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A CARACTERIZAÇÃO DE CATEGORIAS DE TEXTO:

TIPOS, GÊNEROS E ESPÉCIES

Luiz Carlos TRAVAGLIA1

• RESUMO: O objetivo neste artigo é discutir parâmetros e critérios para caracterizar


categorias de texto, sejam tipos, gêneros ou espécies (TRAVAGLIA, [2003]2007a). Essa
caracterização é fundamental para a identificação e distinção das categorias a que os
textos podem pertencer. Nossa proposta é que os diferentes critérios para este fim podem
ser agrupados segundo cinco parâmetros distintos: a) o conteúdo; b) a estrutura
composicional; c) os objetivos e funções sóciocomunicativas da categoria; d) as
características da superfície lingüística, geralmente em correlação com outros parâmetros;
e) elementos que podem ser atribuídos às condições de produção da categoria de texto.
• PALAVRAS-CHAVE:: Gêneros discursivos e de texto, tipos de texto, espécies de texto,
caracterização.

Introdução

A identificação, distinção e caracterização das diferentes categorias de texto


é um dos objetivos da Lingüística Textual em seu programa de trabalho, todavia
ao nos debruçarmos sobre os textos circulantes em uma sociedade e cultura,
vemos que esta não é uma tarefa simples. Tanto a identificação quanto a distinção
das categorias de textos dependem diretamente de sua caracterização, porque
o simples nome atribuído pelos usuários dos textos nunca é suficiente para
identificar e diferenciar as categorias de texto, embora seja o primeiro passo
para fazê-lo. Este artigo tem por objetivo levantar e estruturar parâmetros e
critérios que podem ser usados para caracterizar o grande número de categorias
de texto existentes em uma sociedade e cultura, sejam elas tipos, gêneros ou
espécies (TRAVAGLIA, [2003]/2007a)2. Os parâmetros e critérios que vamos aqui
apresentar são aqueles que, até agora, já observamos ser pertinentes em nossa

1 Universidade Federal de Uberlândia – Professor Associado de Língua Portuguesa e Lingüística do Instituto


de Letras e Lingüística – 38408-100 – Uberlândia – MG. Endereço eletrônico: lctravaglia@ufu.br
2 Este texto foi escrito em 2003, mas sua publicação só saiu em 2007, devido a problemas diversos para
finalização do livro. Doravante será citado apenas como Travaglia (2007a).

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pesquisa dentro do projeto “Uma teoria tipológica geral de textos: sim ou não?”
e em trabalhos de outros pesquisadores.
Estes critérios, pelo que pudemos observar até agora, estão agrupados em
cinco parâmetros distintos:
a) o conteúdo temático
temático;
b) a estrutura composicional
composicional;
c) os objetivos e funções sóciocomunicativas
sóciocomunicativas;
d) as características da superfície lingüística
lingüística, geralmente em correlação com
outros parâmetros;
e) as condições de produção
produção.
Um outro critério ou parâmetro que pode contribuir para a caracterização
das categorias de texto, sobretudo dos gêneros, é o suporte típico em que o
mesmo costuma ou deve aparecer.
A caracterização das categorias de texto é feita por uma conjugação de
critérios que pode ocorrer de diferentes modos e, muitas vezes, a distinção
depende de uma combinação diversa dos mesmos elementos e não da presença
de elementos distintos. Nem sempre uma categoria se caracteriza por critérios
e parâmetros de todos os cinco grupos, mas de apenas alguns deles.
O que designamos por categorias de texto é um conjunto de textos com
características comuns, ou seja, uma classe de textos que têm uma dada
caracterização, constituída por um conjunto de características comuns em
termos de conteúdo, estrutura composicional, objetivos e funções
sóciocomunicativas, características da superfície lingüística, condições de
produção, etc., mas distintas das características de outras categorias de texto,
o que permite diferenciá-las (TRAVAGLIA, 2004a)3. São exemplos de categorias
de texto em nossa sociedade e cultura brasileiras: descrição, dissertação,
injunção, narração, texto argumentativo “stricto sensu”, texto preditivo, romance,
novela, conto, fábula, parábola, caso, ata, notícia, mito, lenda, certidão,
requerimento, procuração, atestado, denúncia, ofício, carta, soneto, haikai,
ditirambo, ode, acróstico, epitalâmio, prece, tragédia, comédia, farsa, piada, tese,
artigo, etc. Diversas categorias de texto podem ter características comuns. Este
é o caso, por exemplo, de todas as categorias de texto que têm o tipo narrativo
como necessariamente presente em sua composição e como dominante e entre
as quais podemos citar: romance, conto, novela, fábula, parábola, apólogo, mito,

3 Em Travaglia (2004a) e outros textos, usamos o termo “elemento tipológico” para designar o que agora
designamos por “categoria de texto”. Mudamos o termo por considerar “categoria de texto” mais claro e
direto para identificar o conceito.

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lenda, caso, fofoca, notícia, ata, biografia, piada, conto de fadas, epopéia, etc.)4.
Todos esses gêneros vão ter em comum características de narração, mesmo
que realizadas de diferentes formas. Sempre haverá, todavia, características que
permitam distingui-los entre si, diferenciando, por exemplo, um romance de
um conto, uma fábula de uma parábola, e assim por diante. É o caso também
das categorias de texto necessariamente e dominantemente dissertativas (por
exemplo: tese, dissertação de mestrado, artigo acadêmico-científico, editorial
de jornal, monografia, conferência, etc.) e assim por diante.
De acordo com o proposto em Travaglia (2001, 2007a), consideramos que as
categorias de textos podem ser de uma entre três naturezas distintas, que
tipelementos
chamamos de “tipelementos
tipelementos” (classes de categorias de texto de uma dada
natureza), a saber: o tipo, o gênero e a espécie. O tipo pode ser identificado e
caracterizado por instaurar um modo de interação, uma maneira de interlocução
(TRAVAGLIA, 1991, capítulo 2), segundo perspectivas que podem variar
constituindo critérios para o estabelecimento de tipologias diferentes
(TRAVAGLIA, 2001, 2007a, p.101-104). Alguns tipos que podemos citar, divididos
em sete tipologias, são: a) texto descritivo, dissertativo, injuntivo, narrativo; b)
texto argumentativo “stricto sensu” e argumentativo não-”stricto sensu”; c) texto
preditivo e não preditivo; d) texto do mundo comentado e do mundo narrado; e)
texto lírico, épico/narrativo e dramático; f) texto humorístico e não-humorístico;
g) texto literário e não literário. O gênero se caracteriza por exercer uma função
sóciocomunicativa específica. Estas nem sempre são fáceis de explicitar. A
espécie se define e se caracteriza” apenas “por aspectos formais de estrutura
(inclusive superestrutura) e da superfície lingüística e/ou por aspectos de
conteúdo” (TRAVAGLIA, 2001, 2007a, p.104-106).
As relações possíveis entre tipos, gêneros e espécies – que podem ser vistas
com maiores detalhes em Travaglia (2007a) – e as relações entre os tipos na
composição dos gêneros (TRAVAGLIA, 2007b) são importantes na caracterização
das categorias de textos. Basicamente tem-se o seguinte:
1) os tipos e espécies compõem os gêneros que são os tipelementos que
existem e circulam na sociedade;
2) as espécies podem estar ligadas a tipos (como a história e a não-história
que são espécies do tipo narrativo) ou a gêneros (como a carta, carta
comercial, o ofício, o memorando, o bilhete, o telegrama, o cartão, que são
espécies do gênero correspondência);

4 A narração é um “tipo”, enquanto romance, conto, novela, fábula, parábola, apólogo, mito, lenda, caso, fofoca,
notícia, ata, biografia etc. são “gêneros” (TRAVAGLIA, 2007a). Tipos compõem gêneros (TRAVAGLIA, 2007a,
2007b).

