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Câmera Clara, um diálogo com Barthes∗

Osvaldo Santos Lima


Universidade Federal do Paraná

Índice seu teor científico pois aproxima o leitor da


essência da imagem fotográfica.
1 Punctum e Studium . . . . . . . . 2 Barthes, logo no início de seu texto, nos
2 Ainda sobre o punctum . . . . . . 5 antecipa as dificuldades metodológicas en-
3 Pequenas considerações sobre o frentadas por quem deseja analisar a fotogra-
corte fotográfico . . . . . . . . . . 5 fia.
4 Tangência punctual . . . . . . . . 6
5 Referências Bibliográficas . . . . 6 “Quem podia guiar-me? Desde
o primeiro passo, o da classifica-
ção ( é preciso classificar, realizar
No livro A Câmara Clara, Roland Barthes amostragens, caso se queira cons-
tece conceitos úteis para qualquer pesqui- tituir um corpus) a fotografia se es-
sador que se envolva com o universo das quiva.” (BARTHES, 1984, p.12).
imagens fotográficas. Nesta derradeira obra
Barthes estabelece uma relação entre a câ- Por conseguinte Barthes se projeta como
mera clara, onde a imagem para ser reprodu- mediador, como medida do saber fotográ-
zida necessita da mão do homem, e a câmera fico, como atesta:
obscura que produz uma imagem ligada ao
referente através de sua emanação luminosa. “Decidi então tomar como guia
O texto se constrói entre a escrita acadê- de minha nova análise a atração
mica, precisa e analítica, e a literária, emo- que eu sentia por certas fotos. Pois
cional e metafórica. Desta forma qualquer pelo menos dessa atração eu estava
tentativa de análise se vê amarrada por esses certo.” (BARTHES, 1984, p. 35).
dois pólos, que ora nos afastam de um pensa-
mento analítico e ora nos aproximam de suas Para então assinalar as três práticas liga-
proposições conceituais. Entretanto, o cará- das à fotografia: fazer, suportar e olhar. O
ter emocional da escrita somente aprofunda fazer representado pelo Operator. O olhar re-

presentado pelo Spectator, posição assumida
Texto apresentado no VI Lusocom (integrado no
III Congresso Sopcom) que teve lugar nos dias 21 e 22
pelo autor. O suportar se referindo ao Spec-
de Abril de 2004, na Universidade da Beira Interior, trum e ao referente e sua condição inevitável
Covilhã. de retorno do morto.
2 Osvaldo Santos Lima

Ao se posicionar como Spectator para aná- inicial que se detinha no orifício


lise, Barthes se afasta da Foto-segundo-o- de entrada dos raios luminosos, ja-
fotógrafo. nela responsável pela contigüidade
física do referente, foi migrando
“No entanto, dessa emoção (ou para uma outra janela na fotografia
dessa essência) eu não podia fa- contemporânea. Do orifício, que
lar, na medida que nunca a co- dá conta da representação figura-
nheci; não podia unir-me à co- tiva do referente, passa-se à mol-
orte daqueles (os mais numero- dura, que representa o poder da-
sos) que tratam da Foto-segundo- quele que opera o aparelho” (CA-
o-fotógrafo.”(BARTHES, 1984, p. ETANO & LIMA, 2003, p 137)
21, grifo nosso)
Contudo, o corte metodológico que o co- 1 Punctum e Studium
loca na posição de spectator, parece não ser
capaz de afastá-lo da emoção do operator Barthes afirma sobre o punctum:
que é, durante o livro, diversas vezes ima-
ginada. “O punctum de uma foto é esse
acaso que, nela, me punge (mas
“Eu podia supor que a emo- também me mortifica, me fere).”
ção do Operator (e portanto a (BARTHES, 1984 p. 46)
essência da Fotografia-segundo-o-
Fotógrafo) tinha alguma relação O punctum não está relacionado com as
com o “pequeno orifício” (estê- intenções do fotógrafo, com a cultura do
nopo) pelo qual ele olha, limita, operator, com sua visão do mundo. Ele de-
enquadra e coloca em perspectiva pende do spectator se sentir ferido, pungido
o que ele quer “captar” (surpreen- por determinada imagem. Ao contrário do
der)” (BARTHES, 1984, p. 21) studium que é uma espécie de educação, de
“saber” que permite encontrar, para Barthes,
Barthes funde, na sua idéia de estênopo, o operator e suas intenções.
dois oríficios distintos: o visor – enquadra-
mento – e o pequeno orifício – responsável “É o studium, que não quer di-
pela indicialidade da imagem fotográfica. zer, pelo menos de imediato, es-
“A moldura se tornou o pri- tudo, mas a aplicação a uma coisa,
meiro filtro de acesso ao universo o gosto por alguém, uma espécie
exterior e janela metafórica ao li- de investimento geral, ardoroso, é
gar o mundo interno ao externo, verdade, mas sem acuidade parti-
o interoceptivo ao exteroceptivo, o cular.” (BARTHES, 1984, p. 45)
operator ao spectator numa dinâ-
mica de relações latentes do apa- Segundo Barthes o punctum se subdivide
relho e agora realizadas pela von- em: forma e intensidade. O primeiro dá
tade e obra humana. O fascínio conta do detalhe da imagem que irá feri-lo.

