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Artigo de Revisão / Review Article

Uma breve revisão sobre toxoplasmose na gestação


A brief review on toxoplasmosis in pregnancy

Maria Regina Reis Amendoeira1, Léa Ferreira Camillo-Coura2


1
Doutora em Ciências Biológicas (Genética), Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora Titular em Saúde Pública.
Chefe do Laboratório de Toxoplasmose, Instituto Oswaldo Cruz - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ.
2
Doutorado em Livre Docência, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro da Acadêmia Nacional de Medicina. Pesquisadora Titular
em Saúde Pública. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ.

RESUMO
Objetivos: este é um breve guia sobre toxoplasmose na gestação e toxoplasmose congênita, para estudantes e
profissionais de saúde pública. Depois de apresentar os pontos principais de transmissão e diagnóstico da infecção pelo
Toxoplasma gondii, busca-se resumir as evidências sobre o manejo de gestantes e de neonatos com toxoplasmose suspeita
ou confirmada. Fonte de dados: os estudos foram identificados no PubMed (1990-2009) e por meio do contato com
especialistas no assunto, incluindo pesquisas realizadas pelo nosso Grupo de Pesquisa em Toxoplasmose Congênita.
Síntese dos dados: a revisão dos estudos mostra que as medidas de prevenção reduzem o risco de infecção congênita
pelo Toxoplasma gondii e melhoram os desfechos perinatais e o prognóstico das crianças. Sendo na maioria das vezes
assintomática, ou apresentando um quadro clínico inespecífico, a infecção toxoplásmica aguda primária passa quase
sempre despercebida. Por isso, sua detecção é baseada na sorologia de rotina. A triagem sorológica para toxoplasmose
durante a gravidez deve começar na primeira visita pré-natal, para que sejam detectados os casos de infecção aguda (e
iniciar o tratamento o mais brevemente possível) e os casos de gestantes soronegativas (que devem ser monitoradas
durante toda a gestação e instruídas sobre medidas de prevenção primária). Conclusões: esta revisão ressalta a
importância da prevenção e do diagnóstico da toxoplasmose na gestação, assim como do acompanhamento de neonatos
de mães com sorologia compatível com infecção aguda, mesmo na ausência de sinais e sintomas sugestivos de
toxoplasmose.
Descritores: TOXOPLASMOSE CONGÊNITA/medidas preventivas; TOXOPLASMOSE CONGÊNITA/diagnóstico;
COMPLICAÇÕES INFECCIOSAS NA GRAVIDEZ; TRANSMISSÃO VERTICAL DE DOENÇA INFECCIOSA; DOENÇAS
TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS; DOENÇAS TRANSMITIDAS PELA ÁGUA; PREVENÇÃO PRIMÁRIA; PREVENÇÃO
SECUNDÁRIA; PREVENÇÃO TERCIÁRIA; EDUCAÇÃO EM SAÚDE; REVISÃO.

ABSTRACT
Aims: This is a brief guide on toxoplasmosis in pregnancy and on congenital toxoplasmosis to public health
students and professionals. Its aims are to present key points of the transmission and diagnosis of Toxoplasma gondii
infection, and to summarize the evidences about management of pregnant women and infants with suspected or proven
toxoplasmosis. Source of data: Studies were identified from PubMed (1990-2009), and through contact with experts
in the field, including our Congenital Toxoplasmosis Research Group. Summary of findings: Review of studies shows
that preventive measures reduce the risk of congenital Toxoplasma gondii infection and improve the perinatal outcomes
and the prognosis of children. Being usually asymptomatic, or having inespecific clinical manifestations, acute primary
toxoplasmic infection almost always goes unnoticed. Therefore, its detection is based on routine serology. Serological
screening for toxoplasmosis during pregnancy should start at the first prenatal visit, to detect cases of acute infection (and
to start treatment as soon as possible) and cases of seronegative pregnant women (who must be monitored throughout
pregnancy and receive education about primary prevention measures). Conclusions: This review highlights the importance
of prevention and diagnosis of toxoplasmosis during pregnancy, as well as of monitoring neonates born to mothers with
serological tests compatible with acute infection, even in the absence of signs and symptoms of toxoplasmosis.
Keywords: TOXOPLASMOSIS, CONGENITAL/prevention & control; TOXOPLASMOSIS, CONGENITAL/diagnosis;
PREGNANCY COMPLICATIONS, INFECTIOUS; INFECTIOUS DISEASE TRANSMISSION, VERTICAL; FOODBORNE
DISEASES; WATERBORNE DISEASES; PRIMARY PREVENTION; SECONDARY PREVENTION; TERTIARY PREVENTION;
HEALTH EDUCATION; REVIEW.

