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Ligia Bahia
Introdução
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A estratégia da derrota, capitaneada pela Declaração de Março, de 1958, do Partido
Comunista Brasileiro (PCB)¸ apostava na aliança pluriclassista, tendo como diretriz a
democracia. Nesse documento o PCB considera a questão democrática e a via
pacífica como elementos centrais para a transformação da sociedade. “O caminho
pacífico da revolução brasileira é possível em virtudes de fatores como a
democratização crescente da vida política, o ascenso do movimento operário e o
desenvolvimento da frente única nacionalista em nosso país. O povo brasileiro pode
resolver pacificamente seus problemas básicos com a acumulação gradual mas
incessante de reformas profundas e conseqüentes, na estrutura econômica e nas
instituições políticas, chegando-se até a realização completa das transformações
radicais colocadas na ordem do dia pelo próprio desenvolvimento econômico / social
da nação” (Declaração Sobre a Política do PCB Voz Operária, 22-03-1958). Disponível
em http://www.marxists.org/portugues/tematica/1958/03/pcb.htm
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À classe trabalhadora teria a tarefa de “cortar o nó górdio de um história que enlaça a
burguesia, em escala quase coletiva ao conformismo pró-imperialista e à reprodução
do ´antigo regime` sob novas bases e novas formas (Fernandes, 1996).
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Florestan Fernandes ponderou que a “Nova República” surgia sem a superação do
antigo regime. A composição pelo alto impediu o deslocamento de poder para as
classes subalternas e facultou a recomposição do sistema oligárquico. Os
mudancistas teriam se aferrado a uma racionalidade conciliatória (1996).
Alternativamente, para Carlos Nelson Coutinho o processo de abertura não teria
ocorrido de “cima para baixo”, pelo contrário, embora a transição tenha reproduzido,
em alguns momentos, a velha tradição brasileira dos “arranjos pelo alto”, também foi
determinada pela pressão “de baixo” (2000).
presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, cujas reformas pautadas
no tripé estabilização, privatização do patrimônio estatal e abertura comercial, que
promoveram uma radical transformação no papel estratégico do Estado (Boschi e
Lima, 2002). A resistência dos movimentos sociais, por vezes combatidos e
criminalizados como Movimento dos Sem Terra e a atuação oposicionista do PT às
políticas neoliberais organizou-se em torno da Constituição de 1988.
No governo Lula, após os embates sobre a reforma da Previdência Social -
caracterizada por Marques e Mendes (2005) como antidemocrática, anti-republicana e
promotora de redistribuição de renda às avessas, entre os servidores e o capital financeiro
-, a exigência dos direitos promulgados pela Constituição de 1988, transbordou das
pautas dos movimentos sociais para as agendas do Poder Executivo.
Paradoxalmente, esse movimento de convergência e reconhecimento de uma
Constituição, antes combatida por prever direitos de seguridade social, legitimou ou
pelo menos subscreveu silenciosamente o acionamento de dispositivos de proteção
social externos à Previdência Social tais como programas de transferência de renda e
fundos de pensão (Grün, 2005).
Assim, não é incomum que as noções de superioridade da capitalização em
relação a repartição, dos riscos individuais e não dos coletivos, como indicativos de
caminhos seguros para encontrar a solução dos problemas sociais sejam
apresentadas em defesa da Constituição de 1988. Não é por outra razão que a
extensão dos mandatos trabalhistas da esfera sindical para a atuação em fundos
privados de pensão e organizações de planos privados de saúde compatibiliza-se com
a militância pro-constituinte.
São as tentativas de contornar as articulações das questões de proteção social
com os mercados financeiros e acatar ou não os seus ditames que desidratam a
agenda da saúde. A condenação populista antifinanceira ou a arrogância de quem
supõe dispor de capacidade para moralizar a mercadorização das políticas de
proteção social não substituem a necessidade de conhecer, debater e encontrar meios
para reorientar os reais fluxos que interligam riscos sociais a riscos financeiros.
A recente mobilidade social é muito expressiva nos estratos de renda da
denominada baixa classe média e o crescimento do emprego formal pressionaram a
elevação do salário mínimo. No entanto a política econômica ortodoxa, que mantém
superávits elevados, juros estratosféricos e câmbio valorizado, segue incentivando a
adoção de estratégias rentistas. A nova leva de consumidores aos “padrões de vida de
classe média” é financiada com taxas de juros exorbitantes, seja na concessão de
créditos e nas vendas a prazo (que não admitem desconto para o pagamento à vista,
como se os juros não estivessem embutidos) e nos subsídios públicos à oferta e
demanda de planos de saúde baratos e precários (Quadros, 2010).
As políticas públicas para expandir o acesso a planos de saúde com coberturas
pouco abrangentes e para contornar os problemas da rede pública de saúde,
glamourizam um acesso à atenção à saúde muito limitado. A indução da vinculação de
novos clientes a um simulacro das condições de atenção à saúde disponível para
trabalhadores qualificados e segmentos de maior renda não passa de estratégia de
marketing e não admite extrapolações para além do âmbito dos negócios.
Desde Oliveira (2003), diversos estudiosos procuraram entender os impactos
da financeirização e controle de fundos públicos na estrutura de classes e
representação de interesses. A presença de sindicalistas na administração desses
fundos produz um novo conjunto de representações e crenças sobre o mercado
financeiro, sobretudo o de sua modernidade por referência a caduicidade atribuída aos
serviços públicos e define uma identidade de “moralização do capitalismo”, que
sanciona o “social” no mercado financeiro (Jardim, 2009).
Na saúde, a alegação da condução de sindicalistas para os cargos de
administração de entidades privadas planos de saúde foi a perspectiva de corrigir
imperfeições do mercado. E os discursos incisivos, em defesa do SUS, assegurando
sua compatibilidade com a lógica privada seriam antídotos para os maus instintos do
mundo das finanças. Correlatamente, o mesmo argumento fundamenta a participação
de entidades sindicais em mesas de negociação sobre as coberturas de planos de
saúde para servidores públicos e em fóruns organizados pela Agência Nacional de
Saúde Suplementar. O manto da defesa do SUS e da Constituição abriga
generosamente a junção social-financeiro. Mas para tanto, também foram redefinidos
os conceitos de mercado e lucro mediante a interpolação de significados como
responsabilidade social e justiça social.
Contamos com análises recentes que enfocam movimentos de privatização da
saúde. Tais estudos ora tomam como fio condutor as iniciativas empresariais e suas
conexões com as políticas públicas, ora remetem a determinações estruturais (Lima,
2010, Bahia, 2009). No entanto, a compreensão sobre as interações da privatização
da saúde com o contexto de crescimento econômico e as atuais políticas sociais é
incipiente. Como interpretar a inequívoca transferência de antigos traços
corporativistas de representação de interesses para o âmbito dos negócios de saúde?
Como reorientar as narrativas sobre o SUS? Quem são seus defensores? As
respostas a essas interrogações ainda não estão disponíveis. Por enquanto, não se
poderia deixar de assinalar as imagens de brasileiros nas ruas de nossas cidades
trajando camisetas, que estampam slogans de compromissos com os direitos sociais,
obtidas em conferências de políticas públicas, portando sacolas plásticas de exames
de clinicas privadas.
Referencias Bibliográficas
BAHIA, L.. The Brazilian Health System Betwenn Norms And Facts: Mitigated
Universalization And Subsized Stratification. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, p.
753-762, 2009
GRÜN, Roberto. O “nó” dos fundos de pensão. Novos Estudos (73): 19-31,
2005