Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
http://jus.uol.com.br/
Publicado em 01/2006
1) Introdução:
Contudo, as coisas nem sempre se passam assim. Nem todos os factos e processos
do comércio jurídico-privado decorrem inteiramente no âmbito de uma só
comunidade estadual, e isso porque a origem de todos ou quase todos os problemas
do DIP. resulta da existência de:
- trocas internacionais → comércio jurídico internacional;
Mas o que fazer ou que norma aplicar quando um dos sujeitos da relação for
estrangeiro ou quando a coisa objecto da relação jurídica se encontra em um outro
Estado?
Dada a conexão existente entre essas relações (através dos seus elementos) e várias
ordens jurídicas não seria, decerto, boa solução sujeitá-las sempre e sem mais
exame à autoridade do direito local, mas, de outro modo (e como é natural) deve
escolher-se, dentre as ordens jurídicas que com a relação entram em contacto, a
que lhe seja mais próxima ― aquela ordem jurídica que com a relação tenha um
contacto mais forte ou mais estreito.
Não obstante o que ficou dito, parte da doutrina sustentou que nada obrigava a
que os tribunais de um Estado, quando chamados a conhecer de um conflito
emergente de uma relação jurídico-privada com carácter internacional, tivessem
de encarar a possibilidade de, para ela, encontrar uma regulamentação diferente
daquela que directamente resultasse do seu direito interno. É esta a chamada
teoria da territorialidade que consagrou o princípio da territorialidade das leis.
Uma tal teoria, contudo, já desde a Escola Estatutária foi negada e, quanto a nós,
também achamos que deve ser rejeitada, pois a aplicação da «lex fori materialis»
(da lei do foro) a quaisquer factos e situações que lhe sejam estranhos (ou seja, que
não tenham com ela qualquer conexão espacial), violaria gravemente o princípio
universal do direito segundo o qual, visando a norma jurídica regular os
comportamentos humanos que se desenvolvem no seio de uma sociedade, não poderá
considerar-se aplicável a condutas que se situem fora da sua esfera de eficácia (fora,
portanto, do alcance do seu preceito), e isso quer em razão do tempo (princípio da
irretroactividade das leis), quer em razão do lugar onde se verificam (princípio da
não transactividade das leis).
A denominação deste ramo como «Direito Internacional Privado» ficou assente por
influência de uma obra intitulada «Traité du Droit International Privé» de FOELIX
em 1843. É esta a denominação que veio a prevalecer nos países da Europa
Continental e América Latina, contudo, nos países anglo-americanos prevaleceu a
denominação «Conflito de Leis», assim como denominavam os estatutários
holandeses e alemães e também JOSEPH STORY.
As normas jurídicas, como normas de conduta que são, vêem o seu âmbito de
eficácia limitado pelos factores tempo e espaço:
__ não podem, por um lado, ter a pretensão de regular os factos que se passaram
antes de sua entrada em vigor;
__nem, por outro lado, os que se passem ou se passaram sem qualquer contacto
com o Estado que as editou.
Já vimos que parte da doutrina sustentou que nada obrigava a que os tribunais de
um Estado, quando chamados a conhecer de um conflito emergente de uma
relação jurídico-privada de carácter internacional, tivessem, só por isso, de
encarar a possibilidade de para elas encontrar uma solução diferente daquela que
directamente resultasse do seu próprio ordenamento jurídico.
__é de presumir que o conjunto das leis vigentes (o ordenamento jurídico) nesse
país é bom e justo; e
__é este o sistema que melhor poderá garantir o acerto das decisões judiciais, pois
«a possibilidade de erro judiciário redobra logo que o juiz deixe de pisar o chão firme
dos princípios e instituições do direito pátrio».
É de elementar justiça que toda a relação da vida social seja apreciada, onde quer
que tal se faça necessário, em função dos preceitos da lei competente.
Contudo, é por uma consideração fundamental dos interesses dos indivíduos, e não
do interesse e soberania dos Estados, que as leis civis devem ser reconhecidas e
aplicadas além fronteiras. Em DIP. são os interesses relativos dos indivíduos que
constituem a dimensão preponderante.
Também aqui não se põe o problema da determinação da lei estadual aplicável, pois,
por respeito ao princípio da não transactividade, apenas poderá ser aplicada ao caso
a lei do único ordenamento jurídico que com a relação jurídica em causa apresenta
um ponto de contacto ou de conexão (vg.: A, francês, é casado com B, também de
nacionalidade francesa; residem em França e discutem em Portugal a propriedade
de um imóvel situado em França). Qual a lei a aplicar? Por respeito ao princípio
da não transactividade, a única lei aplicável ao caso é a lei francesa.
__por um lado, exclui todos os ordenamentos jurídicos que não apresentam pontos
de contacto ou conexão com a situação em causa, não podendo, portanto, ser
aplicados ― dimensão negativa do princípio da não transactividade das leis; e
Ao contrário dos outros ramos de direito que são integrados por normas materiais,
o DIP. é integrado por normas secundárias ou indirectas (normas instrumentais)
denominadas «regras de conflitos».
Direitos de conexão: a conexão dos factos com os sistemas jurídicos é que constitui
o dado determinante (facto operativo ou facto jurídico) básico de aplicabilidade
dos mesmos sistemas jurídicos.
Toda a lei, como regra de dever ou regra de conduta, encontra limites espácio-
temporais ao seu âmbito de eficácia. É isto que se pretende dizer quando se fala na
relatividade espácio-temporal da concepção de justiça de qualquer sistema
jurídico, a propósito da razão de ser do Direito de Conflitos.
A determinação da lei aplicável ao caso «sub judice» decorre, por vezes, directa ou
imediatamente daquele princípio segundo o qual, visando as normas jurídicas
regulamentar os comportamentos humanos que se desenvolvem no seio de uma
sociedade, não poderão considerar-se aplicáveis a condutas que se situem fora da
sua esfera de aplicação (fora, portanto, do alcance do seu preceito) quer em razão
do tempo (princípio da irretroactividade das leis), quer em razão do espaço (princípio
da não transactividade das leis). Ora, como se sabe, no caso das situações
relativamente internacionais, ou seja, no caso daquelas situações que apresentam
pontos de contacto com um único ordenamento jurídico, a simples aplicação do
princípio da não transactividade das leis, por si só, opera a determinação do
ordenamento jurídico competente para regular materialmente o caso «sub judice».
Quando, porém, se trata de uma situação absolutamente internacional, a simples
aplicação do princípio da não transactividade das leis, por si só, não basta. Nestes
casos, o dito princípio só operará num primeiro momento, pois, através da sua
dimensão negativa, o princípio da não transactividade excluirá a possibilidade de
aplicação de ordenamentos jurídicos que com a situação concreta não apresentam
qualquer ponto de contacto ou de conexão e, através da sua dimensão positiva, o
princípio da não transactividade determinará os ordenamentos jurídicos
potencialmente aplicáveis ao caso «sub judice».
Verifica-se que a conexão privilegiada será hora uma, hora outra, conforme o
domínio ou matéria jurídica em causa. Assim, por exemplo, se estivermos perante
um caso relativo ao estatuto pessoal do sujeito (direitos de personalidade, estado e
capacidade, relações de família, sucessões «mortis causa»), dar-se-á preferência a
uma conexão pessoal (a nacionalidade ou o domicílio das pessoas interessadas); se a
questão a solucionar disser respeito à forma dos actos jurídicos, dar-se-á primazia à
conexão «lugar da realização do acto»; e, finalmente, se se tratar de uma questão
relativa à constituição ou transferência de direitos reais, privilegiar-se-á a conexão
que aponte para o lugar da situação da coisa («lex rei sitae»).
Por exemplo: artigo 46º do Cód. Civ.: «o regime da posse... é definido pela lei do
Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas».
Logo se vê como a uma mesma relação poderão ser aplicáveis várias leis (vg.: se for
uma a lei aplicável à forma e outra à substância do acto), desde que se trate de
questões ou problemas jurídicos distintos. A aplicação cumulativa de várias leis, ou
seja, a aplicação de regras jurídicas diferentes à mesma questão de direito é que deve
ser excluída a fim de evitar antinomias ou contradições normativas.
O conceito quadro é neutro, pois, uma vez que apenas determina o domínio ou
matéria jurídica em questão, não designa este ou aquele ordenamento jurídico, mas
todos eles.
3.A mais, há situações que vão ser reconhecidas sem que tenham sido constituídas
à face da lei considerada competente pela nossa regra de conflitos (v.g.: situação
dos direitos adquiridos).
+ lei reguladora dos actos ou factos aos quais vai ligada a presunção legal.
Importa salientar: a competência da «lex fori» enquanto pura lei de processo não
depende de qualquer conexão particular que a ligue à situação jurídica em litígio.
Basta:
Tem-se, actualmente, considerado que não. Não obstante, alguns autores (dentre os
quais KAHN e GUTZWILLER) entendem que os Estados estão obrigados a
receber na sua ordem jurídica interna as normas de conflitos postuladas pelo
Direito Internacional Público geral. Estariam incluídas neste caso:
a)a regra que declara aplicável aos imóveis a «lex rei sitae»;
b)a regra que, relativamente à forma externa dos contratos, remete para a lei do
lugar da celebração do negócio; e
c)o preceito que manda que os contratos sejam regulados pela lei escolhida pelos
contraentes (princípio da autonomia da vontade).
Deste modo e se, conforme entendemos, não se pode aceitar a teoria proposta por
KAHN e GUTZWILLER, muito menos se poderá aceitar a teoria proposta por
ZITELMANN que pretendeu construir um sistema completo de DIP. partindo de
certos princípios de Direito Internacional Público, mais precisamente, dos
princípios da soberania pessoal e territorial dos Estados. Tais normas de DIP.
supraestadual, contudo, para além do seu valor paradigmático, teriam a função
única de integrar as lacunas da legislação positiva dos diversos Estados.
__Em 1894, reuniu-se pela primeira vez na Haia, a convite do governo holandês,
uma conferência internacional com o objectivo de alcançar uma unificação do DIP.
em determinadas matérias. Até a 1ª Guerra Mundial, mais três conferências se
realizaram:
- 1896: sobre processo civil;
- sobre a tutela;
- sobre interdição.
Vemos, assim, que há muitas regras convencionais de DIP., contudo, estas normas
só se tornam eficazes na ordem jurídica interna dos Estados após terem sido aí
recebidas e incorporadas. Os Estados, ao subscreverem uma convenção, obrigam-
se a fazê-la cumprir, mas estas só se tornam obrigatórias ou eficazes no interior de
cada Estado depois de verificadas as condições de que a legislação nacional faz
depender sua incorporação no ordenamento jurídico interno.
1.8) Fundamento geral do DIP., sua natureza e principais interesses que visa
satisfazer:
Podemos enquadrar aqui todas aquelas doutrinas que definem o problema central
do DIP. como um problema de fundamento superestadual.
Mas isso não significa que, para as doutrinas internacionalistas, o DIP. deva,
necessariamente, de ser formado por normas de fonte internacional.
Ora, como não podemos conceber que um Estado singular dite normas
delimitadoras da esfera de soberania de outros Estados situados, necessariamente,
num plano de igualdade; e, como diz o antigo brocardo romano, «par in parem non
habet autoritatem», tais normas seriam, necessariamente, normas de direito
supraestadual.
Contudo, como não se pode falar aqui de uma delegação expressa, há quem diga
que se estaria perante uma espécie de «negotiorum gestio» por parte do legislador
estadual, substituindo-se este, «motu proprio», à comunidade internacional e
assumindo as funções desta.
a)determinar a lei sob o império da qual uma certa relação deve constituir-se para
que seja juridicamente válida e possa, assim, tornar-se eficaz;
b)executar essa tarefa de modo tal que a lei designada seja também tida por
aplicável em todos os demais países.
Conclui-se, assim, que não é bastante dizer que o DIP. tem por missão indicar a lei
aplicável às relações multinacionais; é indispensável acrescentar que, para
cumprir de modo adequado essa missão, há-de ele proceder em termos de a
competência da lei assim designada ser susceptível de reconhecimento universal.
Significa isso que um dos principais objectivos visados pelo DIP. é a harmonia
jurídica internacional, uma ideia de que já falava SAVIGNY, inspirado por KAHN
que teve o mérito de ter formulado esse princípio.
Na verdade, o jogo das regras de conflitos, na medida em que, por vezes, conduz à
convocação de duas leis para a resolução do mesmo ponto de direito, presta-se a
gerar situações deste género. Mas estas situações também podem derivar de uma
divergência de qualificação entre duas leis chamadas a pronunciarem-se sobre
aspectos distintos do mesmo acto jurídico, ou sobre questões jurídicas diferentes,
mas de tal modo interligadas, que a decisão quanto a uma delas afectará,
inevitavelmente, a outra.
Se, de acordo com o direito de conflitos do foro, a relação entre a mãe e o filho
estiver sujeita à lei nacional da mãe e a relação entre o filho e o pai à lei pessoal
deste, eis que se nos depara um conflito do tipo aludido, uma vez que, apesar de se
tratar de duas relações jurídicas distintas, a decisão quanto a uma delas afectará
inevitavelmente a outra. E, como ambos os preceitos se tornam aplicáveis no
âmbito da «lex fori» e em virtude de normas de conflitos desta lei, tudo se passa
como se a antinomia surgisse entre normas materiais do próprio sistema jurídico
local.
Outras ideias:
Embora as razões que estão por detrás desta tendência tenham certo valor, poder-
se-á perguntar se não seria preferível, tendo em conta a ideia de que as normas de
conflitos estabelecidas por todo legislador devem ser de molde a poderem
universalizar-se, tomar como norte uma ideia de paridade de tratamento, a
exprimir deste modo: «o DIP. deve colocar os diferentes sistemas jurídicos em pé de
igualdade, de modo tal que uma legislação estrangeira seja considerada competente
sempre que, se ela fosse a «lex fori» se apresentasse como aplicável». É esta a feição
assumida pelo DIP português em vigor.
Assim:
Os princípios gerais que todo legislador deveria ter em conta no momento de gizar
um sistema de normas de conflitos de leis são:
c)princípio da eficácia das decisões judiciais (segundo o qual o Estado com melhor
competência será aquele que em melhores condições se encontrar para impor o
acatamento dos seus preceitos); e
Mas, se é certo que todo o sistema positivo de DIP. deve ser influenciado em maior
ou em menor medida por tais princípios, não é menos verdade que, com a única
excepção do princípio da eficácia das decisões judiciais, eles não nos conduzem às
soluções concretas dos conflitos de leis. Esses princípios, contudo, visam mais o
sistema de DIP. considerado como um todo, do que as regras particulares que o
deverão constituir.
Por outras palavras, a lei aplicável será a que tiver a conexão mais forte ou mais
estreita com a relação ou situação jurídica em causa, tendo em conta uma
ponderada avaliação dos interesses que se apresentem como prevalecentes no
sector considerado.
Por outras palavras, a lei aplicável será a que tiver a conexão mais forte ou mais
estreita com a relação ou situação jurídica em causa, tendo em conta uma
ponderada avaliação dos interesses que se apresentem como prevalecentes no
sector considerado.
Temos ainda aqueles interesses que, embora sendo ainda individuais, se reportam,
contudo, a pessoas indeterminadas ou ao público em geral, e a que podemos
chamar interesses do comércio. Estes aconselham o recurso a elementos de
conexão de natureza puramente objectiva, tais como o «lugar da situação» para os
direitos sobre as coisas, o «país da sua criação» para a propriedade industrial, o
«locus delicti» para a responsabilidade extracontratual.
Contudo, por vezes, é a própria justiça material que invade o domínio do DIP.,
fazendo prevalecer aí os seus juízos de valor, impregnando com seus critérios as
normas de conflitos e vindo ela mesma, por fim, influir na escolha da lei aplicável.
Esta definição logo nos faz propender para inserir o DIP. no sistema do direito
privado. O DIP. é direito privado apesar do facto de da aplicação da norma de
DIP. não derivar ainda a decisão da questão jurídico-privada, mas o certo é que tal
decisão é o que, em último termo, buscamos quando recorremos a esta norma; por
outras palavras, a norma de conflitos não resolve por si mesma a questão de fundo,
mas concorre para a resolução desta questão.
a)do próprio conceito de DIP., já que, segundo ele, o problema do DIP. consiste na
averiguação da lei aplicável às relações privadas de carácter internacional;
c)a problemática do DIP. apresenta muito maiores afinidades com as dos direitos
civil e comercial do que com a de qualquer ramo do direito público.
-reenvio;
Resta salientar, porém, que tal harmonia jurídica internacional não deve ser
perseguida a todo custo, pois ao DIP. cabe prosseguir também outros interesses e,
se este fosse o único princípio tomado em conta, o conteúdo das regras de conflitos
seria indiferente.