Endereço para correspondência/Correponding Author:


Maria Regina Reis Amendoeira
Laboratório de Toxoplasmose/IOC/FIOCRUZ
Av. Brasil 4365, Manguinhos
CEP 21 045 900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Tel.: 55-21-2562-1839/44
E-mail: amendoei@ioc.fiocruz.br

Scientia Medica (Porto Alegre) 2010; volume 20, número 1, p. 113-119


Amendoeira MRR, Camillo-Coura LF – Uma breve revisão sobre toxoplasmose ...

INTRODUÇÃO infecção, durante a fase aguda (parasitemia), mas,


em casos excepcionais, pode ocorrer transmissão ao
A toxoplasmose é uma zoonose de distribuição feto durante a fase crônica da infecção materna.10,11
mundial causada pelo Toxoplasma gondii (T. gondii), Na Europa, a toxoplasmose congênita afeta de 1 a 10
protozoário intracelular obrigatório e parasito de em cada 10.000 recém-nascidos, dos quais 1% a 2%
humanos, pássaros, roedores e outros animais apresentam dificuldades de aprendizado e 4% a 27%
(hospedeiros intermediários) e de felídeos (hospedeiros desenvolvem retinocoroidite.7
definitivos). Os coccídeos possuem um ciclo de vida
complexo e diversos mecanismos de transmissão,1 MEDIDAS DE PREVENÇÃO
sendo o principal deles a ingestão de oocistos infectantes
provenientes de fezes de gatos ou a ingestão de carne A melhor forma para a prevenção da toxoplasmose
crua ou mal cozida contendo cistos teciduais.2 congênita é utilizar medidas de prevenção primária
A prevalência da toxoplasmose varia de 20 a (orientar as gestantes com IgG e IgM não reagentes a
90% na população humana mundial, com algumas evitar a exposição pessoal ao parasito). Mesmo sendo
diferenças relacionadas a aspectos geográficos3-5 e incapaz de eliminar todo o risco de a mulher se infectar
atribuídas a fatores de risco que podem variar entre com o T. gondii, a prevenção primária diminui a taxa
as regiões, como tipo de alimentação, tratamento de soroconversão durante a gestação.12 Sendo assim,
adequado da água e exposição ambiental.6,7 Embora a essa medida de educação sanitária deve sempre ser
infecção pelo T. gondii seja geralmente assintomática considerada. Os médicos devem investigar os hábitos
nos indivíduos imunocompetentes, costuma apresentar culturais e os títulos de anticorpos das gestantes, os
quadros clínicos de alta gravidade em indivíduos quais são importantes para definir as estratégias de
imunocomprometidos (transplantados, submetidos a prevenção da infecção congênita.
quimioterápicos ou portadores de HIV), podendo até A educação em saúde, ou prevenção primária,
levar à morte. Em gestantes, pode ocasionar aborto envolve a promoção do conhecimento sobre os meios
espontâneo, nascimento prematuro, morte neonatal, de evitar a infecção pelo T. gondii. Mulheres grávidas
ou sequelas severas no feto (por exemplo, a clássica devem evitar o consumo de carne mal cozida, lavar