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Esse detalhe está na imagem e pode vir a ser que definem, em todos os níveis,
uma gola, um colar, uma pedra onde a sua a relação desta com sua situa-
condição dentro do quadro remeta a um ex- ção referencial, tanto no momento
tra campo, um campo cego.1 da produção (relação com o refe-
rente e com o sujeito-operador: o
“ O punctum é, portanto, gesto do olhar sobre o objeto: mo-
um extracampo sutil, como se a mento da “tomada”) quanto no da
imagem lançasse o desejo para recepção ( relação com o sujeito-
além daquilo que ela dá a ver.” espectador: o gesto do olhar so-
(BARTHES, 1984, p. 89) bre o signo: momento da retomada
– da surpresa ou do equívoco)”.
No que concerne a intensidade o punctum (DUBOIS, 1994, p. 66)
que, não é o detalhe, mas sim o tempo e sua
ênfase dilaceradora do noema (“isso-foi”)2 , O operator, ao fotografar, corta o fluxo na-
sua representação pura. Nem todas as ima- tural da vida transformando a forma do que
gens nos oferecem um punctum. Algumas era íntegro em parcial e o tempo que era con-
permanecem inertes ao olhar provocando- tínuo em fragmento. Seu espaço topológico
nos apenas um interesse geral, um studium. determina sua mirada sendo ele o tanto de
Porém, no avesso do processo, encontra- real – enquanto corpo – que define parte do
mos a figura do operator e a necessidade de golpe que está pronto a desferir. Seu corpo
relativizar o conceito de punctum. Parece- apóia o aparelho que o permite se lançar ao
me obrigatório fazê-lo neste momento atra- imaginário. A lâmina do obturador e o es-
vés da análise do processo fotográfico. trangulamento do diafragma cortam a reali-
dade em pequenas fatias.
“Se quisermos compreender o
que constitui a originalidade da “A foto aparece desta maneira,
imagem fotográfica, devemos obri- no sentido forte, como uma fatia,
gatoriamente ver o processo bem única e singular de espaço-tempo,
mais do que o produto e isso literalmente cortada ao vivo” (DU-
num sentido extensivo: devemos BOIS, 1994, p. 161)
encarregar-nos não apenas, no ní-
vel mais elementar, das modali- O ato fotográfico, no exato instante da to-
dades técnicas de constituição da mada, aprisiona, dentro do mecanismo da câ-
imagem (a impressão luminosa), mera obscura, um tempo inatual. O aparelho
mas igualmente, por uma extensão coleciona pequenas lâminas de passado, sub-
progressiva, do conjunto dos dados traídas de um espaço pleno. Óbvia violência
1
constitui a tomada.
Este efeito se dá ao nível do discurso e pode ser
caracterizado pelos estudos de Hjelmslev
2
O “isso-foi” é a representação de um tempo vi- “Cada objetivo, cada tomada
vido (do sentido) e não de um tempo cronológico, li- é inelutavelmente uma machadada
near, físico e empírico. (golpe de machado) que retém um

