Explorer les Livres électroniques
Catégories
Explorer les Livres audio
Catégories
Explorer les Magazines
Catégories
Explorer les Documents
Catégories
MIMESIS
A representação da realidade
na literatura ocidental
~
I
~\\I~
~ ~ EDITORA PERSPECTIVA
~,\~
Título do original:
Mimesis ~ Dargestellte Wirklichkeit in der abendlaendischen Literatur
2~ edição-revisada
I
:i',I' ,
'~ 1ti i
~No
I
Gosta dos livros que fingem pertencer à alta sociedade: este livro vem
da rua.
Gosta das pequenas obras licenciosas, das memórias de mocinhas, das
confissões de alcova, das sujeiras eróticas do escândalo que se arregaça numa
imagem nas frentes das livrarias~:rá é severo e puro. Que não espere a
fotografia decotada.do Prazer: o~ue segue é a clínica do amQ!'.
'" ~
GERMINIE LACERTEUX 445
\ seu ·direito. . J
"--~, roY\\~\>\(e i J,,? I\'-lef~(-,t) ~s~-:.~ S-o",~, (h..·~ e jl
e.lh. . -
. A respeito da violenta polêmica com o público, com a qual VJ?~".Ll.ill··
começa o prefácio, falaremos mais t~de; ocupamo-nos, em primei-I:
ro lug~, da~tenção artistiéa PCO,gramática)que é expressa nos""- .
parágrafos seguintes (que começam com as palavras Vivant au
Xlx.e siecle). Corresponde exatarhente àquilo que aqui entendemos .,jp ,
põr mistura de estilos, e amda mais, baseia-se em consideracões.de ,~/Wy .:
ordem Q2litico-sociol6gica. Vivemos, dizem os Goncourt, na época r '-'; ;'~.' .
do sufrágio universal, da democracia, do liberalismo (merece ser p..20";j)-
lembrado que eles, de maneira algumll, eram amigos incondicionais :;CG,'dô::;~ .
dessas instituições e fenômenos); portanto, é injusto excluir as .. ' I~'
assim chamadas classes mais baixas da população, o povo, do C-'/.;'
tJ;'atamento literário sério, tal como ainda acontece, assim como é
injusto conservar na literatura uma aristocratização dos objetos,
que não mais corresponde ao nosso quadro social; deve-se admitir
que não há nenhuma forma de desgraça que sejà. demasiado oaixa
para ser representada literariamente~ O fato de o romance ser a
forma mais-apropriada·pàra·uma tal representação é admitido como
, .'~ i r.. . _.'
J/
" .... 1"-'0 ·'(,'-'0
, ,;
c~KIV./n:::ç,
.
I . I L.
rI)feC1f"'rfla."í(.;"
\i >7-
"
446 MIMESIS
1
~,s; r"" mais baixo, de forma séria, isto é, a extrema mistura de estilos,
~(os. simultaneamente com argumentos político-sociais e científicos . .À
atividade do romancista é comparada com a atividade científica,
l\é~J sendo que, com isto, indubitavelmente se pensa em métpdos
)ic(ti~üoc.biológico-experimentais. Encontramo-nos sob a influência do entu-
~",~\siasmo científico dos primeiros decênios do Positivismo, durante os
Ii~. - quais todos os que exerciam atividades mentais, na medida em que
procuravam métodos novos e conformes com seu tempo, tentavam
apropriar-se dos sistemas e processos experimentais. Nisto, os
Goncourt estão em primeira linha; o seu ofício é, por assim dizer,
estar em primeira linha. O final do prefácio traz uma virada
lIor~,t~\evidentemente menos moderna, a virada para o moralista, o carita-·
.r,;~1i~tivo e humanitário. Com isto, ressoa uma série de motivos, muito
1I,.,c)K.i- diferentes segundo a sua origem; a alusãÇ> aos heureux de Paris e às
'~",'.:l !(ens du monde que devem lembrar-se da miséria do seu próximo,
. OVlaf/S- pertence ao socialismo sentimental do meio do século; as rainhas
~ de outrora, que dispensavam sua atenção aos enfermos e os mostra-
~1l'tM~ vam aos filhos, lembram a Idade Média cristã; e finalmente aparece
'.J,) - aç-eligião humanitária do Iluminismo)procede-se muito ecletica-
-lo , mente e um tanto arbitrariamente neste retórico finale.
