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I Seminário Nacional Sociologia & Política

UFPR – Curitiba, 9, 10 e 11 de setembro de 2009

GT2 – Instituições, Elites e Democracia

UMA ABORDAGEM DAS ELITES DA BUROCRACIA ECONÔMICA COMO


ESPAÇO SOCIAL

Rodrigo Cantu

Resumo:
A gestão econômica é uma das áreas mais importantes da ação do Estado. Ela também é
considerada uma das mais afastadas do controle democrático, sob a alegação de que suas decisões
seriam de caráter puramente técnico. O presente trabalho tem o intuito de contribuir com uma
sociologia política dos órgãos de gestão econômica do governo, investigando como se configura o
mundo dos agentes que se encontram em seu interior. É utilizada a noção de espaço social de
Bourdieu, segundo a qual indivíduos podem ser localizados, de acordo com suas propriedades
sociais, em um espaço de posições relativas. A amostra de agentes utilizada foi o alto escalão
(presidentes e diretores) do Banco Central do Brasil, do Ministério da Fazenda e do Ministério do
Planejamento, atualmente nos cargos. O espaço da gestão econômica governamental é explorado
por meio da Análise de Correspondências Múltiplas, uma técnica que permite observar em um
plano como os agentes se encontram próximos ou afastados segundo o grau de associação de suas
propriedades. As conclusões são as seguintes. A estrutura desse espaço social se organiza, em uma
primeira dimensão, segundo o volume de capital político dos agentes. Em uma segunda dimensão,
os órgãos governamentais se opõem segundo seu grau de fechamento à nomeação política para seus
cargos. Por fim, esses resultados são associados à heteronomia desse espaço, a qual reflete as
concessões do governo em nome da governabilidade econômico-financeira.

Palavras-chave: Elites econômicas; burocracia; espaço social.


UMA ABORDAGEM DAS ELITES DA BUROCRACIA ECONÔMICA COMO ESPAÇO
SOCIAL1

Rodrigo Cantu2

Era notório o interesse de Max Weber pela burocracia e sua percepção sobre a
burocratização de diversos aspectos da vida, sobre a transição das amarras do mundo tradicional à
jaula de ferro da burocracia moderna. Presente desde os clássicos da Sociologia, o interesse pela
tema da burocracia não podia ignorar que o Estado é um dos locais onde ela floresce com mais
vigor e, por essa razão, os vários ramos da ação governamental passam inevitavelmente por ela. Já
há varias décadas, a gestão econômica tem se tornado uma das áreas de maior importância para os
governos. O crescimento econômico é parte central das agendas estatais, principalmente em tempos
como os atuais, de aguda crise econômica, a qual empurrou a taxas negativas o crescimento de
muitos países desenvolvidos. A abordagem sociológica não pode, assim, deixar de se aproximar do
tema da economia e da burocracia num momento como esse.
A importância da burocracia econômica do Estado, no Brasil, não é ignorada. Trabalhos
como Govêa (1994), Acco (1996) e Loureiro (1992, 1997) exploram o espaço onde economia,
governo e burocracia se cruzam. As pesquisas de Maria Rita Loureiro são especialmente
interessantes, na medida em que examinam as relações entre gestão econômica governamental e
Ciência Econômica. Essa relação, cuja fundação se dá com as iniciativas desenvolvimentistas desde
Vargas (Bielschowsky, 1996), se mostra cada vez mais reforçada, pois a suposta tecnicidade das
decisões econômicas tem sido o argumento mais forte na hora de despolitizar esse tipo de decisão
(Lebaron, 2001).
Se determinados conhecimentos autorizam tecnocraticamente a atuação legítima na
economia, as nomeações à totalidade dos cargos da gestão econômica governamental não obedece
exclusivamente à tecnicidade dos apontados, mas faz parte, também, do complexo jogo político de
distribuição de postos, ensejado com o intuito de assegurar partidos aliados para implementação da
agenda legislativa do governo (Abranches, 1988; Amorim Neto, 1994). Por esse motivo, a
investigação da burocracia econômica governamental não pode prescindir da análise do aspecto
político envolvido na constituição de seus quadros. Uma das características marcantes desse ramo
do governo, é sua crescente autonomia frente ao spoil system vigente entre outros órgãos do
Executivo. Em outras palavras, órgãos como o Ministro da Fazenda e o Banco Central têm se

1 Esse texto traz resultados preliminares de parte de uma pesquisa sobre o conhecimento econômico no Brasil. Trata-
se de uma pesquisa realizada para minha dissertação a ser defendida no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro.
2 Mestrando em Sociologia do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. E-mail: rcantu@iuperj.br
tornado cada vez mais fechados, à imagem de outros como Ministério das Relações Exteriores e
Ministério da Defesa (Loureiro; Abrucio, 1999; Novelli, 2001; Olivieri, 2007; Diniz, 2000).
Diversos estudos reforçam, então, o argumento da posição bastante autárquica dos órgãos de
política econômica do Estado no Brasil. O que esse estudo pretende é contribuir com essa literatura,
explorando o conjunto dos indivíduos que ocupam o alto escalão da burocracia econômica do
governo como um espaço social. Nesse sentido, a intensão é seguir em um exercício de Sociologia
Política que permita visualizar quais são as características sociais das pessoas que povoam esse
mundo burocrático entre ciência e política. Tratar esse objeto como um espaço social significa
examinar sua estrutura específica, isto é, examinar como os indivíduos diferem no interior desse
mundo a partir de desigualdades entre suas características. Dessa maneira, argumentar-se-á que o
alto escalão da burocracia econômica do governo não é um mundo homogêneo, sendo perpassado
por algumas divisões relevantes. Esse trabalho se concentrará em duas delas. A primeira se refere a
uma distribuição desigual de recursos políticos entre os indivíduos. A segunda apresenta indivíduos
com diferentes trajetórias, o que faz com que a chegada ao presente cargo seja definida por
diferentes propriedades, como militância, carreira burocrática ou competência técnica. Essa última
divisão corresponde ainda ao grau de fechamento do órgão à nomeação político-partidária. A
organização do texto é a seguinte. Em uma primeira seção, serão descritos sucintamente os órgãos
que servem como objeto desse trabalho. Em uma segunda seção, será exposta a metodologia
utilizada. Os resultados serão expostos em uma terceira seção, seguidas de um última seção com
breves comentários e conclusões.