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3) os gêneros podem estar ligados a tipos que os compõem necessariamente
(como a tese é necessariamente composta pelo dissertativo como dominante)
ou não (como a carta, que pode ser composta por descritivo, dissertativo,
injuntivo ou narrativo, mas não necessariamente) ou a espécies de tipos
(como o romance, o conto, a piada, por exemplo, que são compostos pela
espécie história do tipo narrativo) ;
4) quando os tipos compõem os gêneros, eles podem (TRAVAGLIA, 2007b):
a) se cruzar ou fundir: neste caso, o gênero apresenta características de
dois ou mais tipos simultaneamente. É o caso, por exemplo, do “editorial”
de jornal, que é composto ao mesmo tempo necessária e dominantemente
pelos tipos dissertativo e argumentativo “stricto sensu”; da piada que,
simultaneamente é composta necessária e dominantemente pelos tipos
narrativo e humorístico; e do apólogo, fábula e parábola, que são
compostos pelos tipos narrativo e argumentativo “stricto sensu” em
cruzamento ou fusão;
b) se conjugar: neste caso, os tipos aparecem lado a lado na composição do
gênero, mas não há uma fusão de características no mesmo trecho. Assim,
o editorial apresenta trechos descritivos, injuntivos e narrativos ao lado
dos trechos dissertativos, geralmente representando argumentos ou com
outras funções dentro do editorial.5 Já o romance geralmente apresenta,
além do narrativo (obrigatório) que é dominante, trechos descritivos,
dissertativos e injuntivos. Este último mais eventualmente, mas a
descrição e a dissertação quase sempre. Na bula, tem-se os tipos
descritivo, dissertativo, injuntivo e narrativo, mas nenhum é dominante.
Portanto, quando os tipos se conjugam, um deles pode ser dominante ou
não. A dominância pode ser necessária (acontece sempre no gênero) ou
não (pode acontecer, mas não obrigatoriamente);
c) se intercambiar: neste caso, em uma situação de interação em que se
esperava um tipo ou gênero, tendo em vista o modo de interação que se
estabelece e que exigiria uma dada categoria de texto, ocorre outra
categoria. O produtor do texto lança mão de uma categoria que não é a
própria daquele tipo de interação naquela esfera de ação social, para
produzir determinados efeitos de sentido.
Como se verá, estes elementos são importantes na caracterização das
categorias de texto. Vamos discutir e exemplificar a caracterização das categorias
de texto seguindo os cinco grupos de parâmetros acima.6 A exemplificação que
5 Ver Melo (2005).

6 Evidentemente os exemplos se limitarão a algumas categorias apenas para que se tenha uma percepção
melhor do que se está falando em cada caso, pois seria impossível tratar, num texto como este, de centenas
de categorias de texto (tipos, gêneros e espécies).

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vamos apresentar procura ser funcional no sentido de permitir um entendimento
mais claro do que se discute, mas em nenhum momento pretende ser exaustiva
nem em relação à categoria (tipo, gênero ou espécie) abordada, nem em relação
ao critérios ou parâmetros que se está exemplificando. Ou seja, pode haver
mais elementos sobre um critério ou parâmetro que se poderia dizer na
caracterização da categoria, mas apresentamos apenas o que parece suficiente
para a clareza do que está sendo proposto e comentado.

O conteúdo temático

O conteúdo temático refere ao que pode ser dito em uma dada categoria
de texto, à natureza do que se espera encontrar dito em um dado tipo, gênero
ou espécie de texto, o que, obviamente tem de estar ligado a um tipo de
informação. As características relativas ao conteúdo temático nos levam, em
princípio, ao que devemos dizer ao produzir a categoria ou ao que esperar na
leitura/compreeensão de uma categoria. Vejamos alguns exemplos de
caracterizações ligadas ao conteúdo temático.
Para Travaglia (1991), o tipo narrativo tem como conteúdo temático os
acontecimentos ou fatos organizados em episódios (indicação e detalhamento
– geralmente por meio de descrição – de lugar, tempo, participantes/actantes/
personagens + acontecimento: ações, fatos ou fenônemos que ocorrem). No
caso da espécie história da narração, os episódios aparecem encadeados entre
si caminhando para um desfecho ou resolução e um resultado. Já na espécie
não-história da narração, os episódios estão lado a lado no texto, mas não se
encadeiam, conduzindo a uma resolução e a um resultado. O tipo descritivo vai
se caracterizar por trazer a localização do objeto de descrição (não
obrigatoriamente), características (cores, formas, dimensões, texturas, modos
de ser, etc.) e/ou componentes ou partes do “objeto” descrito. No tipo
dissertativo
dissertativo, o que importa como informação são as entidades, as proposições
sobre elas e as relações entre estas proposições, sobretudo as de
condicionalidade, causa/conseqüência, de oposição (ou contrajunção), as de
adição (ou conjunção), de disjunção, de especificação, inclusive exemplificação,
de ampliação, de comprovação, etc. No tipo injuntivo
injuntivo, o conteúdo é sempre
algo a ser feito e/ou como ser feito, uma ou várias ações ou fatos e fenônemos
cuja realização é pretendida por alguém. Os fatos e fenômenos aparecem
sobretudo, nos injuntivos de volição, os chamados textos optativos (TRAVAGLIA,
1991, p.55-57). Já um texto do tipo humorístico quase sempre se construirá
sobre dois mundos textuais que são intercambiáveis, por serem compatíveis
com os recursos lingüísticos de expressão utilizados, como na piada do exemplo
(1) em que “diamante”, na língua oral, tanto pode ser entendido como “diamante”

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(a pedra preciosa), quanto como “de amante” (pessoa com que se tem um
relacionamento visto, em muitos quadros sociais, como “ilícito”). Sem este
conteúdo “dúbio” dificilmente se constrói um texto humorístico.

(1) A mulher está na festa com um belíssimo solitário de dois quilates no dedo.
A amiga chega e pergunta:
— É diamante?
Ao que ela responde:
— Não. Foi meu marido mesmo que me deu.

Quanto aos gêneros


gêneros, observa-se que muitos vão ter como uma de suas
características o conteúdo. O aceite “é o texto pelo qual pessoas ou instituições7
declaram que aceitam convite ou proposta feita por outrem (pessoa, instituição)”
(TRAVAGLIA, 2002a, p.130-131). Os gêneros convite
convite, convocação
convocação, intimação,
notificação
notificação, (TRAVAGLIA, 2002a, p.139-140, 144-145), que têm o objetivo de
solicitar a presença de alguém, sempre contêm um chamado para estar em um
lugar e/ou evento (festa, apresentação/show, conferência, reunião, etc.) para
determinado fim (se divertir, se instruir, decidir coisas, cumprir determinado
papel dentro de um processo legal na justiça, etc.). Alguns elementos de conteúdo
aparecem nos quatro, como, por exemplo, quem solicita a presença, quando e
onde se deve comparecer e para o que: festa, apresentação de alguma natureza
(espetáculo, conferência, etc.), curso, realizar algo, etc. O chamado pode
configurar uma obrigatoriedade de atendimento (convocação, notificação,
intimação) ou não (convite), conforme quem o faz, mas isso tem a ver com as
condições de produção. Ainda se pode observar, na caracterização, um
detalhamento maior no conteúdo de alguns gêneros, na dependência de
espécies. Por exemplo, no caso do convite
convite, conforme o elemento para o qual se
convida, se configuram espécies de convite com influência no conteúdo: convite
de casamento, de aniversário, para apresentações (espetáculos, conferências,
etc.), cursos, etc. Assim, um convite de casamento se caracteriza por indicar
minimamente: quem se casa, os pais dos nubentes (opcional, mas esperável
pelas regras sociais de cortesia), local e data do casamento e se haverá ou não
recepção festiva após o ato religioso ou civil. Já num convite para uma
apresentação, deve-se colocar outro tipo de informação: o tipo da apresentação
(espetáculo, conferência, outra), o conteúdo/tema/assunto quando for o caso
(palestras e cursos, por exemplo), quem faz a apresentação, se para estar presente
o convidado deverá ou não pagar. Uma prece ou oração geralmente contém
uma louvação à entidade (Deus, Jesus, Nossa Senhora, santo, etc.) a que a prece

7 Estaremos sempre usando o termo instituição como um hiperônimo para empresas comerciais, industriais,
de serviços (públicas ou privadas), órgãos públicos, associações de todas as naturezas, clubes, instituições
educacionais, religiosas, financeiras, filantrópicas, culturais e assemelhados. Quando houver necessidade,
especificaremos as instituições envolvidas.

