de direito penal brasileiro, volume I: parte geral, arts. 1.° a 120. 6 ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.).
161
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 27.
162
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
48-49.
67

[...] se a violência tem lugar fora do âmbito doméstico, [...],


somente estará fora do âmbito de proteção desta Lei se for
praticada por uma pessoa que não mantenha vínculo de
afetividade íntima, doméstico ou familiar com a vítima, caso em
que aplicam-se as regras processuais gerais e inclusive as da Lei
9.099/95.

Além das considerações concernentes ao âmbito de


aplicação da Lei Maria da Penha, são necessários também esclarecimentos sobre
as formas de violência contra a mulher, descritas na Lei. O próximo item presta-se
a este fim.

2.5 FORMAS DE VIOLÊNCIA

A Lei 11.340/06 traz, em seu artigo 7°, um rol de formas de


violência doméstica e familiar contra a mulher, o qual, segundo Dias163, não é
taxativo, em razão, da expressão “entre outras”, inserida no caput do artigo:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a


mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda
sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que
lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual
não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer
modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto
ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou

163
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 46.
68

manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos


sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados
a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que
configure calúnia, difamação ou injúria.

Convém lembrar que a Lei 11.340/06 não criou novos tipos


penais, mas acrescentou aos tipos já estabelecidos dispositivos complementares,
com caráter especializante, que prevalecem sobre as formas gerais, em
obediência ao princípio da especialidade consagrado no artigo 12 do CP164,
conforme salienta Porto165. O autor exemplifica os crimes que terão “versões
especiais”: lesões corporais leves, ameaça, constrangimento ilegal, periclitação
da vida e da saúde, exercício arbitrário das próprias razões, dano, crimes contra a
honra, posse sexual mediante fraude, assédio sexual, desobediência a ordem
judicial etc.

Importa ainda trazer à colação que só se pode considerar


violência doméstica e familiar contra a mulher a ocorrência de uma das formas de
violência descritas nos incisos do artigo 7º em uma das circunstâncias previstas
no artigo 5º da Lei 11.340/06. Assim, da combinação entre os artigos referidos,
aduz-se que poderá haver violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou
moral contra a mulher, no âmbito doméstico, ou familiar, ou em razão de relações
afetivas atuais ou pretéritas. Se a violência não ocorrer dentro dessas formas e
circunstâncias, estará afastada a aplicação da Lei 11.340/06166.

De acordo com o artigo em apreciação, a violência


doméstica e familiar pode se manifestar de cinco formas, as quais serão
estudadas individualmente.

164
BRASIL. Código penal. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
165
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 23.
166
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 24.
69

2.5.1 Violência física

A lesão corporal resultante de violência doméstica já era


disciplinada pelo CP desde 2004, quando foi acrescentado o §9° ao artigo 129; a
Lei Maria da Penha apenas majorou a pena abstrata prevista para o referido
delito: passou de 6 meses a um ano para de 3 meses a 3 anos.

Contudo, o legislador explicou de forma especial o que


configura violência física: “qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde
corporal”.

Segundo Porto167, Por violência física se entende “a ofensa


à vida, saúde e integridade física. Trata-se da violência propriamente dita, a vis
corporalis”.

Cunha168 define violência física como “o uso da força,


mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras
etc, visando, desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima,
deixando ou não marcas aparentes, [...]”.

Da mesma forma, Dias169 adverte que não são necessárias


marcas aparentes resultantes da agressão física, basta que o corpo ou a saúde
física da mulher sejam ofendidos pelo uso da força, quer a ação seja dolosa, quer
seja culposa, pois não houve distinção na Lei sobre a intenção do agressor.

2.5.2 Violência psicológica

A violência psicológica não tinha previsão na legislação


pátria, contudo estava incluída no conceito de violência contra a Mulher adotado
na Convenção de Belém do Pará170, sendo, conseqüentemente, incorporada à Lei
11.340/06.

167
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 25.
168
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 37.
169
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 46-47.
170
A Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher), ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, sendo aprovada
70

Trata-se de um conceito impróprio e violência, conforme


171
aduz Porto , “pois tradicionalmente o que aqui se denomina violência
psicológica é a grave ameaça, a vis compulsiva”.

Para Nucci172, mais uma vez exagerou o legislador em


inserir essa modalidade de violência:

[...] o legislador se estendeu demais, nas hipóteses que a


retratam, chegando a considerar violência psicológica qualquer
dano emocional, humilhação ou ridicularização, como exemplos.
Ora, em tese, todo e qualquer crime é capaz de gerar dano
emocional a vítima, seja ela mulher, seja homem. [...] Reservemos
a aplicação da nova agravante aos delitos que, realmente,
ingressem no contexto da discriminação contra a mulher, no
âmbito doméstico ou familiar.

Cunha e Pinto173 entendem como violência psicológica a


agressão emocional, cujo comportamento típico se dá quando o agente “ameaça
rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se
sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído”.

Conforme Porto174, violência psicológica “é a ameaça, o


constrangimento, a humilhação pessoal”.

Dias175 afirma que a disposição visa proteger a auto-estima


e a saúde psicológica da mulher contra a agressão emocional, a qual considera
tão ou mais grave que a física. Para a autora, a modalidade violência psicológica,

pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo 107/1995 e promulgada pelo Presidente
da República através do Decreto 1.973/1996, assim define as formas de violência contra a
mulher: “Art. 2.° Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e
psicológica [...]”. (ORGANIZAÇAO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de
Direitos Humanos. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher: Convenção de Belém do Pará. Disponível em:
<http://www.cidh.org/Básicos/base8.htm>. Acesso em: 07 abr. 07.)
171
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 25.
172
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 867.
173
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 37.
174
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 25.
175
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 47.
71

por acontecer de forma velada e silenciosa, é a mais freqüente e talvez a menos


denunciada.

A violência psicológica é caracterizada, segundo Souza176:

[...] por métodos de dissuasão da vítima, quando ela pretende


desfazer o vínculo conjugal ou de outra natureza, que mantém
como o(a) agressor(a), como a violência consistente em ameaças
contra a integridade física da vítima; [...] a ameaça de matar ou
sumir com os filhos comuns, dentre outras.

Verifica-se que mais uma vez ousou o legislador, inserindo


expressões ate então inéditas no ordenamento jurídico brasileiro. Não obstante as
criticas aqui consignadas, é sabido que a mulher realmente experimenta
situações em que se vê humilhada e completamente absorvida pela situação de
violência em que está continuamente inserida por anos e até por toda uma vida.

2.5.3 Violência sexual

A violência sexual também já estava tipificada em vários


artigos do CP, no Título VI – Dos crimes contra os costumes – entre os artigos
213 e 234. A Lei 11.340/06 cuidou de fazer referência expressa a essa
modalidade de violência, a fim de fazer incidir sobre as mulheres vítimas desses
crimes a tutela especializada.

Nucci177 observa que a descrição de violência sexual feita no


inciso III pode atingir situações nem mesmo tipificadas pela lei penal “(ex.: o pai
impede que a filha saia com o namorado para manter relação sexual, constituindo
uma limitação ao seu direito sexual. Ora, não configurando constrangimento ilegal
ou seqüestro, inexiste tipo penal apropriado)”.

176
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
52-53.
177
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 867.
72

Porto178 define a violência sexual como “constrangimento


com o propósito de limitar a autodeterminação sexual da vítima, tanto pode
ocorrer mediante violência física como através da grave ameaça (violência
psicológica)”.

Digna de nota a observação de Dias179. A autora informa


que a Convenção de Belém do Pará reconheceu a violência sexual como
violência contra a mulher, mas sempre houve uma tendência a jurisprudencial e
doutrinária a se desconsiderar a possibilidade de ocorrer violência sexual nos
vínculos familiares. Assim, identificava-se o exercício da sexualidade como um
dos deveres do casamento, legitimando-se a insistência do homem, como se
estivesse ele a exercer um direito.