Política econômica e burocracia: Ministério do Planejamento, Ministério da Fazenda e Banco


Central

A intervenção do Estado é uma das características mais marcantes da história da economia


brasileira. Nas discussões sobre o Brasil em curso durante o século XIX, até mesmo publicistas de
inclinações liberais, como Tavares Bastos, não concebiam uma população que conseguiria se
vertebrar sozinha. O governo teria um papel muito importante na formação de uma ordem social
moderna. O problema se encontrava, então, no seio do próprio Estado, o qual deveria perder suas
raízes iberistas, deveria se tornar um Estado moderno para moldar uma sociedade moderna
(Werneck Viana, 1991). O Estado brasileiro foi, então, efetivamente reformado diversas vezes desde
então: 1889 e 1930, por exemplo, foram pontos de inflexão a partir dos quais a gestão econômica do
governo foi ganhando proeminência na vida social brasileira. O surgimento da república e de sua
constituição de inspiração liberal foi acompanhado de diversas medidas para promover a
industrialização. Dentre elas, é possível citar a política do encilhamento, a qual gerou um
crescimento parcial e uma crise financeira geral. A Era Vargas, por sua vez, inicia a efetiva
industrialização do país. Entretanto, nessa fase do processo de industrialização, as idéias liberais
foram esmagadas pelo peso do Estado. É aí que os órgãos de gestão econômica ganham
importância, pois o desenvolvimento passava obrigatoriamente por eles. Se a história da relação
entre Estado, economia e desenvolvimento não pode ser explorada mais longamente aqui, não há
razão para prescindir de uma pequena descrição de alguns órgãos de gestão econômica do Estado,
os quais são centrais para a formulação e para a aplicação de políticas do governo. Esse estudo toma
como objeto três desses principais órgãos do Executivo federal: o Ministério do Planejamento, o
Ministério da Fazenda e o Banco Central. Esses três órgãos englobam a maior parte do repertório
das ações econômicas do governo como, arrecadação fiscal, orçamento, investimentos, regulação,
definição da política monetária, etc. Por esse motivo, eles são mais que representativos daquilo que
se pode chamar de burocracia econômica do Estado. Passamos agora a uma breve descrição desses
órgãos.
O Ministério do Planejamento surge em 1962, no contexto de iniciativas
desenvolvimentistas, absorvendo as funções do Conselho de Desenvolvimento. Criado no governo
João Goulart, não por acaso, o primeiro ministro da pasta foi Celso Furtado. Em meio às reformas
executadas pelo governo ditatorial militar, sua denominação foi alterada para SEPLAN, uma
secretaria com status de ministério. A missão dessa pasta se constituía na elaboração do
planejamento de investimentos do governo a longo prazo. Na década de 1980, a relativa completude
do projeto desenvolvimentista e a emergência de suas conseqüências, cuja mais marcante para a
vida econômica brasileira foi a inflação, alterou significativamente a função do ministério, o qual
passou a se concentrar em medidas de curto prazo. A SEPLAN volta a ter importância na política
econômica nacional a partir de 1988, com as funções atribuídas pela nova constituição. O formato
atual do Ministério, e sua denominação atual (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), só
se estabiliza em 1999. Entre suas secretarias, é possível apontar a Secretaria de planejamento e
investimentos estratégicos (SPI), a qual é responsável por planos plurianuais, assim como pelo
assessoramento do executivo na execução e no acompanhamento de investimentos de longo prazo.
Além da SPI, é importante mencionar a Secretaria de orçamento federal (SOF), a qual é responsável
pela elaboração do orçamento, em conjunto a outros órgãos do legislativo e judiciário. A ssim, boa
parte da importância atual do Ministério do Planejamento se encontra principalmente nesses dois
ramos da ação econômica do governo: a elaboração do orçamento da União, assim como a
coordenação de investimentos governamentais de longo prazo.
A história do ministério da Fazenda remonta ao Erário Régio e ao Conselho de Fazenda,
criados por Dom João VI quando da chegada da família real portuguesa em 1808, com a função de
centralizar a administração da arrecadação e das distribuições da real Fazenda. A denominação de
Ministério da Fazenda só veio com o advento da República, quando Rui Barbosa assume a pasta e
inicia uma série de políticas de estímulo à industrialização, a chamada política do encilhamento, que