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é dirigida e pedidos e/ou agradecimentos. É interessante observar que, quando
um gênero apresenta diferentes tipos de informação, geralmente essas
informações aparecem distribuídas em diferentes partes ou categorias da
superestrutura do gênero. No caso da prece, a superestrutura será exatamente
marcada pelas informações: louvação + solicitação/pedido + agradecimento.
Na área jurídica, temos muitos gêneros, e aqui especificamos o conteúdo
de alguns que os caracteriza: a) qualificação
qualificação, que, segundo Pimenta (2007, p.84),
é um gênero necessária e dominantemente descritivo, que contém “nome,
nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência (que podem ser
incertos e não sabidos) e documentos pessoais (optativo em alguns casos)” e
tem por objetivo identificar indivíduos, “enquanto pessoas capazes de direitos
e deveres diante do Estado e da sociedade”. Na verdade, a qualificação aparece
compondo muitos gêneros jurídicos, forenses e administrativos, como o
requerimento, a procuração, termo de fiança, o rol de testemunhas em um processo
penal, a denúncia, etc.; b) o termo de fiança
fiança, que para Pimenta (2007) é um

gênero textual redigido e assinado pelo escrivão, no uso de suas


atribuições, também assinado pelo delegado de polícia, pelo indiciado
e por duas testemunhas. Neste texto, basicamente narrativo e
descritivo, é indicado o número do inquérito policial, o nome do
indiciado e sua qualificação, e dito que, na presença das testemunhas,
deposita o valor arbitrado pelo delegado de polícia da fiança, prestada
a seu favor, para solto se defender. O indiciado também assume suas
obrigações previstas em lei, que são lidas e narradas neste termo de
fiança, fica também registrado que no caso de quebramento da fiança
o afiançado será recolhido à prisão. A função sócio-comunicativa
deste texto é a de formalizar o pagamento da fiança com suas
respectivas ressalvas. (PIMENTA, 2007, p.89-90) (Grifo nosso para
destacar o conteúdo temático)

c) a exceção de litispendência, definida por Pimenta (2007) como:

gênero textual redigido por qualquer das partes, com a função sócio-
comunicativa de demonstrar para determinado juízo que há causa
idêntica em andamento, em outro foro, ainda pendente de julgamento.
Neste texto a prova de que há causa idêntica em andamento em outro
foro funciona como argumento – agir estratégico – para que o processo
seja extinto sem julgamento do mérito. (PIMENTA, 2007, p.103)

Portanto como um gênero cujo conteúdo é sempre dizer ao juízo que existe
outra causa em andamento julgando o mesmo fato/crime; d) a denúncia
denúncia, que é um

gênero textual redigido pelo MP no qual o MP expõe o fato criminoso


com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e da

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vítima (se possível) ou esclarecimentos pelos quais se possa identificar
o acusado, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das
testemunhas. (PIMENTA, 2007, p.110) (MP = Ministério Público) (Grifo
nosso para destacar o conteúdo).

Como se pode observar, nas caracterizações feitas por Pimenta (2007),


aparecem as funções sóciocomunicativas ou objetivos e quais tipos compõem
o gênero, o que exemplifica outros critérios que comentamos aqui.
Tavares (1974, p.237, 256), ao buscar caracterizar e distinguir a epopéia ou
poema épico do poema heróico
heróico, usa o critério do conteúdo, dizendo que: a) a
epopéia é “a narração de um fato heróico grandioso e de interesse nacional” em
que se “trata de ‘cantar os feitos dum povo que haja contribuído para a realização
de acontecimentos que interessam à vida da humanidade’”. Às vezes se
caracteriza a epopéia como um relato de uma saga nacional com heróis nacionais,
fundando uma nacionalidade; b) o poema heróico
heróico, por sua vez, embora também
de interesse nacional, trata de assunto menos importante, tais como “façanhas
dum varão notável, qualquer fato histórico ou lendário que haja impressionado
a imaginação popular, embora de ordem secundária. Portanto o critério da
distinção é o que se diz e sua importância para um povo.
Quanto às espécies
espécies, já registramos a definição pelo conteúdo das espécies
história e não-história ligadas ao tipo narrativo e da espécie de convite que o
convite de casamento representa.
Travaglia (2007a) comenta sobre várias espécies que se caracterizam pelo
conteúdo temático. Vejamos alguns exemplos.
1) Os gêneros romance e conto apresentam várias espécies que se definem e
caracterizam tendo em vista o conteúdo temático: a) históricos
históricos: falam sempre
de fatos ligados à história da humanidade ou de um país, região, etc; b)
psicológicos
psicológicos: que fazem estudos de personagens do ponto de vista de sua
psiquê; c) regionalistas
regionalistas: tratam temas muito ligados à cultura de uma região,
como os romances brasileiros referentes à seca na região Nordeste e seu
efeito sobre os homens; d) indianistas
indianistas: cujo tema é o índio, como alguns
romances de José de Alencar; e) fantásticos
fantásticos, em que acontecem fatos
mágicos ou estranhos sem muita explicação dentro do senso comum e/ou
científico (Cf. contos do autor mineiro Murilo Rubião); f) de ficção científica
científica,
em que o tema gira em torno de viagens espaciais, alta tecnologia no futuro
ou no presente, experimentos científicos, etc; g) de capa e espada
espada, em que
se tem as aventuras de espadachins; h) policiais
policiais, em que se trata de casos
de crimes e sua solução; i) eróticos
eróticos, cujo tema é intimamente ligado à
sexualidade, com passagens que buscam e causam um erotismo, a
sensualidade, etc.;

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2) O tipo descritivo tem relacionadas a ele algumas espécies que se
caracterizam por aspectos de conteúdo, às vezes em conjugação com
aspectos formais:
a) segundo a tradição dos estudos tipológicos (classificatórios) de textos,
na descrição objetiva o produtor do texto se guia exclusivamente pelo
objeto visto como algo exterior ou não ao falante, ou seja, o conteúdo são
a localização, as características e componentes ou partes do objeto de
descrição sem interferência do estado emocional, afetivo, psicológico de
quem diz, enquanto na descrição subjetiva tem-se o tipo de informação
própria do tipo descritivo (localização, características, partes ou
elementos) fundida a uma expressão dos sentimentos, afetividade e
estados psicológicos daquele que diz;
b) a descrição estática tem como conteúdo dizer como são objetos e seres,
já a dinâmica caracteriza movimentos, eventos (uma dança, uma
tempestade, uma festa), dizendo como são. Dizer como algo é constitui o
objetivo da descrição, como veremos adiante;
c) Travaglia (1991, p.225, 234-237) propôs a distinção de duas espécies de
descrição: a comentadora e a narradora
narradora. A narradora se refere sempre a
um exemplar único do elemento descrito (acontecimento, ser, coisa,
objeto, etc.) e a comentadora se refere sempre a uma classe de elemento
descrito. Por exemplo, uma descrição narradora diria como foi a festa de
casamento de minha filha, enquanto uma descrição comentadora diria
como são as festas de casamento em geral em qualquer lugar ou época
ou pelo menos em uma dada sociedade.
3) Considerando o gênero poema, o tipo lírico tem vinculadas a ele muitas
espécies caracterizadas e distinguíveis pelo conteúdo. Segundo
caracterizações tomadas a Tavares (1974, p.269 e ss.), temos, por exemplo:
a) ditirambo é o poema que celebra os prazeres da mesa, principalmente na
hora do brinde de modo jovial e entusiástico; b) a elegia comporta as
composições de tristeza e de luto; c) o epitalâmio é composição destinada
a celebrar bodas e núpcias; d) os poemas bucólicos têm por assunto a vida
do campo e apresenta duas espécies diferenciadas pela forma: o idílio (que
é monológico) e écloga (que é dialogada); e) o genetlíaco
genetlíaco, que celebra o
nascimento e aniversários de nascimento; f) o madrigal
madrigal, que já foi
caracterizado pela forma e pelo conteúdo, mas modernamente se caracteriza
mais pelo conteúdo: contém sempre “pensamentos graciosos, numa discreta
e galante confissão de amor” (TAVARES, 1974, p.288), às vezes sutilmente
satírica.
4) O mistério
mistério, que é a “representação de episódios da vida de Cristo” e o milagre
milagre,
que é a “representação de episódios envolvendo homens e santos”

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(TAVARES, 1974, p.139), em que acontecem fatos excepcionais e graças
concedidas pelos santos, são duas espécies, definidas pelo conteúdo e que
se vinculam ao tipo dramático
dramático.
5) Na oratória tem-se o gênero discurso com espécies definidas pelo conteúdo
(TAVARES, 1974, p.144-145): a) exéquias
exéquias, que é um discurso fúnebre em
homenagem a alguém falecido; b) o genetlíaco
genetlíaco, que é o discurso feito para
saudar o nascimento de alguém; c) o brinde é um discurso muito breve que
se faz em ocasiões festivas, para saudar alguém e contendo saudações,
louvações e desejando boa sorte.