Outro ponto a ser destacado é a possibilidade de o delito de


assédio sexual, mesmo estando ligado às relações de trabalho, também poder
constituir violência sexual submetida à Lei Maria da Penha, desde que a vítima,
alem do vínculo estabelecido pelo artigo 5º, trabalhe para o agressor.180

Dias também observa que, em razão do disposto na


segunda parte do inciso II do artigo 7º da Lei 11.340/06: “[...] ou que limite ou
anule o exercício de seus direitos sexuais ou reprodutivos;”, deve ser dado à
mulher o acesso aos serviços de contracepção de emergência e a outros
procedimentos médicos necessários e cabíveis, conforme o artigo 9º, §3º:

A vítima precisa ter acesso não só ao medicamento que se


popularizou como “pílula do dia seguinte”, como ao aborto que é
permitido, quando a gravidez resulta de estupro. [...] De qualquer
forma, para a interrupção da gravidez que decorreu de violência
sexual não é necessária autorização judicial, até porque se trata
de exercício de direito assegurado na lei que não impõe essa
condição.

178
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 25.
179
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 48-49.
180
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 50-51.
73

Verifica-se que, apesar de não trazer novas tipificações


penais, as circunstâncias estabelecidas pela Lei Maria da Penha alargam
possibilidades de proteção da mulher também no tocante à violência sexual,
protegendo-a em situações em que, antes do advento da Lei, estavam a
descoberto.

2.5.4. Violência patrimonial e as causas de imunidade do art. 181 do CP

Os crimes contra o patrimônio como o furto, dano,


apropriação indébita etc. já se encontram definidos no CP, no Título II (artigos 155
a 180). Mas o inciso IV do artigo 7º da Lei 11.340/06 trouxe uma definição
especial daquilo que considera violência patrimonial para os seus efeitos.

Nas palavras de Porto181, violência patrimonial consiste em


“retenção, subtração, destruição de instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos”.

O autor observa que o conceito de violência patrimonial


trazido pelo inciso IV do artigo 7º da Lei 11.340/06 se traduz em “uma forma
genérica de violência imprópria, com um conceito tão alargado que desafia
frontalmente a semântica tradicional”. Nítida, para o autor, a intenção do
legislador em alcançar, mediante o conceito violência patrimonial, os crimes
patrimoniais não-violentos.

Assim, é relevante questionar se a referida Lei derrogou ou


não as causas de imunidade penal dos incisos I e II do art. 181 do CP, que dão
isenção de pena ao agente que comete delito patrimonial sem violência ou grave
ameaça contra o cônjuge na vigência da sociedade conjugal, ascendente ou
descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, civil ou natural em qualquer
das hipóteses previstas nos artigos 5º e 7º, IV.

Transcreve-se o artigo 181 do CP182, para a compreensão


do ponto:

181
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 25.
182
BRASIL. Código penal. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
74

Art. 181. É isento de pena quem comete qualquer dos crimes


previstos neste titulo em prejuízo:
I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou
ilegítimo, seja civil ou natural.

Dias183 entende que não mais se aplicam as isenções


previstas nos artigos 181 e 182 do CP quando os crimes são praticados numas
das situações previstas no artigo 5°: as condutas previstas como violência
patrimonial (subtração, apropriação, destruição), além de passarem a constituir
crime (com o afastamento da aplicação dos artigos 181 e 182 do CP), agravam a
pena, pela aplicação do art. 62, II, f, do CP. Assim, não mais se admite o
afastamento da pena ao infrator que pratica um crime patrimonial contra sua
esposa, companheira, namorada ou parente do sexo feminino.

Há de se considerar, contudo, que não é pacífica a posição


doutrinária sobre esta questão.

Para Porto184, a partir de uma análise literal da nova lei, em


princípio estariam derrogadas (revogadas parcialmente) de forma tácita, as
imunidades absolutas do artigo 181 do CP; todavia, se válida essa interpretação,
fica a dúvida quanto à aplicação da imunidade em relação à mulher que pratica
delito patrimonial contra o cônjuge varão. Em caso afirmativo, haveria tratamento
desigual aos dois gêneros. Para o autor, nesse ponto, haveria ofensa ao princípio
constitucional da igualdade, eis que tal tratamento “[...] se afigura destituído de
razoes lógicas ou racionais”. Ademais, com relação aos delitos patrimoniais não
violentos, não se afigura vantagem física do homem sobre a mulher, não havendo
assim, motivação racional para tratamento tão desigual e não se justificam
tratamentos legais diferenciados que visem a persecução de maior igualdade
material, pois na prática dos referidos delitos, ”nenhuma qualidade específica do
homem melhor o habilita em significativo prejuízo da mulher”. Assim, o autor
critica a exclusão da imunidade do artigo 181 do CP somente para o agente do
sexo masculino:

183
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 52.
75

[...] a Lei Maria da Penha foi aprovada sob a bandeira da violência


física contra a mulher, demonstrada por levantamentos e
estatísticas, mas trouxe de carona outras formas próprias e
impróprias de violência [...] algumas delas que a experiência nem
revelou assim tão freqüente ou tão exclusiva do homem contra a
mulher.

Já Cunha e Pinto185, em entendimento contrário, consideram


que a violência patrimonial “raramente se apresenta separada das demais,
servindo, quase sempre, como meio para agredir, física ou psicologicamente a
mulher”. Assim, estaria justificada a desigualdade formal causada pela
derrogação da imunidade em sede de violência patrimonial contra a mulher.

Em sentido contrário, Nucci186 reputa inútil o dispositivo no


contexto penal, considerando-se, segundo seu entendimento, que persistem as
imunidades (absoluta ou relativa) estabelecidas pelos artigos 81 e 82 do CP nos
casos de delitos patrimoniais não violentos no âmbito familiar. Fora desse
contexto, havendo crime patrimonial, já existiam as agravantes pertinentes (artigo
61, II, e ou f). O autor também afirma que a diferença de tratamento consiste em
evidente lesão ao princípio da igualdade, pois não há razão plausível para tal:
“Difícil seria sustentar que o furto cometido pelo namorado contra a namorada,
calcado no art. 5º, III desta Lei, seria agravado e o contrário não se daria”.

Dias considera um equívoco questionar a utilidade deste


dispositivo, porque as situações em que o alimentante deixa de prover a
subsistência da esposa ou companheira, independente de fixação judicial do
encargo, também configuram violência patrimonial, como no caso de o varão
deixar de fazê-lo ainda durante a vida em comum, o que também constitui
abandono material, segundo a autora.187

184
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 61.
185
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 38.
186
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 867.
187
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 53.
76

Por fim, Porto188 admite que realmente quis o legislador


revogar qualquer regra anterior que imunizasse penalmente o autor de delitos
abarcados pelo conceito fixado no inciso IV do artigo 7º:

A nosso ver, [...], ocorre a derrogação (revogação parcial) de tais


dispositivos, porquanto esta não se dá apenas de forma expressa,
mas também na modalidade tácita, de sorte que, quando a Lei
Maria da Penha enfatiza tão acentuadamente o caráter criminoso
da violência patrimonial contra a mulher, conceituando formas
existencializadoras desta modalidade de violência, deixou implícito
que qualquer regra anterior que imunizasse penalmente o autor de
delitos abrangidos no conceito ali sedimentado estava revogada.

