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Editor
Carlos Henrique da Costa Tucci
2
Paradigma – Núcleo de Análise do Comportamento /
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
biachamati@gmail.com
Abstract. Saying the truth and lying are behaviors that may be reinforced, pu-
nished, extinguished and can be put under discriminative control like many
other behaviors. This paper will report a case study about an 8 years old boy
who often emitted reports incompatible with reality. His parents were oriented
to reduce social attention to lying reports and to reinforce truthful reports. In
therapy sessions, the intervention goals were: 1) Help to discriminate varia-
bles related to greater lying probability; 2) Reduce social attention contingent
on lying reports; 3) Reinforce truthful reports; 4) Discriminate feelings people
have when lies are revealed to them; 5) Help to discriminate fantasy from rea-
lity; 6) Admit to have lied and 7) Substitute lying reports for truthful ones. It was
observed that truthful reports increased and lying reports diminished. The cli-
ent started to verbally describe that his lies were controlled by social attention.
Instead of lying, the client started to report "wishing to"have or to know how to
do something else. Therapist interventions may also help the client’s expression
of emotions and worries (considering that lying works as an escape behavior)
and may facilitate the intimacy and durability of the client’s social relations.
Key-words: Shaping, verbal – non verbal correspondence, saying the truth,
lying, case study
Resumo. Falar a verdade e mentir são comportamentos passíveis de serem re-
forçados, punidos, extintos e de passar por processos de discriminação, assim
como muitos outros comportamentos. O presente artigo relatará o caso clínico
de um menino de 8 anos, que frequentemente emitia relatos incompatíveis com a
realidade. Os pais do cliente foram orientados a diminuir a atenção contingente
a relatos mentirosos e a valorizar relatos verdadeiros. Nas sessões de terapia,
as intervenções tiveram como objetivos: 1) Auxiliar na discriminação das va-
riáveis ambientais que aumentavam a probabilidade de mentir; 2) Reduzir a
atenção social contingente a relatos fantasiosos; 3) Valorizar relatos verdadei-
ros; 4) Discriminar sentimentos gerados pela deflagração de uma mentira; 5)
Auxiliar na discriminação entre fantasia e realidade; 6) Admitir que contou
mentiras e 7) Substituir relatos fantasiosos por relatos precisos. Observou-se
que a frequência de relatos verdadeiros aumentou, diminuindo a ocorrência de
mentiras. O cliente passou a descrever verbalmente que suas mentiras eram
controladas por reconhecimento social e passou a falar que “gostaria de” ter
ou saber fazer algo, ao invés de mentir. Acredita-se também que as interven-
ções realizadas possam facilitar a expressão de sentimentos e preocupações
(considerando que a emissão de mentiras funcione como esquiva) e que possam
favorecer a ocorrência de relações sociais mais íntimas e duradouras.
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vou viajar para outro país. Sabia que eu o uso frequente e prolongado de mentiras
ganhei na loteria? 876 milhões. Comprei poderia levar o cliente a rupturas sociais,
um ‘Corsinha’, comprei vários carros. Vou especialmente gerando descrédito em rela-
comprar uma Ferrari. Eu posso comprar o ção a si, o que faria com que as pessoas se
que eu quiser. Sabia? Sabia que eu posso afastassem do cliente.
comprar o que eu quiser? Vou comprar uma
Segundo Oaklander (1980), mentir seria
limosine, cabem umas 22 pessoas. Tem até
um sintoma de algo que está confuso para a
geladeira dentro. No meu quarto tem uma
criança. O emprego de mentiras pode indi-
TV de plasma, cor viva, sabe? E um home
car que as crianças estão com medo e com
theater, eu ganhei. Na sala também tem
uma TV de plasma e um home theater”. dúvidas em relação a si mesmas e/ou em re-
lação ao mundo que as cerca. Pode indicar
“(...) Minha vovozinha, ela mora em também que estão com uma auto-imagem
uma mansão, ela mora na minha rua. A mi- pobre ou sentindo-se culpadas. Nesses ca-
nha casa também é uma mansão. Na casa sos, mentir seria um comportamento defen-
dela também tem um sofá retrátil, é do ta- sivo: a criança cria uma fantasia que lhe
manho dessa casa aqui, cabe quase nessa seja aceitável. A fantasia tornar-se-ia um
casa inteira, é muito grande”. meio de expressar aquilo que ela possui
Ao mentir ou fantasiar, o cliente contava dificuldade em admitir como realidade. Se-
situações nas quais se destacava, por fa- gundo Oaklander (1980), as crianças cons-
zer ou possuir algo fora do convencional. tróem um mundo de fantasia porque julgam
Alguns outros relatos imprecisos foram de seu mundo real difícil de viver.