A estrutura composicional

Vários elementos podem ser considerados quando pensamos em estrutura


composicional. Vamos aqui falar de alguns já observados por nós na
caracterização de categorias de texto (tipos, gêneros e espécies), com alguns
exemplos, lembrando mais uma vez que os exemplos não pretendem ser
exaustivos nem em relação à categoria, nem em relação ao critério ou parâmetro
enfocado.
No que diz respeito ao parâmetro da estrutura composicional
composicional, o primeiro
critério a lembrar é a superestrutura
superestrutura, de importância fundamental na
caracterização de categorias de texto. Assim, por exemplo, os textos que têm o
tipo narrativo como necessário e dominante em sua composição e são da espécie
história (por exemplo, romance, conto, novela – literária, de rádio, de TV –, conto,
conto de fadas, fábula, apólogo, parábola, piada, lenda, mito, caso, fofoca,
biografia, epopéia, poema heróico, etc.) encaixam-se todos na superestrutura
geral, proposta por Travaglia (1991) e apresentada no esquema 1.
A “complicação” e a “resolução” são as únicas partes ou categorias
obrigatórias da superestrutura da narrativa história. Assim, é possível fazer um
texto narrativo história com apenas duas orações, como em (2). São recursivas,
podendo aparecer várias vezes: a) a introdução, a complicação, o clímax, os
comentários, os resultados, quando há várias linhas ou cadeias de episódios; b)
a orientação que pode aparecer para cada novo episódio ou cadeia de episódios.

(2) O meu filho adoeceu com cinco anos e morreu em um mês.

Todas as partes ou categorias da superestrutura que são opcionais podem


ou não se realizar, conforme o gênero e quando isto é sistemático faz parte da
caracterização do mesmo.

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Narrativa

Introdução Orientação Trama Comentários Epílogo

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Anúncio Resumo Cenário/ + Orientação Complicação Resolução Resultado Avaliação Expectativa Explicação Fecho
Contexto/ ou Coda
Situação ou Moral

Episódios Clímax Conseqüências

Orientação Acontecimentos Episódio Estados Eventos/ Reações


Atos/ Verbais
Acontecimentos

Esquema 1 – Superestrutura da narrativa história

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Todas as categorias da superestrutura podem realizar-se de modo diferente,
conforme o gênero, o que certamente é importante para caracterizá-lo. Assim,
por exemplo, a piada geralmente só tem uma pequena orientação quando
necessária para tipificar minimamente o(s) personagem (ns) e a situação com
a(s) características fundamentais para o estabelecimento do humor (Ver no
exemplo 1 o trecho “A mulher está na festa com um belíssimo solitário de dois
quilates no dedo.”) e um ou alguns poucos episódios, geralmente com uma
resolução que chega rápido. Já um romance será constituído de um grande
número de episódios, geralmente organizados em várias cadeias paralelas ou
não no tempo em diferentes núcleos de personagens. A orientação vai aparecer
recursivamente em muitos momentos. Podemos ter comentários diversos para
episódios diferentes ou cadeias deles, geralmente do tipo avaliação e explicação,
mas pouco provavelmente do tipo expectativa. Os resultados (conseqüências)
que aparecem são os estados e eventos/atos/acontecimentos, mas muito pouco
provavelmente o resultado do tipo reações verbais. Vários clímax e resoluções
intermediários ou secundários podem acontecer representando episódio(s) que
mantém (mantêm) o interesse pela narrativa e que estabelece(m) as condições
para um acontecimento posterior. O comentário do tipo expectativa e o resultado
do tipo reações verbais, que são pouco prováveis no romance, já são bastante
freqüentes na notícia quando ela é uma narrativa da espécie história. Arantes
(2006), estudando a caracterização de três gêneros muito próximos (a fábula
fábula, o
apólogo e a parábola
parábola) que são compostos em fusão pelos tipos narrativo e
argumentativo “stricto sensu”, evidencia que há diferenças no modo de
realização da superestrutura do esquema 1, o que os caracteriza e diferencia.
Assim, segundo Arantes (2006, p.103), nenhum desses gêneros apresenta a
introdução. Nos três, a orientação, a complicação e a resolução aparecem do
mesmo modo. Todavia, nos resultados Arantes (2006, p.105-106, 110) observou
uma certa preferência conforme o gênero: a) nos apólogos o resultado é
preferencialmente do tipo estado (50%), mas apresentados em uma reação verbal.
Ainda ocorreram 20% de resultados do tipo reação verbal e 30% de eventos; b)
nas fábulas o resultado mais comum (56,7%) foi do tipo reações verbais. A autora
ainda encontrou 10% de estado nos resultados e 33,3% de eventos; c) nas
parábolas o tipo de resultado mais freqüente foi o do tipo evento/acontecimento
(76,7%), mas encontrou-se 16,7% de resultados do tipo reação verbal e 6,7% de
estados. Essa autora encontrou ainda diferenças significativas na forma de
argumentar e no tipo de argumento utilizado, o que nos parece ter a ver também
com a estrutura composicional (Ver mais adiante neste mesmo item).
De acordo com o que foi proposto em Travaglia (1991, p.237, 239, 1992), a
superestrutura de um texto do tipo injuntivo é constituída de três partes ou
apresenta três categorias esquemáticas, a saber:

50 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


a) o elenco ou descrição em que se apresentam os elementos a serem
manipulados na ação a ser feita. Pode-se dar apenas uma lista desses
elementos (V. ingredientes das receitas culinárias) ou pode-se listá-
los e descrevê-los, como nos manuais de instrução em que,
comumente, a descrição é substituída por fotos ou desenhos com
indicação dos nomes das partes seguida ou não de indicação de sua
função;
b) a determinação ou incitação em que aparecem as situações a
cuja realização se incita ou por determinação ou desejo. Aqui teríamos
a injunção em si;
c) a justificativa
justificativa, explicação ou incentivo em que se dá razões para
a realização das situações especificadas em b .
Estas partes não têm ordem fixa e podem se intercalar. A única parte
obrigatória é a determinação, mas às vezes o produtor do texto apenas
dá a justificativa ou explicação e a determinação fica implícita, sendo
deduzível através de inferências. Isto é comum em horóscopos (V.
exemplos de 224).
(224) a) Câncer/saúde: “A dieta da Lua é especialmente recomendada para
as cancerianas” (Horóscopo da revista Elle. Ano 2, nº. 10. São
Paulo, Ed. Abril, outubro 1989:209).
b) Carneiro/pessoal: “A amizade exige às vezes discrição e
sacrifícios.” (texto nº. 51).
c) Touro/pessoal: “Dia favorável para transformar sua casa.” (texto
nº. 51)
(TRAVAGLIA, 1991, p.237)

Travaglia (1991, 1992) observa que a parte do elenco ou descrição é sempre


descritiva, a determinação ou incitação é sempre injuntiva e a explicação
explicação,
justificativa ou incentivo pode ser descritiva, dissertativa ou narrativa. Desse
modo, os gêneros que são necessária e dominantemente injuntivos (mensagem
religiosa-doutrinária, instruções, manuais de uso e/ou montagem de aparelhos
e outros, receitas de cozinha e receitas médicas, textos de orientação
comportamental: por exemplo, como dirigir sob neblina, etc.) vão apresentar
esta superestrutura em seu todo ou em parte de sua superestrutura própria.
Vimos a superestrutura de tipos que vão influir nos gêneros que o tipo
compuser. Vejamos a superestrutura de um gênero: o requerimento
requerimento, cujo
conteúdo é sempre uma solicitação de algo a que se tem direito por lei. O
requerimento apresenta em nossa sociedade a seguinte superestrutura:
a) especificação da autoridade e/ou órgão a quem se dirige a solicitação;
b) qualificação do solicitante;
c) especificação do que está sendo solicitado;
d) especificação do que sustenta o direito e/ou qual a lei que lhe dá o direito,
se esta não for amplamente conhecida para o caso em questão e as condições
que você preenche de acordo com a lei;

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 51


e) especificação de para quem e para onde deve ir a resposta (opcional e se
necessário)
necessário);
f) fecho tradicional;
g) local e data;
h) assinatura do solicitante acima da especificação do seu nome e da condição que
ocupa e que é pertinente no caso, se for necessário.
Veja no exemplo (3) abaixo a realização dessa superestrutura: o tipo de letra
indica a correspondência com a parte ou categoria acima com o mesmo tipo de
letra.