Com efeito, verifica-se que a violência patrimonial praticada


nas hipóteses dos artigos 5º e 7º da Lei 11.340/06, ainda que sem violência física
ou grave ameaça, podem dar ensejo ao afastamento das imunidades previstas no
artigo 181 do CP; todavia, em razão de não ser expressa tal derrogação, as
decisões judiciais futuras indicarão a melhor providência. Aguardam-se os
entendimentos jurisprudenciais neste sentido.

2.5.5 Violência moral

A violência moral é mais uma forma de violência que já


estava contemplada no CP, sob a denominação crimes contra a honra (calúnia,
difamação e injúria, respectivamente previstos nos artigos 138, 139 e 140 do CP).

Os delitos contra a honra, quando cometidos contra a mulher


nas circunstâncias previstas no artigo 5° da Lei 11.340/06, configuram violência
moral, devendo ser reconhecidos como violência doméstica e familiar contra a
mulher, o que impõe o agravamento da pena, nos termos do art. 61, II, f do CP,
consoante o entendimento de Dias189.

Nesse sentido, é o que registra Porto: “em linhas gerais, são


os crimes contra a honra da mulher”.

188
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 61.
189
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 54.
77

Conforme se verificou na análise dos posicionamentos


doutrinários acerca das formas de violência do artigo 7° até aqui estudadas, há
entendimentos no sentido de que o legislador exagerou ou foi redundante;
contudo, conforme Souza190, não haveria exagero do legislador ou impropriedade
na caracterização das formas de violência doméstica e familiar trazidas pela Lei
Maria da Penha, porque:

As modalidades de violência que o legislador inseriu neste artigo


7° são aquelas que nas pesquisas e relatórios nacionais e
internacionais sobre violência de gênero, surgem como as que
mais comumente são praticadas contras as mulheres no âmbito
familiar e doméstico e também nas relações íntimas de afeto em
geral [...].

Analisadas as questões referentes aos sujeitos, aos âmbitos


de incidência e às formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
verifica-se que os entendimentos doutrinários são variados.

A Lei Maria da Penha trouxe diversas inovações no campo


processual, com destaque para a retratação da representação da vítima, a
manutenção ou o afastamento da exigibilidade da representação nos crimes de
lesões corporais qualificadas pela violência doméstica e familiar contra a mulher,
aspectos que tem gerado discordância doutrinária, e para as medidas protetivas
de urgência que obrigam o agressor, as quais têm sua utilidade bastante
reforçada pela doutrina. O próximo capítulo irá analisar essas questões.

190
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher.
78

CAPÍTULO 3

ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LEI MARIA DA


PENHA

No terceiro e último capítulo desta monografia serão


analisados aspectos destacados da Lei Maria da Penha, os quais foram incluídos
na pesquisa em razão de sua inovação e/ou controvérsia doutrinária. Pretende-
se, aqui expor as considerações doutrinárias acerca da renúncia à representação,
prevista no art. 16 da referida Lei, da questão da ação penal nos crimes de lesões
corporais leves qualificadas pela violência doméstica e familiar contra a mulher e,
por último, as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor que se
afiguram mais importantes.

3.1 RENÚNCIA, RETRATAÇÃO E REPRESENTAÇÃO - CONCEITOS

Antes de analisar a questão da renúncia à representação


prevista no art. 16 da lei 11.340/06, importa analisar os conceitos de renúncia,
retratação e representação existentes na legislação penal e processual penal.

Tradicionalmente, em nosso ordenamento jurídico, a


renúncia está para queixa, da mesma forma que a retratação está para
representação. Aquela se aplica aos crimes de ação privada. Esta, aos crimes de
ação pública condicionada à representação. São situações jurídicas distintas.

O artigo 100 do CP191 define o cabimento de um ou de outro


instituto, conforme a modalidade de ação penal a ser promovida:

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei


expressamente a declara privativa do ofendido.

p.52-53.
191
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006.
79

§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público,


dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido
ou de requisição do Ministro da Justiça.
§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do
ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de
ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no
prazo legal.
§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado
ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de
prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente
ou irmão.

Para que se possa avaliar o que a Lei 11.340/2006


prescreve acerca dos institutos em estudo, importa analisar os conceitos de
renúncia e retratação estabelecidos pela doutrina.

3.1.1 Renúncia

Jesus192 define renúncia como “[...] a abdicação do ofendido


ou de seu representante legal do direito de exercer a ação penal privada”. [...] só
é possível antes do início da ação penal privada, o que pode ser percebido pelo
disposto no art. 104, caput, do CP, pois ela obsta o oferecimento da queixa.
Assim, é oportuna a renúncia dentro de seis meses previstos para o exercício da
ação penal privada [...].193

No mesmo sentido, define Tourinho Filho194: renúncia “[...] é


a abdicação do direito de oferecer queixa-crime, do direito de promover a ação
penal privada”.

Renúncia, conforme Teles195, “é a desistência do direito de


acionar o agente do crime. Se o ofendido e seu representante legal são os
titulares da ação, por força de lei, e não desejam, por ato voluntário, promover a

192
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. vol. 1. parte geral. 28 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005.
p. 697.
193
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. de. p. 697.
194
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 1. p. 596.
195
TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral, p. 523.
80

persecução penal, o Estado, que lhes concedeu esse direito, não poderá punir,
ficando, se conseqüência, extinta a punibilidade”.

Renúncia, para Cunha196, significa “abdicação do exercício


de um direito”.

Segundo Nucci197: renúncia é a desistência de propor a ação


penal privada. Ocorre antes do ajuizamento da ação.

Para Souza,198 “Conforme expressa o art. 107, inc. I, do


Código Penal, renúncia consiste na abdicação ao direito de queixa, ou seja, no
caso em estudo, ao direito de apresentar ação penal em face da pessoa que
figure como suposta agressora”.

Segundo Teles199, a renúncia aplica-se apenas aos casos de


ação penal de iniciativa privada, exclusiva ou subsidiária da pública.

O instituto da renúncia é previsto no CP200, como causa


extintiva de punibilidade, nos crimes de ação penal privada:

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:


.........................................
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos
crimes de ação privada;
.......................................

A renúncia antecede a propositura da ação penal, isto é,


iniciada a ação penal, já não haverá lugar para a renúncia. Segundo Jesus201, se
a renúncia é abdicação do direito à queixa, haverá, necessariamente, de

196
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 75.
197
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006. p. 493.
198
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
95.
199
TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral, p. 523.
200
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006.
201
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, v. 1. p. 597.
81

anteceder ao oferecimento desta. Assim, o momento oportuno para o ofendido


renunciar ao direito de queixa estende-se desde a data em começou a fluir o
prazo para o seu oferecimento (CPP, art. 38) até o último dia para a propositura
da ação penal privada.

3.1.2 Retratação da representação

Segundo Dias202, “[...] depois de feita a representação é


possível que a vítima se retrate, desista de ver o seu ofensor processado. Assim,
“retratação” é desistir da representação já manifestada”. A retratação conduz a
decadência do direito e é causa extintiva da punibilidade, conforme o art. 107, IV,
do CP.

Conforme Jesus203, se o ofendido exerce o direito de


representação, pode retirá-la antes de iniciar-se a ação penal com o oferecimento
da denúncia.

Tourinho Filho204 conclui: “feita a representação, aquele que


a fez poderá retratar-se, desde que a denúncia ainda não tenha sido oferecida”.
Segundo o autor, mesmo que o Juiz ainda não a tenha recebido, não mais cabe a
retratação.