desembocaram em uma crise inflacionária e de especulação financeira generalizada. Esse ministério
merece especial atenção, pois foi o principal responsável pelo lançamento de programas de
estabilização monetária durante a década de 1980 e início da década de 1990. A sucessiva
implantação desses planos teve como conseqüência o destaque cada vez maior dos ministros da
fazenda. Basta citar os exemplos de Delfim Netto, Bresser Pereira, Zélia Cardoso e outros que
ocuparam o cargo e figuravam constantemente na mídia nacional. Além disso, não se pode deixar
de mencionar o caso de Fernando Henrique Cardoso, o qual, após passagem pelo ministério,
conseguiu se lançar a presidente. De todo modo, o Ministério da Fazenda possui sua força dentro da
gestão econômica governamental devido às atribuições de principal formulador e executor da
política econômica. Ele concentra a Secretaria da receita federal, responsável pela arrecadação, a
Secretaria do tesouro nacional, a qual administra os recursos do governo, a Secretaria de política
econômica, responsável pelo acompanhamento macroeconômico e por sugestões de reformas
institucionais para melhores performances microeconômicas.
O Banco Central do Brasil (BC) suplantou a Superintendência da Moeda e do Crédito
(Sumoc) a partir de sua criação em 1964. Apesar de um Banco Central ser concebido como
autoridade monetária principal de uma economia, no Brasil, esse papel só foi alcançado lentamente
por essa instituição. Outras instituições financeiras públicas, como o Banco do Brasil, concentravam
atividades como uma conta movimento do governo, a qual servia para fornecer recursos para o
Estado. Tal tipo de atividades foram gradualmente passando para o Banco Central e, com a
constituição de 1988, o BC passou a atuar plenamente como “banco dos bancos”. A partir de então,
o Banco Central do Brasil, passou a concentrar uma série de atribuições fundamentais para a
economia: emissão de papel moeda, recebimento dos depósitos compulsórios dos bancos
comerciais, fiscalização das instituições financeiras, controle do fluxo de capitais estrangeiros, entre
outras. Por meio de suas diversas diretorias, como a Diretoria de política econômica, a Diretoria de
normas e organização do sistema financeiro e a Diretoria de assuntos internacionais, o Banco
Central exerce as atribuições elencadas acima. Além disso, é o conjunto das diretorias (e de
departamentos das diretorias) reunidas com o presidente do BC que compõem o Comitê de política
monetária (Copom). O Copom é um comitê fundamental à política econômica brasileira, pois é
encarregado de estabelecer a política monetária, fixando determinadas taxas de juros, adequada para
se atingir as metas de inflação fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Não é por coincidência que selecionamos esses três órgãos, o Ministério do Planejamento, o
ministério da Fazenda e o Banco Central, com a finalidade de explorar a composição social do alto
escalão da gestão econômica governamental. São os chefes desses três órgãos que compõem o
Conselho Monetário Nacional. Isso significa que, além de suas atribuições ordinárias, esses três
órgãos se encontram em um órgão colegiado para definir um aspecto chave da economia nacional: a
política monetária, a qual, desde 1999, segue as diretrizes de um sistema de metas de inflação. Ao
fixar a meta de inflação para um determinado ano, o CMN indica para os agentes do mercado o que
eles podem esperar em termos de variações de preços e, assim, programar melhor suas operações
futuras. O Banco Central se encarrega, então, das medidas necessárias para que essa meta seja
atingida. É impossível ignorar a polêmica envolvida nesse processo, pois, historicamente, as taxas
base de juros do Brasil têm sido das mais altas do mundo, o que coloca o CMN e, principalmente o
BC, sob críticas. Ora a meta de inflação fixada pelo CMN é criticada por seu conservadorismo, ora
as políticas de juros adotadas pelo BC para atingir essas metas é criticada por possivelmente
restringir o crescimento. De todo modo, a atuação do Ministério do Planejamento, da Ministério da
Fazenda e do Banco Central não podem ser ignorada quando se fala da gestão econômica
governamental, se constituindo como suas instituições principais. Para compreender as estruturas
sociais internas a esses órgãos, faz-se então necessário proceder ao estudo das propriedades sociais
do agentes de maior poder decisório nessas instituições.