As condições que levam à aplicação da lei estrangeira são as mesmas que se exigem
para a aplicação do ordenamento do foro.
Este princípio exprime a ideia de unidade do sistema jurídico ou, por outras
palavras, significa que no seio de um mesmo ordenamento jurídico não devem
existir antinomias ou contradições normativas.
d)problema das questões prévias: há, destarte, casos que, para serem decididos,
pressupõem a resolução necessária de uma outra questão fortemente ligada ao caso
de que se trata. Deste problema das questões prévias iremos tratar mais tarde (cfr.
o n.º 1.10)
O juiz, para dar a solução mais adequada ao caso, deve aplicar a lei que melhor
conhece (a «lex fori»), pois assim ficaria facilitada consideravelmente a tarefa do
juiz e garantir-se-ia o acerto das decisões (e é óbvio que a probabilidade de erro
judiciário é maior quando o juiz deixa de pisar o chão firme do ordenamento
jurídico local). Contudo, isso entraria em colisão frontal com o princípio da
paridade de tratamento das ordens jurídicas estaduais e com o princípio da harmonia
jurídica internacional, uma vez que alarga o campo de aplicação da «lex fori». O
nosso sistema não simpatiza muito com este princípio (não havendo grandes
expressões dele no nosso ordenamento jurídico) e, assim sendo, este só deve ser
aplicado quando não comprometa a harmonia jurídica internacional, não sendo,
portanto, este princípio, susceptível de generalização, caso contrário, iríamos
voltar a cair no princípio da territorialidade.
Este princípio pode levar-nos a afastar a aplicação de uma lei tida, em princípio,
por competente, quando for de recear que esta aplicação conduzirá a decisões
desprovidas de valor prático, e isso porque não serão reconhecidas naquele Estado
em que, todavia, se destinam, normalmente, a produzir efeitos que lhes são
próprios.
Esta é uma das justificações possíveis para fundamentar a competência da «lex rei
sitae» no domínio dos direitos reais (cfr. o artigo 46º do Cód. Civ.). Tal ordem de
ideias poderá levar a preferir a lei da situação dos imóveis à lei pessoal dos sujeitos
da relação jurídica (este afastamento da lei pessoal dos sujeitos da relação
pressupõe que a «lex rei sitae» se julgue exclusivamente competente ou quando
reenvie para outro ordenamento que a «lex causae» reconheça como aplicável). É
este o meio necessário e suficiente para reconhecer aquela decisão no Estado da
situação dos bens.
1.9.6) Princípio da maior proximidade:
Apesar de haver uma lei em princípio competente para reger um regime de bens, o
certo é que, em princípio, aos bens móveis deve ser aplicada a lei competente para
os bens imóveis (por razões de efectividade), pois no lugar da situação dos bens,
aquela situação poderá não ter qualquer relevo ou eficácia.
Relativamente à questão principal, a lei aplicável será a lei (do foro ou estrangeira)
designada competente por força da regra de conflitos do foro.
a)doutrina da conexão autónoma: segundo esta doutrina, a questão prévia deve ser
conectada autonomamente, ou seja, decidir-se-á a questão prévia em conformidade
com a lei que lhe for aplicável segundo a regra de conflitos do foro, tudo se
passando, portanto, como se a questão tivesse surgido o título principal e não a
título incidental (a decisão será sempre a mesma, quer num caso, quer noutro);
Assim, por exemplo, suponhamos que a regra de conflitos do foro declara como
competente para resolver uma questão X a lei B. Suponhamos agora que esta
mesma questão X vai surgir incidentalmente num outro processo cujo fim é a
resolução de uma outra controvérsia a título principal (a questão Y). Se, segundo a
regra de conflitos do foro, for competente para regular esta questão Y a lei C, esta
pode muito bem declarar como competente para disciplinar a questão X a lei D.
Mostra-se, deste modo, a diversidade de soluções a que estaria sujeita uma mesma
questão.
Por outro lado, a conexão subordinada pode pôr em causa a harmonia material
(ideia de inadmissibilidade de contradições normativas no sistema jurídico), pois se
a mesma questão fosse suscitada a título principal, ser-lhe-ia aplicada uma regra
de conflitos diferente (a nossa). Ora, resolver as questões prévias segundo o direito
de conflitos da «lex causae» propicia este tipo de situações antinómicas. Consoante
uma questão seja suscitada a título incidental ou principal, será valorada de forma
diferente.
Para evitar tais conflitos seria necessário optar pelo sistema da conexão autónoma,
ou seja, deveríamos recorrer sempre aos princípios da «lex fori» ― só assim uma
questão, quer fosse suscitada a título incidental, quer a título principal, estaria
sempre sujeita à mesma regra de conflitos.
Conclusão: a solução pela qual devemos optar passa por tentar harmonizar estes
dois princípios ― a adopção do sistema da conexão subordinada com limitação
que podem passar pela delimitação da área de competência exclusiva do foro. Nem
sempre este sistema violará o princípio da harmonia material ou interna.
Trata-se, pois, duma consequência jurídica «sui generis» a que só por transposição
de sentido podemos aplicar a designação de «consequência jurídica», visto ela,
diferentemente do que acontece com a de direito material, não operar,
directamente e de «per si», alterações no domínio das situações jurídicas concretas,
ou seja, efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de relações ou situações
jurídicas.
a)por um lado, depende a «consequência jurídica» não dos factos como tais, mas da
sua localização
b)por outro lado, essa «consequência jurídica» consiste não numa alteração no
mundo das situações jurídicas subjectivas originadas pelos factos de cuja
«localização» se trata, mas na atribuição da competência para regular esses factos
a um dado ordenamento jurídico.
1.a valoração jurídico-material dos factos da vida não é obtida com o Direito de
Conflitos, mas com a lei por ele designada como competente: Direito de Conflitos e
Direito Material situam-se em planos distintos, e aquele deve abstrair, em
princípio, das soluções dadas por este aos casos da vida.
2.O Direito de Conflitos, não tendo a ver com as valorações de justiça material, só
pode propor-se a um escopo de justiça formal consistente, fundamentalmente, em
promover o reconhecimento dos conteúdos de justiça material que impregnam os
casos da vida imersos em ordenamentos jurídicos diferentes do ordenamento do
foro, a fim de salvaguardar as naturais expectativas dos particulares e realizar os
valores básicos da certeza e segurança jurídicas.
__Em segundo lugar, tanto o DIP. como o direito transitório levam-nos a tomar
consciência do problema relativo aos limites de aplicabilidade das normas
jurídicas; e
Assim, enquanto o DIP. tem por objectivo os conflitos de leis no espaço, o direito
intertemporal dirime os conflitos de normas jurídicas no tempo. O problema do DIP.
decorre da vigência simultânea, em territórios diversos, de leis distintas; já o
problema do direito transitório decorre do fenómeno da sucessão de leis no seio da
mesma ordem jurídica.
Por sua vez, tendo o direito intertemporal por objecto a resolução do problema de
normas que vêm a tomar o lugar de outras, interferindo com situações jurídicas
preexistentes, pode dizer-se que o direito intertemporal versa sobre um problema de
dinâmica de leis.
c)não poderá invocar-se a ordem pública como razão para não aplicar a lei doutra
província;
d)as normas de conflitos serão, em regra, únicas para todo o território do Estado; e
e)as sentenças proferidas numa província serão exequíveis de pleno direito nas
restantes.
Uma outra variante de conflitos internos consiste nos conflitos interpessoais. Neste
caso, as várias leis em presença não regem territórios distintos, mas distintas
categorias de pessoas. Esta situação verifica-se principalmente nos países coloniais
em que os indígenas eram, em regra, deixados sob o domínio do direito
consuetudinário local, vigorando a lei metropolitana para os europeus.
Sabemos já que o DIP., sendo direito interno pela fonte, tem a desempenhar uma
função internacional, qual seja, a de promover o reconhecimento e a aplicação, no
âmbito do Estado em que vigora, de conteúdos e preceitos jurídicos estrangeiros.
Por virtude das regras de DIP., em princípio, as múltiplas instituições jurídicas
existentes algures no mundo recebem o visto de entrada no ordenamento do foro e
tornam-se nele aplicáveis.
Este facto logo faz ressaltar a importância do papel que compete à investigação
comparatista nos domínios do DIP.
a)no período entre as duas Grandes Guerras, atribuiu-se a esta ciência, como
tarefa primordial, a realização de um «direito mundial do século XX» (esta ideia
teve em LEVY-ULMANN o seu maior expoente); breve, porém, o ideal da
unificação jurídica à escala mundial entra em franco declínio.
Longe desta discussão, reconhecemos que o direito comparado tem também por
escopo o estudo sistemático das diferentes instituições jurídicas tal como se
perfilam e desenham nas leis dos vários Estados, em ordem a determinar o que
haja de comum e de diferente entre elas; assim sendo, pode afirmar-se que o DIP. é
o primeiro beneficiário destes estudos.
É óbvio que toda a comparação supõe a existência de algo de comum nos objectos a
comparar. O que há de comum entre os sectores homólogos dos vários sistemas
jurídicos reside muito mais nos problemas prático-sociais a que urge dar solução
no plano e com os meios específicos do direito, do que nas próprias soluções
conseguidas. Os problemas normativos são, em grande medida, susceptíveis de
formulação comum, o que difere são as reacções ou respostas a tais problemas.
A tarefa (ou uma das tarefas) do direito comparado consiste em apurar quais os
diferentes meios técnicos a que os vários legisladores recorrem para levar a cabo
funções sociais equivalentes. Através do direito comparado, ver-se-á como
instituições diferentes tendem, nos diversos lugares, para fins análogos e, ao
contrário, como a instituições, na aparência homólogas, correspondem objectivos
distintos.
Tudo isso se reveste de primordial importância para o DIP., dada a missão que lhe
compete de coordenar, na sua aplicação, todas as leis existentes. Para tanto possui
o DIP. as suas categorias normativas próprias e, a cada uma destas, corresponde
um elemento de conexão determinado.
A matéria que preenche essas várias categorias é, justamente, formada pelos vários
preceitos e instituições jurídicas dos diferentes Estados em cada uma de tais
categorias deverão ser incluídas todas as normas e instituições (quer de direito
nacional quer de direito estrangeiro) que se proponham, como finalidade precípua,
aquela mesma finalidade visada pelo legislador do foro ao elaborar a respectiva
regra de conflitos.
Por último, diga-se que o método da comparação rende largos frutos quando,
justamente, aplicado ao próprio DIP. O conhecimento crítico das divergências
existentes entre os sistemas conflituais dos Estados é essencial à tarefa da
unificação das regras de conflitos e, bem assim, à elaboração dessas normas pelo
legislador interno.
a)para uma delas, o DIP. move-se num espaço exterior à Constituição... num
espaço livre relativamente aos princípios e normas constitucionais.
Segundo H. DÖLLE, não pertence ao direito de conflitos estender a validade de
um princípio reconhecido no direito interno além do seu próprio domínio de
aplicação, atribuindo-lhe um papel decisivo na determinação da lei competente.
Em suma: as regras de conflitos são regras técnicas neutrais que não têm o sentido
de servir a justiça.
Antes de mais, o DIP. Actual está muito distante da concepção clássica, segundo a
qual ele seria, na verdade, um direito exclusivamente formal, indiferente ao
conteúdo das normas substanciais concorrentes e aos critérios e valores da justiça
material.
Mas daqui não resulta a radical impossibilidade de se dar efeito entre nós a um
direito estrangeiro que consagre ainda aquela distinção.
Assim, à norma da lei estrangeira designada como aplicável ao caso pela regra de
conflitos da «lex fori» seria dada, em princípio, aplicação, independentemente de
ela colidir com um preceito constitucional sobre direitos fundamentais.
É esta a solução para a qual devemos nos inclinar, não obstante devamos também
contemperar esta solução pela forçosa intervenção da cláusula geral da ordem
pública internacional.
A resposta a este problema deve situar-se no plano dos critérios gerais que hão-de
orientar o juiz na aplicação do direito estrangeiro. A este respeito, estabelece o
artigo. 23º, n.º 1 do Código Civil que «a lei estrangeira é interpretada dentro do
sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas».
Assim, se em determinado sistema estrangeiro um certo preceito não é aplicado
pelos tribunais ordinários por colidir com normas da respectiva Constituição, cabe
ao juiz português dar a tal circunstância o devido valor e abster-se, do mesmo
modo, de observá-lo.
a)a nacionalidade;
Uma vez determinada a lei aplicável à situação litigiosa, não há senão que proceder
à aplicação das normas dessa lei que, precisamente, se referem aos factos
considerados: é esta lei competente que dirá se, no caso concreto, há ou não um
direito adquirido a respeitar.
A doutrina francesa coloca o acento tónico no ponto de partida; assim, para esta
corrente doutrinária, a atitude correcta a adoptar seria reduzir o problema do
DIP. ao conflito de leis e jurisdições. Ao DIP. competiria indicar por qual
legislação se resolvem as questões emergentes das relações privadas internacionais
e, outrossim, as regras sobre competência internacional dos tribunais e o
reconhecimento de sentenças estrangeiras. Assim, trata-se de princípios jurídicos
de uma natureza muito especial, pois são princípios que, em regra, nada dizem
sobre o sentido da composição dos conflitos de interesses, nem sobre os direitos e
deveres dos indivíduos.
1.conflitos de leis; e
São questões que podem ser levantadas numa situação privada de direito
internacional; são domínios afins do DIP. e, como tal, temos que os referenciar nos
aspectos em que eles ajudam a resolver questões de DIP. Mas não são
autonomizáveis.
- Em primeiro lugar: devemos fazer consistir o seu objecto numa matéria forte /
homogénea, núcleo de questões da mesma natureza e a resolver por métodos
idênticos.
Ideias tradicionais:
- Normas de conflitos: não provêem, elas próprias sobre o regime das relações
sociais, não são normas de direito substancial, mas são puramente instrumentais.
Essa operação faz-se segundo os seguintes critérios enunciados nos artigos 27º e 28º
do Código Civil:
Artigo 8º do CC: vamos ter que lhe encontrar um outro estatuto, uma outra lei
pessoal.
Artigo 32º do CC: → Se o sujeito for maior e não interdito, dever-se-á aplicar a lei
da sua residência habitual
Caso não tenha residência habitual, manda o artigo 32º, n.º 2 do CC. que remete
para o artigo 82º, n.º 2 do mesmo diploma legal que seja aplicada a lei da
residência ocasional e, se esta não puder ser determinada, deve aplicar-se a lei do
lugar onde o sujeito se encontrar (aplica-se aqui a noção de paradeiro).
1.Princípio da equiparação (artigo 15º da CRP. E artigo 14º do CC.): segundo este
princípio, os estrangeiros (pelo facto de o serem) devem gozar, salvo certas
limitações, dos mesmos direitos que os nacionais. Isso não significa, contudo, que
eles gozem dos mesmos direitos reconhecidos aos portugueses. Podem ter mais ou
menos direitos, tudo dependendo da lei considerada aplicável «in casu». Este
princípio, em suma, apenas significa que a condição de estrangeiro não é, em
regra, motivo suficiente para qualquer restrição à capacidade de gozo de direitos
por parte dos estrangeiros.
2.Princípio da reciprocidade (artigo 14º, n.º 2 do CC.): não são atribuídos aos
estrangeiros os direitos que, sendo reconhecidos pelo respectivo Estado aos seus
nacionais, o não sejam aos portugueses em igualdade de circunstâncias (trata-se de
outro limite ao princípio da equiparação).
Também pode ocorrer um conflito de jurisdição positiva (ou seja, vários tribunais
se dizem competentes para conhecer de uma lide). Nessas situações pode acontecer
que as partes escolham a ordem jurídica que será competente para julgar um
eventual conflito emergente daquela relação («forum shopping»). Quando houver
várias jurisdições competentes para julgar o litígio, as partes vão averiguar quais
as regras de conflitos de cada uma delas e, depois, vão escolher o tribunal em que
vão colocar a questão, e escolherão a jurisdição que melhor acautele seus direitos.
1.O foro do domicílio do réu (artigo 65º, alínea a) do CPC.): é uma regra de
conexão quase universal nos países de tradição romanística.
FERRER CORREIA critica esta norma. Segundo ele, pode ser que esta conexão
seja meramente ocasional, que não deveria retirar a possibilidade de o nosso país
ter competência internacional, assim sendo, sugere uma ressalva a este preceito
legal: «a menos que esta conexão da situação controvertida com a ordem jurídica
nacional não seja suficiente num critério de razoabilidade».
__Artigo 19º ― se esta competência exclusiva for violada, o próprio juiz terá de
declarar-se oficiosamente incompetente.