3.2 RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO NA LEI MARIA DA PENHA

Conforme dispõe o artigo 16 da lei 11.340, a renúncia à


representação só se admite perante o juiz, antes do recebimento da denúncia:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à


representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida
a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento
da denúncia e ouvido o Ministério Público. (grifo nosso)

202
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 111
203
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. p. 662.
204
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 1. p. 357.
82

Nota-se que foi utilizado o termo renúncia pelo legislador ao


se referir aos crimes de ação penal pública condicionada. Conforme já se
oportunizou observar, a renúncia é instituto aplicável exclusivamente aos crimes
de ação privada. Em análise superficial, poder-se-ia considerar como inaplicável o
dispositivo por força de sua impropriedade. Esta questão da impropriedade
terminológica encontra eco na doutrina, uma vez que a renúncia é instituto próprio
da ação penal privada. Contudo, há que ser analisado mais detalhadamente o
ponto.

3.2.1 Utilização equivocada do termo renúncia

Dias205 considera que a discussão em torno da terminologia


renúncia à representação se dá em relação ao seu significado: “nesta expressão,
a palavra renúncia significa: Renúncia, retratação ou desistência?”. A autora
afirma que tanto a renúncia quanto a retratação são espécies do gênero
desistência, a qual define: “desistir é tanto se quedar inerte, deixar escoar a
possibilidade de manifestar a vontade como tem o sentido de renunciar, abrir mão
da manifestação já levada a feito, voltar atrás no que foi dito”. A diferença se daria
em relação ao momento em que ocorrem: “[...], “renúncia” significa não exercer o
direito, abdicar do direito de representar. Trata-se de ato unilateral que ocorre
antes do oferecimento da representação. Já “retratação” é ato posterior, é desistir
da representação já manifestada”206.

Deste modo, segundo Dias207, “Só cabe retratação depois de


ter havido a representação. [...]. Assim, para haver retratação é necessário que
tenha havido a representação: Prévia manifestação de vontade que leva à
instauração do inquérito policial”.

Cunha e Pinto208 consideram que há impropriedade


terminológica na adoção do termo renúncia, pois o legislador pretendeu se referir,
na realidade, à retratação da representação. Segundo os autores, ainda, há

205
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 110.
206
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 110-111.
207
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 111.
208
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 75.
83

contrariedade ao artigo 25 do CPC, pois não se admite a retratação após a oferta


da denúncia: “[...], a audiência tratada no dispositivo em estudo é realizada
quando já se tem a denúncia, conforme se verifica da parte final do artigo em
comento, ao tempo, portanto, que não mais seria admitida a retratação”. Isto
porque o referido artigo, com redação idêntica ao artigo 102 do CP, admite a
retratação somente até antes do oferecimento da denúncia:

Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a


denúncia. (CPP)

Art. 102. A representação será irretratável depois de oferecida a


denúncia. (CP)

Nesta esteira, Dias constata a imperfeição apresentada,


protestando pela utilização do termo retratação:

[...], é necessário atentar que, em sede de violência doméstica, a


representação é levada a efeito quando do registro da ocorrência,
[...]. Assim, a posterior manifestação da vítima perante o juiz de
não querer que a ação se instaure, se trata de “retratação à
representação”. Portanto, atenderia à melhor técnica, tivesse o
legislador utilizado a expressão “retratação” ou mesmo
“desistência” ao admitir a possibilidade de a ofendida voltar atrás
da representação levada a efeito perante a autoridade policial.

Cunha e Pinto209, contudo, aduzem que os artigos 25 do


CPP e 102 do CP devem ser desconsiderados, nos casos de violência doméstica
e familiar contra a mulher, passando a ser admitida a retratação da representação
mesmo depois do oferecimento da denúncia.

É o que conclui também Dias210:

O Código Penal exige a representação para o desencadeamento


do inquérito policial e admite a “retratação” até o oferecimento da
denúncia. [...]. Já na Lei Maria da Penha a representação é levada

209
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 75.
210
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 113-114.
84

a efeito perante a autoridade policial, quando do registro da


ocorrência, havendo a possibilidade de ocorrer a “retratação” até o
recebimento da denúncia. Como se vê, os vocábulos “renúncia” e
“retratação” são utilizados com significado diverso em cada lei.

Assim, segundo o entendimento da autora, há grande


diferença entre a retratação estabelecida pelo CP e a estabelecida pela Lei
11.340/06: “Sob a égide do Código Penal, o momento derradeiro para a
retratação é o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Em sede de
violência doméstica, a possibilidade de retratação vai até o recebimento da
denúncia pelo juiz”211.

Cabette212 critica a inserção do artigo e entende que ainda


que se corrija o equívoco do legislador em utilizar o termo renúncia, passando-se
a usar o termo retratação, e que se considerem como derrogados os artigos 25 do
CPP e 102 do CP, nem assim estariam sendo atendidos os objetivos almejados
pela Lei 11.340/06 :

Nos casos de violência doméstica contra a mulher, derrogado o


artigo 25, CPP, para alongar o tempo da retratação (jamais
“renúncia”), teria o legislador criado uma nova formalidade
processual antes do recebimento da denúncia, qual seja, a oitiva
da vítima para que se manifeste quanto a eventual retratação
anteriormente ofertada. [...] Por isso, embora a lei seja silente
nesse aspecto, entende-se que o melhor seria que tal audiência
somente fosse designada excepcionalmente em caso de
requerimento da ofendida ou a fim de confirmar sua retratação
espontânea e anteriormente operada no curso do Inquérito
Policial.

211
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 114.
212
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e
familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n.1146, 21 ago. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8822>. Acesso em: 02 jul. 2007.
85

Souza213, todavia, adverte que a renúncia prevista no art. 16


ocorre antes da apresentação da denúncia, não havendo, portanto, contrariedade
ao disposto nos artigos 25 do CPP e 102 do CP.

3.2.2 Utilidade do instituto

Souza214 lembra que nos casos de violência doméstica, a


retratação “[...] tem se constituído em uma das formas mais comuns dessa
anômala extinção de punibilidade, principalmente em decorrência das pressões
levadas a efeito por parentes e pela própria pessoa indiciada como agressor”.

Destarte, conforme Dias215, a retratação da representação


da forma como foi estabelecida pela Lei 11.340/06 beneficia a vítima, pois apesar
de ser manifestada somente em audiência, não se admite a intimação do ofensor
nem de seu defensor, sendo ambos impedidos de participarem da solenidade; isto
porque “A intenção do legislador foi cercar a retratação da ofendida da mais
ampla garantia de independência”.

Cabette216, admitindo estarem derrogados os artigos 25 do


CPP e 102 do CP, considera que o legislador criou uma nova formalidade
processual: a oitiva da vítima para que se manifeste quanto à possível retratação
da representação já ofertada; o autor vê nesta nova forma de retratação após a
denúncia “uma certa insistência na proposta de que a vítima abra mão de seu
direito de representação já exercido e mantido até aquela fase”.

Souza217 considera que “tal formalidade se apresenta


necessária à luz da novel legislação, com vistas a garantir que a vontade da
vítima não seja viciada por pressões ou ameaças que a levem a se retratar”. Ao

213
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
98.
214
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
94.
215
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 115.
216
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e
familiar contra a mulher. Jus Navigandi.
217
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
96.
86

mesmo tempo, esclarece que não se aplica aos crimes que admitem renúncia –
os que a lei autoriza a ação penal privada – porque a vítima pode utilizar outros
mecanismos processuais para provocar a extinção da punibilidade (perdão e
perempção), diferentemente das situações em que somente cabe a ela pedir ou
não a atuação do Estado contra o suposto agressor (ação penal pública
condicionada à representação).

Nucci218 também considera que a intenção do legislador, ao


estabelecer forma solene para a desistência da vítima em ver processado o seu
agressor, foi dificultar a retratação, propiciando à mulher maior reflexão acerca
das conseqüências de seu ato:

Portanto, o que se pretende, em verdade, é atingir um maior grau


de solenidade e formalidade para o ato, portanto busca-se
alcançar maior grau de conscientização da retratação da mulher,
que afastará a punição do agressor. Na audiência o magistrado
deve tornar bem claro à desistente as conseqüências do seu ato,
advertindo-a dos benefícios e medidas de proteção trazidos por
esta Lei.