UWla..u.~ Todavia, seja como for que se julguem os motivos isolados
.w.)~ deste prefácio e, em geral, a maneira dos Goncourt defenderem a
sua causa, eles tinham indubitavelmente razão, e faz tempo que o
processo foi julgado a seu favor. Nos primeiros grandes realistas do
século, em Stendhal, Balzac e ainda em Flaubert, as camadas mais
baixas do povq, o povo propriamente dito, mal aparece; e quando
aparece, não é visto a partir dos seus próprios pressupostos, na sua
própria vida, mas de cima. Ainda no caso de Flaubert (cujo Coeur
simple apareceu, aliás, só uma década após Germinie Lacerteux, de
maneira que, no tempo do prefácio, não havia quase nada disponí-
vel no gênero, afora a cena da entrega de prêmios durante os
comices a!(ricoles em Madame Bovary), trata-se em geral de
criados ou de figuras subalternas.<l\!as a irruocão da mistur.a
Mais pourquoi ... choisir ces milieux? Parce que c'est dans
les bas que dans l'effacement d'une civilisation se conserve le
---2i
'Y\d-Lrat.·:.~ =)" I'V\~@ do FII~VO\.4.(. a n~la~
d,-e de Atpl\~~AI~ "Pê FC:::WM~ stN~íV€(. -o Fe'o/ o '
448 "MIMESIS
CtCPI.JL~I·I/O} ê o ?Aíotoe;cot~
-
I / I.
€.XOn'U)
I
t
durante a decadência de uma civilização, se conserva o caráter das coisas, das
pessoas, da língua, de tudo ... E por que mais? Talvez porque sou um literato
bem· nascido, e porque o povo, a canalha, se preferirdes, tem para mim o
~
• ~ Como explicação, apresenta-se em primeiro lugar a expan~ão
:1.0 1.1 violenta e constantemente crescente dQ pljbljco leitor, desd<;, o
t.tol.:'7 começo do século, e o concomitante embrutecimento do gosto. O
r.t\bn..~ gênio, a elegância dos sentimentos, o cultivo das formas da vida e
eV~ da expressão, tudo isto decai. Já Stendhallamenta esta decadência,
=/o Jo ~ como mencionamos anteriormente. O re~aixamento do nível acele-
'1l> rou-se ainda mais pela exploração comercial da crescente necessi-
F dade de leitura por parte dos empresários editoriais ou jornalísticos,
) a maioria dos quais (não todos) preferiu o caminho do ganho mais
-b fácil e da menor resistência, fornecendo, portanto, ao público,
aquilo que este pedia, ou talvez coisa pior do que teria pedido.
i\ Mas, quem era o público leitor? Consistia, em sua maior parte, na
~ b.w:guesia urbana, que havia crescido de forma impressionante e se
tomara, graças à maior divulgação da educação, capaz e sequiosa
de ler. Era o bourgeois, aquele ser cuja estupidez, preguiça mentar,
enfatuação, mendacidade e covardia foram repetidamente motivo
das mais violentas diatribes por parte dos poetas, escritores, artistas
e críticos, desde o Romantismo. Podemos subscrever este juízo,
sem mais nem menos? Não se trata dos mesmos burgueses que
empreenderam a audaciosa aventura da cultura econômica, cientí-
fica e técnica do século XIX, a mesma de cujos círculos surgiram
também os dirigentes dos movimentos revolucionários que foram
os primeiros a réconhecer as crises, os perigos e os focos de
corrupção daquela cultura? Mesmo o burguês médio do século
XIX participa da tremenda atividade na vida e no trabalho caracte-
" ...
GERMINIE LACERTEUX 451
--~.~
452 MIMESIS
rapariga caía com 'um rapaz por cima ~ela, o pistão cobria a sua queda com o
seu' ressoar irado, o movimento dos pés os rolava, como se a dança tivesse
desabado por cima deles.