que comeu uma barata, matou um rato e o
comeu, fez uma cirurgia para colocar um Considerando o que fora proposto por
aparelho na cabeça para ficar mais inteli- Oaklander (1980) e considerando que a do-
ença do pai de G. tenha sido um evento
gente, que seu avô foi o primeiro homem
aversivo, levantou-se a hipótese de que G.
a pisar na Lua - o astronauta americano
não expressou os sentimentos em relação à
Neil Armstrong, que o sítio da tia era seu,
relatou que chocou ovos de avestruz, que doença do pai e suas decorrências. Assim,
possui uma fazenda de formigas e que viu mentir seria uma forma de esquivar-se de
entrar em contato com eventos aversivos re-
uma formiga nascer, etc. A partir desses
lacionados à doença do pai ou com algum
relatos, levantou-se a hipótese de que G. re-
tipo de recriminação social. Segundo Re-
cebia atenção quando contava fantasias ou
mentiras e, dessa forma, os relatos impre- gra (2000), algumas crianças têm medo de
cisos eram mantidos, conforme sugeriram verbalizar sobre sentimentos e receber de-
saprovação do terapeuta, supondo que esses
Pergher (2002) e Pergher e Sadi (2003).
sentimentos possam não ser aceitos social-
Além disso, adotar uma posição de des- mente. Em alguns casos, as crianças ficam
taque parecia ser algo relevante para o preocupadas que esses sentimentos possam
cliente. Na escola, G. destaca-se por al- ser relatados aos pais, com quem, muitas
guns comportamentos (como iniciar uma vezes, já existe uma história de punição.
“guerra” de purê no refeitório) e por con- Seguindo a proposta de Oaklander (1980),
tar aos amigos e professora sobre ter coisas o cliente precisaria passar a descrever seus
materiais. Dessa forma, pôde-se hipotetizar reais sentimentos, sem a utilização de men-
que G. recebia atenção na escola, dos co- tiras. Abaixo, serão descritas as principais
legas e professores, ao emitir o comporta- orientações fornecidas nas sessões com os
mento de contar algumas mentiras. Porém, pais e serão apresentadas algumas ativida-
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des realizadas com o cliente, bem como os pais também foram orientados a dar atenção
resultados obtidos com as intervenções. As quando G. dissesse que “não se lembrava”
atividades tiveram como objetivo geral au- de algo ou que “não sabia” responder uma
mentar a frequência de relatos fidedignos e determinada pergunta, pois esses são com-
diminuir a frequência de relatos fantasiosos portamentos incompatíveis com mentir. As
e mentirosos. orientações aos pais foram fornecidas para
que outras pessoas, no ambiente natural, re-
Orientação aos Pais.
forçassem a mesma classe de respostas que
Compreender como a história de vida eram reforçadas pela terapeuta. Assim, as
da criança favoreceu o desenvolvimento mudanças que ocorrem dentro do contexto
de determinados conceitos, como o com- da relação terapêutica poderiam ser genera-
portamento da criança está sob controle de lizadas para o ambiente natural, conforme
determinados contextos e como alguns de descreve Regra (2004).
seus comportamentos são governados ver- Intervenções Realizadas no Atendimento
balmente pode ajudar na identificação de
com o Cliente e Resultados Obtidos.
muitas variáveis que controlam determina-
dos comportamentos-problema (REGRA, 1) Auxiliar na discriminação das variáveis
2000). ambientais que aumentam a probabilidade
de mentir.
Analisou-se que as doenças que G. já
teve, somadas ao câncer do pai, fizeram 2a sessão:
com que os pais o vissem como “coitadi-
Foi desenvolvida uma brincadeira ao es-
nho” e fossem mais permissivos com o fi-
lho, inclusive permitindo e até valorizando tilo do jogo “super trunfo”. A terapeuta
levou figuras de pessoas recortadas de re-
relatos falsos. Os pais foram orientados a
vistas. O cliente deveria escolher uma das
não dar atenção ao filho quando percebes-
figuras e a terapeuta outra. Ambos deve-
sem que ele estivesse fantasiando dema-
riam colar a figura em uma folha sulfite e
siadamente, com o objetivo de diminuir a
densidade de reforço social contingente às escrever uma profissão, idade, três descri-
ções sobre o “jeito de ser” da pessoa e três
mentiras. Eles deveriam tentar entender o
descrições do que a pessoa gostava.