Diante da dificuldade em se definir a melhor interpretação


possível para a formalidade prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha, alguns
doutrinadores já esboçam entendimentos acerca de sua aplicabilidade. No item
seguinte analisar-se-ão essas possibilidades.

3.2.3 Coerência interpretativa e solução da controvérsia doutrinária acerca


do artigo 16 da Lei 11.340/2006

Não obstante as críticas formuladas por alguns


doutrinadores, tanto em relação à utilidade do instituto quanto à imperfeição
terminológica demonstrada, é razoável que se considere o objetivo colimado com
a adoção do instituto.

218
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 874.
87

Nesse sentido se posiciona Souza219, ao esclarecer que a


Lei 11.340/2006 está de fato se referindo à retratação da representação, e não à
renúncia, tendo em vista que o artigo 16 da norma está tratando de ações penais
públicas condicionadas à representação. O autor considera que o termo renúncia
foi inadequadamente utilizado:

[...] por força do hábito, decorrente do disposto no parágrafo único


do art. 74 da Lei 9.099/95, que se refere a esse instituto não só
como causa impeditiva da apresentação da queixa-crime, bem
como da representação, em ambos os casos mantendo o efeito de
gerar a extinção da punibilidade (CP, art. 107, inc. V)”220.

Souza adverte, também, que não se deve interpretar de


forma extensiva o artigo 16, apesar da autorização expressa no artigo 3° do
CPP221, a fim de se afirmar a necessidade de se aplicar a formalidade prevista
aos casos em que caiba a renúncia. Caso fosse estendida a interpretação do
artigo em análise aos crimes de ação privada, haveria, segundo o autor, “uma
analogia in malam partem, o que ofende o princípio da legalidade”.

Nesta esteira, aduz o autor que “Portanto, a formalidade


inserida no art. 16 da Lei 11.340/06, aplica-se apenas aos crimes sujeitos a ação
penal condicionada à representação, sendo que o termo “renúncia” ali consignado
tem o sentido de “retratação”, [...].”222

Dias223, por fim, elogia a mudança: “Andou melhor a Lei


Maria da Penha ao estabelecer como prazo final a decisão do juiz que recebe a
denúncia”.

219
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
94.
220
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
95.
221
A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o
suplemento dos princípios gerais do direito.
222
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
96-97.
223
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 114
88

3.2.4 A questão da representação no crime de lesão corporal leve

Outro ponto que surge, ao se falar em representação da


vítima de violência doméstica e familiar, é a questão do cabimento da
representação em relação ao delito previsto no art. 129, §9° do CP (lesão corporal
leve qualificada pela violência doméstica e familiar).

Antes da vigência da Lei Maria da Penha, o referido crime


era da competência dos JECrim, estando sujeito o seu processamento à
representação da vítima, nos termos do art. 88 da Lei 9.099/95224. Isto porque a
pena máxima era de um ano de detenção, sendo considerado como delito de
menor potencial ofensivo.

Ocorre que o art. 41 da nova Lei dispõe expressamente a


não aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher.

Assim, todos os institutos despenalizadores previstos pela


Lei 9.099/95 estão afastados quando o crime envolve violência doméstica e
familiar contra a mulher, independente da pena cominada, conforme conclui
Bastos225:

Deste modo, [...], qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe
transação penal nem suspensão condicional do processo nem
composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra
termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser
lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada
fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida
paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a
denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no
Código de Processo Penal, em se tratando de lesão corporal leve
a ação penal será de iniciativa pública incondicionada etc.

224
Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de
representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.
225
BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei “Maria da Penha”.
Alguns comentários. Jus Navigandi.
89

Contudo, a doutrina se divide, uma parte afirmando que


continua a exigência de representação e outra parte entendendo que volta a
inexistir a necessidade do instituto.

Levando-se em conta que a exigência de representação


constitui obstáculo ao direito de punir estatal, parte da doutrina conclui de que se
trata de fato de benefício despenalizador. É o que entende Grinover226: “A
transformação da ação penal pública incondicionada em ação penal pública
condicionada significa despenalização. [...], sem descriminalizar, passa o
ordenamento jurídico a dificultar a aplicação da pena de prisão”.

Alguns doutrinadores, apesar de considerarem a exigência


de representação como um benefício despenalizador, entendem que a medida
vem em favor da vítima, porque lhe concede o poder de decidir acerca da
instauração do processo contra o acusado.

Neste sentido, Porto227 afirma que “melhor interpretação é a


que continuará a exigir esta condição de procedibilidade em tal espécie delitiva”,
porque:

[...] embora pareça irrecusável que, em muitos casos, a mulher


vítima de violência doméstica sofrera pressão para desistir da
representação oferecida e que, [...], esta pressão poderá exercer
acentuada influencia em sua decisão, não é menos certo
asseverar que a Lei 11.340/06 também visa minimizar ou a
eliminar por completo esta constelação de fatores perversos,
criando condições para uma decisão mais livre por parte da
vítima.

Conclui o autor que sendo mantida a exigência de


representação, “não se estará neutralizando a vítima”, pelo contrário, estaria
sendo respeitada a autonomia da vontade feminina, sendo-lhe oportunizado maior

226
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais – Comentários à Lei 9.099/95.
5 ed. São Paulo: RT, 2005. p. 226.
227
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 45-47.
90

“empoderamento na relação ou nas condições em que esta se findará.”228., Além


disso, entende que:

[...] a razão mais crucial e elevada para a admissão da


representação, nos crimes de lesões corporais leves praticados
com violência doméstica contra a mulher, reside no caráter
personalíssimo do fato, que recomenda, por ressalva a intimidade
da própria vítima e ao seu livre arbítrio, prevaleça a sua vontade.
229

Neste sentido, Campos, citada por Porto230, declara que se


posiciona “favoravelmente à possibilidade de a representação obedecer ao desejo
da vítima, pois esse é o único momento em que ela é sujeito do processo penal”.

Dias231, advogando pela manutenção da exigência de


representação para os delitos em questão, entende que a renúncia à
representação está cercada de todas as garantias para que a vítima não se sinta
constrangida a fazê-la. Assim:

[...] a possibilidade de retratar a representação [...] Confere a


vítima certo poder de barganha frente ao agressor, pois esta nas
suas mãos a possibilidade de ele ser processado, condenado,
preso ou absolvido sem qualquer registro de antecedentes. [...]
alem de poder levar o agressor a concordar cm a separação nos
termos por ela propostos, rompendo-se o ciclo de violência.

A autora entende, também, que não seria mais cabível a


ação penal depois de reconciliado o casal ou de ter o juiz homologado a
separação com definição de alimentos, guarda de filhos e visitas e partilha de
bens. E que a razão da Lei Maria da Penha é “apaziguar os vínculos familiares

228
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 54.
229
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 53.
230
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 41.
231
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 123.
91

que precisam continuar harmônicos mesmo depois de cessado o vínculo de


convívio”232.

Em sentido contrário, a doutrina se embasa em importantes


considerações, concluindo pela não sujeição dos delitos de lesões corporais leves
previstos pelo art. 129, §9° do CP à condição da representação.

Cunha e Pinto233, analisando a origem da norma, enfatizam


que o projeto de lei original da Lei Maria da Penha previa ação penal pública
condicionada, contudo não vingou a disposição, restando imposta a ação penal
pública incondicionada: “Sob essa perspectiva a ratio legis foi, sem dúvida, no
sentido de afastar o raio de incidência da Lei 9.099/95 dos crimes praticados
contra a mulher com violência doméstica e familiar”.