Aqui temos uma sentença proferida por um tribunal «a quo» que se pretende ver
reconhecida num outro tribunal de outro Estado «ad quem».
a)É uma concepção em declínio, pois tem-se afirmado o princípio da não revisão de
mérito, entendendo-se ser um contra-senso, pois fala-se de reconhecimento da
eficácia e não de reavaliação.
O nosso Código de Processo Civil, porém, abre uma excepção em seu artigo 771º,
por remissão do artigo 1100º.
b)É o sistema francês, com excepção das sentenças que digam respeito ao estado e
capacidade das pessoas. Segundo este sistema o juiz deve controlar, à face das
regras de conflito francesas, a competência da lei aplicada pelo tribunal de origem
ao fundo da causa.
Antes de haver lugar a este processo autónomo, a sentença não pode produzir
efeitos em Portugal, sendo que a pessoa tem unicamente o direito de propor esta
acção em um tribunal português.
Considerando as coisas sob outro ponto de vista, todas as questões focadas (direito
da nacionalidade, direito dos estrangeiros, competência internacional,
reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras) têm uma origem comum:
nascem das relações do comércio jurídico internacional.
Há, muitas vezes, relações que obrigam a encarar e resolver, antes de tudo, o
problema da nacionalidade um dos elementos de conexão), pois o estatuto de
nacional e o de estrangeiro não têm o mesmo conteúdo e, frequentemente, a
nacionalidade dos interessados comanda a determinação da lei aplicável.
O DIP. dos nossos dias, ao contrário do que ocorre com grande parte dos outros
ramos do direito privado, não nos foi legado pelos romanos, mas por juristas que
viveram a partir do século XI.
Para que haja necessidade de um direito de conflitos é preciso, antes de mais, que
exista ou haja a possibilidade de existir uma situação internacional, ou seja, uma
situação que se encontre em contacto com mais do que um ordenamento jurídico.
São pressupostos do DIP.:
- que existam situações que exorbitem do âmbito interno, ou seja, que apresentem
contacto com mais do que um ordenamento jurídico estadual; e
Na antiguidade oriental, por exemplo, não existia qualquer contacto entre os vários
sistemas (os estrangeiros eram considerados inimigos, não podendo, assim, haver
quaisquer relações entre pessoas de Estados diferentes).
No que diz respeito ao direito romano, originariamente, o «jus civile» era exclusivo
dos cidadão romanos ― o peregrino, portanto, não tinha acesso a ele. Assim sendo,
tornou-se necessária a criação de um direito que regulasse as relações entre
peregrinos e cidadãos romanos. Surgiu então o «jus gentium».
Contudo, como o «jus gentium» não era um sistema jurídico completo ― faltando-
lhe, por exemplo, uma regulamentação do instituto sucessório ― as lei peregrinas
tiveram de ser reconhecidas pelos juristas romanos, função que foi, sobretudo,
deferida ao pretor peregrino, nomeadamente em sede de relações de família.
Daqui nasceu uma nova prática: a aplicação, por um mesmo juiz, de leis
diferentes, segundo a origem das partes.
Deste sistema não poderiam deixar de resultar conflitos de leis, mas tal problema
foi ignorado pelos juristas romanos.
O sistema feudal da Idade Média conduziu a que não houvesse relações entre
pessoas dos vários feudos e dos vários domínios territoriais (não há relações
internacionais)
As origens do moderno DIP. remontam ao fim do século XIII.
Nesta primeira fase (séculos XII e XIII) a pergunta não obteve uma resposta
satisfatória. No início do século XIII, a «lex fori» era considerada a única aplicável,
contudo, já cerca de 50 (cinquenta) anos antes, ALDRICUS ensinava que quando
os litigantes pertenciam a diversos territórios com direito consuetudinário
diferente, o juiz deveria julgar segundo o que lhe parecesse melhor.
A primeira distinção a que se chegou foi a distinção entre o processo e o fundo das
causas. O juiz não aplica senão a sua própria lei (ou estatuto) em matéria de
processo; não é senão quanto ao fundo dos litígios que se pode conceber a
aplicação da lei estrangeira (BARTOLUS DE SAXOFERRATO).
No que diz respeito à substância e aos efeitos das obrigações, devemos também
fazer uma distinção:
- tratando-se dos efeitos imediatos do contrato, ou seja, dos direitos que nascem no
momento da formação do acordo, é aplicável o direito do lugar da celebração;
A forma do processo depende da lei do lugar onde o processo corre (aplica-se, assim,
a «lex fori»).
-As leis de cada Estado operam dentro das respectivas fronteiras e obrigam todos
os súbditos desse Estado, mas não para além desses limites;
-os súbditos de um Estado são todos aqueles que se encontram no seu território
(residentes ou não);
-os Estados gozam da máxima liberdade na fixação das regras de conflitos de leis
não havendo normas do «direito das gentes» que a restrinjam;
-o Estado pode ordenar aos seus juízes que apliquem, ocasionalmente, leis
estrangeiras, mas não porque a isso esteja obrigado para com o Estado
estrangeiro, senão «ex comitate», ou seja, por uma espécie de conveniência
recíproca, na esperança de que o Estado estrangeiro proceda de igual modo.
Do exposto resulta que a teoria dos estatutos não foi propriamente uma teoria do
DIP., pois lhe faltou a unidade do conteúdo e dos pressupostos ou fundamentos. O
traço comum que confere unidade a este pensamento científico é, antes de mais,
sua posição metodológica: todos os estatutários partem da regra geral considerada
em si mesma, procurando dela deduzir se é de aplicação restrita ao território do
Estado que a formulou (estatuto real) ou de aplicação extraterritorial (estatuto
pessoal). Por outro lado, todos estes autores visaram estabelecer princípios
universalmente válidos.
É esta a concepção fundamental das doutrinas que, no decurso do século XIX, são
elaboradas, destacando-se as de:
-SAVIGNY;
-MANCINI; e
-PIILLET.
a)Cada relação jurídica deve ser regulada pela lei mais conforme à sua natureza;
b)a lei mais adequada à natureza da relação jurídica é a lei da sua sede.
Deste modo, é necessário atribuir a cada classe de relações jurídicas uma sede,
sendo que, os elementos que podem determiná-la são:
a)Lei reguladora do estado das pessoas em si mesmas: sendo o domicílio como que
a sede legal da pessoa, é pela lei do domicílio que se regula o estado da pessoa.
b)Lei reguladora dos direitos reais: tendo o direito real por objecto uma coisa que
é perceptível aos sentidos e localizável no espaço, é pela lei do lugar da situação da
coisa que se regula a respectiva situação jurídica.
c)Lei reguladora das obrigações: a obrigação, sendo uma coisa incorpórea e não
ocupando um lugar no espaço, não tem, em si mesma, uma sede que possamos
considerar decisiva da competência da lei. Contudo, toda relação jurídica resulta
de factos concretos que se passaram em certo lugar e realiza-se por factos
concretos que se hão-de passar em determinado lugar.
- Poder paternal: regula-se pela lei do lugar onde o pai tinha o seu domicílio no
momento do nascimento do filho. Quanto às relações patrimoniais entre pais e
filhos, seu regime é determinado pela lei do actual domicílio do pai, pois é esta a
sede natural das relações jurídicas do pai com os filhos.
- Tutela: tendo a tutela por fim a protecção do pupilo, deve ser a lei pessoal deste a
decidir se se torna necessário instituí-la. Assim sendo, quanto à sua constituição, a
tutela está subordinada à lei do domicílio do pupilo.
No que diz respeito à administração tutelar, ela deve considerar-se sujeita à lei do
tribunal em cuja circunscrição é exercida.
Por último, a obrigação para o tutor de aceitar o encargo da tutela, bem como o
direito de escusa, determinam-se pela lei do seu domicílio. Na dependência da lei
do lugar onde a gestão tutelar é exercida encontram-se as obrigações do tutor
resultantes da gestão.
f)Forma dos actos jurídicos: deveria ser regulada pela mesma lei competente para
regular a relação jurídica em geral, mas sucede que no lugar onde se pratica o acto
jurídico é, muitas vezes, de difícil conhecimento ou impossível observância das
formalidades prescritas na lei reguladora da relação jurídica. Por isso admite
SAVIGNY a suficiência da lei do lugar da celebração.
Se o juiz deve, em princípio, aplicar à relação jurídica o direito da sua sede, quer
esse direito seja ou não o do seu próprio território, há diversas leis cuja especial
natureza o força à aplicação do direito local mesmo nos casos em que se mostrasse
competente um direito estrangeiro.
a)leis positivas rigorosamente obrigatórias que, por isso, não podem ceder na
concorrência com leis estrangeiras: pertencem a esta categoria, não todas as leis
imperativas, mas todas as que não existem apenas no interesse dos indivíduos e
são, antes, inspiradas ou numa razão de ordem moral (como a lei que proíbe a
poligamia), ou num motivo de interesse geral, bem como as que revestem um
carácter político ou de polícia;
Não é possível uma solução única, apenas é uma solução uniforme quando os
vários Estados conectados com uma situação tivessem incorporado na sua ordem
jurídica os mesmos princípios e os aplicassem de forma idêntica.
Quais os princípios ou critérios de harmonia com os quais cada Estado deve ser
obrigado a reconhecer e aplicar leis estrangeiras?
Segundo MANCINI, as relações jurídicas do direito privado são reguladas pela lei
nacional dos seus sujeitos ou pela lei por eles escolhida, dentro dos limites que
foram consentidos pela ordem pública do Estado local.
O estado e a capacidade das pessoas, as relações de família, etc., têm nas diferentes
legislações uma regulamentação distinta justamente em virtude da maneira de ser
particular do povo de cada nação. Seria, por isso, injusto que ao estrangeiro não
fosse respeitado o seu estado pessoal e a sua capacidade jurídica, tal como lhos
definem as leis do seu país.
Assim como cada indivíduo pode reclamar do seu próprio Estado e dos seus
concidadãos, em nome do princípio da liberdade, o respeito do seu património de
direito privado, assim também ele pode reclamar das outras nações e dos outros
Estados, em nome do princípio da nacionalidade estrangeira, idêntico respeito por
esse seu património. E o dever de cada Estado de respeitar a esfera de liberdade
dos cidadãos estrangeiros não resulta da «comitas gentium», mas, sim, de um dever
de justiça.
A mais, havemos de distinguir no direito privado uma parte necessária e outra
parte voluntária:
a)parte necessária: constituída pelas leis que regem o estado das pessoas, as
relações de família e a ordem da sucessão. O direito privado necessário é aquele
que não pode ser alterado pela vontade dos indivíduos;
b)parte voluntária: diz respeito aos bens e ao seu gozo, à formação dos contratos, às
obrigações. Neste domínio o indivíduo não é obrigado a conformar-se com a sua lei
nacional. Visto que as regras ditadas por esta lei serem, ao menos em parte,
meramente supletivas, destinadas a suprir as lacunas da vontade dos interessados,
podem estes submeterem-se a regras diferentes.
O estrangeiro deve ter, pois, a faculdade de se submeter ou não a esta parte do seu
direito privado nacional. É que a liberdade individual deve ser respeitada
enquanto é inofensiva e o Estado não tem interesse em impedir o seu exercício.
Em resumo, cada indivíduo pode reclamar, fora do seu país, em nome do princípio
da nacionalidade, o reconhecimento e o respeito do seu direito privado nacional.
Mas cada Estado, em nome do princípio da independência política, pode proibir,
dentro do seu território, toda a infracção ao seu direito público... à sua ordem
pública. Nesta medida, o Estado pode recusar-se a reconhecer e aplicar leis
estrangeiras. Do mesmo modo, aos actos realizados em país estrangeiro pode o
Estado negar todo o efeito, ainda que no país onde foram realizados sejam
considerados legítimos, desde que lesem princípios essenciais da sua ordem
pública.
Para PILLET, uma solução justa dos conflitos de leis deve derivar da natureza da
lei, como expressão da vontade soberana do legislador. Tanto quanto possível, deve
procurar manter-se na lei (considerada nas relações internacionais) as qualidades
que ela tem nas relações internas. Deste modo, conseguir-se-á sacrificar de cada lei
nacional, na resolução dos conflitos de leis, apenas o que for estritamente
indispensável para a justa conciliação das soberanias.
A lei de protecção individual competente será a lei nacional, visto ser o Estado a que
o indivíduo pertence «o mais interessado» e aquele que tem o direito e o dever de o
proteger nas relações internacionais.
A lei de garantia social competente será também a do Estado que tiver na matéria o
interesse mais forte, isto é, a que melhor realizar o fim visado pelo instituto ou
preceito jurídico em causa.
e)o fundamento dado à doutrina de que a lei pessoal é a lei nacional (considera que
o Estado com maior interesse na protecção dos indivíduos é aquele ao qual
pertence o direito e o dever de os defender por via diplomática nas relações
internacionais: o Estado da nacionalidade);
g)a ideia do fim social das leis, enquanto critério determinante do seu campo de
aplicação às relações internacionais.
Em breve, essa atitude tornou-se geral. Cada Estado passou a ter um DIP. próprio.
Mas era fatal que entre estes vários sistemas nacionais de normas de conflitos se
verificassem inúmeras e profundas divergências.
Assim, o DIP. actual está ainda longe de dar satisfação às necessidades da vida
social que determinaram o seu aparecimento. O DIP. é, por natural destino, um
direito comum a todos os povos e nações; não existe apenas para designar a lei
competente, mas para o fazer por modo universalmente válido. A harmonia
jurídica internacional (a garantia de que a mesma situação da vida será objecto de
valoração uniforme em todos os países interessados) é postulada aqui pela própria
natureza das coisas. A harmonia internacional é o ideal supremo do DIP.
Esse ideal foi quase por completo perdido de vista durante largas décadas do
século XX.
Já no primeiro quartel do século XX, o DIP. pudera ser definido como expressão
genuinamente nacional. Ele seria apenas a projecção do direito privado interno no
plano internacional. É o dogma da subordinação do DIP. ao direito material.
Contra tal estado das coisas, tomou vulto uma reacção por volta da década de
1930.
A ideia de que uma sã solução dos conflitos de leis deve inspirar-se
fundamentalmente no interesse dos indivíduos, a quem, afinal, se destina todo o
direito; a progressiva utilização neste domínio do método da jurisprudência dos
interesses; o reconhecimento da necessidade urgente de emancipar o DIP. do
direito interno em ordem a tornar possível o ideal da unificação; o aproveitamento,
neste sentido, da investigação comparatista; a tendência para uma interpretação
das regras de conflitos estaduais adequada à sua missão eminentemente
internacional, isto é, da compreensão e coordenação de todas as legislações do
mundo civilizado.
Contudo, e uma vez que se trata de relações conexas com diferentes sistemas de
direito e, muitas vezes, com diferentes tipos de regulamentação material, pergunta-
se, naturalmente, qual desses sistemas deverá ser chamado a reger a situação
concreta.
Foi com SAVIGNY que teve origem o método ainda predominante a que
chamamos «técnica das regras de conflitos» e que consiste em procurar, para cada
situação jurídica típica, o laço que mais estreitamente a prenda a um determinado
sistema de direito. Por outras palavras, o DIP. clássico utilizava como método
básico as regras de conflitos que procediam à escolha da lei competente para reger
a uma determinada situação, com base em critérios meramente localizadores (v.g.:
proximidade espacial, vinculação espacial mais forte). Cada uma destas normas de
conflitos tem a seu cargo uma tarefa que consiste em delimitar um sector ou
matéria jurídica, em recortar uma questão ou núcleo de questões de direito, e em
designar o elemento de conexão através do qual deverá determinar-se a lei a
aplicar neste domínio.
a)Rigidez: na sua feição clássica, as regras de conflitos são regras rígidas («hard-
and-fast Rules»), isto é, normas que vinculam o juiz a utilizar um elemento de
conexão predeterminado ou determinável a partir de critérios enunciados pela
própria norma, sempre que se lhe apresentasse uma questão jurídica do tipo
correspondente à respectiva previsão. Assim, nesta altura, a regra de conflitos era
vista como um «prius» metodológico que não deveria ceder nem cedia perante
nenhum outro método ou por uma outra visão do método.
É dos Estados Unidos que procedem os ataques mais violentos contra a concepção
tradicional do DIP. Tais críticas visam a própria legitimidade ou adequação do
método utilizado pelo DIP. para cumprir a sua função. Contudo, os autores norte-
americanos só estão unidos na rejeição da concepção clássica do DIP. e não quanto
à nova via metodológica a seguir. Sublinham-se principalmente os seguintes pontos
de divergência:
- por outro lado, o padrão em relação ao qual a realidade teórica era apreciada e
em nome do qual ela se via repudiada: no caso, uma certa forma de pensar o
direito.