motivo de G. estar contando uma determi-
nada mentira, perguntando por que estava Cada jogador que acertasse a descrição
falando daquela forma e sugerindo análises feita pelo outro, ganharia um ponto. Du-
e dando modelo de verbalizações alternati- rante o jogo, G. verbalizou frequentemente
vas. que a terapeuta não havia acertado as des-
A terapeuta descreveu que as mentiras crições do personagem feitas por ele. Ao
poderiam ocorrer porque G. não sabe di- final do jogo, a terapeuta pediu para ver as
descrições de G., e ele recusou. O cliente
zer que “gostaria que fosse verdade” aquilo
mudou de assunto e a terapeuta pediu no-
que contava, de modo que o filho acabava
vamente para ver a folha do cliente. Então,
relatando os eventos como se, de fato, eles
tivessem ocorrido. Os pais foram orienta- ele verbalizou:
dos a supervalorizar quando percebessem G. – Se você olhar a minha folha você vai
que G. estava contando a verdade, o que fazer muitos pontos (silêncio). Vamos fazer
poderia fazer com que o comportamento de outro? Quero fazer outro.
“contar a verdade” aumentasse em frequên- T. – Posso ver a sua folha antes, G.?
cia, conforme sugere Ribeiro (1989). Os
O cliente entregou a folha à terapeuta.
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a terapeuta deveria dizer que não havia essa T. – Parabéns por tudo que você está me
resposta. Posteriormente, os papéis na brin- contando! Fico muito contente! Aconteceu
cadeira se inverteriam. Ao criar a história, alguma coisa esses dias que você quis me
o cliente tomaria como modelo a história da falar tudo isso hoje?
terapeuta, respondendo perguntas às quais G. – É que nós estamos trabalhando tudo
não escreveu a resposta, dizendo “não ter a isso faz tempo, né? Eu tinha que aprender
resposta”, o que evitaria o cliente fantasiar o que é fantasia e realidade.
e inventar.
Ao iniciar a sessão, mesmo antes de ini- A terapeuta voltou a elogiar o cliente.
ciar a atividade programada, G. assumiu Ao longo da sessão e durante a atividade
as fantasias e mentiras que contou durante G. lembrou outras mentiras que falou para
as sessões anteriores. Ao entrar na sala de terapeuta em sessões anteriores.
atendimento, o cliente falou:
7) Orientação e modelação para substituir
G. – É que eu preciso te contar uma coi- relatos fantasiosos por relatos precisos
sinha – o cliente falou sem olhar para a
terapeuta. 22a sessão:
T. – Pode falar, estou ouvindo, G. Nesta sessão, o cliente foi solicitado a
G. – Você lembra... Quando eu te falei... relembrar oralmente algumas mentiras con-
Que eu era milionário? – o cliente conti- tadas à terapeuta. A partir disso, deveria
nuou sem olhar nos olhos da terapeuta. verbalizar e escrever maneiras precisas de
T. – Lembro sim, G. relatar os eventos. A terapeuta dava mode-
G. – Então... É mentira. Eu não sou mi- los de verbalizações alternativas às menti-
lionário... Eu também te falei que ganhei ras. Os relatos precisos emitidos pelo cli-
na loteria. É mentira (o cliente contou pa- ente foram consequenciados com elogios.
recendo envergonhado, sem olhar para a
terapeuta, com a cabeça baixa e com risos T. – O que você acha, G., de tentarmos pen-
“sem graça” durante a fala). sar juntos em algumas dessas coisas que
T. – Que legal o que você está me contando, você me contou e tentarmos ver o porquê
G.! de você ter falado, pensando de que outra
G. – Eu também falei que tenho um apar- forma você poderia falar?
tamento em Nova Iorque, e é mentira. Mi- G. – Tudo bem.
nha mãe não comprou um apartamento em T. – Legal! É assim, então, G., na semana
Nova Iorque, é que ela disse que, se um passada você lembrou que havia me dito
dia ela tiver dinheiro, ela vai comprar, mas que possuía um apartamento em Nova Ior-
não comprou. Eu também não comprei um que, mas isso era uma fantasia. E então
terreno em I.. Minha tia é que é rica. Eu você me disse que, na verdade, sua mãe
não sou rico. Eu também nunca fui pra Las falou que gostaria de ter dinheiro para com-
Vegas, pra China nem pra nenhum desses prar um apartamento lá.
lugares. G. – É verdade. E na verdade, eu nunca vi
neve, eu queria ver neve. Você já viu neve?