Souza234 também entende que “pela expressa vedação


contida no art. 41 desta Lei, o referido crime não [...] está sujeito à
representação”.

Cabette235 é enfático ao afirmar que:

[...] a partir da vigência da lei 11.340/2006 retornou a ação penal a


ser publica incondicionada, mesmo nos casos de lesões leves,
desde que perpetradas no âmbito de violência doméstica e
familiar contra a mulher. Isso porque não é no Código Penal que
se vai encontrar o dispositivo que determina a ação penal publica
condicionada para as lesões leves em geral, e sim no artigo 88 da
Lei 9.099/1995. O raciocínio é simples: se a Lei 9.099/1995 não se
aplica mais aos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher, inexistindo qualquer ressalva, conclui-se que não se
aplica por inteiro, inclusive o seu artigo 88, de forma que no
silêncio do Código Penal, reintegra-se a regência do artigo 100 do
CP, que impõe a ação penal pública incondicionada.

232
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 124-126.
233
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 130 a 131.
234
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
165.
235
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e
familiar contra a mulher. Jus Navigandi.
92

Tendo em vista serem fortes os argumentos tanto pela


manutenção da representação como pelo retorno à regra geral do art. 100 do CP,
que remete, na falta de disposição em contrário, os delitos em geral à ação penal
pública incondicionada, ficará a cargo da jurisprudência definir, no caso concreto,
a melhor solução para o impasse.

Mas a Lei Maria da Penha não possui somente aspectos que


geram acirradas controvérsias. As medidas protetivas de urgência têm aceitação
bem mais pacífica, como se verá adiante.

3.3 AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

A Lei 11.340/06, além de todos os aspectos inovadores e


polêmicos, trouxe medidas de proteção à mulher vítima de violência doméstica e
familiar, as quais vieram em bom momento, atendendo ao clamor social e à
necessidade prática dos casos em que a mulher se vê ameaçada e amedrontada
pelas circunstâncias particulares que envolvem as agressões, traduzidas,
segundo Souza236, em “ações que vão desde a tortura psicológica ao próprio
homicídio”.

Estas medidas estão espalhadas por toda a Lei e abrangem


não só a esfera penal e processual penal, mas também as esferas cível,
trabalhista e administrativa. Exemplifica-se: inclusão da vítima em programas
assistenciais (art. 9º, §1º); a garantia à servidora pública de acesso prioritário à
remoção e a trabalhadora na iniciativa privada da manutenção do vínculo
empregatício por até seis meses, se necessário o seu afastamento do local de
trabalho (art. 9º, §2º, II).

Além dessas garantias espalhadas pela Lei há também


disposições que determinam, em vários artigos, providências a serem tomadas
pelas seguintes autoridades:

Autoridades policiais:

236
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
111.
93

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência


doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que
tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as
providências legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao
descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência


doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras
providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de
imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao
Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para
abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a
retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio
familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os
serviços disponíveis.

Verifica-se que o policial deve agir de forma a prestar todo o


apoio a vítima, garantindo seu bem estar e sua segurança.

Já ao órgão do Ministério Público cabe requerer a aplicação


de medidas protetivas ou a sua revisão:

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá


ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
...........................................
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as
providências cabíveis.
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser
concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a
pedido da ofendida.
..........................................................................................................
§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a
pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de
urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário
94

à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio,


ouvido o Ministério Público.

Essas providências devem ser tomadas independente de


provocação da vítima. Isto porque, como revela Dias237, “Deter o agressor e
garantir a segurança pessoal da vítima e sua prole esta a cargo tanto da polícia
como do juiz e do próprio Ministério Público”.

Para garantir a efetividade das medidas, o magistrado pode


requisitar auxílio policial (art. 22, §3º) e até decretar a prisão preventiva do
agressor (art. 42).238:

Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de


1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do
seguinte inciso IV:
“Art. 313. .................................................
................................................................
IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das
medidas protetivas de urgência.” (NR)

Com relação à prisão preventiva, Souza239 observa que em


que pese o compromisso da Lei 11.340/06 em efetivar os direitos fundamentais
da mulher que sofre com a violência doméstica e familiar, não se pode permitir o
sacrifício dos direitos fundamentais do suposto agressor. Segundo o autor,
estabeleceu-se um paradoxo: de um lado a hipossuficiência da vítima em relação
ao seu suposto agressor; de outro, a hipossuficiência do agressor em relação ao
Estado. Nessa dinâmica, quando deixados de lado, na relação processual, os
princípios do devido processo legal e da presunção de inocência em detrimento
dos direitos fundamentais do acusado e em socorro à hipossuficiência da vítima,
corre-se o risco de tratar o suposto agressor sob a premissa do direito “penal do
inimigo”, sujeitando-o a medidas extremas.

237
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 79.
238
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 79.
239
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
111-112.
95

As medidas protetivas estão previstas no capítulo II da Lei


11.340. Foram divididas em dois tipos: Medidas Protetivas de Urgência que
Obrigam o Agressor (art. 22) e Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida (arts.
23 e 24). As medidas protetivas das quais se pretende tratar neste item do estudo
são apenas aquelas que obrigam o agressor. As chamadas Medidas Protetivas de
Urgência à Ofendida, por terem cunho eminentemente civil, deixarão de ser aqui
tratadas, pois refogem ao objetivo desta monografia, a qual se limita apenas aos
aspectos penal e processual da Lei.

Convém destacar que o rol das medidas determinadas nos


artigos citados não é taxativo, conforme Bastos, citado por Dias240: “As medidas
arroladas são exemplificativas, não esgotando o rol de providências protetivas
possíveis, consoante ressalvado no artigo 22, §1º e no caput dos artigos 23 e 24”.

3.3.1 As medidas protetivas que obrigam o agressor

As medidas de proteção que obrigam o agressor estão


descritas no artigo 22 da Lei 11.340/06. Destaca-se que podem ser concedidas
em conjunto ou separadamente.

Transcreve-se abaixo o referido artigo, para em seguida


analisar cada uma das medidas listadas:

Seção II
Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de
imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as
seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com
comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826,
de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

240
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 79.
96

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das


testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o
agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por
qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores,
ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação
de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a
segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a
providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o
agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º
da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará
ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas
protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do
porte de armas, ficando o superior imediato do agressor
responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena
de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência,
conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de
urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da
força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber,
o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei nº 5.869,
de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Nucci241 considera como positivas estas medidas, sugerindo,


inclusive, sua extensão ao processo penal comum, em que a vítima não é
somente a mulher.

3.3.1.1 Suspensão da posse ou restrição do porte de armas

O inciso I se refere à suspensão da posse ou restrição do


porte de armas.

241
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 879.
97

Conforme Dias242, deve-se observar duas situações


distintas: a) quando o agressor dispõe de posse regular e autorização de uso de
arma de fogo; b) quando o agressor possui ou porta arma ilegalmente. No
primeiro caso, o desarmamento só poderá ocorrer mediante solicitação da vítima
ao juiz; no segundo, a providência pode ser tomada pela autoridade policial,
quando configurada a prática de algum delito previsto na lei.

Destaca-se que, por força do §2º do artigo em análise, a


medida atinge inclusive profissionais que tenham direito ao uso de arma de fogo,
segundo o rol estabelecido no artigo 6º da Lei 10.826/03243: integrantes das
Forças Armadas, policiais, bombeiros, guardas municipais, portuários ou
prisionais, empresas de segurança privada e de transporte de valores, atiradores
desportivos, caçadores. Nestes casos, será comunicada a providência ao órgão,
corporação ou instituição responsável a qual pertence o agressor, ficando
responsável o superior imediato do agressor pelo cumprimento da determinação
judicial. Caso não a cumpra, se sujeita às penas previstas para os crimes de
prevaricação ou desobediência (artigos 319 e 330 do CP). Dias244 considera de
grande valia a inclusão do dispositivo: “Já que se está falando em violência, [...], a
primeira providência é desarmar quem faz uso de arma de fogo. Trata-se de
medida que se mostra francamente preocupada com a incolumidade física da
mulher”.