Contra esta corrente doutrinária, a que BEALE deu forma codificada no primeiro
«Restatement», levanta-se uma reacção fundamentalmente em atenção a um modo
de conceber o direito que, não sendo o tradicional, não era já também o vigente, ao
tempo, na Europa.
Em 1933, DAVID CAVERS publica um estudo no qual conclui que, nas situações
plurilocalizadas, o cerne é o conflito de normas materiais de diversas proveniências
que visam dirimir o litígio. Há várias normas materiais que podiam resolver
aquele conflito e a escolha da lei não deve ser orientada por critérios meramente
localizadores (assim como o fazia a doutrina clássica), mas sim pela justiça
material da solução, atendendo aos interesses das partes e à própria situação ― é
este o primeiro momento de CAVERS, o da negação da regra de conflitos.
CAVERS censura tal sistema pelo seu desinteresse pela solução a dar ao caso
concreto, funcionando por meio de elementos de conexão que abstraem por
completo do conteúdo substancial da lei.
O juiz só pode ter por findo o processo de averiguação da lei aplicável depois de ter
comparado as soluções fornecidas pelas normas materiais em concurso.
Defende CAVERS que a escolha da lei não pode ser resultado de uma simples
operação mecânica, para essa escolha devendo presidir, diferentemente, um
critério de justiça material.
b)pode acontecer que uma solução não seja a mais justa, mas aquela com a qual as
partes contariam ― temos aqui dois valores em conflito: justiça material e os
interesses das partes;
c)de qualquer forma, nunca se prescinde de uma abordagem localizadora (o juiz
vai apreciar as normas materiais conectadas com aquela situação).
Em sua segunda fase, CAVERS adopta o método da pesquisa da melhor lei («Better
Law Approach»). A «better law approach» consiste numa doutrina que não repudia
o sistema da conexão. Segundo ela, será aplicável a lei, escolhida dentre as leis
conectadas com a situação concreta, que regular a situação «sub judice» de modo
mais adequado ou correcto (o mais justo). Ele julga ser necessária a formulação de
juízos de valor que possam orientar os tribunais e justificar, assim, a preferência
por uma daquelas normas em conflito, pois:
- nem sempre é fácil chegar à solução das questões emergentes das relações
internacionais através da análise do conteúdo e dos fins das normas em conflito; e
CAVERS formulou, contudo, uma ressalva: segundo ele, existindo uma relação
especial e específica entre o autor do dano e o lesado, deverá o juiz aplicar a lei do
Estado competente para regular a relação.
- quando exista uma relação entre o autor do facto e a vítima do dano, a lei
reguladora desta relação.
- um deles tem a ver com o conteúdo das leis em conflito, aplicando-se a lei que
conceder maior protecção à vítima do dano;
- quando exista uma relação entre o autor do dano e a vítima, a lei reguladora da
relação.
- conteúdo das lei em conflito → será competente a lei que oferecer maior protecção
à vítima do dano; e
Tendo por função determinar, para cada caso, a lei aplicável, este princípio de
preferência por último referido é uma verdadeira norma de conflitos ― apesar de
não se limitar a utilizar um critério de conexão espacial, referindo-se também ao
conteúdo dos preceitos materiais em colisão.
Existe, como vemos, uma semelhança inegável entre esta última posição defendida
por CAVERS e a posição tradicional, ideia esta que se vê reforçada pelo facto de o
fim último dos princípios de preferência ser igual ao das normas de conflitos.
CAVERS considera que a validade de tais princípios depende de sua aptidão para
serem incluídos num direito comum a todas as nações → ponto de vista
universalista.
- mesmo se o fosse, não seria possível, seguramente, formular para cada um destes
tipos uma válida razão de decisão, um princípio de preferência baseado no
conteúdo das leis em concurso e dotado de aptidão para ser incluído num direito
comum a todas as nações (v.g.: problema da admissibilidade do divórcio sendo, por
exemplo, aplicável a lei que admite a dissolução do vínculo matrimonial → esta
solução não teria, decerto, acolhimento nos países menos abertos a tal ideia, nunca
podendo, portanto, converter-se em critério de aceitação universal.
A alternativa estaria em partir da ideia de que o tribunal não escolhe uma lei, mas
dirime uma controvérsia.
Esta seria a forma de conseguir que o conflito de leis deixasse de estar focado nas
normas e passasse a preocupar-se com as decisões concretas.
CAVERS faz sua a finalidade que a doutrina tradicional atribuía ao DIP. e que a
escola realista tanto contestara, ou seja, a de resolver o litígio entre as leis em
presença.
Apesar deste grande recuo em relação às suas posições iniciais, o que pode sempre
dizer-se sem qualquer dúvida é ter CAVERS procurado introduzir no método
clássico correcções que o tornassem mais sensível aos factos da causa, em suma,
que o materializassem.
É a seguinte a base de construção dessa teoria: «toda a regra de direito tem por
finalidade a realização de uma certa política ou função sócio-jurídica; por seu turno,
o Estado que edita a norma tem interesse na realização da política que à norma
subjaz».
CURRIE parte daqui para oferecer uma categórica resposta ao conflito de leis:
perante uma situação internacional qualquer, os tribunais deveriam começar por
analisar as «policies» implícitas nas várias leis em concurso e as circunstâncias que
possam tornar desejável a promoção de políticas no caso concreto.
Ele divisa situações de conflito aparente, mas, da análise das mesmas, se depreende
que só há um interesse governamental (só há uma lei aplicável), logo, não há
nenhum conflito. Se isso não acontece e se um dos ordenamentos jurídicos
concorrentes for o do foro (se ele tiver interesse em se aplicar), vamos aplicar a lei
do foro. Se a lei do foro não se quiser aplicar e se houver outra lei com interesse em
se aplicar, aplica-se a lei estrangeira.
E se houver várias leis estrangeiras em concurso, o que é que o juiz deve fazer?
Neste caso, o juiz do foro chamado a conhecer do litígio não deve aplicar nenhuma
delas, já que não se pode substituir ao legislador estrangeiro, não podendo escolher
qual o interesse governamental superior. Sendo assim, deve ser aplicada a lei do
foro.
a)Conflito aparente;
d)no caso de serem várias as leis estrangeiras em concurso deve aplicar-se a lei do
foro (mais tarde CURRIE admite que, nesta situações, sejam constituídas regras de
conflitos «ad hoc»);
e)se nenhuma lei quiser ser aplicada, dever-se-á aplicar a lei do foro a título
subsidiário.
A sua originalidade reside numa diferente ideia sobre o que, no fundo, está em
causa no conflito de leis.
Segundo CURRIE, a doutrina despolitizou o DIP. de tal forma que o autor optou
por construir um sistema de resposta que é, em si mesmo, uma fonte acessória de
nossa perturbação na matéria em causa:
1.cria problemas que não existiam antes, nomeadamente naqueles casos em que,
não havendo conflito de interesses estaduais, a questão continua a ser posta e
resolvida em termos de conflitos de leis;
3.em muitos casos promove-se, de facto, a aplicação de uma lei lançando-se mão de
expedientes que, se são eventualmente os responsáveis pela sobrevivência do
sistema até os nossos dias, não deixam de o complicar extraordinariamente;
O primeiro passo que CURRIE sustenta dever ser dado é uma investigação de qual
política legislativa subjacente a cada norma em questão e de quais os interesses
cuja protecção é por elas visada. Uma vez determinada a «policy» de cada norma e
os interesses por ela visados, a solução do problema do DIP. aparece facilitada.
Assim, onde e quando o Estado do foro manifesta interesse na aplicação da sua lei,
é a «lex fori» que será aplicada só quando não se verificar esta hipótese é que
haverá lugar à aplicação da lei estrangeira que, no entanto, só terá lugar quando se
conclua que ela manifesta interesse em se aplicar ao caso concreto: restam as
situações em que se não vislumbra qualquer interesse ― nem da «lex fori», nem da
lei estrangeira ― em regular o caso. Nestes casos, como não existe qualquer
interesse estadual em jogo, CURRIE sustenta, ainda que sem grande convicção, ser
preferível a aplicação da «lex fori».
O autor salienta como principal vantagem desta solução a facilidade com que esta
pode ser posta em acção e as numerosas complicações que evita e preocupa-se em
defendê-la da acusação de um excessivo «parochialism». Por um lado, o
esclarecimento e a cabal indagação da «policy» subjacente à cada norma afastaria
a sua indiscriminada aplicação a todos os casos que caíssem sob a sua previsão;
por outro lado, o sistema proposto não impede a procura, em certos casos, da
melhor solução para o litígio; e, finalmente, existem limites de ordem
constitucional que limitam uma absoluta promoção dos interesses estaduais.
Um dos momentos mais relevantes dessa rotura é a ideia de que não há lugar no
DIP. para o cálculo de interesses privados.
Mais grave ainda é que CURRIE procure preencher o vácuo resultante da evicção
dos interesses privados no domínio do DIP. com a redução deste à situação de
instrumento de extensão, a plano internacional, das polícias incorporadas nas leis
internas. O que CURRIE censura à regra de conflitos é, sobretudo, que, em lugar
de exprimir um critério normativo determinante, proclame a indiferença do
Estado que a formulou quanto ao êxito do processo, que a sua visão normativa não
seja a da actuação.
Para CURRIE, o problema do conflito de leis tinha, por força, de ser entendido,
nesse contexto, como da determinação de qual o interesse estadual que em cada
caso deva prevalecer. E daí também a suprema facilidade com que CURRIE
resolve os problemas, apenas admitindo a aplicação da lei estrangeira onde e
quando a «policy» do Estado do foro não tenha interesse em se efectivar.
Segundo este autor, o âmbito espacial das normas há-de decorrer da análise das
política legislativas subjacentes, mas diferentemente de CURRIE, admite a
coexistência de regras de conflitos.
- «lex certa»; e
- «lex incerta».
a)«Lex certa»:
1.«Forum rule by non choice»: aplicar-se-ia nestes casos a «lex fori» sem qualquer
ponderação (sem recurso a qualquer critério de escolha), já que estão em causa
normas imperativas do ordenamento jurídico do foro (funcionam antes das regras
de conflitos).
2.Admite as regras de conflitos que podem ser expressas por via legislativa,
doutrinal ou jurisprudencial. As regras de conflitos podiam ainda ser implícitas. O
problema da escolha da lei, segundo este autor, só se põe depois de se ter chegado à
conclusão de que não se trata de um daqueles casos em que a aplicação da lei do
foro é independente de escolha ― uma vez chegada a esta conclusão, cabe então às
regras de conflitos indicar as normas materiais a aplicar.
― «Enchant rules»: são normas formuladas pelos tribunais, mas não têm a força
de precedente vinculativo, mas que acabam por ter a mesma força das regras que
são expressas (jurisprudência).
Este domínio não se confunde com as regras de conflitos bilaterais porque, aqui, a
competência da lei estrangeira não decorre de nenhuma regra de conflitos, mas
sim de uma regra material do foro (a aplicação de uma norma material decorre de
outra norma material).
Importa, porém, sublinhar que a «choice of law problem» não se põe senão depois
de se ter chegado à conclusão de que se não trata de um daqueles casos em que a
aplicação da lei do foro é independente de qualquer escolha, no sentido de que não
é comandada por uma regra de conflitos → «forum rule by non choice».
Uma vez que se chegue a esta conclusão, as regras de conflitos do fórum indicarão
a norma material aplicável.
À «lex fori» cabe um papel residual: se a interpretação da lei do foro não nos leva à
aplicação da lei estrangeira, é aquela (a «lex fori») que deve ser aplicada.
- Face aos objectivos gerais a que o DIP. se propõe,, nenhuma teoria que preconize
o primado da lei do foro pode justificar-se. Nós aderimos ao princípio da paridade
de tratamento entre a lei do foro e as outras leis.
Mas nada impede que se defina o domínio de aplicação espacial de uma norma
estrangeira através de uma regra de conflitos da «lex fori», regra esta que pode até
resultar da bilateralização de uma norma unilateral.
1.ou se verifica que a lei material do foro não pretende abranger aqueles casos;
2.ou se conclui que ela é susceptível de generalização mesmo para eles;
3.ou, finalmente, se afigura claro que é da intenção da própria lei do foro que se
aplique uma regra estrangeira.
A pedra de toque para a decisão seria sempre a «policy» da regra material do foro.
Momento jurisprudencial
O tribunal americano decidiu que se aplicava a lei de New York com base em dois
argumentos:
2.o Estado de New York tinha mais interesse na aplicação da sua norma →
publicização do DIP.
Momento legislativo
Segundo «Restatement»: é uma compilação que vale pelo prestígio dos seus autores
e incluía três níveis:
b)regra de conflitos; e
c)a propensão para atribuir um relevo importante, na resolução dos conflitos de leis,
ao factor representado pelo conteúdo e fundamento das regras materiais em colisão.
Deste modo, nem a perspectiva norte-americana actual se pode definir por uma
atitude de radical adesão a uma ideia de escolha da lei em função do resultado,
nem, tão pouco, a doutrina europeia actual se mostra totalmente avessa a tomar
em consideração as exigências da justiça material e o conteúdo e finalidades das
normas a aplicar. Muita coisa mudou tanto no pensamento jurídico norte-
americano, como no pensamento jurídico europeu sobre o conflito de leis:
- por seu turno, o sistema europeu evoluiu no sentido da sua aproximação aos
vectores que inspiravam as críticas: no próprio momento da construção das normas
de conflitos o DIP. possui uma justiça, uma vez que a escolha do ordenamento
jurídico declarado aplicável não se faz em função do conteúdo da lei, mas do facto
de ser ela a que em melhor posição se encontra para intervir. Contudo, nada obsta
a que, em certos casos, a própria justiça material invada o território do DIP.,
fazendo prevalecer aí os seus juízos de valor e vindo, ela mesma, influir
directamente na escolha da legislação aplicável.
Assim sendo, verifica-se que o método tradicional abre-se com certa largueza ao
aproveitamento e valorização de critérios de justiça material e do conteúdo e
escopo das normas de direito substantivo possivelmente aplicáveis ao caso
concreto.
a)flexibilização;
b)materialização.
Pode ainda falar-se de uma terceira nota: uma progressiva publicização do DIP.
tendente a proteger valores públicos fundamentais. Esta terceira nota faz lembrar
CURRIE e já aparecia em SAVIGNY com a excepção da ordem pública
internacional.
2.4.1) A flexibilização:
Foi-se notando no sistema europeu, que era rígido, uma certa mutação no sentido
da aproximação deste à perspectiva norte-americana, nomeadamente, verificou-se
uma flexibilização da regra de conflitos, reconhecendo-se uma margem de
conformação judicial do princípio da proximidade ou localização. Começou a ser
dado um maior poder de decisão ao juiz, e isso por duas vias:
Os artigos. 52º, n.º 2 e 60º, n.º 2 do Cód. Civ., por exemplo, contêm normas de
conexão múltipla subsidiária (o legislador estabelece três conexões que se vão
aplicar subsidiariamente no caso de a primeira não funcionar) ― v.g.: se não há
nacionalidade comum (primeiro elemento de conexão); se não há residência comum
(segundo elemento de conexão), deve aplicar-se a lei com a qual a vida familiar se
encontra mais estreitamente conectada (terceiro elemento de conexão). É o juiz que
vai decidir qual a lei que se acha mais estreitamente conectada com a vida familiar.
Cfr. o artigo. 4º, n.os 1 e 5 e artigo. 6º, n.º 2, «in fine» da Convenção de Roma sobre
obrigações contratuais.
Nos termos do n.º 1 do artigo. 4º, o contrato é regulado pela lei do país com o qual
apresente uma conexão mais estreita, sendo que esta é dada pela residência
habitual da parte que está adstrita à prestação característica do contrato (v.g.: no
contrato de compra e venda, o mais importante é a entrega da coisa, logo, deverá
ser aplicada a lei do vendedor).
O n.º 5 do mesmo preceito legal permite ao juiz derrogar as presunções ilidíveis
dos n.os 2, 3 e 4 do referido artigo. Aqui o juiz vai excepcionar a conexão principal.
O legislador indica qual a lei competente para regular uma determinada situação
jurídica, mas abre uma excepção: se o juiz entender que há uma lei com um
contacto mais forte com a situação «sub judice» poderá aplicar essa lei (trata-se
aqui de uma verdadeira flexibilização).
O artigo. 45º do Cód. Civ., depois de estabelecer que a lei aplicável ao contrato de
compra e venda (se as partes não escolherem uma) é a lei da residência do
vendedor, vem depois, em seu n.º 3, estabelecer: «se, porém, o agente e o lesado
tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se
encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da
nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado
local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas» (princípio da maior
proximidade). Tratar-se-á aqui de uma cláusula de excepção?