(3) Prof. Dr. José XPTO


Exmo. Sr. Secretário de Estado de Educação de Minas Gerais

Luiz Carlos Travaglia, brasileiro, casado, carteira de identidade M-275.907, MASP 212.217,
lotado na Escola Estadual de Uberlândia como contratado – Uberlândia – MG, tendo
sido aprovado em concurso de habilitação para o magistério de Ensino Fundamental e
Médio, conforme publicação no Diário Oficial do dia 12/11/2006, página 06, coluna 03, e
tendo o título de Mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, conforme atesta cópia autenticada do diploma (em anexo), vem, muito
respeitosamente, requerer/solicitar a V. Exa. sua nomeação para o referido cargo e
sua lotação como efetivo na Escola Estadual de Uberlândia.

Nestes termos,
Aguarda deferimento

Uberlândia, 22 de novembro de 2006

Luiz Carlos Travaglia


Professor contratado da Escola Estadual de Uberlândia

Várias espécies do gênero correspondência (carta, telegrama, ofício, memorando,


bilhete, cartão, etc.) geralmente são caracterizadas por aspectos formais,
particularmente de superestrutura. Assim, a carta vai apresentar a seguinte
superestrutura, em que os parênteses indicam uma categoria ou parte opcional:
1) A superestrutura da carta é mais ou menos a seguinte:8
a) local e data;
b) vocativo;
c) (saudação) / introdução
d) corpo

8 Adaptado de Yagüe (2002) apud Gomes (2002, p.35).

52 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


e) despedida
f) assinatura
g) (pós-escrito)
h) (notas)
2) Para Gomes (2002), o gênero carta teria a seguinte estrutura retórica:
Função 1: Estabelecer contato
Subfunção 1: situar o tempo e o espaço da produção (local e data)
Subfunção 2: definir o interlocutor / destinatário (vocativo)
Subfunção 3: assegurar o contato ((saudação) / introdução)
Função 2: Realizar propósito
Subfunções: o número e o tipo de subfunção depende do(s) tópico(s) e
objetivos da carta. (corpo)
Função 3: Finalizar contato
Subfunção 1: despedir-se (despedida)
Subfunção 2: identificar-se (assinatura)
Pós-escrito e notas geralmente têm função de complementação do corpo
Ainda é preciso considerar que, no que diz respeito à composição dos gêneros
pelos tipos, determinadas categorias da superestrutura são formuladas/
compostas por determinadas categorias de texto específicas e, portanto,
atenderão às determinações deste fator tipológico em sua formulação, apesar
de o texto como um todo se definir pela dominância como de um tipo, gênero
ou espécie que não coincide com aquele da parte ou categoria da superestrutura.
Assim, na superestrutura da narração história temos o seguinte:
a) a orientação e o resultado (estado) são descritivos;
b) o anúncio, o resumo, a complicação, a resolução, o resultado (eventos, atos,
acontecimentos, algumas reações verbais) e o epílogo ou conclusão (fecho)
são narrativos e os comentários (expectativas) geralmente são narrativos
preditivos;9
c) os resultados (as reações verbais em sua maioria), os comentários (avaliação
e explicação) e o epílogo ou conclusão (coda e moral) são dissertativos.10

Algumas categorias de texto incluem outros aspectos nesta superestrutura


superestrutura.
Assim, alguns gêneros e espécies que são narrativas história incluem

9 Sobre textos preditivos ver Fávero e Koch (1987) e Travaglia (1991).


10 Sobre a relação entre partes ou categorias de superestruturas e elementos tipológicos ver Castro (1980) e
Travaglia (1991, item 6.4).

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 53


personagens típicos ou prototípicos. É o caso dos contos de fadas (reis e rainhas,
princípes e princesas, fadas, bruxas, objetos e animais mágicos ou fantásticos)
e das piadas (o português e a loira burros, o judeu e o árabe avarentos, o papagaio
e o mineiro espertos, o genro e sogra que se odeiam, etc.). Os romances da
espécie de ficção científica normalmente incluem aparelhos e recursos de alta
tecnologia, descobertas científicas ainda não existentes no mundo real, seres
alienígenas, geralmente episódios com ocorrência no futuro; já os romances
policiais trazem sempre as figuras dos policiais, detetives, criminosos e vítimas.
A tradição costuma caracterizar fábulas, apólogos e parábolas dizendo que têm
como personagens respectivamente animais, objetos inanimados e pessoas.
Todavia, Arantes (2006, p.101) observou que, embora haja realmente uma maior
freqüência desses tipos de personagens nesses gêneros, eles não são exclusivos.
No corpus estudado ela encontrou os seguintes números: a) fábulas
fábulas: 71% animais,
7% objetos e 22% pessoas; b) apólogos
apólogos: 60% objetos, 20% animais e 20% pessoas;
c) parábolas
parábolas: 72% pessoas, 15% animais e 13% objetos. Tavares (1974, p.237-
238) afirma que a epopéia se caracteriza pela presença necessária de dois tipos
de personagens: o herói nacional e os deuses (pagãos ou entidades cristãs) que
aparecem pela necessidade de grandeza e majestade do poema. Vimos que os
milagres sempre têm santos como personagens.
Além da superestrutura, outros elementos de estruturação do texto são
considerados como critérios dentro do parâmetro da estrutura composicional.
Estamos nos referindo, por exemplo, ao que temos na caracterização de
algumas espécies do gênero poema do tipo lírico: a) acróstico
acróstico: as letras iniciais
dos versos lidas na vertical formam um nome ou frase; b) balada balada: poema
composto de três oitavas e uma quadra final, às vezes substituída por uma
quintilha, que é o ofertório, versos octossílabos, três rimas cruzadas ou variáveis;
c) soneto
soneto: composição de quatorze versos, distribuídos em duas quadras e dois
tercetos, sendo o último verso chamado de “chave de ouro” por conter a essência
do poema; d) haicai
haicai: poema de forma fixa com estrofes de três versos com um
total de dezessete sílabas métricas assim distribuídas: primeiro verso: cinco
sílabas; segundo verso: sete sílabas; terceiro verso: cinco sílabas); etc.
Estas características relativas:
1) à disposição de elementos do texto, como no caso das letras iniciais dos
versos no acróstico e das palavras em poemas figurativos;
2) a elementos de versificação, tais como: a) número de versos e tipos de
verso quanto ao número de sílabas métricas e o ritmo (heróico, alexandrino,
sáfico, redondilha maior, redondilha menor, octossílabo, etc.); b) número de
estrofes e tipo de estrofe quanto ao número de versos (dístico, quadra/

54 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


quarteto, quintilha, oitavas, etc); c) esquemas de rimas (emparelhadas,
alternadas, continuadas, etc.) e tipos de rima (consoante, toante, interna, etc.);
quando seu uso for obrigatório ou altamente freqüente na categoria de texto,
seriam incluídas entre os elementos caracterizadores dentro do parâmetro da
estrutura composicional.
Outro elemento importante para caracterização dos gêneros, na dimensão
da estrutura composicional, é a sua composição por tipos e espéciesespécies. Aqui
parece importar quais tipos entram na composição de um gênero, como esses
tipos se relacionam (Ver Introdução) e sua distribuição ou não por partes ou
categorias da superestrutura do gênero. Já apresentamos alguns exemplos desse
fato ao comentar que as narrativas história podem ser compostas pelos tipos
descritivo, dissertativo, injuntivo e narrativo, em conjugação, e o narrativo é
dominante (daí se dizer que temos um gênero narrativo) e os outros aparecem
subordinados a ele. Além disso, ao falar da superestrutura da narrativa histórica,
vimos que as partes da superestrutura são realizadas preferencialmente por um
desses tipos de acordo com o especificado. Na verdade, como essas partes ou
categorias da superestrutura se realizam vai distinguir gêneros, como já
registramos e exemplificamos com os apólogos, fábulas e parábolas. Vimos
também que os gêneros injuntivos são compostos, em conjugação, por trechos
dos tipos descritivo, na parte da superestrutura que chamamos de elenco ou
descrição; injuntivo (que é necessário e dominante para o gênero), na parte da
“incitação”; e descritivo, narrativo ou dissertativo, na parte da “justificativa”. É
o caso também do editorial (composto necessariamente pelo dissertativo e
argumentativo “stricto sensu”, em cruzamento ou fusão, e mais o descritivo,
narrativo e injuntivo, em conjugação), da piada (composta pela fusão dos tipos
narrativo e humorístico) e dos apólogos
apólogos, fábulas e parábolas (compostos sempre
em fusão pelos tipos narrativo e argumentativo “stricto sensu”). Os gêneros
preditivos (como programas de viagem ou outros programas, boletins
metereológicos e astronômicos, profecias, etc.) sempre serão compostos
necessariamente pelo tipo preditivo geralmente em fusão com o descritivo ou o
narrativo e às vezes o dissertativo. Um gênero como o atestado será sempre
composto pelo tipo narrativo ou pelo tipo descritivo, mas se define como atestado
em função de seu objetivo ou função dado por um ato de fala.