Cabe esclarecer que as medidas de restrição e suspensão


previstas não decorrem necessariamente da utilização da arma para a prática da
violência apurada, pois tais medidas têm cunho preventivo. O que se busca é
evitar a efetiva utilização da arma e o efeito de intimidação que tende a causar,
conforme o entendimento de Souza245.

242
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. p. 82.
243
BRASIL. Lei 10.826/03, de 22 de dezembro de 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/2003/L10.826.htm>. Acesso em: 20 set. 2007.
244
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça.
245
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p.
117.
98

As medidas aqui analisadas podem ser um grande passo se


levadas a efeito pelas autoridades competentes, pois segundo pesquisa citada
por Cunha e Pinto246, 44,4% das mulheres vítimas de homicídio nas capitais
brasileiras forma mortas com arma de fogo; 53% das mulheres vítimas conheciam
seu agressor; e 37% delas tinham relação amorosa com o agressor.

Nucci247 também vê de forma positiva esta medida,


porquanto com a sua decretação se pode evitar tragédia maior: “Se o marido
agride a esposa, causando-lhe lesão corporal, possuindo arma de fogo, é possível
que, no futuro, progrida para o homicídio”.

Observa-se a importância e o alcance desta providência


para proteger a mulher que sofreu ou se encontre ameaçada de sofrer uma
agressão com arma de fogo, uma vez que se o agressor é violento a ponto de
agredir a mulher pela qual deveria zelar, pode chegar ao ponto de utilizar-se de
uma arma para ceifar sua vida.

Outras medidas também foram criadas pelo legislador para


tutelar a incolumidade da mulher. O afastamento do agressor do local em que
convive com a vítima é uma delas e será analisado em seguida.

3.3.1.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida

A segunda medida de proteção, prevista no inciso II do


artigo em análise, é o afastamento do agressor do convívio com a ofendida.

A medida já estava previsto no art. 69 da Lei 9.099/95248,


contudo teve tímida aplicação nos JECrim, pois, tradicionalmente, era relacionada
à jurisdição de família.

246
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 87.
247
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 879.
248
BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9099.htm>. Acesso em: 26 maio 2007.
Parágrafo único. Ao ator do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado
ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante,
nem se exigira fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida
de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.
99

Entende-se como derrogado o referido artigo, pois sua


aplicação fica prejudicada pela Lei Maria da Penha aos casos que envolvem
violência doméstica e familiar contra a mulher. Persiste, contudo, sua vigência nos
casos em que a violência doméstica envolve outros sujeitos passivos e ativos.

Nucci249 reputa salutar a medida de afastamento do agressor


do lar, porque se trata de uma “medida de separação de corpos decorrente de
crime e não de outras questões de natureza exclusivamente civil”.

Agora, como determinação expressa da Lei Maria da Penha,


conforme explica Porto250, a medida “[...] pode ser submetida ao juiz criminal
mediante pedido pessoal da ofendida, elaborado materialmente pela autoridade
policial, por advogado, defensor público ou pelo Ministério Público, sem prejuízo
de ser deferido ex officio pelo juiz”.

Ensina o autor que em sua aplicação, deve-se levar em


conta que o afastamento do varão de seu lar “extrapola os prejuízos a sua
pessoa, significando medida violenta que também priva os filhos do contato com o
pai”, assim, justifica-se sua concessão “ante a notícia da prática ou de risco
concreto de algum crime [...], e não como mero capricho da ofendida”. Neste
ínterim, importa ao magistrado analisar o histórico do casal, pois, se há indicativos
que revelam um passado de violência, o afastamento do agressor do lar pode
servir como forma de prevenção a conseqüências ainda mais danosas
favorecidas pela convivência sob o mesmo teto.251

3.3.1.3 proibição de determinadas condutas

As condutas que podem ser proibidas ao agressor em razão


da violência doméstica contra a mulher são as seguintes:

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

249
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 879.
250
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 95.
251
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 95.
100

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das


testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o
agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por
qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida;

Inovou o legislador ao prever estas medidas, que podem ser


de grande utilidade se bem aplicadas, mensurando-se, caso a caso, a sua
necessidade.

O objetivo de sua concessão, conforme Cunha e Pinto252, é


preservar a incolumidade da vítima, evitando qualquer aproximação física entre
ela e o agressor, tendo em vista ser comum que este passe a atormentar o seu
sossego, não se restringindo esse comportamento ao recesso do lar, mas se
estendendo ao local de trabalho da vítima e a outros lugares por ela freqüentados.

Para Nucci253, as proibições de aproximação ou de contato


com a ofendida, bem como da freqüentação de determinados lugares são válidas;
contudo, com relação à primeira, o autor opina que já deveria ter sido fixada a
distância mínima por questão de praticidade no processo. Nesta observação, é
acompanhado por Porto254: “Já se viu pedidos em que, a deferir-se a distância de
afastamento pleiteada pela ofendida, o suposto agressor teria que se mudar para
o meio rural [...]”.

Porto255 aduz que essas medidas podem ter o condão de


prevenir crimes e serem eficazes na proteção das vítimas reais e potenciais,
contudo alerta que há dificuldades do Estado em implementá-las, porque a
dependem de fiscalização. Assim, sua imposição deve ser mais refletida. Mas o
autor também observa que essa medida pode ter sentido “naquelas hipóteses em

252
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 89.
253
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. p 879.
254
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 96.
255
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 96.
101

que o agressor, obstinado em acercar-se da vítima, segue-a teimosamente por


todos os lugares, especialmente para o trabalho, causando apreensão e risco”.

Desta forma, conforme explicam Cunha e Pinto256, pode-se


determinar, por exemplo, que o agressor não transite pela rua ou pelo quarteirão
onde a vítima mantém sua residência. O autor desaconselha que a medida se
restrinja tão somente a casa onde mora a vitima, devendo o juiz, conforme o caso,
impedir que o agressor se aproxime do local de trabalho da vítima, ou freqüente
locais de lazer por ela ocupados; assim constatando que ela se encontra num
clube ou bar, por exemplos, deve o agressor se abster de ingressar no local ou
dele se retirar de imediato.

Acerca da proibição de comunicação, o que se verifica na


prática é o uso do telefone pelo agressor para proferir ameaças, injúrias e
perturbar o sossego da ofendida. Geralmente, como explicam Cunha e Pinto257, o
agressor se presta a incomodar a vítima em horários avançados, prejudicando o
seu descanso, ou ligando para o seu local de trabalho, prejudicando sua relação
de emprego.

Em caso de desobediência à ordem judicial que concedeu


qualquer das medidas protetivas de urgência, incide o agressor nas penas do
artigo 359 do CP258. Em que pese o fato de, em razão da pena cominada incluir o
crime de desobediência à ordem judicial na categoria de menor potencial
ofensivo, estando sujeito aos benefícios da lei 9.099/95, Porto259 considera que,
tratando-se de desobediência à ordem que concede medida protetiva
estabelecida na Lei Maria da Penha, afasta-se a aplicação da lei 9.099/95. Isto
porque: “[...] esta desobediência a uma imposição judicial de medida protetiva,
sempre, de um modo ou de outro, caracterizará uma das formas de violência
contra a mulher de que trata o art. 7° da LMP (Lei Maria da Penha)”.