Tríade de Sabin: retinocoroidite, calcificações cerebrais as mãos ao manipular carne crua, evitar o consumo
e hidrocefalia ou microcefalia), caso a infecção seja de água não filtrada e de leite não pasteurizado, assim
adquirida durante a gestação, principalmente durante como de alimentos expostos à moscas, baratas, formigas
os primeiros dois trimestres.8 e outros insetos, lavar bem as frutas e legumes e evitar
A gestante com infecção toxoplásmica aguda deve contato com gatos ou com o solo ou, pelo menos, usar
ter um aconselhamento sobre os riscos de infecção luvas apropriadas durante a jardinagem, ao lidar com
congênita e suas possíveis sequelas clínicas.9 O tempo materiais potencialmente contaminados com fezes
de gestação no qual a mulher se encontra quando de gatos ou ao manusear caixas de areia dos gatos.
adquire a infecção pelo parasito é muito importante para Essas medidas devem ser continuamente enfatizadas
a patogenicidade da infecção. A incidência da infecção durante a gravidez, especialmente para as gestantes
congênita quando a gestante adquire a toxoplasmose soro não reagentes, levando também em consideração
durante o primeiro trimestre é bem pequena (4.5%) e seus hábitos e costumes. Segundo alguns autores, estas
aumenta nos últimos dois trimestres (segundo trimestre, informações podem ser mais eficazes quando dadas
17.3% e terceiro trimestre, 75%).10 A severidade da pelo próprio médico, individualmente ou em grupos,
forma congênita vai depender da idade do feto. A e repetidas no decorrer do acompanhamento pré-natal,
infecção no início da gestação tende a estar associada do que por meio de material escrito.7
ao aborto ou a sequelas mais severas, enquanto que A triagem sorológica e a detecção da infecção
a infecção tardia, embora seja mais frequente, leva a na gestante levam à prevenção secundária, isto é,
sequelas relativamente menos severas. Segundo Dunn tratamento específico para impedir ou pelo menos
et al.,9 os bebês de mulheres que soroconverteram atenuar a infecção fetal. A transmissão materno-fetal
entre 24 a 30 semanas de gestação constituíram o pode ser evitada se a gestante for tratada precocemente,
grupo que apresentou a maior frequência (10%) de e as sequelas severas da toxoplasmose congênita
sinais clínicos de infecção congênita, pois nessa fase podem ser reduzidas se a infecção fetal for detectada
da gestação já existe um alto risco de transmissão e o tratamento específico iniciado de imediato.13-16 Na
materno-fetal, ao mesmo tempo em que o risco de maioria das regiões brasileiras, é realizado um teste
manifestações clínicas ainda é alto. A transmissão sorológico de rotina na primeira visita pré-natal, em
congênita ocorre quase sempre no estágio inicial da atendimento a um pedido do médico, mas na maior

