Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
O ser humano se descobre como alguém capaz de traçar o seu próprio destino.
Ele mesmo começa a ser responsável pela sua história, pela sua vida, pelos rumos da
sociedade. Se ele é pobre, rico, inteligente, habilidoso isso é mérito próprio. É preciso
muito esforço intelectual para que este ser racional possa utilizar-se de um fantástico
instrumento chamado “inteligência” ou “razão”. “A filosofia moderna descarta a
possibilidade de que, quanto ao conhecimento, o homem não se apóie senão em si
mesmo. Ou seja, no poder da razão. É do centro de si mesmo que o homem lança o
olhar ao seu arredor, buscando novo horizonte da racionalidade” (VERZA, 1996, p. 31).
Neste paradigma moderno buscamos romper com as crenças e tradições e, em
nome desta razão, criamos a ciência e a técnica para satisfazer nossas necessidades
humanas do “aqui e agora”. Objetivamos a busca contínua da nossa felicidade terrena,
evitando a ociosidade e batalhando com persistência e disciplina para conseguir a
satisfação material e pessoal.
O grande desafio proposto para a escola é de estar realizando a apreensão
crítica da realidade, tomando como referência o domínio da técnica e da ciência. “A
razão humana deve reinar acima de tudo e acima de todos, déspota absoluta.” (SILVA,
2004, p. 294). Surge assim a hierarquização das áreas do conhecimento, privilegiando-
se aquelas disciplinas tidas como exatas ou científicas nos currículos escolares.
A escola passa a assumir um lugar de destaque: o da educação, lugar de acesso
aos conhecimentos históricos acumulados pela humanidade. Começa-se a falar em
projeto educativo com referenciais claros do que é ser um cidadão educado: “ordem e
progresso”. O professor assume um papel importante de estimulador e transmissor do
conhecimento, o que lhe confere certo “status”: uma enciclopédia, que já escreveu
muitas páginas no livro da sua vida. Já o aluno é visto como uma folha em branco,
alguém que precisa ir à escola para começar a treinar e memorizar, para escrever seu
livro da vida, a partir da experimentação das técnicas e habilidades que irá vivenciar
com seu mestre.
O panorama da Revolução Industrial foi decisivo para a propagação dos locais
destinados ao cuidado e educação das crianças pequenas, para que suas mães pudessem
trabalhar nas indústrias. Assim, o professor infantil precisava ser capaz de acolher e
educar estas infâncias abandonadas e carentes, satisfazendo suas necessidades de
guarda, higiene e alimentação. Os filhos da classe média, geralmente meninos, por sua
vez, tinham acesso a uma educação que estimulasse seu desenvolvimento cognitivo e
moral. O que se percebe é que em ambos os casos o educador infantil assume uma
postura bastante diretiva e autoritária. É preciso assegurar a seus educandos uma sólida
preparação para que estes venham a se constituir nos bons cidadãos do amanhã.
Os possíveis problemas de aprendizagem são originados pelo desvio da
“rota”, da falta de maturação biológica ou do universo social. Há parâmetros claros do
que é ser um cidadão educado. Têm-se critérios definidos para identificar o que é certo
e o que é errado, sendo que o erro deve ser evitado a todo custo. Errar é sinônimo de
fracasso, de insucesso.
Mas o erro era inevitável e começamos a perceber que não éramos tão
perfeitos. As mazelas da poluição ambiental, da destruição provocada pelas grandes
guerras, o aumento da pobreza, da violência, nos fizeram perceber que, em nome do
cientificismo, abocanhamos muitas de nossas perspectivas humanas. Começamos a
adentrar para um novo paradigma: era necessário abraçar as dimensões sociais e
intersubjetivas, que estavam falhas no paradigma da modernidade.
Começamos a perceber que não existe ser humano mais ou menos iluminado.