Alguém de passagem, advertiu Pierron que sua filha Lydie dormia à
porta, atravessada nã calçada. Havia bebido sua parte da garrãfa roubada, esta-
e
va bêbada, e ele teve de carregã-Ia nos ombros, enquanto leanlin Bébert, mais
sólidos, seguiam-nos de longe, achando tudo muito engraçado. Foi b sinal da
partida, famílias saíram do Bon-Joyeux, os Maheu, e os Levaque decidiram-se
a voltar ao vilarejo. Nesse momento, o compadre Bonnemort e o velho Mou-
, que deixavam também Montsou, no mesmo passo de sonâmbulos, obstinados
no silêncio das sUaS lembranças. E voltaram todos juntos, e atravessou-se pela
última vez a quermesse, lfs frigideiras que se endureciam, as tavernas onde os
últimos chopes' escorriam como riachos, até o meio da estrada. A tempestade I
ameaçava sempre, risadas subiram, logo que se deixou para trás as últimas
casas iluminadas, para perder-se no campo escuro. Um sopro ardente subia dos
trigais madurôs; deve-se ter feito muitas crianças, nessa noite. Chegaram de-
bandados ao vilarejo'. Nem os Levaquenem os Maheu cearam com apetite, e
estes dormiam enquanto terminavam com o cozido da manhã.
Etienne tinha levado Chaval para beber ainda no Rasseneur.
- "Estou nessa!" disse Chaval, quando o camarada acabou de \he
explicar o caso da caixa de providência. "Toca aí, você é dos bons!"
Um começo de embriaguez f~zia chamejar os olhos de EtienIW. Gritou:
- Sim, de acordo ... Você vê, eu, deixaria tudo pela justiça, a bebida e as
moças. Só há uma coisa que me entusiasm'a, é a idéia de que vamos varreros
b,urgueses.
I
--- lficilmente poderíamos sentir isto a partir apenas do primei-
ro parágrafo do nosso texto; quando muito, poderíamos surpreen-
~, der-nos com a objetividade quase protocolar do relato, o qual, com
c1.oAo toda a sensibilidade da sua apresentação, contém algo de ~o, de
fll claro dem,ais, de quase cruel; nenhum autor que tencione apenas
~el(. um efeito cômico ou grotesco escreve desta forma. A primeira
~ frase: Jusqu 'à dix heures, on resta, s.eria inconcebível em meio de
, b
r:",
uma orgia grotesca da plebe. Para que é dado de amemão o fim da
r~ orgia? Isto tem um efeito demasiado despoetizante para fazer parte
de uma intenção meramente cômica ou grotesca. E por que tão
'IO'NI',JI. cedo? Que espécie de orgia é esta, que acaba tão cedo? A gente das
minas de carvão deve sair da cama cedo, na segunda-feira, alguns
deles, já às quatro ... E após a primeira surpresa, há outras coisas
que chamam a atenção. Para uma orgia, mesmo junto ao povaréu,
é necessária a superabundância. Certamente há fartura, mas é uma
fartura pobre e parca: nada além da cerveja. O conjunto mostra
como são desconsoladas e miseráveis as alegrias dessa gente.
Z, 1/ A verdadeira intenção do texto torna-se mais nítida .no
•, se.,gpndo parágrafo. que descreve a partida e a volta ao lar. A moa
-:1Y'·-do mineiro Pierron, Lydie, é encontrada dormindo, totalmente
la. bêbada, na rua, diante do local do baile. Lydie é uma menina de
doze anos, que esteve vadiando com dois meninos da mesma idade,
J, ., vizinhos seus: Jeanlin e Bébert. Os três já trabalharam na mina,
~~f..oPllxando os carrinhos; sã(l crianças prematuramente estragadas,
~olg', Lula. :f::. (ÍoV\{,oo-r!: &~-r",\{ifl SW:01(,.;; .....
6vl Itr( 'O c"'r"' ~ d-.O {e.:o
______ ==~-~J.'
462 MIMESIS
~
francê. s, istO. é, do realismo europeu em forma ão, ~r:<r re-
()lN!. sentação séria da re a u a co -
r~ menta a na constante moviment ão hi . s
PI~ . análises dos últimos capit o,. as figuras tão fundamentalmente
I diferentes como Gõtthe&, homem prático, vigoroso, que não retro-
cedia diante de n~nhuma realidade, segundo a melhor tradição dos
pastores de almas, e Hebbel, jovem, oprimido e sombrio, que
escreveu o drama pesado como chumbo do marceneiro Anton e sua
filha, têm em comum a característica de que o pano de fundo
\~