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parte dos casos o teste não é repetido durante a É importante determinar se a infecção pode ter
gravidez. Essa conduta necessita ser mudada, devendo ocorrido durante a gestação, pois, como descrito
ser realizado o acompanhamento sorológico periódico acima, é nessa situação que há risco de transmissão
nas gestantes soro não reagentes, para possibilitar a do T. gondii para o feto. No diagnóstico sorológico, os
detecção precoce da soroconversão. anticorpos IgM específicos são geralmente os primeiros
Um grave problema é que algumas gestantes não a serem detectados. Os anticorpos IgG aparecem mais
recebem nenhum cuidado pré-natal ou são assistidas já em tarde, elevam-se bastante durante a fase aguda e,
período avançado da gravidez, às vezes no fim do terceiro depois, diminuem gradualmente até títulos baixos, que
trimestre. Nesses casos, se os testes sorológicos detectarem persistem, na maioria dos casos, ao longo da vida do
anticorpos maternos específicos, será mais difícil iden- indivíduo. Os anticorpos IgM desaparecem após a fase
tificar se a infecção foi adquirida durante a gestação. aguda, entretanto, métodos sensíveis podem detectar
A triagem sorológica no pré-natal e a vigilância IgM por longos períodos após a infecção (de meses
epidemiológica podem ser essenciais para reduzir até anos). A demonstração do aumento dos títulos de
o risco da toxoplasmose congênita.14,17 Nas regiões IgG entre duas amostras pode ajudar no diagnóstico
com baixa prevalência da infecção toxoplásmica, da fase aguda da infecção por T. gondii, quando a
esta pode ser uma estratégia alternativa, mas se torna IgM específica for negativa e na impossibilidade de
indispensável em regiões com elevada prevalência.18 se observar a soroconversão. Entretanto, a ocorrência
Uma vez que há uma remota possibilidade da de um único título elevado, com qualquer método, não
transmissão congênita ocorrer quando a infecção confirma infecção aguda, pois o título de IgG específica
materna foi adquirida um pouco antes da concepção, pode permanecer elevado por muitos anos. Deste modo,
recomenda-se que as mulheres com infecção aguda por preferencialmente, para caracterizar a fase aguda
T. gondii devam esperar, no mínimo, seis meses para da toxoplasmose, espera-se que seja demonstrado o
engravidar novamente.19 aumento dos títulos de anticorpos em amostras de soro
Infelizmente, a detecção intrauterina da infecção obtidas pelo menos com três semanas de intervalo,
toxoplásmica nem sempre é possível. Nesses casos, o seriadas e testadas pareadamente.19,21 Além disso, tem
diagnóstico e o tratamento neonatal, feitos o mais cedo sido demonstrado que ELISA IgG e IgM com rGRA6
possível, podem diminuir a severidade das sequelas são úteis para identificar e discriminar infecção por T.
(prevenção terciária).10 gondii recente da passada em mulheres grávidas.22
Tem sido relatado o valor da detecção de anticor-
DIAGNÓSTICO pos IgA T. gondii-específicos para o diagnóstico de
toxoplasmose aguda recente, os quais desaparecem
Geralmente, a infecção por T. gondii em indi- antes dos anticorpos IgM. A detecção simultânea de
víduos adultos imunocompetentes é autolimitada e IgM e IgA aponta para a fase aguda da toxoplasmose,
assintomática, ou subclínica. Quando sintomática, favorecendo um diagnóstico mais preciso da toxo-
pode apresentar um quadro clínico variável que dura plasmose aguda adquirida, principalmente em ges-
de semanas a meses, caracterizado por linfadenopatia, tantes.13
sensação de fadiga, mialgia, febre, cefaléia, artralgia Se for detectada a presença de IgM T. gondii-
e anorexia (manifestações clínicas semelhantes a uma específica, deve ser realizado o teste de avidez da
síndrome de mononucleose). Mais raramente, pode IgG. Esse teste tem sido utilizado para auxiliar, junto
ocorrer exantema generalizado. Alguns indivíduos com outros marcadores, na determinação das fases
podem apresentar retinocoroidite já na fase aguda. Sendo da infecção toxoplásmica recente e passada, sendo os
na maioria das vezes assintomática, ou apresentando um testes com alta avidez de IgG considerados indicadores
quadro clínico inespecífico, a infecção toxoplásmica de fase crônica e os testes com baixa avidez indicadores
aguda primária passa quase sempre despercebida. Por de fase aguda.23-25
isso, a sua detecção é geralmente baseada na sorologia Um teste com alta avidez de IgG apresenta grande
de rotina.14,20 O programa de triagem sorológica para valor preditivo, excluindo a possibilidade de a infecção
toxoplasmose durante a gravidez deve começar na toxoplásmica ter sido adquirida nos últimos 2 a 3
primeira visita pré-natal, a fim de que sejam detectados meses em 100% dos casos. Sendo assim, a infecção por
os casos de infecção toxoplásmica aguda (para que o T. gondii adquirida durante a gravidez pode ser excluí-
tratamento seja iniciado o mais brevemente possível) da quando os resultados da avidez de IgG são elevados
e os casos de gestantes soronegativas (para que sejam em uma única amostra coletada no primeiro trimestre.
monitoradas durante a gestação e instruídas sobre A baixa avidez de IgG é um marcador auxiliar para
medidas de prevenção primária). o diagnóstico da infecção adquirida na gestação,