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 55


No Quadro 1, 11 apresentamos exemplos de gêneros necessariamente
compostos por determinados tipos como dominantes.
Tipo Exemplos de gêneros necessariamente compostos
por um tipo em termos de dominância
Descritivo Até 2003, não observáramos nenhum gênero necessariamente descritivo.
Atualmente incluímos a qualificação12 e o classificado.13
Dissertativo Tese, dissertação de mestrado, artigo acadêmico-científico, editorial de
jornal, monografia, conferência, artigo de divulgação científica, etc.
Injuntivo Mensagem religiosa-doutrinária, instruções, manuais de uso e/ou
montagem de aparelhos e outros, receitas de cozinha e receitas médicas,
textos de orientação comportamental (ex.: como dirigir), etc.
Narrativo Atas, notícias, peças de teatro, romances, novelas (literárias, de rádio e
TV), contos, contos de fadas, fábulas, apólogos, parábolas, mitos, lendas,
anedotas, piadas, fofoca, caso, biografia, epopéia, poema heróico, poema
burlesco, etc. Podem ser incluídos aqui os gêneros em que há fusão com
o tipo dramático: comédia, tragédia, drama, farsa, auto, esquete, ópera,
vaudeville, etc.
Preditivo Boletins metereológicos e astronômicos, profecias, programas, etc.
Humorístico Piada, comédia, farsa, esquete humorístico, etc.
Lírico Espécies:14 Soneto, madrigal, ditirambo, elegia, poemas bucólicos (écloga,
idílio), haicai, ode, acróstico, balada, epitalâmio, hino, vilancete, acalanto,
barcarola, canto real, trova.

Quadro 1 – Gêneros necessariamente compostos por um tipo

Como se pode perceber, ao caracterizar os gêneros, será sempre importante


observar: a) quais tipos entram em sua composição; b) se o fazem fundindo-se
ou conjugando-se. Até onde pudemos observar, parece que o intercâmbio não é
caracterizador de nenhuma categoria de texto, mas apenas um recurso utilizado
para criação de certos efeitos na interação comunicativa feita por meio do texto;
c) se quando se conjugam algum dos tipos é dominante ou não e qual o papel
dos demais; d) se os tipos estão ou não correlacionados com partes da
superestrutura.
Outro aspecto de estrutura composicional que geralmente é utilizado na
caracterização dos gêneros é a dimensão
dimensão: o tamanho médio dos textos daquele

11 Este quadro é baseado no Quadro 3 de Travaglia (2007a, p.109) com acréscimos e modificações.

12 Segundo proposta de Pimenta (2007).

13 Segundo proposta de Silva (2007).

14 Apesar do quadro falar em gêneros, para o tipo lírico temos espécies, segundo a definição de Travaglia
(2001, 2007a). Essa lista de espécies foi tomada a Tavares (1974, p.269-312).

56 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


gênero. Embora nunca se possa estabelecer e nunca se estabeleça um tamanho
exato para um gênero há um padrão esperado de dimensão. Assim, por exemplo,
uma epopéia (como “Os Lusíadas” de Camões) é sempre muito maior que um
“poema heróico” (como o “Uruguai” de José Basílio da Gama, “Caramuru” de S.
Rita Durão, “I-Juca Pirama” de Gonçalves Dias, “Navio Negreiro” de Castro Alves,
“O Caçador de Esmeraldas” de Olavo Bilac, “Juca Mulato” de Menotti del
Picchia)15. Do mesmo modo se espera que um romance seja muito maior que
um conto. Vimos anteriormente que uma piada é sempre constituída de um ou
poucos episódios, caracterizando-se por ser uma narrativa bem curta. São
também narrativas curtas os apólogos, fábulas e parábolas que, geralmente, são
menores que um conto. Nas programações de cinema os textos do gênero resumo
de filme são bem curtos, do mesmo modo que os classificados. Como vimos, o
brinde é um tipo de discurso sempre muito breve.
Certamente muitos dirão que este critério é problemático. Não se pode deixar
de concordar com tal afirmação, mas também não se pode deixar de reconhecer
que a dimensão do texto de dado gênero é caracterizadora do mesmo. Basta
pensar que ninguém imaginará ser um conto, uma fábula, um apólogo, uma
parábola, um caso, um texto narrativo de duzentas páginas impressas em um
livro. Além disso, convém lembrar que alguns gêneros podem apresentar
dimensão muito variável. É o caso do conto de fadas, que não tem a dimensão
como um critério válido em sua caracterização, pois se tem contos de fada curtos
e contos de fada bastante longos. Nesse caso, ainda acresce o problema de
caracterização criado por adaptações e versões facilitadas desses contos que
geralmente reduzem, e muito, a sua dimensão.
Um outro critério que podemos colocar como pertencendo ao parâmetro da
estrutura composicional é o que a Teoria Literária propôs como uma classificação
das obras quanto à composição (TAVARES, 1974, p.116): texto representativo
versus expositivo
expositivo, podendo aparecer ainda os textos mistos
mistos. Assim, por exemplo,
os gêneros teatrais, compostos pelo tipo dramático (comédia, tragédia, drama,
farsa, auto, esquete, etc.) são quase todos representativos em oposição aos
gêneros narrativos (Ver Quadro 1), que são basicamente expositivos, podendo
ter trechos representativos. Já os gêneros dissertativos (Ver Quadro 1) parecem
ser essencialmente expositivos. Outros gêneros essencialmente representativos
são as histórias em quadrinhos, as tiras, os filmes e os textos dramáticos quando
encenados no teatro. No representativo, a forma essencial parece ser o diálogo
e, no expositivo, o monólogo, mas não é só isso que caracteriza um texto como
expositivo ou representativo. Na verdade, o representativo, como o nome diz,
faz com que o recebedor do texto tenha diante de si uma reprodução de
determinada situação, enquanto no expositivo tem-se um relato ou um
15 A classificação destes textos como poemas heróicos é tomada a Tavares (1974, p.259-265).

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 57


comentário da situação, mas não há, por exemplo, nos gêneros narrativos não-
dramáticos, uma reprodução da situação como se o recebedor do texto, o alocutário,
presenciasse o transcorrer dos fatos. A composição representativa aparece também
em gêneros que utilizam diversas linguagens, como os quadrinhos, as tiras, os
filmes, as óperas e os gêneros teatrais quando encenados. O uso de diversas
linguagens nos permite passar para outro critério de estrutura composicional.
A(s) linguagem(ns) que entra(m) na composição do gênero é um outro
critério da estrutura composicional importante para a caracterização dessas
categorias de texto. Quase todos os gêneros que citamos até agora são
compostos exclusivamente pela língua. Todavia, podemos lembrar alguns
exemplos em que a presença de várias linguagens é caracterizadora dos gêneros:
a) as histórias em quadrinhos e as tiras são compostas pela linguagem verbal
(língua), geralmente dialogada, e pelas imagens em desenhos, que representam
outras formas de linguagem utilizadas na interação face a face, como gestos e
expressões fisionômicas. Em alguns casos, esses gêneros lançam mão também
das cores para sugestão, por exemplo, de atmosferas, sentimentos, estados de
espírito; b) os filmes e novelas de televisão utilizam uma grande número de
linguagens: língua, gestos, expressões fisionômicas, imagens (em desenho ou
fotografia), música, luz e suas variações, cores e, menos sistematicamente,
arquitetura, escultura, dança e determinados sons que evocam elementos
psicológicos ou onomatopeízam sons e ruídos da realidade representada; c) os
textos publicitários podem usar linguagens diversas, mas parece que não
obrigatoriamente, e há diferenças entre as publicidades impressas e aquelas
apresentadas por meio de filmes e vídeos; d) A linguagem básica das notícias e
reportagens
reportagens, seja impressa, seja nos telejornais e outras formas de transmissão
possíveis, é a língua. As outras formas de linguagem (imagem – desenhos e
fotos, música, sons, cores, gestos, expressões fisionômicas, etc.) parecem ter
um papel de apoio, ilustração, esclarecimento, complementação, etc. (isso precisa
texto legenda
ser estudado mais detidamente); e) o gênero jornalístico “texto legenda” foi
caracterizado por Silva (2007, p.132) como uma variedade de notícia em que se
tem “uma foto e um texto que a explica e relata o fato/evento noticiado” e pode
funcionar como outro gênero jornalístico, “a chamada”. Portanto, é um gênero
composto por duas linguagens: a língua e a imagem (geralmente foto).
Publicidades geralmente usam a língua, as imagens – desenhos, fotos – (nas
impressas e em filmes) e todas as linguagens usadas nos filmes, quando são
publicidades em vídeo. Contudo, não há uma obrigatoriedade de nenhuma
linguagem, daí podermos hipotetizar que as linguagens utilizadas pela publicidade
não são caracterizadoras. Isso pode ser o caso para outras categorias de texto.
Finalmente, mas sem dizer que esgotamos os critérios relacionados à
estrutura composicional, queremos lembrar que outros elementos podem ser