Dados e metodologia

O objetivo desse texto é explorar as estruturas sociais dos órgãos governamentais


mencionados acima. Esse tipo de investigação, cuja referência clássica são os trabalhos de Pierre
Bourdieu, procede observando como os indivíduos se distribuem em um espaço analiticamente
construído segundo diferentes dotações de recursos. É necessário esclarecer, portanto, duas coisas.
Em primeiro lugar, a amostra de indivíduos utilizada e, em segundo, o método usado para observar
as diferenças entre esses indivíduos.
A amostra de indivíduos recolhidos para a análise consiste nos ocupantes dos principais
cargos no interior no Ministério do Planejamento, do Ministério da Fazenda e do Banco Central.
Trata-se dos ocupante do cargo de ministro e de secretário, para o caso dos Ministérios, e os
ocupantes do cargo de presidente ou de diretor, para o caso do Banco Central3. A amostra total
contem 33 indivíduos, cuja lista se encontra no apêndice. Para cada indivíduo, foram recolhidas
diversas informações, principalmente em fontes como o currículo disponível na página da internet
oficial dos órgãos. Com essas informações, foram compostas 13 variáveis, as quais estão descritas
em detalhes no Quadro 1.
Para explorar as associações entre as variáveis estudadas e construir o espaço social dos alto
escalão da burocracia econômica governamental, utilizamos a “Análise de Correspondências
3 Em alguns casos, certos cargos como consultores jurídicos e coordenadores de unidades para fins internos
específicos também foram acrescentados.
Múltiplas” (ACM). A ACM é uma abordagem formal-geométrica da estatística multivariada,
surgida nos anos sessenta na França em torno do matemático Jean-Paul Benzécri. Ela se constitui a
partir da generalização dos princípios da Análise de Correspondências, que é um método aplicado
no estudo de tabelas de contingência, a tabelas indivíduos-variáveis. A partir dos anos setenta, estes
métodos geométricos conheceram um sucesso representativo na França em um grande número de
disciplinas, mas eles permanecem muito pouco reconhecidos no Brasil4. Os princípios desse tipo de
análise são 1) a modelização geométrica, onde os dados são representados como nuvens de pontos
em espaços euclidianos, em oposição à pesquisa de sumários quantitativos; 2) a abordagem formal
baseada na álgebra linear abstrata, ao invés do cálculo matricial; e 3) o procedimento indutivo, no
qual a descrição vem primeiro (ao contrário dos modelos estocásticos, que são estabelecidos no
começo) e a indução estatística é concebida como um prolongamento das conclusões descritivas
(Rouanet, 2005).
Esse método geométrico, a ACM, permite construir um espaço social, isto é, definir uma
distância entre indivíduos estatísticos a partir de variáveis retidas para esse objetivo (denominadas
variáveis ativas). Para cada variável, pode-se pensar em uma representação espacial e, para um
conjunto de n variáveis, pode-se estabelecer uma representação de uma “nuvem” de pontos em n +
1 dimensões. O objetivo da ACM é proporcionar uma visão tangível de realidades
multidimensionais por meio da redução das dimensões. Isso é feito através da representação das
modalidades e indivíduos em eixos onde as variâncias dos dados são maximizadas, chamados eixos
de inércia ou eixos fatoriais. Em outras palavras, uma vez que o espaço é definido pela escolha das
variáveis ativas, a análise geométrica dos dados consiste em reduzir o número de dimensões desse
espaço criando um novo sistema de eixos, esse novo sistema de eixos sendo aquele no qual a
variância da nuvem projetada sobre a primeira dimensão seja máxima (ou seja, na qual, sobre esse
eixo, a variância da nuvem seja a mais elevada possível) e assim por diante para cada dimensão
seguinte (Benzécri, 1992; Escofier e Pagès, 1992; Lebaron, 2006).
Os resultados básicos da ACM incluem os seguintes elementos: a representação geométrica
dos indivíduos e das modalidades; o autovalor associado a cada eixo, que indica a variância da
nuvem de pontos no eixo; e, por fim, as contribuições de cada variável para a formação de cada
eixo. O procedimento de interpretação estatística começa com a observação da variância dos eixos
com o intuito de estabelecer quantos eixos serão utilizados. Em segundo lugar, estudam-se as
contribuições relativas das variáveis para a formação dos eixos através de seus índices de
discriminação. Esses índices são porções da variância total de um determinado eixo, sendo que a

4 A utilidade da ACM pode ser atestada em diversos exemplos. Mencionando alguns, há o exemplo clássico de
Bourdieu (1979), que explora o espaço dos diferentes estilos de vida (Rouanet et al., 2000); Duval (2006) que estuda
o campo dos cineastas franceses; Savage, Gayo-Cal, Wade e Tampubolon (2005), os quais abordam a questão do
capital cultural no Reino Unido; e Lebaron (2008) que apresenta um estudo dos presidente de Bancos Centais como
espaço social. Para estudos com essa técnica no Brasil, ver, por exemplo, Hey (2008).
Quadro 1 – Variáveis utilizadas na Análise de Correspondências e observações

Abaixo estão listadas as 13 variáveis utilizadas na Análise de Correspondências Múltiplas


(ACM). Ao lado do nome da variável, há, primeiro, seu número de modalidades, segundo, a
descrição das modalidades e, por último, entre colchetes, como a modalidade aparece nos
gráficos. Sobre a análise, algumas observações precisam ser feitas. Das 13 variáveis, 12 foram
colocadas na ACM como variáveis ativas, ou seja, são variáveis que geram distâncias entre os
indivíduos. A variável “Órgão” foi colocada como suplementar, para observar justamente como
a estrutura social “explica” (em termos análogos à análise de regressão) as diferenças entre os
órgãos (Lebaron, 2006). Outra observação remete à variável “Posição”. A modalidade “chefe de
órgão” corresponde somente a três indivíduos, Paulo Bernardo, Guido Mantega e Henrique
Meirelles, o que representa apenas 9,1% do conjunto de pessoas. Essa baixa porcentagem pode
produzir na ACM uma certa distorção, a qual Cibois (1997) chama de “efeito de distinção”.
Todavia, esse efeito foi aqui deliberadamente criado, para poder captar a diferença marcante
entre o cargo de chefe de órgão e secretários, uma diferença que não é tão marcante tomando-se
em conta apenas as outras propriedades dos indivíduos. Como última observação, o sumário do
modelo e as medidas de discriminação da ACM se encontram no apêndice.