Neste caso, o juiz poderá optar pela aplicação de outra lei, só que, neste caso, esta
lei também é indicada pelo legislador: é ele que descreve as circunstâncias
abstractas para a aplicação da lei que tenha com a situação um contacto mais forte
e qual é essa lei.
Sendo assim, não sendo o juiz, ele próprio, a escolher a lei a aplicar, não se
poderia, com propriedade, falar de cláusula de excepção, mas agora falamos de
cláusulas de excepção abertas e fechadas.
- Cláusula de excepção aberta: cfr. os artigos. 4º, n.os 1 e 5 e 6º, n.º 2 da Convenção
de Roma sobre obrigações contratuais.
O artigo. 36º do Cód. Civ. dispõe sobre a forma do contrato; nos termos do seu n.º
1: «a forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à substância do
negócio; é, porém, suficiente a observância da lei em vigor no lugar em que é feita a
declaração, salvo se a lei reguladora da substância do negócio exigir, sob pena de
nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio
seja celebrado no estrangeiro». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece: «a declaração
negocial é ainda formalmente válida se, em vez da forma prescrita na lei local, tiver
sido observada a forma prescrita pelo Estado para que remete a norma de conflitos
daquela lei, sem prejuízo do disposto na última parte do número anterior».
- 3ª conexão: lei para a qual remete a lei do local da celebração (esta terceira
conexão não está prevista pelo artigo 9º da Convenção de Roma).
Devemos aplicar a lei C, pois apenas esta promove a validade formal do negócio
jurídico.
A opinião do curso é a de que nesta situação, como o negócio jurídico jamais será
válido, devemos aplicar a lei que invalida menos, ou seja, a lei C, pois passado 1
(um) ano, o negócio jurídico estabiliza-se, tornando-se inatacável.
Imaginemos agora que há duas leis que consideram o negócio jurídico válido e a
outra como inválido, ou até as três o consideram como válido. Por qual das leis em
concurso devemos optar?
De acordo com o que dissemos supra, devemos aplicar a lei apontada pela primeira
conexão, ou seja, aquela que for competente para regular a substância do negócio
em causa, pois devemos prosseguir os fins do DIP.
Contudo, também se pode pensar em regras de conexão una ou simples (ou seja,
que só têm uma conexão ― v.g.: para os imóveis só se aplica a «lex rei sitae») que
também tenham em vista um determinado resultado material.
Visa-se a análise do conteúdo material das normas para determinar o seu âmbito
de aplicação espacial.
a)Qualificação;
b)adaptação; e
2.4.3.1) A qualificação:
Porém, deve ser dito que não se trata de aplicar (ou não) tal preceito em virtude da
sua aptidão (ou não) para realizar a justiça material no caso concreto, ou porque a
política em que se inspira comanda ou, antes, desaconselha a sua aplicação. O que
decide da aplicação do preceito é tão somente a circunstância de ele se destinar, no
ordenamento jurídico a que pertence, a desempenhar uma função normativa
idêntica ou, pelo menos, semelhante àquela que o legislador do foro teve em vista
ao estabelecer a regra de conflitos em causa. Importa que o preceito material em
análise constitua, de alguma forma, uma resposta à questão formulada pela regra
de conflitos, mas sem que releve para quaisquer efeitos o teor concreto da resposta.
O problema que se põe não é um problema de escolha entre dois preceitos ou duas
séries de preceitos materiais provenientes de legislações diferentes, e isso quer em
função do resultado ou que uns e outros levariam no caso de espécie, quer
atendendo às políticas por elas prosseguidas. Não se trata, em suma, de estabelecer
um confronto entre aqueles preceitos, mas sim entre determinado preceito de
direito material, nacional ou estrangeiro, e uma regra de conflitos do foro.
2.4.3.2) A adaptação:
Há hipóteses em que se impõe o recurso ao método das soluções materiais «ad
hoc».
Há uma incompatibilidade dos efeitos jurídicos produzidos por leis diferentes, mas
que são aplicáveis por força da regra de conflitos; contudo, não podendo a decisão
do juiz ser contraditória, impõe-se que seja operada uma correcção através de
«uma conformação concreta das relações jurídicas através da sua decisão e no uso de
uma faculdade quase legislativa» (BAPTISTA MACHADO).
Ainda estão dentro do método conflitual, pois elas mesmas inscrevem uma regra de
conflitos «ad hoc» ao delimitar o seu campo de aplicação espacial, mas não se
confundem com as regras de conflitos.
A doutrina exposta tem certas semelhanças com a doutrina de CURRIE. Pois não
pretende CURRIE resolver os conflitos de leis determinando o campo de aplicação
de cada norma através de uma análise da «policy» que lhe está subjacente?
Sem dúvida que sim. No entanto, há uma diferença fundamental entre as duas
posições. A de CURRIE define-se por uma atitude de rejeição radical das regras de
conflitos: o autor pensa ser possível e necessário inferir de cada norma de direito
material (da sua «ratio» ou da sua «policy») o seu domínio de aplicação espacial.
Diferentemente, a ideia central da teoria exposta é que, se se verifica que o fim da
norma concreta delimita efectivamente, por si próprio, o respectivo campo de
aplicação, há que aceitar todas as implicações deste facto. Na verdade, aplicar a
norma espacialmente auto-limitada fora das fronteiras que lhe assinalam, seja,
embora, só de maneira implícita, o seu escopo e fundamento, redundaria, em
última análise, em aplicar uma norma diferente... não aquela norma, mas outra.
Afinal, o DIP. actual está bem longe de ser aquele conjunto de regras de conexão
de actuação mecânica, cegas para o conteúdo das normas substanciais
concorrentes e para os valores de justiça material que tantos autores e,
seguramente, muitos dentre os melhores se empenharam durante anos a criticar.
São normas do ordenamento jurídico do foro que exigem, para se aplicarem a uma
situação internacional, um contacto mais forte relativamente ao contacto exigido
pela regra de conflitos (têm, portanto, uma aplicação mais restrita). Um
determinado ordenamento jurídico vai ser competente para reger um certo
complexo de situações, mas dentro desse ordenamento inscreve-se uma norma
deste tipo. Isso significa que aquela norma não vai ser aplicada porque ela própria
não se quer aplicar (elas só se aplicam a situações especiais, exigindo sempre um
contacto mais forte com a situação a regular).
São normas materiais que delimitam (pelo seu fim e conteúdo) o seu âmbito de
aplicação espacial e que exige um contacto mais ténue e menos exigente do que o
exigido pela regra de conflitos, tendo, assim, uma força expansiva e aplicando-se
mesmo que o ordenamento jurídico onde se inserem não se queira aplicar (são
exactamente o contrário das outras).
Em regra, pela regra de conflitos o ordenamento jurídico onde se inserem não é o
competente, mas elas exigem um contacto mais ténue e são, por isso, expansivas.
Isto muito embora suponham sempre um contacto espacial (elas inserem uma
regra de conflitos específica unilateral «ad hoc»).
A concepção clássica do DIP. busca a solução dos seus problemas através da regra
de conflitos ― é este o sistema ou via conflitual, segundo o qual, em face de cada
situação da vida e da questão jurídico que, no caso, se levanta, a regra de conflitos
relativa a esse tipo de questões dirá qual a conexão relevante e, desse modo, qual a
lei aplicável.
Contudo, este não é o único caminho que se nos apresenta. Em alternativa, oferece-
se a solução de proceder à regulamentação das relações privadas internacionais
através da criação de normas especiais de direito material.
Tal solução tem um célebre precedente histórico: o «ius gentium» que não era
outra coisa senão um sistema de regras materiais aplicáveis às relações dos
cidadãos romanos com os peregrinos (já nesta altura existiam normas específicas
para regular as situações internacionais).
ROBERTO AGO entende que, para a resolução dos problemas do DIP., tanto se
poderia seguir o rumo tradicional como, ao invés, optar pela criação de um sistema
particular de normas de direito material aplicáveis às relações que se apresentam
como estranhas à vida jurídica do Estado local.
2.5.1) Vias pelas quais os defensores de uma maior «materialização» do DIP. fizeram
avançar as suas propostas:
a)legislativa;
b)jurisprudencial; e
c)doutrinal.
- O artigo 52º, n.º 2 do Cód. Civ., «in fine», que disciplina o casamento no
estrangeiro de dois portugueses ou de um português com um estrangeiro,
estabelece que, em qualquer caso, o casamento deve ser precedido do processo de
publicação (aqui está a norma material).
- O artigo 3º, n.º 1, 2ª parte, do CSC., dispõe sobre o relevo da sede estatutária em
Portugal quando a sociedade seja estrangeira (sem sede real e efectiva em
Portugal).
Nós entendemos que a criação, por via jurisprudencial, de tais regras de DIP.
material não é de encorajar. Não é pelo facto de essas regras se inspirarem nas
necessidades específicas do comércio internacional que elas perdem a natureza de
normas de direito interno: são normas especiais de direito interno. É, portanto,
indispensável, para que a sua intervenção se torne legítima, que o problema surja
num litígio que tenha com o Estado do foro alguma conexão efectiva... alguma
conexão válida à luz dos princípios gerais do DIP. Por outro lado, é chocante que
um Estado reserve para as relações nascidas da vida jurídica internacional um
tratamento diferente do que dispensa às relações puramente internas.
Contudo, estas considerações em nada infirmam o que dissemos acerca das normas
materiais espacialmente auto-limitadas. Em nosso entender, o recurso a esta figura
permitirá corrigir boa parte dos resultados «inadequados» a que conduziria a
aplicação pura e simples, aos casos internacionais, das normas mediante as quais a
«lex fori» procede à regulamentação das relações de direito interno.
Há uma variante doutrinal das normas de DIP. material (mas não é bem uma fonte
interna).
VON MEHREN observa que para chegar a esta conclusão o tribunal qualificou o
conflito de leis como falso, considerando que a «guest-passenger law» do Ontário,
dada a sua «ratio», teria sido julgada aplicável, no caso em exame, pelos tribunais
desse Estado. A conclusão é contestada pelo autor: ele pensa que um tribunal do
Ontário teria justamente aplicado, no caso vertente, o direito em vigor em New
York. É perante um autêntico conflito de leis que nos encontramos ― um dos
sistemas é favorável e o outro contrário à indemnização pedida ― conflito
negativo: cada uma das jurisdições interessadas aplicaria a regra da outra.
Neste tipo de casos, VON MEHREN entende que é possível uma solução de
compromisso, uma solução que conceda um certo reconhecimento às «políticas»
em que se inspiram as duas leis concorrentes e que, por essa razão, seria aceitável
para ambas; o que nos poria no caminho da harmonia de decisões. Neste caso, a
solução de compromisso poderia consistir em reconhecer-se ao sucessor «mortis
causa» do passageiro canadiano o direito a metade da indemnização
correspondente aos prejuízos sofridos, pois a dita solução conciliaria ambas as
perspectivas.
A colocação do problema nestes termos implica uma concepção do DIP. que nós
não podemos aceitar. Há casos em que se faz mister olhar ao conteúdo de duas leis,
operando numa delas, ou eventualmente em ambas, as adaptações ou ajustamentos
tornados necessários pelo facto de a situação em causa se encontrar sujeita aos dois
sistemas em virtude das regras de conflitos da «lex fori». O problema que aí se
levanta é justamente o da adaptação.
Não cremos que no caso Neumeier a situação «sub judice» apresentasse com o
direito do Estado de New York um vínculo suficiente para justificar a aplicação
deste sistema jurídico. Logo, o tribunal de New York decidiu correctamente o
problema, ao declarar aplicável (unicamente) a lei do Ontário.
Não nos parece que a solução preconizada por VON MEHREN constitua um
compromisso aceitável para ambas as ordens jurídicas interessadas. Não é para
nós claro que se possa dizer que a lei do Ontário se julgava «desinteressada» nesse
caso e não queria ser-lhe aplicada. Se admitirmos que a «guest-passenger law»
aponta para dois alvos, sendo um deles desencorajar e frenar a ganância dos
passageiros ingratos, não podemos deixar de entender que, então, a norma alcança
logo à cabeça os residentes do Ontário «transportados em veículos que circulem no
interior do país». São eles, naturalmente, os primeiros destinatários da norma, na
medida em que esta se apoie no fundamento indicado.
Esta teoria cria uma situação de insegurança, pois é o próprio juiz que constrói a
solução material.
As normas de DIP. material de fonte internacional podem surgir por ocasião de:
a)convenções de unificação; e
b)leis uniformes.
2.Por outro lado, as dúvidas e as incertezas que são inerentes ao método conflitual
dificultam, ao mais alto nível, o desenvolvimento do comércio internacional. O
método conflitual não é de molde a propiciar a realização da confiança, facilidade
e segurança que é necessária no DIP.
3.Criar por via legislativa as regras de conflitos mais ajustadas à natureza das
várias matérias do direito privado é uma tarefa deveras complexa. E, se isso é
grave, não menos grave é o problema da sua interpretação e aplicação
(controvérsias como a qualificação, o reenvio, a ordem pública, a adaptação).
Contudo, estas razões não constituem base suficiente para justificar uma adesão à
via ou perspectiva «substancialista». É errado supor que a opção por normas de
DIP. material eliminaria o problema da conexão e da escolha da lei. Se assim fosse,
violaríamos um princípio fundamental de DIP.: o princípio da não transactividade,
segundo o qual, não é lícito aplicar a uma situação da vida uma lei que lhe seja
completamente estranha, uma lei que não tenha com ela qualquer contacto
efectivo. A fundamentação deste princípio (limitação espacial do campo de
aplicação da lei) consiste no facto de a regra de direito pretender influenciar o
comportamento dos indivíduos, fornecendo-lhes motivos que os levem a agir de
certa maneira ou a abster-se de determinadas condutas. Esta conexão é um
pressuposto de aplicabilidade da lei, pressuposto esse ao qual não é possível
renunciar senão em casos verdadeiramente excepcionais. Assim será
principalmente quando se trata de evitar uma denegação de justiça. Segundo o
direito português (cfr. os artigos 23º e 348º do Cód. Civ.), quando se torna
impossível determinar o conteúdo do direito estrangeiro aplicável, recorre-se à lei
que for subsidiariamente competente; não é senão no caso de não se conseguir
estabelecer o conteúdo desta última lei que o juiz deverá recorrer ao próprio
direito material português, mesmo que nenhuma conexão exista entre este direito e
a situação em causa.
Outro caso excepcional no direito português é o do artigo 68º, n.º 2 do Cód. Civ.:
trata-se de uma norma relativa à comoriência e às presunções de sobrevivência,
regra esta que o artigo 26º, n.º 2 declara aplicável a qualquer caso, desde que as
presunções de sobrevivência das leis nacionais das pessoas falecidas se mostrem
incompatíveis.
Daqui se conclui que o direito material especial das relações internacionais nunca
poderá substituir-se ao direito de conflitos. A sua aplicabilidade a dado caso
concreto sempre haverá de pressupor a existência de uma qualquer ligação entre
esse caso e a legislação do país em que se contém o referido «ius» especial. Esta
ligação poderá ou não coincidir com a que seria exigida pela regra de conflitos
geral do respectivo sistema jurídico, mas não é isso que importa: o que importa é
que se trate de uma conexão real e efectiva.
Mas é justamente esta a hipótese que se verifica no caso daquelas convenções que
instituem um regime uniforme para determinada categoria de relações
internacionais e cujo alcance, dentro dessa fronteira, é universal.
Não nos parece que esta orientação seja a melhor. Nenhuma lei, por mais perfeita
que seja, pode ter a pretensão de reger situações que com ela não tenham uma
conexão efectiva: princípio da não transactividade.
Sem dúvida que a criação, por tratado, de normas materiais presta reais serviços,
visto contribuir para a unificação progressiva do direito privado, reduzindo o
espaço em que os conflitos de leis podem surgir (reduzindo, mas, note-se, não
eliminando). Assim, a criação, por via de convenções de unificação, de um direito
próprio das relações privadas internacionais é desejável, embora, na medida em
que reduz o espaço em que os conflitos de leis podem surgir, não constitui
alternativa válida, no plano metodológico, para o processo conflitual.
Para além disso, a opção que rejeitamos, tomada em si mesma, realmente não se
justifica. E, dentre os fins gerais que o DIP. prossegue, é justamente à harmonia
jurídica internacional que cabe a primazia.
VON MEHREN entende que é possível uma solução de compromisso, uma solução
que conceda um certo reconhecimento às «políticas» em que se inspiram as duas
leis concorrentes e que, por essa razão, seria aceitável para ambas (o que nos poria
no caminho da harmonia das decisões). A ideia fundamental do autor é que
deveriam reconhecer-se os pontos de vista de todas as ordens jurídicas que tenham
uma pretensão fundada a controlar uma certa situação multinacional, de
harmonia com a medida do interesse de cada uma delas em tal situação.