A terapeuta levantou e abraçou o cliente, T. – Isso, G.! Muito bem! É assim mesmo
falando estar muito feliz com a atitude dele, que vamos fazer!
pois ele havia aprendido a dizer a verdade. G. - Você já viu neve?
Elogiou o cliente como das outras vezes T. - Já vi sim, G. Então vamos escrever
pela coragem e disse ficar feliz com a con- assim (a terapeuta escreveu em uma folha
fiança do cliente. sulfite):
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DISSE QUE JÁ FOI PRA VÁRIOS PAÍ- sos de discriminação, assim como muitos
SES PORQUE GOSTARIA DE TER VIA- outros comportamentos. Ao longo da te-
JADO DE AVIÃO. rapia, o comportamento de falar a verdade
aumentou de freqüência, indicando efeito
G. – Eu te disse que eu tenho um PSP, mas das intervenções realizadas pela terapeuta
eu não tenho. e, provavelmente, dos pais do cliente, que
T. – O que é um PSP, G.? foram orientados a valorizar relatos fide-
G. – Um Playstation portátil. dignos. Além de falar a verdade, o com-
T. – Ahn. portamento de assumir as mentiras conta-
G. – Eu vou pedir de Natal, mas eu não te- das anteriormente foi valorizado pela tera-
nho. Eu disse também que tenho uma TV peuta, o que pode favorecer relações sociais
de plasma, mas é mentira. Eu não tenho, mais íntimas e duradouras. O cliente foi
talvez a mamãe troque de televisão, mas eu auxiliado na discriminação da importância
não tenho TV de plasma. da atenção social como reforçador para o
T. – Então você gostaria de ter o videogame comportamento de fantasiar e foi auxiliado
portátil e de ter a TV de plasma. É, G., ima- na aquisição de repertório alternativo para
gina como seria legal né. Acho que quase falar que “gostaria de” ter ou saber fazer
todas as pessoas gostariam de ter uma TV algo, o que é incompatível com algumas
de plasma. das mentiras que vinha emitindo. Seguindo
G. – Eu também acho. a hipótese de que as mentiras eram emitidas
Ao final da sessão o cliente contou que como esquiva de falar sobre uma eventual
tem um amigo que fantasia muito: preocupação em relação à doença de seu
pai, será importante, no prosseguimento da
T. – Como chama esse amigo? terapia, que o cliente consiga falar direta-
G. – É o L. mente sobre seus sentimentos e pensamen-
T. – E o que você pensa quando ele te conta tos em relação ao que pode acontecer com
fantasia? seu pai, algo que será programado para as
G. – Nossa! Que baita fantasia! sessões seguintes de terapia.
T. – Ah! Olha só. Sabe, G., acho que
quando você ainda não tinha aprendido tudo Referências Bibliográficas
isso, pode ser que as pessoas que ouviam DEL PRETTE, G. Terapia analítico
você contar as fantasias deviam se sentir comportamental infantil: relações entre o
assim como você se sentiu ao ouvir a fanta- brincar e comportamentos da terapeuta e da
sia do L. criança. Dissertação (Mestrado em Psico-
G. – Agora, quando eu falo fantasia, eu logia Clínica). Universidade de São Paulo,
digo que estou contando uma fantasia. USP, 2006.
T. – Parabéns! Você aprendeu! Sabe G.,
acho que o L. não sabe dizer que gostaria MOSES, B.; GORDON, M. Aprendendo
de ter algo. Igual quando você também não sobre honestidade. Rio de Janeiro: Sci-
sabia. Você pode tentar ensinar ele também, pione, 1999.
tentar conversar com ele, os amigos podem
OAKLANDER, V. Descobrindo crian-
ajudar um ao outro.
ças: a abordagem gestáltica com crianças e
Conclusão adolescentes. Tradução: George Schlessin-
ger. São Paulo: Simmus, 1980.
Falar a verdade e mentir são compor-
tamentos passíveis de serem reforçados, PERGHER, N. K. É possível saber se o
punidos, extintos e de passar por proces- cliente está falando a verdade? Em: A. M.
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