● Órgão (3) – BC; Ministério da Fazenda [Minifaz]; Ministério do Planejamento


[Miniplan]
● Sexo (2) – homem; mulher
● Idade (2) – até 49; 50 anos ou mais [>50]
● Posição (2) – chefe do órgão; secretário/diretor
● Visibilidade Midiática (3) – menos de nove menções no google notícias [-]; entre dez e
cem menções [+]; mais de cem menções [++]
● Formação (4) – administração [adm]; economia [econ]; direito; outro
● Mestrado (2) – cursou mestrado [mestrado]; não cursou [n_mestrado]
● Doutorado (2) – cursou doutorado [doutorado]; não cursou [n_doutorado]
● Passagem pelo setor privado (2) – passagem [setor privado]; não passagem [n_set_priv]
● Burocrata de Carreira (2) – funcionário da burocracia [burocracia]; não funcionário
[n_buro]
● Passagem pela Academia (2) – passagem [academia]; não passagem [n_acad]
● Carreira política (2) – carreira política [política]; não político [n_politica]
● Circulação internacional (2) – circulação [circ internacional]; não circulação
[n_circ_inter]

soma do índice de discriminação de todas as variáveis em um eixo é igual a seu autovalor. Assim,
interpreta-se o eixo em um sentido concreto, pois as variáveis que mais discriminam em um eixo
são aquelas que organizam as maiores oposições em uma determinada dimensão deste espaço social
analiticamente construído (Benzécri, 1992; Lebaron, 2006). Assim, quando falamos em explorar a
estrutura social do espaço do alto escalão da burocracia econômica do governo, estaremos
analisando o significado dos eixos a partir das variáveis que contribuem para sua formação, ou seja,
estaremos interpretando os eixos fatoriais como dimensões (onde existem oposições entre
determinadas categorias) segundo os quais o espaço se organiza.
As estruturas sociais da burocracia econômica do governo

Dos eixos fatoriais gerados pela ACM, serão retidos os dois primeiros para análise. Esses dois
primeiros eixos explicam 48% da variância total dos dados. Procedemos, então, para a interpretação
dos resultados. As variáveis que mais contribuem para a formação do primeiro eixo
são“Visibilidade Midiática” (0,761), “Carreira Política” (0,676), “Posição” (0,634) e “Burocrata de
carreira” (0,477)5. Essas são as variáveis que mais produzem distâncias entre os indivíduos;
entretanto, é necessário observar como as categorias dessas variáveis se distribuem no gráfico
(Gráfico 1) ao longo da dimensão horizontal. Suas categorias estão associadas a categorias de outras
variáveis, o que permite uma interpretação sobre o sentido das oposição entre essas características,
sobre o sentido da heterogeneidade entre propriedades dos indivíduos. Nas partes mais extremas do
lado esquerdo do gráfico, se encontram as seguintes modalidades. Em primeiro lugar, a modalidade
que corresponde à posição de chefe de órgão, ou seja, à posição de presidente do banco central, de
ministro da fazenda ou de ministro do planejamento. Em segundo lugar, a modalidade de alta
visibilidade midiática e, em terceiro, a modalidade correspondente a indivíduos cuja carreira
envolve aspectos políticos (não puramente burocráticos ou técnicos; denominada “Política” no
gráfico) e, quarto, aos não funcionários de carreira (“n_buro”, no gráfico). Opostas a essas
categorias, do lado direito do Gráfico 1, se encontram as categorias de secretário ou diretor, de
média e de baixa visibilidade midiática, de não carreira política e de funcionário de carreira na
burocracia. Às categorias dessas variáveis, as quais mais contribuem para a formação do primeiro
eixo, estão associadas, ainda do lado direito do gráfico, as categorias correspondentes ao sexo
feminino, à formação em direito, à idade inferior a cinqüenta anos e aos funcionários não políticos.
Outro subsídio à interpretação dos eixos é o gráfico com os indivíduos plotados no plano do
primeiro e do segundo eixos fatoriais (Gráfico 2). Os ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo,
juntamente com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, se encontram todos na parte
extrema do lado esquerdo do gráfico. Junto a esses nomes, se encontram ainda, em uma posição
intermediária, pessoas como Laerte Dorneles (Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e
Administração, SPOA, do Ministério da Fazenda), Duvanier Paiva Ferreira (Secretaria de Recursos
Humanso, SRH, do Ministério do Planejamento), Arno Hugo Augustin (Secretaria do Tesouro
Nacional, STN, do Ministério da Fazenda) e Bernard Appy (Secretaria de Reformas Econômico-
Fiscais, SEREF, do Ministério da Fazenda). Todo o resto dos indivíduos se agrupam do lado direito
do gráfico. Essa configuração demonstra uma oposição entre todo um conjunto de secretários e
diretores, do lado direito do gráfico, e um outro conjunto marcado principalmente pelos seguintes
aspectos. Em primeiro lugar, há os chefes de órgãos; em segundo lugar, secretários cuja carreira
5 Variáveis que contribuem com mais de 10% da variância do eixo. Para a lista completa das medidas de
discriminação e sumário do modelo, ver o apêndice.
Gráfico 1 – Modalidades no plano do primeiro e do segundo eixos fatoriais

passou pela militância sindical (Duvanier Paiva) ou mesmo pela luta armada contra o regime
ditatorial militar (Laerte Dorneles); em terceiro lugar, secretários cuja posição é bastante estratégica
em seus órgãos e no conjunto da gestão econômica governamental (Bernard Appy e Arno Hugo
Augustin), fato atestado por sua grande visibilidade midiática6.
Pode-se, assim, interpretar esse eixo como uma dimensão na qual o alto escalão da gestão
econômica do governo se difere segundo diferentes quantidades de capital político, seja delegado
pelo cargo ou seja acumulado em estratégias anteriores. Portanto, por um lado, a militância política