Porém, colocar o problema nestes termos implica uma concepção de DIP. que nós
não podemos aceitar. É claro que há casos em que importa olhar para o conteúdo
de duas leis, operando, numa delas ou em ambas, as adaptações ou ajustamentos
tornados necessários pelo próprio facto de a situação em causa se encontrar sujeita
aos dois ordenamentos jurídicos em virtude da regra de conflitos da «lex fori». O
problema que se põe é, justamente, o da adaptação.
É necessário, para que se torne legítimo recorrer à adaptação, que ambas as leis em
presença sejam chamadas pelas normas de DIP. do foro a resolver a questão «sub
judice». Ora, este problema não se pode solucionar tentando determinar quais as
leis que, pelos resultados que visam, têm um interesse legítimo na situação
plurilocalizada considerada e podem, por isso, reivindicar o respectivo controle.
O DIP. clássico (na sua ortodoxia, na sua justiça puramente formal, na rigidez das
suas normas) era presa fácil da crítica, mas o amplo movimento contestatório de
que se falou não leva na devida consideração o facto de que o DIP. dos nossos dias
perdeu muito dessa feição antiga, pois tem vindo a adaptar-se gradualmente às
novas exigências, a abrir-se a mais rasgadas perspectivas.
Desde logo, a orientação segundo a qual haveria que deduzir a solução do nosso
problema de uma definição do domínio de aplicação das normas materiais em
causa, graças ao método da «governamental interest analysis» ou equivalente. É que
esta doutrina opõe-se frontalmente à teleologia própria do DIP. Por outro lado, as
dificuldades, ambiguidades e incertezas inerentes aquele método não podem
facilmente clarificar-se.
Resta o caso do DIP. material criado por tratados. Ao falar das convenções que
estabelecem leis uniformes e das convenções de unificação, notamos que tão pouco
aí se deveria prescindir da referida ideia de localização ou de conexão espacial das
situações contempladas, mas nem sempre as coisas se passam assim.
- Não obstante as críticas que lhe têm sido dirigidas, é ao método conflitual que
convém recorrer para solucionar os problemas derivados das situações
plurilocalizadas. Contudo, há que reconhecer que o método conflitual não implica,
necessariamente, a existência de normas de conflitos de leis. A regra de conflitos
estabelecida na lei não é senão um dos caminhos que nos podem levar ao resultado
desejado (à designação do ordenamento jurídico que tenha com o caso a conexão
mais significativa). A outra solução que se nos oferece consiste em confiar ao juiz a
tarefa de definir, ele próprio, tendo em conta certos factores dentre os quais se
contam a natureza e circunstâncias do caso «sub judice» e as expectativas dos
interessados) a lei mais estreitamente conectada com a situação a regular.
Todavia, estas regras de conflitos não devem ser olhadas como algo de preciso,
definido e concluso, mas apenas como balizas ou marcos indicativos: a sua função
não é tanto impor dogmaticamente um percurso sem desvios, como, antes, definir
apenas uma linha de rumo; o rumo a observar em tanto quanto corresponder às
razões que ditaram a opção. Não vamos pôr aqui em questão a validade desta ideia
pelo que toca às normas jurídicas em geral. Seja como for, ela é, para nós, válida
justamente no que tange ao DIP.: um sector da ciência jurídica ainda em plena
evolução... ainda longe da maturidade.
É fundamental aceitar a ideia de que as regras de conflitos são regras
instrumentais relativamente aos valores axiais do DIP. e aos objectivos específicos
visados nos seus diversos sectores. Num estudo recente, MOURA RAMOS
sublinha, com razão, a vantagem de concebermos as regras de conflitos «como um
meio ao serviço dos fins do DIP., da justiça conflitual, numa concepção em que a
regra de conflitos tem um papel instrumental, com uma actuação que está, portanto,
subordinada aos fins do DIP.».
3) Parte Geral:
A cada regra de conflitos cabe delimitar um sector ou matéria jurídica, uma questão
ou núcleo de questões de direito, e indicar, de entre os elementos da factualidade
concreta, aquele por intermédio do qual se há-de apurar a lei aplicável em tal
domínio. A norma bilateral obedece a um esquema lógico: as questões jurídicas
pertencentes à categoria X serão resolvidas em conformidade com os preceitos a
que a situação concreta estiver ligada através de uma conexão da espécie Y.
Assim sendo, se considerarmos, por exemplo, o artigo 45º do nosso Código Civil:
3.1.1.1) Conceito-quadro:
3.1.1.1.2) Objecto:
Uma tal concepção, contudo, não está, também ela, imune de críticas. Destarte,
segundo WENGLER, o objecto da conexão não pode deixar de ser um conteúdo
jurídico. Não é a puros factos que a regra de conflitos se refere. Os mesmos factos
podem ser apreciados segundo perspectivas ou pontos de vista diferentes, ou seja,
no quadro e para efeitos de questões jurídicas distintas, às quais correspondam
outras tantas normas de DIP. (v.g.: nascimento de um indivíduo → pode ser
apreciado por sistemas jurídicos diversos, consoante se trate de um problema
relativo ao começo de personalidade jurídica, relações do filho ilegítimo com os
pais, etc.).
Reparos a esta teoria: uma questão jurídica determinada só se põe, dizem alguns
autores, em face de um ordenamento jurídico também determinado, já que
diferentes ordenamentos jurídicos podem ver na mesma situação de facto questões
jurídicas diferentes.
Entre a teoria proposta por ZITELLMANN e esta última teoria por nós defendida
não existem, é certo, diferenças essenciais:
4.a norma de conflitos unilateral não pode deixar de entender-se como referida a
determinada categoria de preceitos ou leis materiais do mesmo ordenamento a que
pertence, único de cuja aplicação especial se ocupa (v.g.: a alínea 3ª do art. 3º do
Código Civil francês estabelece que as leis concernentes ao estado e capacidade
aplica-se aos franceses, mesmo que estes residam no estrangeiro). Decide-se,
portanto, aqui, aceitar os limites de aplicabilidade a dada categoria de regras da
legislação francesa → regras que, quando aplicáveis, aplicam-se às situações de
facto que se ajustarem à sua hipótese; mas a regra de conflitos não pretende
submeter essas situações concretas da vida.
O mesmo se diga quanto à normas de conflitos bilaterais, pois todas têm uma face
voltada para o ordenamento jurídico interno. Estas normas bilaterais podem
decompor-se em várias normas unilaterais → dificilmente se compreenderia que a
estrutura lógica dessas várias normas unilaterais não fosse uniforme.
Qualquer que seja a perspectiva de que se tenha partido, é sempre com regras
materiais que se vem a deparar. São estas o verdadeiro objecto de referência da
norma de conflitos: o «quid» que importa subsumir ao conceito-quadro da norma.
3.1.1.1.3) Função:
- à sua vontade ― lei escolhida pelas partes (convenção das partes → princípio da
autonomia da vontade);
― pela nacionalidade.
― fundo da causa.
Artigo 348º, n.º 3 → quando é possível averiguar o conteúdo do direito estrangeiro.
Quanto ao conteúdo:
- lugar da prática de um facto («lex loci actus», «lex loci delicti commissi»); e
É também em função dos interesses que se fazem valer nos vários sectores de DIP.
que se optará, nos diferentes casos, ou por um sistema de conexão una ou simples,
ou por um sistema de conexão plúrima ou complexa.
3.1.1.2.3.1) Regras de conflitos de conexão una ou simples:
Mas, convém salientar, este sistema nem sempre conduzirá à determinação de uma
só lei. Como adverte WENGLER: há factores de conexão que, eventualmente,
podem levar-nos por duas ou mais vias. Em tais casos, há que, normalmente,
arredar a hipótese de a aplicação simultânea dessas leis corresponder ao sentido da
regra de conflitos; sendo assim, deve, neste caso, proceder-se a uma nova escolha
entre as conexões que se nos apresentarem no caso concreto.
Toda vez que essa anomalia se verificar, o critério que deverá presidir a esta
forçosa especificação ulterior do elemento de conexão não poderá ser outro senão
aquele que levou à escolha do factor utilizado pela regra de conflitos.
Trata-se aqui de regras de conflitos que inscrevem várias conexões (vários elementos
de conexão) que apontam para várias leis como sendo potencialmente aplicáveis ou
competentes.
Os interesses a cuja satisfação o DIP. vai dirigido aconselham, por vezes, o recurso
a duas ou mais conexões para uma só matéria (v.g.: quando o que releva é garantir
a validade de um acto, proteger certas liberdades ou facilitar a constituição ou
extinção de certa relação jurídica).
Neste caso, a regra de conflitos inscreve várias conexões que apontam várias leis
como sendo potencialmente aplicáveis, mas não há entre elas uma qualquer
relação de hierarquia; mas, sendo assim, por qual das leis potencialmente
aplicáveis devemos optar? (cfr. os artigos 36º e 65º do Cód. Civ. e o artigo 9º da
Convenção de Roma).
Das leis indicadas virá a ser escolhida aquela que conduza, na espécie, ao resultado
tido, «a priori», por mais justo. Contudo, por vezes, a alternativa desaparece para
dar lugar à competência exclusiva de uma das leis designadas, quando se dê o caso
de esta lei formular certas exigências (cfr. o artigo 65º, n.º 2 do Cód. Civ.).
Este sistema, porém, não é recomendável como critério geral e dele só encontramos
raras aplicações nas legislações mais recentes. BATIFFOL entende que tal sistema
«dá mais do que promete» ― promete aplicar cumulativamente duas leis em
presença para, ao fim e ao cabo, aplicar apenas uma: a mais restritiva.
A regra de conflitos tem por função dirimir os concursos entre leis potencialmente
aplicáveis ou «interessadas», e fá-lo indicando qual a conexão a que se deverá dar
preferência para este ou aquele tipo de questões de direito privado; daqui
resultará, em concreto, a opção por aquela lei que esteja ligada à situação de facto
através daquela conexão ― mas isso não quer significar que na regra de conflitos
não haja referência a pressupostos de facto. Esta referência aos pressupostos de
facto não há, em princípio, no conceito-quadro, mas há no elemento de conexão.
A conexão da situação da vida com esta ou aquela lei é a causa ou facto operativo
da consequência do direito de conflitos. Assim, a referência que se faça a tal
pressuposto é sempre uma referência a um «quid facti», mesmo quando vá dirigida
a um dado normativo (v.g.: nacionalidade).
Não é a factos que estão na base de atribuição da posição ou qualidade jurídica que
o conceito designativo da conexão se refere, mas àquele dado normativo em si
mesmo (v.g.: nacionalidade de uma pessoa ― a regra de conflitos não quer
reportar-se às circunstâncias de facto na sua base, mas à própria posição ou
qualidade jurídica de cidadão desse Estado, qualidade esta que há-de ser apurada
em face da lei cuja cidadania esteja em causa).
A referência feita pelo DIP. do foro a um direito estrangeiro não pode ser uma
referência de tipo pressuponente, mas tem de ser uma referência atributiva de
competência ou recognitiva.
As normas da lei estrangeira são tomadas como critérios normativos, com as suas
próprias valorações jurídico-materiais e as consequências jurídicas por elas
estatuídas, e não como dados de facto, como pressuposto de uma consequência
jurídico-material a ditar pela lei do foro.
Isto não obstaria a que o conceito-quadro da regra de conflitos se referisse às
normas materiais da lei estrangeira aplicável como dado ou pressuposto de
estatuição da mesma regra de conflitos a aplicabilidade da lei estrangeira. A
referência contida nessa estatuição... essa é que não poderia ser senão do tipo
recognitivo.
Como já foi dito várias vezes, a regra de conflitos tem uma função bilateral,
referindo-se tanto ao direito do foro como aos direitos estrangeiros. Vem de longe
a caracterização da regra de conflitos como norma de remissão ou reenvio, sendo
este o verdadeiro sentido desse referência.
Para muitos autores como, por exemplo, AGO, esta caracterização significa que a
regra de conflitos funciona como verdadeira norma de remissão através da qual o
legislador do foro proveria à regulamentação de certas situações da vida mediante
o chamamento de normas estrangeiras que viriam integrar o ordenamento
jurídico-material do foro. Assim sendo, as norma de DIP. teriam a função de
inserir direito estrangeiro no ordenamento jurídico interna do foro.
Ora, logo se vê que esta concepção não se concilia de modo algum com a figuração
da regra de conflitos como norma indirecta ou norma de remissão «ad alius ius».
Isso não nos impedirá de reconhecer que o sistema jurídico do foro, através de um
princípio imanente ao seu DIP., atribui competência às leis estrangeiras e confere
validade no Estado do foro a conteúdos normativos que, doutro modo, não a
teriam ― a atribuição de competência não é obra específica da regra de conflitos.
A regra de conflitos tem a função de dirimir os concursos de leis, mas mais não faz
que delimitar ou referir o âmbito de competência das leis em concurso.
Expressa;
Remissão
implícita (assume feição legal).
O mais frequente é a norma indirecta apresentar-se como uma norma que, para a
hipótese por ela referida, determina a consequência jurídica indirectamente,
mediante remissão para outras normas jurídicas. Trata-se sempre de aplicação
analógica da norma «ad quem» no domínio de matérias ou institutos jurídicos a
que se reporta a norma de remissão ― daí que se fale de aplicação
«correspondente» ou com «as devidas adaptações» ― a norma «ad quem», só
mediatamente, através de uma norma paralela ou correspondente pode aplicar-se
ao sector de matérias coberto pela norma remetente.
Importa salientar: a norma paralela, que se vai achar mediante uma adaptação
apropriada da norma «ad quem», desempenha neste sector jurídico exactamente a
mesma função que a dita norma «ad quem» desempenha no seu ― o problema a
resolver tem a mesma natureza neste ou naquele ponto do sistema.
A propósito da remissão «ad aliud ius» valem as mesma considerações feitas para a
remissão intra-sistemática, só que, aqui, se trata de recorrer a normas de um
sistema normativo estranho para integrar o sistema «a quo», no qual se opera uma
verdadeira recepção das normas do ordenamento estranho que é objecto da
referência (ou de normas paralelas a estas normas).
Sendo o direito de conflitos autónomo face ao direito material, ele há-de ter a sua
questão ou problema específico.
Por outro lado, na remissão material da norma indirecta, o problema que resolve a
norma «ad quem» é da mesma natureza que o problema que pretende resolver a
norma de remissão.
Não podemos concordar com a questão posta, pois entendemos que a regra de
conflitos resolve directamente o seu problema, responde directamente à questão que
ele lhe põe e não o manda resolver por normas materiais, que decidem questões de
outra natureza.
Será uma verdadeira norma indirecta a regra de conflitos que remete para outra
regra de conflitos (cfr. o artigo 55º, n.º 1 do Cód. Civ.).
A regra de conflitos deve conceber-se como norma num certo sentido exterior ao
direito enquanto ordenamento material, norma que se situa em plano superior,
autónomo, relativamente a este ordenamento.
Por outro lado, as normas materiais estrangeiras «chamadas» pelo DIP. do foro
não vêm situar-se no interior do respectivo ordenamento material, mas ao lado
dele, como normas que têm um âmbito de competência diferente do das desse
ordenamento e que regulam factos que, caindo fora da competência dele, ele não
teria competência para regular nem mesmo por remissão (remissão material «ad
aliud ius») para normas estrangeiras.
Ora, esta referência pode ir endereçada ao «ad aliud ius», no sentido de se dirigir a
situações ou qualidades criadas à sombra deste sistema. Neste caso, um elemento
do enunciado legal duma norma do ordenamento «a quo» é constituído pela
verificação de um certo efeito de direito no ordenamento «ad quem», pelo produto
de uma valoração jurídica estrangeira, que é tomada como pressuposto de efeitos
ulteriores por este mesmo ordenamento estatuídos.
Pode dizer-se que a remissão do direito de conflitos e a remissão material «ad aliud
ius» implicam o reconhecimento, no sistema «a quo», da validade das próprias
normas do ordenamento «ad quem» (ou de normas paralelas a essas) que são
objecto da referência e implicam o directo reconhecimento dos efeitos jurídicos
ligados por essas normas aos factos a que se referem.
Ora, na referência de pressuposição, a remissão não coenvolve o reconhecimento
de validade à norma «ad quem», nem o reconhecimento dos efeitos atribuídos por
esta norma aos factos que regula.
A norma remetente limita-se a ligar, à situação jurídica criada pela norma «ad
quem», efeitos que ele próprio, norma remetente, dita (efeitos ulteriores) sem que
isto signifique sequer o reconhecimento daquela situação jurídica com o seu
conteúdo próprio com os efeitos que lhe atribui a norma «ad quem»).
Outra opinião, contudo, sustentou KAHN. Entende este autor que ZITELMANN
ignorou que há uma diferença fundamental entre a questão transitória e a questão
de DIP. transitório.