Todos somos pobres mortais e ninguém possui bola de cristal para capturar as idéias ou
prever as melhores ações. Todos podem cometer falhas e equívocos, inclusive o
professor, o intelectual, o médico. Podemos agora, em um novo paradigma, crescer e
aprender na (inter)ação com os outros. Somos seres inacabados, como nos diz Paulo
Freire (1996) e por isso precisamos buscar a educação como um processo permanente.
Começamos a aprender a importância da conversa, do diálogo e da interação
com os outros nossos semelhantes/diferentes. Podemos assim, dividir nossas angústias,
certezas e incertezas. Descobrimos que a técnica e a ciência não são tão neutras quanto
se afirmava. Percebemos a multiplicidade de concepções, ideologias, crenças e valores
familiares, sociais e culturais.
A Educação começa a ser marcada pelas dúvidas e incertezas com relação a
seu projeto educativo, pois já não possuímos mais aqueles critérios tidos como
referenciais no paradigma anterior. Passamos a questionar e muitas vezes até
confundimos os papéis da escola e da família, do professor e do aluno, o que é visível
nos problemas relacionados à indisciplina na escola nos dias atuais.
Fala-se em pluralidades educativas, em se trabalhar a partir da cotidianidade
dos educandos, valorizando-se a heterogeneidade e a diversidade. Defende-se uma visão
de educação pluralista, na qual “as aprendizagens significativas (...) são as que se
orientam para novas competências comunicativas nos campos da cultura, da vida em
sociedade e da expressão das personalidades libertas de qualquer amarra.” (MARQUES,
1993, p. 111)
É preciso aprender a arte da intercomunicação, do com-viver, do trocar
experiências e romper com a hierarquização das áreas do conhecimento humano.
Começa-se a valorizar a arte, a poesia, a filosofia. Ampliam-se as possibilidades de
trocar e enriquecer o nosso baú de vivências, a partir das múltiplas possibilidades que
nos são dadas. Descobrimos nosso potencial humano: uma plasticidade cerebral
incrível, que aliada a nossa capacidade de interação e comunicação com os outros nos
possibilita avançar, crescer e buscar as transformações para nosso equilíbrio inter- e
intrapessoal.
O educador infantil procura realizar, nesta perspectiva, um trabalho educativo
que respeita os ritmos, desejos e características próprias do pensamento infantil,
reconhecendo a criança como uma interlocutora inteligente, que constrói argumentos e
idéias, quando desafiada a resolver seus conflitos e tomar decisões. Para tanto, procura
planejar e realizar atividades educativas que tenham sentido verdadeiro no universo
cultural das crianças, para que elas possam ampliar seu repertório vivencial e construir
sua independência e autonomia. O professor infantil precisa romper com as tradicionais
formas de controle, manipulação e discriminação tão presentes no paradigma moderno,
para buscar a construção de subjetividades criativas, inovadoras e singulares.
O professor perde, neste novo paradigma, aquele espaço absoluto de detentor
do conhecimento. As informações estão espalhadas por todos os lados: televisão,
jornais, revistas, livros, internet, etc. A escola passa a assumir uma função muito mais
complexa: o de instigar a educação de um sujeito integral. Passamos a perceber outras
dimensões dos educandos: social, cognitiva, afetiva, física, emocional, etc.
Surge assim um novo desafio: (re)construir o novo chão da escola. Buscar uma
educação baseada nas incertezas, nas verdades relativas, no desafio de seduzir o aluno
para querer aprender algo neste espaço educativo, quando, muitas vezes, o social lhe
apresenta ocupações muito mais atraentes. A escola começa a rever continuamente seus
métodos de ensino, apostando sempre numa educação voltada para as múltiplas
linguagens, num espaço que permita a aprendizagem de todos, inclusive do professor.
Na escola, na família, na sociedade todos precisam exercitar a arte da aprendizagem
contínua: aprender, desaprender e reaprender.
BIBLIOGRAFIA
SILVA, Natalina Salete Botoncello da. A filosofia em todos os tempos. Xanxerê - SC:
News Print, 2004.