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mas seu valor preditivo não é tão alto, pois alguns permite a detecção do parasito em um intervalo de
indivíduos podem permanecer com avidez baixa por tempo relativamente curto e pode apresentar elevadas
muito tempo.23-25 sensibilidade e especificidade. As técnicas moleculares
Com relação aos valores de referência do teste de utilizadas para a detecção do DNA do parasita baseiam-
avidez, é necessário que se tenha conhecimento do se, principalmente, na PCR e na hibridização por dot
método utilizado, pois não há uma padronização das blot do DNA extraído da amostra do paciente, com uma
técnicas. Enquanto alguns métodos disponíveis no sonda específica de T. gondii. A PCR Real time também
comércio consideram valores de 30% como alta avidez tem sido utilizada no diagnóstico da toxoplasmose.
e abaixo de 20% como baixa avidez, outros métodos, A principal vantagem dessa técnica é a determinação
também muito utilizados, consideram acima de 60% quantitativa do produto conforme o seu aparecimento
elevada e abaixo de 30% baixa, o que caracterizaria as (tempo real). A possibilidade de quantificar o DNA
fases crônica e aguda, respectivamente.23,24,26 presente na amostra a torna muito interessante para
Embora os testes de imunofluorescência indireta acompanhar o tratamento dos pacientes.28 Não obstante,
(IFI) e de hemaglutinação indireta (HAI) ainda sejam ainda falta padronização da PCR de forma a poder
utilizados no diagnóstico da infecção por T. gondii, a ser utilizada mais amplamente para a detecção do
maioria dos laboratórios de análises clínicas brasileiros T. gondii.31
adota o teste de Enzime Linked Immunosorbent Assay O conhecimento do risco de acometimento clínico
(ELISA) e suas variantes. O Immunosorbent Aglutination do neonato, levando em conta a idade gestacional
Assay (ISAGA) é um teste muito específico para IgM em que a mãe adquiriu a infecção toxoplásmica,
anti-T. gondii mas dificilmente disponível para uso na provavelmente é mais importante do que o risco de
clínica. A escolha do método e do laboratório é muito infecção congênita per se.9 Essa informação pode ser
importante para a confiabilidade dos kits comerciais útil para as mulheres que tiveram o diagnóstico da
que irão ser utilizados e, consequentemente, para a infecção aguda durante a gestação, as quais, junto com
confiabilidade dos resultados. seus médicos, poderão decidir sobre a melhor conduta
Em adultos e neonatos, os testes IFI-IgM falso- a ser tomada para a confirmação do diagnóstico
positivos podem ocorrer nos soros que contêm fator (por exemplo, amniocentese) e da terapêutica a ser
reumatóide.27 Quando esses soros são tratados com seguida.
um adsorvente disponível no comércio, os soros que
no teste de IFI apresentaram-se IgM falso-positivos TRATAMENTO DA GESTANTE
tornam-se negativos, e nos que realmente contêm a
IgM anti-T. gondii, a IFI-IgM permanece positiva. No As gestantes que apresentarem suspeita de
ELISA-IgM com captura, os anticorpos antinucleares infecção por T. gondii adquirida durante a gestação
e o fator reumatóide não interferem. Este é um dos devem ser imediatamente tratadas com espiramicina,15
motivos pelos quais o teste de IFI-IgM não tem sido que é ministrada para prevenir a transmissão do T.
indicado no diagnóstico da toxoplasmose, nem da gondii da mãe para o feto. A etapa seguinte deverá
gestante nem do recém-nascido. ser investigar a infecção do feto pelo protozoário.
O padrão ouro para o diagnóstico laboratorial da Se a infecção toxoplásmica fetal for confirmada, ou
infecção por T. gondii é a detecção do parasito (em nas infecções adquiridas nas fases mais tardias da
materiais biológicos suspeitos) por meio do isolamento, gestação (quando a taxa de transmissão materno-
após a inoculação em animais suscetíveis (geralmente fetal é mais alta), o tratamento específico da mãe com
camundongos albinos) ou em cultivos celulares, pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico deverá
em exames histológicos e na imunohistoquímica. ser considerado.21 Durante o tratamento, as gestantes
Entretanto, esses testes apresentam sensibilidade devem ser monitoradas com relação à toxicidade
reduzida e são demorados.28 A inoculação em animais dos medicamentos. A pirimetamina é um inibidor da
não pode ser utilizada com material biológico síntese de ácido fólico e, portanto, é uma droga tóxica
proveniente de indivíduos HIV positivos, por motivo para a medula; desse modo, a paciente deverá receber
de biossegurança. Nesses casos, uma alternativa seria ácido folínico (nunca ácido fólico, que anula a ação
o isolamento em cultura de tecidos.29,30 terapêutica da pirimetamina) para prevenir alterações
As técnicas da biologia molecular têm sido como neutropenia, trombocitopenia e anemia.32-34 Nos
aplicadas com sucesso na detecção do DNA do parasito casos em que a infecção fetal não for confirmada, o
em líquido amniótico para confirmar a infecção fetal. O tratamento com espiramicina poderá ser continuado
diagnóstico molecular tem se mostrado uma importante durante toda a gestação. Embora o benefício do
ferramenta no diagnóstico direto da toxoplasmose, pois tratamento na gestação ainda seja controverso, tem