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plano do real e exclui, rejeita, re- outro e acionar sua guilhotina, aprisionando
nega a ambiência. Sem sombra de na latência da câmera obscura, mais uma fa-
dúvida, toda a violência (e a preda- tia de tempo-espaço? A fotografia é, para o
ção) do ato fotográfico procede es- operator, o desejo de aprisionar a ferida e de
sencialmente desse gesto do cut.” reter na prata ou na eletrônica do pixel, o de-
(DUBOIS, 1994, p. 178) talhe que lhe pungiu quando na visualização
da cena através de seu visor – pequeno simu-
Porém, a enunciação fotográfica é fruto de lacro da imagem. Não haveria, dessa forma,
uma decisão do operator. Seu dedo deter- imagem criada pelo ato fotográfico sem a
mina o momento exato da machadada e, por- manifestação de um punctum operator.4 A
tanto, do crime que terá como prova irrefutá- condição para a existência da imagem é a fe-
vel a imagem revelada. rida que, no momento da tomada, o operator
cauteriza na prata.
“SIRS, I have received Act II,
Scene II of “L’Acte Photographi- “Com o punctum, não é mais
que,” wich you were kind enough o intelecto que fala, é o corpo
to send me. I am deeply moved, que age e que reage.” (SAMAIN,
and feel I must tell you how sensi- 1998, p. 130)
tive I am to your devotion to the ac-
tion of our great masturbatory fin- Para o operator, o punctum é a essência
ger on the shutter connected to the do ato, o detalhe que lhe confere verdadeira
subversive agent that is our visual paternidade.
organ ( see the dioptric of Des- O punctum operator é a inscrição sobre a
cartes’s “Discourse on Method”). superfície do material, tão bem denominado
(BRESSON, 1999, p. 105) de sensível, de um inconsciente manifesto.
Ao fotografar o fotógrafo age como uma
Ao fugir da latência, pela aceleração quí- retro-câmera. Há uma referencialidade ex-
mica ou pela emanação luminosa do pixel, terna, uma imagem que irá aderir ao seu sen-
o corpo bidimensional da fotografia vem à sível quando, este positivo (referencial) en-
tona expondo o operator e seu crime pas- contrar, através da ótica-química, seu equi-
sional. Impossível não relacionar este ins- valente negativo.5
tante ao “momento decisivo”3 Bressoniano e
a força do punctum. Supõe Barthes, ao rela- “E isso ainda mais porque tudo
tivizar sua posição de spectator, ser a emoção ocorre de fato na interioridade do
do operator o poder de supreender, através pensamento do sujeito. Afinal, se
do estênopo, sua presa. Esta suposta emoção 4
Relativização conceitual que visa dar conta da
não seria a equivalente ao punctum specta- emoção e de sua significação, para o operator, quando
tor? Não seria ela a “ferida” que leva o ope- do ato de tomada da fotografia.
5
rator a eleger um instante em detrimento de Esta dupla face negativo-positivo (interioridade-
exterioridade)trabalha aqui no sentido de oposição e
3
E a seu dedo masturbatório, verdadeiro órgão do de contigüidade física.
fotógrafo, e revelador do prazer solitário do fotógrafo.

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a memória é uma atividade psí- do operator está ligado a outro pequeno ori-
quica que encontra na fotografia fício, desta vez real, o visor e sua capacidade
seu equivalente tecnológico mo- construtora da imagem.
derno, é evidentemente, no outro Parece também existir uma analogia, na
sentido, que a metáfora nos in- ordem do operator, para a subdivisão do
teressa, como uma inversão posi- punctum spectator em forma6 e intensidade.
tivo/negativo: a fotografia é tanto O visor limita, enquadra e ao fazê-lo se torna
um fenômeno psíquico quanto uma pequeno simulacro da imagem por onde o fo-
atividade ótica-química.” (DU- tógrafo também recorta e isola o elemento
BOIS, 1994, p. 316) punctual que o fere. Este detalhe remete
o fotógrafo para um campo cego (inconsci-
O fotógrafo expõe, através da fotografia ente) que se manifesta pelo ato da tomada.
como aparelho psíquico, sua imagem invisí- O segundo punctum, ligado ao noema “isso-
vel, o que lhe foi inscrito na memória psí- foi”, atua para o operator através de sua ima-
quica e que agora explode pelo confronto gem mental, de sua memória psíquica. Pois
com a cena. se é verdade que tudo se inscreve na me-
mória psíquica, o que volta do passado7 é,
“Sempre haverá uma espécie em parte, o que compõe a tomada da foto, o
de latência no positivo mais afir- “isso-foi” para o operator.
mado, a virtualidade de algo que
foi perdido (ou transformado) no
percurso. Nesse sentido, a foto 3 Pequenas considerações sobre
sempre será assombrada. Sempre o corte fotográfico
será, em (boa) parte, uma imagem
A engenharia de algumas câmeras proporci-
mental.” (DUBOIS, 1994, p. 326)
onam ao fotógrafo uma visão além do corte
cego de uma mono-reflex. São câmeras
2 Ainda sobre o punctum dessa natureza as famosas Leicas da série M
que Bresson8 usou durante toda a sua car-
“ A esse segundo elemento que
reira. Nesses aparelhos, ao se olhar pelo vi-
vem contrariar o studium chama-
sor, se vê mais do que apenas o quadro que
rei então punctum; pois punctum
irá constituir a imagem. Vê-se também o
é também picada, pequeno bu-
extra-quadro, ou seja, as adjacências da cena,
raco, pequena mancha, pequeno
apenas separada por pequenas guias que ser-
corte – e também lance de dados.”
vem ao operator como fronteira entre o regis-
(BARTHES, 1984 p. 46)
tro e o não-registro. Sendo assim, até o der-
Interessante observar esta primeira apari- 6
Forma no sentido de seleção e combinação, por
ção do termo punctum no “A Câmera Clara”. meio de unidades figurativas.
7
Ao determinar que o punctum é um pequeno No sentido de tempo vivido (memorial) e não de
passado cronológico.
buraco é irresistível lembrar que a emoção 8
Henri Cartier-Bresson somente fotografava com
Leicas municiadas com objetiva normal (50 mm).