«Com a alteração da regra de conflitos, não temos uma alteração no círculo de leis
«eficazes, mas apenas uma alteração do critério de escolha de uma dessas leis». A
regra de conflitos do DIP. apenas se limita a intervir dentro do âmbito demarcado
pelo princípio fundamental do DIP., segundo o qual a quaisquer factos só podem
ser aplicadas as leis que com ele estejam em contacto (princípio da não
transactividade). Aquela regra opera como norma ou critério de resolução de
conflitos de normas e a sua esfera de aplicabilidade no espaço e no tempo é
limitada.
Contudo, a regra de conflitos pode também operar como «regula agendi» dentro
da esfera de eficácia do ordenamento jurídico a que pertence principalmente
quando se trate de garantir a validade da constituição de uma situação jurídica.
1.a primeira ressalva diz respeito aos casos em que o direito transitório da «lex
causae» acolhe uma solução contraditória com o sentido da atribuição de
competência ao direito estrangeiro, apurado através de judiciosa interpretação da
regra de conflitos pertinente e do contexto do sistema geral de conflitos do foro;
Segundo a doutrina que se nos afigura a mais correcta, quando o legislador não o
soluciona directamente (cfr. o artigo 29º do Cód. Civ.), este problema deve
resolver-se em face de cada norma de conflitos singular, tendo em conta as razões
que estão na base da escolha do elemento de conexão que ela indica. Não é possível
obter uma solução satisfatória através do recurso a uma fórmula geral.
Eis porque nos aparece justificada a ideia segundo a qual à escolha de uma das
concretizações do factor de conexão só se pode chegar por via de interpretação da
norma de DIP. em causa. A lei aplicável tem de ser determinada tanto no espaço
como no tempo. Se o legislador não curou disso, será ao intérprete que caberá
executar a tarefa «norma por norma».
Há que preferir a lei da situação actual da coisa. Mas, sem, por isso, negligenciar
os direitos que sobre ela se constituíram durante a sua permanência em outro
lugar e ao abrigo da legislação desse Estado.
Existem duas variantes na doutrina que atribui à regra de conflitos uma dupla
função:
a)princípio segundo o qual o legislador interno não tem poderes senão para delimitar
a esfera de competência das suas próprias leis: trata-se aqui de uma concepção de
inspiração internacionalística, já que entronca directamente na teoria que vê no
chamado conflito de leis um conflito de soberanias e, no DIP., um sistema de
normas tendente a coordenar as diferentes soberanias estaduais.
b)Supõe-se que, quando o Estado aplica uma lei estrangeira, está a exercer a
soberania estrangeira e, reciprocamente, a soberania nacional só pode exercer-se
pela aplicação do direito nacional.
O erro fundamental desta teoria está no facto de a soberania não poder exercer-se
senão mediante o emprego de certos mecanismos de coacção sobre as pessoas ou as
coisas. É evidente que, no território de um Estado, só a soberania nacional pode
tornar-se efectiva ― ela manifesta-se no poder de fazer cumprir a lei, sendo que a
aplicação de uma norma jurídica não põe em jogo senão a soberania territorial.
Daqui resulta que não é possível deduzir dos limites territoriais da soberania
nacional os limites de aplicabilidade dos vários direitos estrangeiros. Se a aplicação
do direito estrangeiro pusesse, realmente, em causa a soberania estrangeira,
concluiríamos que os órgãos de um qualquer Estado nunca poderiam aplicar senão
o direito vigente nesse mesmo Estado.
- que a situação «sub judice» não esteja ligada à «lex fori» através do elemento de
conexão que esta lei considera decisivo no sector em causa; e
- que entre a situação e a lei estrangeira exista precisamente a relação que essa lei
requer a fim de se reputar competente.
b)jamais se deve decidir um caso pelas disposições de uma lei que o não inclua no
âmbito de aplicação.
Contudo, não está demonstrado ainda que o sistema da bilateralidade não possa
ganhar, graças à introdução de certas correcções e ajustamentos, a destreza
necessária para rivalizar neste campo com o sistema oposto. Por outra parte, por
grandes que sejam os méritos do unilateralismo, é extremamente duvidoso que elas
possam compensar os seus aspectos negativos.
Cúmulo jurídico: a solução tradicional é optar por um dos sistemas ou uma das
normas, mas pode perguntar-se: com base em que critérios isso se faz? Se se fizer
com base num critério substancialista, seria contra-indicado pelo seu casuísmo.
Pareceria melhor solução a de elaborar expressamente para este tipo de situações
normas de conflitos especiais. Tais normas podem ser de uma ou outra de duas
espécies:
Pelo que toca à segunda, resta perguntar se não seria mais aconselhável recorrer
às próprias regras unilaterais da «lex fori» que, para tal efeito, seriam
bilateralizadas.
Fosse como fosse, a lógica do sistema ficaria abalada. Por isso mesmo, QUADRI
recusa este caminho. Para este autor, o problema deveria ser resolvido sem
atraiçoar o princípio da efectividade das normas jurídicas e do respeito das justas
expectativas dos interessados.
Encarando agora a questão no seu conjunto, pensamos que, sob o ponto de vista da
certeza do direito, a doutrina da bilateralidade suplanta a da unilateralidade.
Razão tem BATIFFOL quando observa que os partidários da doutrina da
unilateralidade, quando surge um conflito, renunciam a encontrar uma solução de
direito e remetem para o juiz a decisão em sede de matéria de facto.
Aqui, a «lex fori» seria admitida a fazer valer o seu próprio ponto de vista,
podendo, pois, submetê-las à lei designada pela sua norma de conflitos (bilateral).
QUADRI, por sua vez, defende que a solução mais lógica seria a solução proposta
pela doutrina unilateralista: as regras francesas limitar-se-iam a balizar o campo
de aplicação da lei interna francesa.
b)As regras de conflitos não têm como principal escopo outro que não seja o de
resolver um conflito de leis: elimina uma situação de concorrência ou de concurso
entre preceitos materiais procedentes de ordenamentos jurídicos distintos.
c)É errado pensar que o sistema jurídico nacional não tem interesse em ver
aplicadas as suas normas de DIP. a situações que não tenham com ela qualquer
conexão ou uma conexão estreita. Isto só seria verdade se se aceitasse que o
legislador é dominado pelo propósito de dar satisfação a interesses e a necessidades
da sua comunidade nacional. Seria, pois, para o sistema da unilateralidade integral
que FRANCESCAKIS nos levaria.
Se, por seu turno, o legislador se orienta para a criação de normas bilaterais,
cumpre atender a outras considerações: importa agora aceitar como a melhor via
para atingir os objectivos que decorrem da própria essência do DIP.
Nós entendemos que há que colocar reservas a este ponto de vista. É bem possível
que a conexão existente entre a situação a reconhecer e a lei estrangeira se mostre
claramente insuficiente para justificar a competência da referida lei.
- Contra a tese unilateralista extroversa (AGO), vale dizer que ela assenta numa
concepção da função da regra de conflitos que, confundindo esta com uma norma
material de remissão «ad aliud jus», implica igualmente uma negação da
autonomia do direito de conflitos face ao direito material.
- que a situação a regular não tenha com a «lex fori» o contacto por esta lei
designado como elemento de conexão;
Verificada esta dupla condição, o direito estrangeiro torna-se aplicável «in foro»,
em virtude de um princípio geral fundamental a que se pode chamar de princípio
da adaptação da ordem do Estado às ordens estrangeiras ou da coordenação com as
ordens estrangeiras.
Daqui resulta o corolário de que o facto estrangeiro, que se supõe ter provocado a
criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica, terá «in foro»
exactamente o mesmo valor jurídico e os efeitos que lhe tiverem sido conferidos
pela ordem jurídica sob o império da qual se produziu e cujos preceitos materiais,
por assim dizer, o impregnaram.
- sempre que não esteja em causa a competência do direito local, há que aplicar à
situação controvertida aquele direito estrangeiro que se julgar competente para a
disciplinar;
FERRER CORREIA, contudo, critica esta posição, pois entende que, por esta via,
estaremos a bilateralizar as regras de conflitos do foro.
«Ab intrinsecum», pois é das próprias normas materiais que CURRIE retira a sua
vontade de aplicação.
CURRIE aplica a lei do foro porque não vai optar por nenhuma soberania
estrangeira; num segundo momento, admite a criação e aplicação da regra de
conflitos «ad hoc».
Por quê é que é um unilateralista selvagem? Porque não atende à coordenação das
ordens jurídicas e à harmonia jurídica internacional (nacionalista).
Se o DIP. tem a sua intencionalidade e a sua «justiça» própria, então por aqui se
deixa ver que a interpretação dos seus preceitos e dos respectivos conceitos-quadro
tem de ser conduzida com certa autonomia. Pertencendo a norma de conflitos à
«lex fori», a esta lei não podemos nós entender aqui a «lex materialis», senão a «lex
formalis», o DIP. dessa lei. Um mesmo conceito pode assumir conteúdos diversos
consoante o contexto normativo em que figura. Uma teoria da qualificação que
propugne aquela ideia de referência automática logo a um primeiro exame se
revela gravemente desajustada ao espírito do DIP.
1.O conceito-quadro da regra de conflitos não descreve situações de facto, mas sim,
questões jurídicas ― é um conceito técnico-jurídico (que difere do conceito de
normas materiais);
2.O que é que a ela se vai subsumir? Normas jurídicas materiais do ordenamento
jurídico considerado competente.
Concluindo: se à «lex fori» compete decidir se os preceitos considerados
correspondem efectivamente, atentas à suas características principais, ao tipo
visado na regra de conflitos; é no quadro da «lex causae» que vão colher-se essas
características. E assim se logra superar a tradicional antinomia entre qualificação
«lege fori» e qualificação «lege causae».
O ponto de partida reside na ideia de que a qualificação em DIP. tem por objecto
preceitos jurídico-materiais. A ela acresce a ideia de WENGLER de que só a
qualificação das regras jurídicas nos levará a ter em conta o facto de que existem,
em cada legislação civil, nexos teleológicos entre as diversas normas estabelecidas
por um legislador. E estas são as razões básicas em que o nosso legislador se
inspirou.
O artigo 15º do Cód. Civ. diz que perante um sistema de direito e uma norma desse
sistema vai começar-se por considerar aquele sistema como hipoteticamente
aplicável ao caso vertente. O passo seguinte consiste em apreciar se a norma,
considerados o seu conteúdo e escopo, corresponde realmente à categoria de
conexão de uma determinada regra de conflitos da «lex fori» (de que se partiu para
julgar hipoteticamente aplicável o sistema de direito em questão). Se sim, declara-
se tal disposição aplicável à situação jurídica concreta, se não, terá de se concluir
pela inaplicabilidade do respectivo sistema de direito.
Esta teoria não difere assim tanto da nossa no que diz respeito à qualificação
secundária. O grande ponto de divergência é a questão da qualificação primária.
ROBERTSON observa que o nosso problema surge, por vezes, como incidente no
processo de actuação da norma de conflitos já determinada como aplicável em
momento anterior; em tal hipótese, a única questão susceptível de pôr-se é uma
questão de qualificação secundária. Simplesmente, o conhecimento de qual seja a
regra de conflitos aplicável ao caso supõe que se tenha previamente «qualificado» a
situação factual que se apresenta ao juiz, isto é, que se tenha previamente operado
a sua subsunção a uma das categorias do direito conflitual do foro. É nesta
operação que consiste a qualificação primária. Qualificados os actos, está definida a
norma de conflitos aplicável e fixada em definitivo a competência da lei. A
qualificação primária seria, assim, um passo obrigatório e decisivo para a
determinação de regra de conflitos apropriada ao caso e da legislação competente.
O certo, contudo, é que este entendimento das coisas está longe de ser forçoso.
Assim, podemos concluir que tanto ROBERTSON como AGO seguem a doutrina
tradicional da qualificação, segundo a qual nela se distinguem dois momentos:
a)Para AGO, este problema consiste em averiguar a que situações da vida quer a
regra de conflitos referir-se mediante o emprego de determinada noção jurídica ―
a questão resolve-se recorrendo a normas substanciais da «lex fori» que utilizam o
mesmo conceito para delimitar a esfera de relações que pretendem disciplinar.
Esta posição articula-se com a concepção geral do DIP. AGO entende as regras de
conflitos como exclusivamente destinadas a definir e balizar o campo de aplicação
dos sistemas jurídicos estrangeiros. O DIP. seria uma disciplina jurídica especial
instituída para aquelas relações que, por serem estranhas à vida interna do Estado,
não seria adequado submeter ao ordenamento jurídico local.
Para nós, o DIP, é o conjunto de critérios normativos através dos quais se há-de
apurar, em qualquer hipótese de conflitos ou concurso de leis, qual deverá ser
aplicada.
c)Só a posição adoptada pela doutrina portuguesa e o Código Civil toma na devida
conta o princípio da paridade de tratamento, pois só ela se mantém fiel à ideia de
que os factores determinantes da aplicabilidade das leis estrangeiras deverão ser os
mesmos que decidem da aplicação das nossas próprias leis. Toda a qualificação
«lege fori», pois que privilegia esta lei, obrigando a subsumir ao seu sistema de
regras materiais a questão de direito em causa à fim de chegar à identificação da
regra de conflitos aplicável, lesa manifestamente o princípio da igualdade de
tratamento.
O nosso Código Civil não propõe aqui qualquer directiva. Por nós, pensamos que a
solução dos mencionados problemas deve, normalmente, buscar-se no plano do
próprio DIP. Para tanto, tentar-se-á definir uma relação de hierarquia entre as
qualificações conflituantes. E o critério norteador dessa hierarquização será,
fundamentalmente, o dos fins a que as várias normas de conflitos vão apontadas.
Mas, se o critério geral é este, por vezes, a questão só poderá ser correctamente
resolvida se nos colocarmos numa perspectiva diferente, uma perspectiva jurídico
material. Haverá, então, que ter em conta as soluções oferecidas pelas próprias leis
em presença, já para entre elas optar, já para as harmonizar entre si (adaptação),
em termos de se tornar possível a sua aplicação combinada, já para aplicar uma
única dentre elas, mas depois de convenientemente ajustada à nova situação que se
apresenta.
A qualificação pessoal terá que ceder perante a qualificação real, pois a ligação da
coisa ao Estado territorial é muito mais forte do que a do indivíduo ao Estado
nacional: este não tem nenhum poder efectivo sobre coisas situadas em território
estrangeiro, e a efectividade de tais decisões dos seus tribunais em relação a tais
coisas depende da cooperação que lhes queiram prezar as autoridades do Estado
territorial.
Neste tipo de caso não há, em regra, uma relação de contradição ou de mútua
exclusão entre dois preceitos materiais ou duas séries de preceitos materiais
procedentes de ordenamentos jurídicos diferentes; e as dificuldades que se
apresentam resolver-se-ão considerando que os 2 (dois) estatutos são de aplicação
sucessiva: aplica-se primeiro o estatuto matrimonial e, depois, o estatuto sucessório
do supérstite. À lei da sucessão só pertencerá a devolução dos bens que constituam
a herança.
Outro ponto é que, muitas vezes, o conflito é, tão só, aparente, pois aos preceitos
em causa de uma das leis interessadas pode vir a caber a qualificação
correspondente àquela que põe em movimento a norma de DIP. que designa esta
lei como aplicável.
De acordo com a «lex formalis foris» (lei formal do foro); vamos interpretar esse
conceito-quadro teleologicamente, de acordo com os princípios que orientam o
sistema conflitual do foro; de acordo com o fim e sentido das normas conflituais do
foro. Vai ser também uma interpretação autónoma das normas materiais do foro.
Para evitar situações claudicantes (v.g.: a adopção não era admitida entre nós; se
interpretássemos o conceito-quadro de acordo com as nossas normas materiais,
víamos que nós, nem mesmo conhecíamos este instituto).
No artigo 15º do Cód. Civ. não há qualquer referência a esta matéria, pois
pressupõe que este é um passo lógico.
Nota: ver se há duas questões diferentes dentro do mesmo caso para, assim, as
tratá-las em separado.
Nota: se a lei é declarada aplicável a título de estatuto real, não fará sentido
admitir a inclusão, no âmbito da competência dessa lei, de preceitos situados fora
dessa categoria. O chamamento que a regra de conflitos faz é sempre circunscrito e
funcional, ou seja, não chama todas as normas.
7º passo: ver se, no caso de não se aplicar a nossa lei, se há algum mecanismo que
possa, no entanto, levar à sua aplicação (v.g.: normas de aplicação necessária e
imediata ― NANI ―; cláusula de excepção de ordem pública internacional).
4) Casos práticos:
Caso 1
Resposta:
lei da nacionalidade de A;
Lei portuguesa lei da residência comum ao início da união de facto
«lex fori».