6 Para o ano de 2008, Bernard Appy possui 226 resultados na busca do google notícias e Arno Hugo Augustin possui
156. É uma posição de bastante visibilidade midiática se tomarmos em conta que seus colegas de ministério não
ultrapassam a barreira de cem resultados retornados para tal busca, ficando frequentemente bem abaixo disso.
Entretanto, esse número está bem distante do número de resultados retornados para ministros. O ministro Guido
Mantega, por exemplo, retorna 9100 resultados para o ano de 2008.
Gráfico 2 – indivíduos no plano do primeiro e do segundo eixos fatoriais

passada dota determinados indivíduos com recursos políticos para receber nomeações e, ao mesmo
tempo, para tentar possíveis candidaturas a cargos eletivos. A militância, enquanto atividade
reconhecida no meio político, se constitui nesse recurso, simbolicamente sancionado, o qual pode
ser reinvestido de diversas formas na política (Matonti; Poupeau, 2004); todavia, não é o único
recurso reconhecido no interior desse universo. O capital político delegado é o recurso político
depositado naquele que exerce determinado cargo (Bourdieu, 2003). Quanto mais importante o
cargo, maior a quantidade de capital político, de autoridade reconhecida nos assuntos políticos,
passível de se extrair dessa passagem por determinado posto. De fato, as fronteiras entre burocracia
e política têm se diluído nas últimas décadas e o transito entre um pólo e outro tem se tornado cada
vez mais comum (Aberbach et al. 1981). Não obstante, quando considerado o cursus honorum de
cargos eletivos da democracia brasileira, a passagem por altos cargos ministeriais, principalmente
pelo de ministro de Estado, pode ser fundamental na acumulação necessária de capital delegado
voltada para o pleito de cargos eletivos mais altos (Miguel, 2003). No caso do modelo aqui
elaborado, é possível observar como determinados indivíduos se encontram em uma tal posição,
definida em relação a outras posições por meio das propriedades do conjunto dos indivíduos, na
qual é manifesta a posse de uma maior quantidade de um recurso, o qual podemos sugestivamente
interpretar como capital político.
Do lado oposto aos indivíduos de maior capital político, é possível encontrar um conjunto de
pessoas que, embora parte da alta burocracia econômica do governo, é destituída relativamente de
recursos políticos. Em contrapartida, esse conjunto de pessoas seriam dotadas de um maior capital
burocrático. Composto por competências incorporadas, diplomas e reconhecimento profissional,
esse capital pode ser entendido como um recurso fruto de distintos tipos de trajetória. Antes de
aprofundar a análise do capital burocrático, será tratado brevemente um último aspecto sobre esse
primeiro eixo da ACM: a posição da categoria correspondente ao sexo feminino. Encontrando-se ao
lado direito do gráfico, essa posição permite notar como as mulheres participam nesse mundo da
gestão econômica governamental: elas são raras em posições proeminentes dos órgãos estudados.
Basta citar o exemplo da chefia dos órgãos aqui estudados. O Banco Central jamais tem uma
mulher como presidente. O Ministério do Planejamento teve apenas uma mulher a frente da pasta,
Yeda Crusius, durante alguns meses no governo Itamar Franco. O Ministério da Fazenda, salvo a
exceção de Zélia Cardoso de Mello, jamais teve a frente da pasta uma mulher em seus duzentos
anos de história. Trata-se de um meio ainda bastante masculino: da amostra de 33 pessoas recolhida
para a análise, apenas 5 (15,2%) são do sexo feminino. A esse fato, corresponde, ainda, a baixa
inserção de mulheres em posições da burocracia econômica capazes de projetá-las para postos
políticos eletivos.
Voltando ao conjunto de pessoas desprovidas relativamente de capital político no interior
dos órgãos governamentais de gestão econômica, é necessário se tomar em conta que não é mais o
primeiro eixo da ACM que fornece informações, mas o segundo. Voltando ao Gráfico 2, é possível
perceber que a nuvem de pontos de indivíduos, aos quais corresponde essa ausência relativa de
recursos políticos, se distribui muito mais ao longo do segundo eixo (vertical) que ao longo do
primeiro (horizontal). Isso significa que o conjuntos de indivíduos retidos para a análise de
diferenciam ainda a partir de uma segunda dimensão. As variáveis que mais contribuem para a
formação desse eixo são “Passagem pela Academia” (0,258), “Doutorado” (0,232), “Mestrado”
(0,166) e “Formação” (0,151). Quando se observa o segundo eixo (vertical) no Gráfico 1, percebe-
se a seguinte distribuição para as modalidades dessas variáveis. Na parte inferior do gráfico, se
encontram as categorias de ausência de mestrado (n_mestrado), de ausência de doutorado