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radeiro instante da tomada, a imagem pode grandes ensaios. A dimensão temporal ín-
ser alterada levando-se em consideração o fima de cada exposição é capaz de revelar
que se apresentava para além da cercadura do toda uma narrativa sobre temáticas indubita-
registro. Este tipo de aparelho trabalha com velmente complexas. O “instante decisivo”
um interessante conceito: um extra-quadro Bressoniano parece agir aqui em consonân-
de registro que é, ao mesmo tempo, parte do cia ao que até agora denominamos punctum
visível. Poderiamos supor que, em muitas operator, se é que as desemelhanças entre um
fotografias do mestre Henri Cartier-Bresson, e outro permitem classificá-los como dife-
exista um “momento decisivo” alheio ao re- rentes.
gistro mas pertencente ao “tempo”9 deflagra-
dor do disparo. Um punctum operator que
4 Tangência punctual
determinasse o exato instante do disparo mas
não fosse petrificado por ele. O punctum é, ao meu ver, um forte elo entre
operator e spectator. Sua manifestação du-
“For me the camera is a sketch pla e relativizada aproxima importantes par-
book, an instrument of intuition tes do fazer fotográfico. O spectator ao ob-
and spontaneity, the master of the servar uma foto, onde testemunhe um punc-
instant which, in visual terms, tum, determina, de certa maneira, um novo
questions and decides simultane- quadro a fim de isolar o que lhe punge. Ao
ously. In order to “give a meaning” cercar o que lhe fere ele subverte o enquadra-
to the world, one has to feel oneself mento original e, dessa maneira, o spectator
involved in what one frames th- se lança à aventura do operador.
rough the viewfinder”(BRESSON, O punctum spectator é um eco do instante
1999, p.15) indicial, puro e decisivo que caracteriza o
punctum operator. Entretanto, em cada to-
Em um encontro de fotógrafos, na Bienal mada existe, para o fotógrafo, uma cicatriz
Internacional de Fotografia Cidade de Curi- obrigatória e necessária; e para o spectator,
tiba, recordo-me de Sebastião Salgado afir- em cada fotografia, uma facultativa e latente
mar que, em seus famosos ensaios docu- ferida. De qualquer modo, parecem compar-
mentais10 , expõe apenas um segundo sobre o tilhar a mesma dor.
tema retratado. Reside nesta afirmação uma
verdade matemática que sempre me incomo-
dou. Um livro desse autor tem centenas de 5 Referências Bibliográficas
imagens. Suas exposições são gigantescas. BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a
Porém, se calcularmos que em média cada fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fron-
tomada seja da ordem de 1/250 de exposição, teira, 1984.
estaríamos então, de fato, restritos a obser-
var apenas um segundo de cada um de seus BRESSON, H. C. The mind’s eye: writings
9
on photography and photographers.
Intensidade emocional, pontual do disparo.
10 New York, 1999.
Trabalhadores e Êxodos para citar apenas dois.

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DUBOIS, P. O ato fotográfico e outros en-


saios. Campinas: Papirus, 1994.

SAMAIN, E. (Org) O fotográfico. São


Paulo: Hucitec, 1998.

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