58 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


vistos como parte da estrutura composicional de uma categoria de texto. Não
há como referenciar, num artigo como este, todos os elementos que podem entrar
aqui, até porque seria preciso ter caracterizado todas as categorias existentes e
ter conhecimento de todas essas caracterizações. Queremos aqui exemplificar
com o caso do tipo de argumento que é geralmente usado em determinados
gêneros, além de outros elementos relacionados à argumentação e que
caracterizam o gênero, seja em oposição a outro ou não.
Segundo Arantes (2006), nos apólogos o tipo de argumento mais usado é a
comparação (95%, sendo 80% de comparação em si e 15% de argumento do
sacrifício, para ela um tipo de comparação); nas fábulas a argumentação é feita
principalmente com argumentos pelo exemplo (73,3%) e pragmáticos que têm
a ver com a conseqüência (26,7%), e ainda os argumentos de autoridade (10%);
e nas parábolas a argumentação usa sobretudo argumentos pela analogia
(56,7%), pelo exemplo (10%) pela comparação, justiça e reciprocidade (6,7%
cada).16 Essa autora ainda observou outras diferenças relativas ao como a
argumentação é feita nesses três gêneros com referência a acordos ou pontos
de partida da argumentação e ao auditório. Esses elementos são importantes
para distinguir esses gêneros tão próximos em sua função ou objetivo
sóciocomunicativo e em sua constituição por tipos.
Parreira (2006, p.144-152), estudando o uso de operadores argumentativos
no gênero jornalístico editorial
editorial, observa que os tipos de argumento mais usados
pelos editoriais são os argumentos pragmáticos (51%), os por ilustração (25,3%),
os por compatibilidade/incompatibilidade (11,7%) e por definição (6,8%)
(PARREIRA, 2006, p.150, tabela 11) que juntos são responsáveis pela quase
totalidade dos argumentos usados nesse gênero (94,89%), ficando apenas 5,11%
para todos os outros tipos de argumentos (p.151, 152). Por outro lado, Parreira
(2006) registra que 80,5% dos argumentos de um editorial são “argumentos
fundamentados na estrutura do real” e 19,5% são “argumentos quase-lógicos”.
Esses dados têm um reflexo na superfície textual quanto aos operadores
argumentativos mais usados no editorial, o que relatamos no item 5, ao falar
das características da superfície textual.
Outros elementos de constituição/composição das categorias, para os quais
sejam observadas regularidades como as anotadas aqui, também podem entrar
na caracterização das categorias pela estrutura composicional.
Cremos ser pertinente colocar aqui a questão sobre a categoria de texto
ser em prosa ou em verso
verso, o que consideramos como espécie por ser definido

16 Arantes (2006) registra outros tipos de argumento para cada gênero, mas que aparecem em porcentagem
bem menor. As porcentagens às vezes ultrapassam 100% devido ao modo de computar os tipos de argumentos
em cada gênero.

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 59


apenas pela forma. Muitas categorias se caracterizam por ser em verso (epopéia,
poema heróico, poemas líricos, etc.), outras por ser em prosa (romance, conto,
ata, atestado, editorial, etc.). Algumas tiveram uma forma e passaram a ser feitas
em outra no correr da história. É o caso das fábulas, inicialmente apenas em
verso e que depois passaram a ser em prosa e a ter versões em prosa de textos
outrora em verso. É um critério que serve para distinguir grandes grupos de
categorias, todavia ficamos em dúvida se ele se inclui no parâmetro da estrutura
composicional ou no das características da superfície lingüística. Essa dúvida
não faz com que o critério seja inválido enquanto tal, mas é apenas um problema
de modelização teórica, com uma certa importância, mas que não inviabiliza o
uso do critério em análises diversas. Em princípio, parece-nos ser um critério
de estrutura composicional com conseqüências gerais na superfície lingüística,
mas permanece a questão.

Objetivos ou função sóciocomunicativa

O terceiro parâmetro para caracterizar as categorias de texto é seu objetivo


e/ou função sóciocomunicativa
sóciocomunicativa. Embora os gêneros sejam definidos por sua
função sóciocomunicativa, os tipos também apresentam objetivos. Esses
objetivos ou funções sóciocomunicativas são identificados por muitos como
um ato ou macro-ato de fala (FÁVERO; KOCH, 1987).
Lembrando que a descrição e a dissertação são discursos do saber/conhecer
e que a narração e a injunção são discursos do fazer/acontecer, Travaglia (1991,
p.49-50) propõe que os objetivos do enunciador ou funções comunicativas desses
tipos são:
a) na descrição visa-se, ao caracterizar, dizer como é o objeto do dizer;
b) na dissertação busca-se o refletir, o explicar, o avaliar, o conceituar, expor
idéias para dar a conhecer, para fazer saber, associando-se à análise e à
síntese de representações;
c) na injunção objetiva-se dizer a ação requerida, desejada, é dizer o que e/ou
como fazer e assim incitar o alocutário à realização da situação;
d) na narração o objetivo é contar, dizer os fatos, os acontecimentos, entendidos
estes como os episódios, a ação em sua ocorrência.
Como se sabe, os textos do tipo argumentativo “stricto sensu” têm sempre
por objetivo convencer e, mais ainda, persuadir o alocutário a fazer algo, ou a
participar de certo modo de ver os fatos, os elementos do mundo. Busca-se a
adesão do alocutário a algo. Já os textos preditivos buscam antecipar a
ocorrência de situações por alguma razão.

60 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


Os objetivos do locutor/enunciador nos tipos de texto sempre configuram o
alocutário/enunciatário de um certo modo. Para Travaglia (1991, p.50), na
descrição, o alocutário se instaura como um “voyeur” do espetáculo; já na
dissertação, ele deve ser um ser pensante, que raciocina; na injunção, ele é
constituído como aquele que realiza aquilo que se requer ou se determina que
seja feito, aquilo que se deseja que seja feito ou aconteça; e na narração o
alocutário é aquele que assiste, o espectador não-participante que apenas toma
conhecimento ou se inteira dos episódios ocorridos. É fácil perceber que o
alocutário do tipo argumentativo “stricto sensu” é aquele que pode aderir ao
que se espera (ação, idéia, sentimento, etc.) e o do tipo preditivo é aquele que
deve crer, acreditar.
Como dissemos em Travaglia (2001, 2007a), o gênero se define por exercer
uma função sóciocomunicativa, que nem sempre é fácil especificar. Por exemplo,
qual é o objetivo, a função sóciocomunicativa de um romance? O objetivo/função
pode variar conforme a época e, neste caso, mudaria a caracterização do gênero.
Em muitos casos, todavia, é mais fácil perceber a função sóciocomunicativa
dos gêneros. Assim, por exemplo, em Travaglia (2002a), ao falar dos gêneros
definidos por atos de fala, tratamos de 48 gêneros que se definem por atos de
fala que representam exatamente sua função sóciocomunicativa. Muitos deles
apresentam funções básicas comuns, conforme foi mostrado pelo Quadro 2,
que reproduzimos aqui.