(n_doutorado), de formação superior em cursos que não sejam administração, direito ou economia
(outro), de não passagem pela Academia (n_acad), formação superior em direito e de formação
superior em administração. Na parte superior do gráfico, se encontram as categorias
correspondentes a indivíduos que fizeram mestrado, que fizeram doutorado, que têm passagem pela
Academia e que possuem formação superior em Economia. A interpretação que se pode fazer desses
resultados é que esse eixo representa uma dimensão onde diferentes formas de acesso aos postos
burocráticos são diferenciadas.
Para ilustrar a interpretação do segundo eixo da ACM, o melhor é remeter ao Gráfico 2, o
gráfico dos indivíduos. A parte inferior do gráfico é aquela na qual se encontram pessoas cujo
acesso ao presente posto é fruto de uma trajetória no interior da burocracia ou fruto de nomeação de
caráter partidário/político. Nessa parte do gráfico, pode-se observar novamente Duvanier Paiva e
Laerte Dorneles. Como mencionado acima, ambos possuem uma trajetória marcada pela militância
sindical e de oposição ao regime militar ditatorial, respectivamente. De modo semelhante, outro
meio de acesso aos postos das secretarias de ministérios se dá através da carreira burocrática.
Wilson de Castro Junior da consultoria jurídica do Ministério do Planejamento, por exemplo, na
ausência de alta diplomação e de recursos político-militantes, ascendeu a seu posto atual depois de
uma longa carreira no serviço público. Com trajetórias bastante diferentes dessas, os indivíduos na
parte superior do gráfico encontram caminhos para seus postos por meio de sua competência
técnica. A carreira burocrática pode, do mesmo modo, dotar as pessoas de competências técnicas
incorporadas, mas trata-se aqui da competência técnica dada pela alta diplomação e pela passagem
pela Academia. Mário Magalhães Carvalho Mesquita, diretor de política econômica do Banco
Central, por exemplo, possui mestrado e doutorado em Economia cursados no exterior, além de ter
trabalhado como professor no departamento de Economia da PUC-RJ e como economista chefe
para o Brasil do banco ABN Amro Real. Assim, fica claro como o alto escalão da burocracia
econômica do governo se divide entre, de um lado, aqueles que ascendem a seus postos a partir de
uma trajetória de militância ou carreira e, de outro lado, aqueles que são autorizados nesse mundo
por sua competência técnico-científica.
Um aspecto interessante quanto aos indivíduos autorizados por seus recursos técnicos é sua
correspondência com postos no Banco Central. Se mencionarmos apenas a diretoria do Banco
Central comandada por Mário Magalhães Carvalho, a Diretoria de Política Econômica, há vários
exemplos de diretores que, ao sair do Banco Central, rumaram para o mercado financeiro. Os
exemplos de Francisco Lafaiete Lopes, de Sérgio Werlang e de Eduardo Henrique Loyo são
suficientes para mostrar como o capital burocrático adquirido no interior do Banco Central tem um
alto valor no mundo financeiro. Ora, os conhecimentos conquistados no interior do órgão que
organiza o sistema financeiro nacional são bastante valiosos para a operação de instituições
financeiras. Dessa maneira, há uma trajetória particular no mundo da gestão econômica do governo,
a qual corresponde às trajetórias autorizadas pela competência técnica: a passagem pela Academia,
a entrada no Banco Central e, por fim, a saída para o mercado financeiro.
Nesse ponto, é impossível ignorar a quase equivalência entre nomeação técnica e
fechamento das instituições do governo. Há evidências para corroborar com os argumentos de
Holanda e Freire (2003) de que o Banco Central Brasileira tem se tornado cada vez mais
independente e com os argumentos de Loureiro e Abrucio (1999) de que o Ministério da Fazenda
tem se tornado cada vez mais imune à distribuição de pastas entre partidos aliados. À imagem
institucional desses órgãos, como autônomos e técnicos, estão subjacentes estruturas sociais
internas correspondentes. Quando se examina o Gráfico 1, é possível identificar as modalidades do
Ministério da Fazenda e do Banco Central na parte superior do gráfico, associada ao pólo da
autoridade técnico-científica no acesso aos cargos. Na parte inferior, é possível encontrar a
modalidade do Ministério do Planejamento. Esse posicionamento sugere uma divisão nas estruturas
sociais do órgãos de gestão econômica governamental. De um lado, temos as instituições, Banco
Central e Ministério da Fazenda, nas quais os principais postos são ocupados por pessoas cujas
trajetórias envolvem o acúmulo de capital técnico científico; de outro lado, temos outra instituição,
o Ministério do Planejamento, na qual os postos são preenchidos por pessoas com trajetórias de
militância e de carreira burocrática.