Lei irlandesa Lei da residência comum à data do óbito
- Temos o artigo 72º do Cód. Civ. que rege as relações sucessórias e chama a lei
nacional do «de cujus» ao tempo da sua morte (lei portuguesa).
- O artigo 53º do Cód. Civ., por fim, regula o regime patrimonial secundário e
chama a lei da nacionalidade comum e, na falta desta, a lei da residência comum
ao tempo do casamento (contudo, no nosso caso, não há casamento, mas uma
simples união de facto) ― chama a lei portuguesa. Trata-se de uma regra de
conflitos de conexão múltipla subsidiária fixa (concretiza-se num determinado
tempo).
Não temos nenhuma norma para a união de facto, sendo assim, temos que
subsumir esta questão a uma outra norma (familiar).
Será então que o art. 2020º do CC. tem uma natureza sucessória ou familiar?
Quanto a nós, defendemos que tem natureza familiar. Parece não ter natureza
sucessória, já que B não é chamado a herdar, pois não se integra em nenhuma
classe sucessória. É certo que o direito a alimentos tem efeitos sucessórios, mas é
uma questão meramente reflexa. O essencial é a configuração do próprio direito a
alimentos que decorre da prévia existência de uma relação familiar ou para-
familiar.
Esta norma do artigo 2020º do Cód. Civ. subsumir-se-á ao artigo 52º ou ao art. 72º
do Cód. Civ.?
A, suíça, morreu em Portugal tendo deixado em testamento todos os seus bens aos
médicos (portugueses) que a assistiram. Aberta a sucessão, os familiares suíços,
residentes na Suíça, invocam a invalidade do testamento com base no artigo 2194º
do Código Civil português. O direito suíço não se opõe à validade do testamento.
«Quid iuris». Mobilize as regras de conflitos dos artigos 25º e 62º, ambos do Cód.
Civ.
Resposta:
- O artigo 25º do Cód. Civ. dispõe: «o estado dos indivíduos, a capacidade das
pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são reguladas pela lei pessoal
dos respectivos sujeitos...». Mas pergunta-se: capacidade de quem? Dos médicos
(capacidade de receber ― capacidade passiva). Por aqui, seria competente a lei
portuguesa.
- O artigo 62º do Cód. Civ. estabelece: «a sucessão por morte é regulada pela lei
pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também
definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário». Este
preceito legal, portanto, declara competente a lei nacional do «de cujus» ao tempo
da sua morte, por esta via, competente seria a lei suíça.
Resta-nos agora apurar da natureza do artigo 2194º do Cód. Civ. Terá este uma
natureza pessoal ou, antes, uma natureza sucessória? O que se pretende proteger?
Caso 3:
Resposta:
- Nos termos do artigo 41º do Cód. Civ.: «as obrigações provenientes de negócio
jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os
respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista». Contudo, no
enunciado, nada é dito relativamente à questão da escolha da lei pelas partes. Deste
modo, aplicar-se-á, a regra de conflitos subsidiária constante do artigo seguinte.
- Prescreve o artigo 42º do Cód. Civ.: «na falta de determinação da lei competente...,
nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes».
- O artigo 45º do Cód. Civ., por sua vez, prevendo a hipótese da lei competente
para regular as situações de responsabilidade extracontratual, estabelece: «a
responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em
qualquer conduta ilícita, é regulada pela lei do estado onde decorreu a principal
actividade causadora do prejuízo...». Por esta via, competente seria a lei portuguesa.
Resta-nos, agora, apreciar a natureza do artigo 500º do Cód. Civ.; nos termos deste
preceito legal: «aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde,
independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre
este recaia também a obrigação de indemnizar». Este preceito do Código Civil
português possui uma natureza extracontratual, já que se trata de uma questão de
responsabilidade pelo risco, que é uma responsabilidade objectiva. Ela destina-se a
proteger não a relação contratual, mas os interesses de um terceiro (lesado).
Aqui conclui-se que dever-se-á aplicar o artigo 45º do Cód. Civ. que chama a
aplicar a lei portuguesa. Deste modo, a regra material que irá regular o caso
consta do artigo 500º do Cód. Civ., nos termos do qual o lesado, C, poderá
demandar os dois e obter a responsabilização de A, sendo que depois, a nível
interno (ou seja, a nível da relação contratual existente entre A e B) será
competente a lei francesa, havendo ou não direito de regresso consoante o
ordenamento jurídico francês.
Caso 4:
Resposta:
- O artigo 25º do Cód. Civ., que regula a capacidade, chama a lei portuguesa;
- o artigo 42º do Cód. Civ. que disciplina as obrigações chama a lei da residência e,
portanto, a lei espanhola;
- o artigo 52º do Cód. Civ. que regula as relações entre os cônjuges, atribui
competência à lei da residência comum habitual e, portanto, também atribui
competência à lei espanhola; e
- o artigo 53º do Cód. Civ. que dispõe sobre as convenções antenupciais e regime de
bens, chama a aplicar a lei da primeira residência comum do casal e, portanto,
também a lei espanhola.
Resta agora descobrirmos a natureza dos artigos 1720º e 1762º, ambos do Cód.
Civ. Possuem uma natureza familiar que se protege na capacidade. A não tem
capacidade para tal doação (possui reflexos secundários sobre o estatuto
contratual).
Sendo assim, ou aplicamos o artigo 52º ou o artigo 53º do Cód. Civ. Por qual deles
optar?
Caso 5:
Resposta:
- O artigo 40º do Cód. Civ., que regula a prescrição e caducidade dos negócios
jurídicos dispõe: «a prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao
direito a que uma ou outra se refere».
- Não podemos aplicar o artigo 41º do Cód. Civ., pois o enunciado não se refere a
qualquer declaração tendente a designar a lei competente para regular a
respectiva relação jurídica.
- Sendo assim, nos termos do artigo 42º do Cód. Civ.: «na falta de residência
comum, é aplicável..., a lei do lugar da celebração», ou seja, a «lex loci
celebrationis». Deste modo, no nosso caso, seria aplicável a lei portuguesa.
- O artigo 52º do Cód. Civ., que rege as relações entre os cônjuges, dispõe: «as
relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum dos cônjuges», ou
seja, por esta via seria aplicável a lei canadense.
Nos termos deste preceito legal: «a prescrição não começa nem corre entre os
cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens». A natureza deste
preceito legal não é contratual como, à primeira vista, poderia parecer; esta norma
possui uma natureza familiar, já que visa proteger a paz familiar.
Logo, à primeira vista, seria aplicável o artigo 52º do Cód. Civ., preceito este que
atribui competência à lei canadense, pois é esta a lei da nacionalidade comum dos
cônjuges. Contudo, esta norma não pode ser aplicada, pois nunca se pode aplicar
uma norma material que não seja chamada e/ou que não tenha a natureza que se
exige; no nosso caso, o artigo 318º tem natureza familiar e o artigo 52º não pode ser
aplicado, já que tem uma natureza pessoal e patrimonial primária.
Caso 6:
Resposta:
- O estatuto real é regulado pela «lex rei sitae» que, no nosso caso, é a lei alemã
(BGB);
Devemos averiguar a natureza dos artigos 408º e 879º do Cód. Civ. Estes preceitos
legais não têm natureza contratual, mas sim real. Sendo assim, não podem ser
invocados, pois a nossa lei não é a «lex rei sitae»... «lex rei sitae», como já vimos, é a
lei alemã.
Sim, na verdade, B pode exigir, segundo a nossa lei («lex contractus») uma
indemnização por parte de A.
Caso 7:
Resposta:
- Nos termos do artigo 41º do Cód. Civ.: «as obrigações provenientes de negócios
jurídicos, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os
respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista». Natureza
contratual.
- Segundo o artigo 42º do Cód. Civ.: «na falta de determinação da lei competente,
atende-se..., nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes» e, «na
falta de residência habitual comum, a lei do lugar da celebração», ou seja, no nosso
caso, e por esta via, seria competente a lei portuguesa. Natureza contratual.
- Prescreve o artigo 52º, n.º 2 do Cód. Civ. que, não havendo nacionalidade
comum, a relação entre os cônjuges é regulada pela lei da residência habitual
comum, logo, por esta via, seria competente a lei de Colónia. Natureza pessoal e
patrimonial.
Assim sendo, este preceito não pode aplicar-se, dado que a lei reguladora do
casamento é a lei alemã.
Caso 8:
Resposta:
- Nos termos do n.º 1 do artigo 56º do Cód. Civ.: «à constituição da filiação é
aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação»; assim,
por esta via, seria competente a lei portuguesa.
- Estabelece o n.º 2 do artigo 60º do Cód. Civ.: «se a adopção for realizada por
marido ou mulher..., é aplicável a lei comum dos cônjuges...»; por tal via, aplicável
seria a lei espanhola.
Resta agora apreciarmos a natureza do artigo 1987º do Cód. Civ., nos termos do
qual: «depois de decretada a adopção plena não é possível estabelecer a filiação
natural do adoptado nem fazer a prova dessa filiação fora do processo preliminar de
publicações». Este preceito legal, portanto, visa a protecção da adopção (a família
do adoptado e a sua inserção na família adoptante). Daqui resulta que esta norma
subsume-se ao artigo 60º do Cód. Civ.
Contudo, não a podemos aplicar, dado que esta regra de conflitos chama, como
competente para regular em termos materiais a questão, a lei espanhola.
Caso 9:
Por morte de JAMES, os seus pais, com base nos artigos 495º, n.º 3 e 496º, ambos
do Cód. Civ., reclamam a indemnização por danos não patrimoniais e alimentos
que recebiam de JAMES, e apoiados no artigo 2161º, n.º 2 do Cód. Civ. reclamam
metade da herança. Agora, ANGELINA, herdeira testamentária reclama ser a
única herdeira uma vez que o testamento é válido segundo o direito inglês e que
este ordenamento jurídico não reconhece qualquer direito sucessório aos
ascendentes. Na verdade, no testamento de JAMES, ANGELINA era considerada
a única e universal herdeira.
a)«Quid iuris» considerando os artigos 45º e 62º do Cód. Civ. e o facto de a lei
inglesa regular a sucessão pela lei do último domicílio do «de cujus» e considerando
ainda que a responsabilidade aquiliana é regulada pela lei do local de ocorrência
do facto?
Resposta:
- Estabelece o artigo 62º do Cód. Civ.: «a sucessão por morte é regulada pela lei
pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também
definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário». Logo,
este preceito legal estabelece a competência do ordenamento jurídico inglês.
Nos termos do primeiro preceito referido, têm direito à indemnização «os que
podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no
cumprimento de uma obrigação natural». Por sua vez, o artigo 496º do Cód. Civ. se
refere ao montante da indemnização a prestar.
Vê-se logo, pois, que os preceitos supracitados não têm uma natureza sucessória,
antes possuem uma natureza compensatória, já que visa compensar aqueles que
mais sofrem com a morte do ente querido. Deste modo, esta norma subsume-se ao
conceito-quadro do artigo 45º do Cód. Civ. que tem em vista reparar a situação
provocada pelo causante, compensando o prejuízo sofrido pelos entes queridos,
tentando, por outras palavras, colocar as coisa em seu «status quo ante». Trata-se
de uma sanção compensatória.
Logo, esta norma de conflitos chama a lei portuguesa para ser aplicada ao caso
«sub judice», o que permite aos pais de JAMES receberem a indemnização.
No que diz respeito à segunda questão suscitada no caso concreto (ou seja, no que
diz respeito à sucessão), temos que analisar a natureza do n.º 2 do artigo 2161º do
Cód. Civ.
Nos termos do preceito citado: «se o autor da sucessão não deixar descendentes nem
cônjuge sobrevivo, a legítima dos ascendentes é de metade ou de um terço da
herança, conforme forem chamados os pais ou os ascendentes de segundo grau e
seguintes». Logo se vê, portanto, que tal preceito legal possui uma natureza
sucessória (escopo / fim / «ratio legis» e integração / localização sistemática). Esta
norma, portanto, subsume-se ao artigo 62º do Cód. Civ., mas não vai poder ser
aplicada, dado que esta regra de conflitos declara como competente para reger o
estatuto sucessório, assim como o vimos, a lei inglesa e não a portuguesa. Como tal,
não reconhecendo a lei inglesa qualquer direito à legítima, ANGELINA deverá ser
considerada a única e universal herdeira de JAMES. O pedido dos pais de JAMES
seria indeferido pelo juiz português.
Caso compartilhasse-mos da opinião do AGO, deveríamos, antes de mais, recorrer
à qualificação primária, de modo a que chegaríamos à seguinte conclusão:
Tratando-se aqui de uma questão sucessória, por força do artigo 62º do Cód. Civ.,
o único ordenamento jurídico competente seria o inglês e, dentro desse
ordenamento jurídico, são chamadas todas as normas jurídicas que o compõem.
Caso 10:
a)Com base nos artigos 25º, 52º e 62º do Cód. Civ., «quid iuris»?
Resposta:
- Nos termos do artigo 25º do Cód. Civ.: «o estado dos indivíduos, a capacidade das
pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são reguladas pela lei dos
respectivos sujeitos...». Este preceito declara competente, no nosso caso, a lei
italiana. Tal preceito não se refere a uma incapacidade, mas, antes, a uma mera
ilegitimidade conjugal.
- estabelece o n.º 2 do artigo 52º do Cód. Civ. que se ambos os cônjuges não tiverem
a mesma nacionalidade, «é aplicável a lei da sua residência habitual comum...».
Desta forma, relativamente às relações entre os cônjuges e no nosso caso,
competente seria a lei portuguesa. A natureza deste preceito legal não é
eminentemente sucessória, mas, antes, familiar, dado que visa, em primeira linha,
proteger o património familiar.
- por fim, preceitua o artigo 62º do Cód. Civ.: «a sucessão por morte é regulada pela
lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste...». Competente,
portanto, para regular o estatuto sucessório seria a lei italiana.
Resta-nos agora averiguar a natureza dos artigos 1683º, n.º 2 e 1687º, n.os 1 e 2.
O artigo 1687º, por sua vez, nos diz qual o efeito da falta de consentimento e em
que termos pode ser exercido.
Vemos, assim, que ambos os preceitos a que nos referimos têm natureza familiar e,
deste modo, subsumem-se ao artigo 52º do Cód. Civ., sendo que este preceito
declara competente a lei portuguesa, de modo que B poderia invalidar, ou melhor,
pedir a anulação da declaração de repúdio por parte de A.
Todo o resto, ou seja, tudo o que disser respeito à matéria sucessória deverá ser
regulado pelo direito italiano, assim como se infere do preceituado nos artigos 25º e
62º do Cód. Civ.
Caso 11:
Resposta:
- Estabelece o artigo 25º do Cód. Civ. relativo ao âmbito da lei pessoal: «o estado
dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por
morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos...». Tal preceito possui
natureza pessoal e declara competente em tais casos a lei portuguesa.
- Nos termos do artigo 47º do Cód. Civ. é definida pela lei da situação da coisa «a
capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou para dispor deles,
desde que essa lei assim o determine; de contrário, é aplicável a lei pessoal».
- Por fim, preceitua o n.º 2 do artigo 52º do Cód. Civ.: «não tendo os cônjuges a
mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum...». Este
preceito tem natureza patrimonial e, no nosso caso, declararia competente a lei de
Luxemburgo.
Resta-nos agora apreciar a natureza dos artigos 132º e 133º, ambos do Cód. Civ.
Logo se conclui que ambos os preceitos transcritos têm natureza pessoal, dado que
é uma questão de capacidade.
O instituto da emancipação existe porque se entende que uma pessoa que casa com
esta idade tem já maturidade e responsabilidade para tratar dos seus assuntos
patrimoniais, ou seja, entende a nossa lei que se um dado indivíduo já consegue
reger a sua pessoa, então também já tem capacidade para reger o seu património.
Tendo os artigos 132º e 133º do Cód. Civ. natureza pessoal, não poderíamos
subsumí-los ao artigo 52º do mesmo diploma legal, pois este tem natureza
patrimonial. Deste modo, apenas nos restam os artigos 25º e 47º do Cód. Civ.
O artigo 47º trata de uma capacidade específica para constituir direitos reais,
enquanto o artigo 25º trata de uma capacidade em sentido amplo, ou seja, de uma
capacidade para a realização de todos e quaisquer negócios jurídicos.
Como a emancipação tem efeitos para todo o tipo de actos que o menor venha a
praticar, logo, devemos subsumí-la ao artigo 25º do Cód. Civ.
Sendo assim, o notário não podia recusar-se a praticar o acto, tendo, portanto, que
fazer a escritura pública.
Bibliografia:
Sobre o autor