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sido demonstrados efeitos na redução da transmissão que praticamente só ocorre quando a mãe adquire a
transplacentária do parasito e também na diminuição infecção durante a gestação.
da gravidade das manifestações clínicas nos neo- O médico e a gestante devem adotar medidas
natos.15,16,33,34 específicas que possam assegurar a prevenção primária,
secundária e terciária de acordo com o caso.
DIAGNÓSTICO NO RECÉM-NASCIDO A clínica sugestiva nos neonatos e a sorologia
indicativa da infecção recente na mãe têm alto valor
As manifestações da toxoplasmose congênita preditivo de infecção toxoplásmica congênita.39
podem surgir ao nascimento, durante a infância, ou A definição de toxoplasmose congênita pode ser
até vários anos mais tarde (nesses casos, geralmente derivada do quadro sorológico (presença de anticorpos
a retinocoroidite). Sendo assim, sugere-se que os específicos anti-T. gondii detectados por testes de
lactentes nascidos de mães com comprovada ou confiança), do quadro parasitológico (detecção do
provável infecção toxoplásmica sejam monitorados, parasito pela histopatologia ou imunohistoquímica,
no mínimo, por um ano, com avaliação clínica pelo isolamento em cultura de tecido ou por inoculação
(incluindo avaliação oftalmológica e neurológica) e em camundongos, ou pela demonstração do DNA do
testes sorológicos periódicos, para diagnosticar e tratar protozoário nos tecidos ou nos líquidos biológicos) e
a infecção o mais cedo possível.14,35-38 do quadro clínico (presença de alterações indicativas de
A presença de IgM (ou IgA) anti-T. gondii no soro do infecção aguda na gestante, no feto e no neonato, como
neonato é indicativa de infecção congênita, uma vez que dilatação ventricular e/ou calcificações intracranianas
esses anticorpos não atravessam a barreira placentária. no ultrassom fetal, ou alterações clínicas detectadas
Entretanto, a IgG materna sempre está presente após o nascimento).35
no soro dos lactentes, mesmo dos não infectados,
sendo que nestes, a IgG anti-T. gondii negativa-se ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA
antes dos 12 meses de idade. Nos casos de infecção PREVENÇÃO, DIAGNÓSTICO E
congênita, a IgG continua reagente após o primeiro TRATAMENTO DA TOXOPLASMOSE NA
ano de vida. Por outro lado, uma IgM anti-T. gondii GESTANTE E NO RECÉM-NASCIDO
não reagente no neonato não exclui a possibilidade de
toxoplasmose congênita, pois aproximadamente 25% 1. Gestante
dos bebês infectados já apresentam IgM não reagente a) IgM e IgG negativas – gestante suscetível à in-
no momento do nascimento. Nos neonatos com IgM fecção: prevenção primária.
negativa e avaliação clínica normal, a confirmação b) IgG positiva e IgM negativa – infecção passada.
sorológica ou exclusão da toxoplasmose congênita b1) Gestante imunocompetente – não há risco para
pode ser feita pelo acompanhamento mensal da curva a prole.
de IgG anti-T. gondii.10 b2) Gestante imunossuprimida – acompanhamento
Nos casos de suspeita ou confirmação sorológica durante a gravidez.
de infecção toxoplásmica congênita, deve ser
c) IgG e IgM positivas
realizada avaliação completa do recém-nascido,
c1) Baixa avidez de IgG – provável infecção aguda:
sorológica e clínica, incluindo exame neurológico,
tratamento e acompanhamento durante a gra-
exames de neuroimagem, avaliação oftalmológica
videz (alguns indivíduos permanecem muito
completa, hemograma e plaquetas. O RX de crânio
tempo com avidez baixa, assim, o valor predi-
não é indicado, uma vez que apresenta baixíssima
tivo da avidez baixa não é tão alto quanto o
sensibilidade para calcificações e não detecta dilatação
da avidez alta).
dos ventrículos cerebrais. Podem ser utilizadas a
c2) Alta avidez de IgG (no primeiro trimestre de
tomografia computadorizada ou a ultrassonografia.
gestação) – infecção passada.
Geralmente indica-se também o exame de líquor. Se o
c2.1) Gestante imunocompetente: não há risco
recém-nascido é assintomático ao nascimento, não fica
para a prole.
excluída a possibilidade de surgirem sequelas durante
c2.2) Gestante imunossuprimida: acompanha-
a infância, ou mesmo mais tarde.10
mento durante a gravidez.
2. Neonato de Mãe com Infecção Toxoplásmica
SUMÁRIO DOS PONTOS CHAVES
Aguda Confirmada ou Possível
A toxoplasmose congênita continua sendo um a) Avaliação clínica completa ao nascimento.
problema de saúde pública. É uma infecção evitável, b) Acompanhamento sorológico.

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c) Acompanhamento clinico (incluindo exame oftal- 16. Foulon W, Villena I, Stray-Pedersen B, et al. Treatment of
mológico) por, no mínimo, um ano. toxoplasmosis during pregnancy: a multicenter study of
impact on fetal transmission and children’s sequelae at age
d) Iniciar de imediato o tratamento quando a in- 1 year. Am J Obstet Gynecol. 1999;180:410-5.
fecção congênita for confirmada ou sob forte 17. Mioranza SL, Meireles LR, Mioranza EL, et al. Evidência
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