256
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 91.
257
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. p. 90.
258
Art. 359. Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou
privado por decisão judicial: Pena – detenção, de três meses a dois anos, ou multa.
259
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 95 a 96.
102

Assim, é possível a prisão em flagrante do desobediente


quando a ordem desobedecida deriva da lei Maria da Penha, podendo, inclusive,
a prisão ser convertida em custódia cautelar, por força do art. 42 desta Lei, que
deu nova redação ao art. 313 do CP, possibilitando a prisão preventiva do
agressor nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher para garantir
a execução das medidas protetivas de urgência.

É o que ensina Porto260:

[...] preso em flagrante por desobediência, possivelmente, a


caracterização típica desta já demonstre a necessidade de
converter o flagrante em custódia cautelar, uma vez que medidas
mais brandas não lograram conter os impulsos agressivos do
detido, permanecendo o risco de violência doméstica, que a lei
visa coibir.

Observou-se que a Lei Maria da Penha, no que tange às


medidas protetivas, alcança aspectos jurídicos diversos, com o fim de preteger a
mulher e sua família da fúria de seu agressor. Frise-se que a norma concede ao
juiz e a todas as autoridades envolvidas na resolução do problema amplas
possibilidades, devendo, no caso concreto, ser definidas as medidas que melhor
se afiguram, sem que se incorra em constrangimento ilegal à liberdade do
agressor.

Deixa-se de analisar aqui a questão da restrição ou


suspensão das visitas aos dependentes da vítima, bem como da fixação de
alimentos provisionais ou provisórios, conquanto se identifiquem com
procedimentos de cunho cível, afetos ao direito de família.

260
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher. p. 95.
103

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente Monografia teve como objeto a Violência


Doméstica e Familiar Contra a Mulher.

O seu objetivo foi analisar aspectos penais e processuais


destacados da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

Para tanto, tratou–se, no Capítulo 1, de pesquisar na


legislação penal brasileira, partindo-se desde as Ordenações Filipinas, passando-
se pelo Código Criminal do Império, pelo Código Penal de 1890, pela
Consolidação das Leis Penais até se chegar ao Código Penal de 1940 e suas
alterações posteriores à Constituição de 1988, operadas através das leis
10.455/02, 10.778/03, 10.886/04 e 11.106/05, como resultado dos tratados
internacionais assinados pelo Brasil. Analisaram-se também os reflexos da Lei
9.099/95 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher.

No Capítulo 2, analisaram-se aspectos normativos de


relevo. Tratou-se de buscar na doutrina definições de conceitos como violência de
gênero, violência contra a mulher e violência doméstica e familiar contra a mulher;
definiram-se os sujeitos ativo e passivo; foi analisada a questão das uniões
homoafetivas, por causa da previsão de que as relações pessoais protegidas pela
lei 11.340/06 “independem da orientação sexual”. Estudaram-se os âmbitos de
ocorrência estabelecidos pelo artigo 5° da Lei 11.340/06, analisando-se a questão
da empregada doméstica e das relações íntimas de afeto independente de
coabitação. As formas de violência também foram pesquisadas, abordando-se a
imunidade prevista no artigo 181 do CP nos crimes patrimoniais sem violência ou
grave ameaça. Verificou-se que a Lei Maria da Penha não tipificou nenhuma
conduta, tratando tão somente de conceder tutela específica à vítima de violência
doméstica e familiar, definindo conceitos especiais, declarando sua incidência em
determinadas circunstâncias e criando medidas de amplo espectro para proteger
as vítimas.
104

Por fim, no Capítulo 3, abordaram-se aspectos processuais


destacados, como a polêmica da renúncia à representação da vítima, com um
prévio estudo dos conceitos de renúncia, representação e retratação. Foi
analisada a questão do retorno da ação penal pública incondicionada nos crimes
de lesões corporais praticados com violência doméstica contra a mulher.
Estudaram-se, também, as medidas protetivas de urgência que obrigam o
agressor: a suspensão da posse e a restrição do porte de armas, verificando-se
sua importância preventiva, assim como o afastamento do agressor do lar e a
proibição de determinadas condutas, entre elas a aproximação da ofendida, o
contato por qualquer meio de comunicação e a freqüentação de determinados
lugares, observando-se que constituem importante inovação legislativa.

Por fim, retomam-se as hipóteses levantadas na Introdução


deste trabalho monográfico:

A primeira hipótese não restou confirmada, porque,


conforme o levantamento doutrinário efetuado, até o advento da Lei 11.340/06
não havia nenhuma legislação específica apta a proteger a mulher vítima de
violência doméstica e familiar. Isto apesar das legislações anteriores que
contemplaram alguns aspectos relevantes da violência contra a mulher: a Lei
10.455/02, que estabeleceu a medida cautelar de afastamento do agressor do lar;
a Lei 10.778/03, onde se encontra pela primeira vez uma definição específica de
violência contra a mulher e a menção ao termo gênero; a Lei 10.886/04, a qual,
mediante alteração do artigo 129 do CP, instituiu a violência doméstica como
qualificadora do delito de lesões corporais; e a Lei 11.106/05, que excluiu o termo
mulher honesta da redação do CP. Todas essas alterações, apesar de
declararem a existência do problema, não propiciaram nenhuma mudança prática
significativa, tendo em vista que a violência doméstica e familiar contra a mulher
continuou a não receber a resposta adequada.

A segunda hipótese foi parcialmente comprovada, porque o


artigo 5° da Lei 11.340/06 define violência doméstica e familiar contra a mulher
como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero”, não restando dúvida de
que é necessária que haja reflexo da desigualdade histórica e cultural
105

estabelecida em nossa sociedade. Com relação ao sujeito passivo, a exceção


comportada é o transexual que tenha alterado o seu registro civil, o que
proporciona reflexos em todos os aspectos de sua vida. Quanto ao sujeito ativo,
não há possibilidade de se considerarem exceções: só o homem pode ser
considerado como agressor no âmbito da Lei 11.340/06, refutando-se a
possibilidade de que a mulher que se encontre em relação homoafetiva com outra
mulher seja considerada como sujeito ativo, porque a determinação contida no
parágrafo único do artigo 5°, de que as relações pessoais enunciadas
“independem de orientação sexual”, tem o sentido de proteger a mulher da
violência doméstica e familiar, tendo ela orientação heterossexual, homoafetiva ou
masculinizada. Contudo, face à previsão do parágrafo 9° do artigo 129 do CP, que
teve sua redação alterada pelo artigo 44 da Lei 11.340/06, a qualificadora do
delito de lesão corporal leve também se aplica quando o ofendido for homem, não
importando o sexo do agressor; o mesmo se dá quanto à majorante do parágrafo
11, que se refere ao deficiente físico. O que se limita são as medidas protetivas,
as quais somente se aplicam quando a vítima for mulher. Além disso, nesses
casos aplicam-se os dispositivos da Lei 9.099/95.

A terceira e última hipótese também fica confirmada,


adotando-se o entendimento de que a ação penal nos crimes de lesões corporais
leves praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher volta a ser
publica incondicionada, por força da disposição contida no artigo 41 da Lei
11.340/06, que estabelece que não se aplica a Lei 9.099/95 aos crimes praticados
com violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, afasta-se a exigência
de representação da vítima como condição de procedibilidade da ação penal.

Sem pretender esgotar o assunto, quis a Autora dar sua


contribuição ao estudo a Lei 11.340/06, tendo em vista que representa um avanço
significativo e quiçá irreversível no combate à violência doméstica e familiar contra
a mulher.

Sugere-se, assim, a continuidade do estudo destes e de


outros aspectos relevantes que surgirem com a aplicação do novel diploma.
106

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