Comentário

O campo político, na concepção de Pierre Bourdieu (2003), é aquele no qual o que está em
jogo são as visões e recortes do mundo social. Se se assume que este campo político pode ser
dividido em alguns segmentos, é possível observar que as discussões visando definições, maneiras
de dividir, classificar e julgar o mundo econômico brasileiro contam com uma relativa autonomia. A
razão desta autonomia pode ser buscada novamente em Bourdieu (1979, cap. 8), onde se encontra,
já nos primeiros parágrafos do capítulo sobre cultura e política, a questão da concentração, em
poucas mãos, dos “instrumentos de produção do discurso político”. Da mesma forma, o discurso
sobre as condições da economia brasileira e medidas governamentais adequadas para essa área é
produzido por um grupo restrito de pessoas, detentoras de seus instrumentos de produção, e também
detentoras da autoridade para de pronunciar legitimamente sobre o assunto. Ao se tomar como
objeto não a economia “em si”, mas o espaço onde são produzidos estudos, diagnósticos, propostas
e políticas para a economia brasileira, a investigação sociológica não pode se abster de colocar,
primeiramente, a seguinte pergunta: quais seriam, assim, as propriedades sociais que compõem esta
autoridade, esta capacidade de exercer influência nas condições econômicas?
O papel dos órgãos governamentais responsáveis pela gestão econômica, ganha, no espaço
da produção da visão sobre a economia, grande destaque: a presença constante na mídia, o
constante contato com categorias influentes, a disposição, em primeira mão, sobre diversos dados
gerados pelos institutos de pesquisa do governo, o conhecimento de mecanismos internos a
burocracia, dos chamados mecanismos institucionais da economia, são fatores que colocam a alta
burocracia estatal enquanto detentora de um importante capital delgado, isto é, de recursos
adquiridos nos cargos e que fundamentam sua autoridade na luta pela determinação dos
diagnósticos sobre a economia e das políticas econômicas adequadas. Mas além desse capital
delegado, há um outro capital bastante valorizado nesse “mercado”. A burocracia estatal brasileira
na área econômica tem sido cada vez mais marcada por seu treinamento técnico, por seu
treinamento formal em Ciência Econômica.
Essa investigação buscou fazer um breve exame do alto escalão da burocracia econômica
governamental. Os resultados indicam que esse seleto grupo não é homogêneo, mas que ele se
compõe, em primeiro lugar, a partir de pessoas com diferentes recursos políticos. Isso significa que
ainda há uma visível divisão entre os burocratas e os “políticos” dentro das instituições estudadas.
Não que haja uma divisão clara de funções; entretanto, as propriedades sociais dos agentes no
interior da burocracia mostram que há indivíduos para os quais seu capital político tem um peso
considerável em suas nomeações e, ainda, que seus cargos agregam mais desse recurso a seu
patrimônio, na medida em que delegam mais autoridade política para eles. Em segundo lugar,
diferentes trajetórias comandam diferentes postos dentro desse espaço. De um lado, trajetórias que
envolvem passagem pela academia e alta diplomação estão associadas a cargos no Banco Central e
Ministério da Fazenda. De outro lado, trajetórias como funcionário público de carreira e de
militância política estão mais associadas ao Ministério do Planejamento. Isso permite concluir que o
“fechamento” e independência das primeiras duas instituições se baseiam no próprio caráter mais
autônomo da decisão técnica, autorizada pelo conhecimento e pelos títulos científicos.

Referências

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Apêndice

Tabela 1 – Lista de indivíduos utilizados na análise

Nome Órgão Posto


Alexandre Antonio Tombini BC Dinor
Alvir Alberto Hoffmann BC Difis
Anthero de Moraes Meirelles BC Dirad
Antonio Gustavo Matos do Vale BC Dilid
Henrique Meirelles BC Presidente
Maria Celina Berardinelli Arraes BC Direx
Mario Gomes Torós BC Dipom
Mário Magalhães Carvalho Mesquita BC Dipec
Antonio Henrique Pinheiro Silveira Minifaz SEAE
Arno Hugo Augustin Filho Minifaz STN
Bernard Appy Minifaz SEREF
Guido Mantega Minifaz Ministro
Laerte Dorneles Meliga Minifaz SPOA
Lina Maria Vieira Minifaz RFB
Luís Inácio Lucena Adams Minifaz PGFN
Marcos Bezerra Abbott Galvão Minifaz SAIN
Miguel Ragone de Mattos Minifaz SPAE
Nelson Henrique Barbosa Filho Minifaz SPE
Nelson Machado Minifaz SE
Victor Branco de Holanda Minifaz UCP
Afonso Oliveira de Almeida Miniplan SPI
Alexandra Reschke Miniplan SPU
Alexandre Meira da Rosa Miniplan SEAIN
Ana Teresa Holanda de Albuquerque Miniplan ASSEC
Celia Correa Miniplan SOF
Duvanier Paiva Ferreira Miniplan SRH
João Bernardo de Azevedo Bringel Miniplan SE
Marcelo Viana Estevão de Moraes Miniplan SEGES
Murilo Francisco Barella Miniplan DEST
Paulo Bernado da Silva Miniplan Ministro
Rogerio Santanna dos Santos Miniplan SLTI
Ulysses Cesar Amaro de Melo Miniplan SPOA
Wilson de Castro Junior Miniplan CONJUR

Tabela 2 – Sumário do modelo


Variância explicada por
Eixo
Total (Autovalor) Inércia
1 3,111 0,26
2 2,717 0,23
3 1,517 0,13
4 1,345 0,11
5 1,276 0,11
6 1,197 0,1
7 0,968 0,08
8 0,752 0,06
9 0,598 0,05
10 0,467 0,04
Total 13,948 1,16
Média 1,395 0,12
Tabela 3 – Medidas de discriminação*
Variável Eixo
1 2 3
Posição 0,661 0,000 0,080
Burocrata de carreira 0,454 0,002 0,029
Idade 0,152 0,238 0,096
Sexo 0,142 0,053 0,252
Visibilidade midiática 0,787 0,026 0,381
Formação 0,153 0,409 0,032
Mestrado 0,007 0,452 0,014
Doutorado 0,017 0,631 0,013
Passagem pelo setor privado 0,013 0,160 0,007
Passagem pela academia 0,001 0,702 0,015
Carreira política 0,713 0,037 0,009
Circulação em órgãos internacionais 0,011 0,008 0,590
Órgão (suplementar) 0,015 0,126 0,275
Total 3,111 2,717 1,517
*As medidas em negrito são as que contribuem em mais de 10% do autovalor total do eixo.

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