Grupos de gêneros Função básica comum


01 Aviso, comunicado, edital, informação, informe, Dar conhecimento de algo
participação, citação a alguém
02 Acórdão, acordo, convênio, contrato, convenção Estalecer concordância
03 Petição, memorial, requerimento, abaixo assinado, Pedir, solicitar
requisição, solicitação
04 Alvará, autorização, liberação Permitir
05 Atestado, certidão, certificado, declaração Dar fé da verdade de algo
06 Ordem de serviço, decisão, resolução Decidir, resolver
07 Convite, convocação, notificação, intimação Solicitar a presença
08 Nota promissória, termo de compromisso, voto Prometer
09 Decreto, decreto-lei, lei, resolução Decretar ou estabelecer
normas
10 Mandado, interpelação Determinar a realização de
algo
11 Averbação, apostila Acrescentar elementos a
um documento, declarando,
corrigindo, ratificando
Quadro 2 – Gêneros com função básica comum (TRAVAGLIA, 2002a, p.152, Quadro 2)

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 61


Os gêneros que apresentam a mesma função básica vão se distinguir por
características de outros parâmetros e critérios. Veja no item Condições de
produção, abaixo, uma proposta de distinção dos gêneros do grupo 5 (que
objetivam “dar fé da verdade de algo”) por meio de caracterísiticas relativas a
condições de produção.
Pimenta (2007) define os objetivos/funções de um grande número de gêneros
forenses, como, por exemplo: a) ordem de serviço
serviço, a “função sócio-comunicativa
deste gênero textual é detalhar o que o investigador deve fazer” (PIMENTA,
2007, p.90). É um gênero produzido pelo delegado de polícia e dirigido a
investigadores policiais; b) a denúncia é um gênero produzido pelo Ministério
Público, dirigido ao Juiz de Direito, com o objetivo de solicitar ao juiz (petição)
que leve a julgamento dada pessoa por crimes relatados e qualificados no gênero
(PIMENTA, 2007, p.110); c) a citação é um gênero produzido pelo Juiz de Direito
cuja “função sócio-comunicativa é citar somente o réu ou acusado para
comparecer em juízo e apresentar defesa” (PIMENTA, 2007, p.110); d) a defesa
prévia é um “gênero textual redigido pelo defensor do acusado com a função
sócio-comunicativa de negar os atos imputados ao réu e narrar os fatos segundo
a defesa, neste momento, o réu pode inclusive negar todo seu depoimento
contido no IP”17 (PIMENTA, 2007, p.113); e) apelação
apelação, que é um gênero textual
que pode ser redigido tanto pela acusação quanto pela defesa e cujo objetivo/
função é interpor recurso contra sentença proferida em primeira instância
solicitando a uma instância imediatamente superior a reforma total ou parcial
dessa sentença (PIMENTA, 2007, p.132); e f) o ofício
ofício, que é um gênero “redigido
pelo escrivão da secretaria da vara criminal ao Instituto de Identificação e
Estatística” com o objetivo de “comunicar sobre a remessa dos autos ao juiz
competente” (PIMENTA, 2007, p.145).
Cremos que esses exemplos são suficientes para deixar claro como é a
questão dos objetivos ou funções sóciocomunicativas para a caracterização de
categorias de texto. As espécies parecem não ter objetivos específicos, mas
sempre incorporam o(s) objetivo(s)/função(ções) dos tipos e gêneros a que se ligam.

Características da superfície lingüística do texto

As características da superfície lingüística do texto, a que Bakhtin (1992)


chamou de estilo, são elementos composicionais de formulação da seqüência
lingüística, do que muitos chamam de superfície lingüística. Essas características
podem referir-se a qualquer plano da língua (fonológico, morfológico, sintático,
semântico, pragmático) ou nível (lexical, frasal, textual).

17 IP = inquérito policial.

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É preciso que fique claro que a caracterização por meio desse parâmetro
não se refere pura e simplesmente ao recurso lingüístico utilizado, mas também
a sua relação com as propriedades da categoria. Estamos chamando de
propriedades
propriedades, por exemplo, as perspectivas definidoras dos tipos, a instauração
de locutor e alocutário enquanto enunciadores (produtores de uma enunciação
contextualizada e condicionada pelos contextos de situação e sócio-histórico-
ideológico, por objetivos de interação, etc., enfim, considerando-se as condições
de produção), os objetivos/funções das categorias de texto, os objetivos/funções
definidores de gêneros, etc. Assim, por exemplo, se tomarmos a forma verbal
“presente do indicativo” que aparece nos textos narrativos (história ou não-
história), injuntivos, dissertativos e descritivos dos mais variados gêneros,
veremos que ela exerce papéis ou funções diferentes em cada caso. Na narrativa
passada, pode ter papel de relevo emocional; na narrativa presente real, sua
função é marcar a relação entre o tempo da enunciação e o referencial como
simultâneo; na narrativa de presente “histórico”, dar aparência de atualidade e
forte presenciamento pelo alocutário dos episódios narrados; nos textos
dissertativos e descritivos em conjugação com o aspecto imperfectivo,18 a função
é marcar a simultaneidade referencial das situações que aparecem no texto;
além disso, nos textos dissertativos, em conjugação com os aspectos
indeterminado ou habitual, tem o papel de estabelecer uma duração ilimitada
das situações, o que produz o efeito anotado para este tipo de texto de “verdade
eterna” ou validade por todos os tempos. Por isso mesmo, nos textos dissertativos,
essa forma não marca tempo presente, mas onitemporal. Já nos textos injuntivos,
essa forma aparece com valor de futuro e, em conjugação com modalidades
como ordem, obrigação, proibição, necessidade, volição, produz o efeito de
incitação à realização de algo (TRAVAGLIA, 1991).
Vamos apresentar outros exemplos de características ligadas a esse
parâmetro.
Considerando os tipos propostos por Weinrich (1968), no Português, para os
dois tipos, temos grupos de verbos que seriam, segundo Koch (1984), os seguintes:
a) textos do mundo narrado (em que a perspectiva é de não comprometimento
do locutor/enunciador com o que diz): pretéritos imperfeito, perfeito e mais-
que-perfeito (simples e composto) do indicativo, futuro do pretérito (simples
e composto);
b) textos do mundo comentado (em que a perspectiva é de comprometimento
do locutor/enunciador com o que diz): presente do indicativo, pretérito
perfeito composto, pretérito perfeito simples (retrospectiva), futuro do
presente simples e composto.

18 Estamos utilizando o quadro de aspectos proposto por Travaglia (1981).

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 63


Como se sabe, Weinrich ainda agrupa as formas verbais de cada tipo de
texto segundo uma perspectiva comunicativa (grau zero, prospecção,
retrospecção) e relevo (primeiro e segundo planos).
Isso nos dá, por exemplo, uma diferença importante entre uma descrição
com o presente do indicativo e uma descrição com o pretérito imperfeito do
indicativo. Na primeira, que será do mundo comentado, o falante pode, numa
interação, ser cobrado pelo interlocutor em termos de responsabilidade pelo
que disse. Já com a descrição no pretérito imperfeito, isso não será possível.
Em Travaglia (1991), estudamos o funcionamento textual-discursivo do verbo
no Português do Brasil e observamos que o uso dos tipos de verbos e situações
por eles indicadas e das formas e categorias verbais é altamente regulado pelos
quatro tipos de textos que utilizamos na análise (descrição, dissertação, injunção
e narração), havendo uma correlação clara entre propriedades e marcas
lingüísticas na formulação de cada tipo de texto. Alguns fatos são apresentados
a seguir, em forma resumida e bastante simplificada:19

A) Textos descritivos
a) contrariamente ao que se tem proposto, a descrição se faz sobretudo
com verbos dinâmicos.20 Os estáticos aparecem muito na descrição
estática, mas eles não são a maioria;
b) os únicos verbos gramaticais que aparecem são os de ligação,
sobretudo na descrição estática, daí o alto número de frases nominais,
que aparecem também sem verbo;
c) aparecem verbos enunciativos ligados à visão, já que se instaura o
interlocutor como “voyeur”: ver, perceber, notar, observar, admirar,
avistar (todos em sentido sensorial);
d) os textos descritivos só são possíveis com o aspecto imperfectivo,
sendo que na descrição narradora aparecem os aspectos durativo e
iterativo (de duração limitada) e na descrição comentadora,21 os
aspectos indeterminado e habitual (de duração ilimitada). A descrição
ainda é caracterizada pelos aspectos começado e cursivo;
e) por ser um tipo de texto do conhecer, o predomínio quase total é da
modalidade epistêmica da certeza. Às vezes aparece a possibilidade
(menos de 1%);
f) a hipótese de Travaglia (1991, p.261) é “de que o tempo22 para a
descrição será dado sempre pela relação entre o tempo referencial e

19 Permitam os leitores que repitamos aqui um resumo feito em Travaglia (2002b).

20 Utiliza-se aqui a classificação de verbos proposta por Travaglia (1991, capítulo 3).

21 Sobre a distinção entre descrição narradora e comentadora ver o item sobre o tipo descritivo, acima, e
Travaglia (1991, capítulo 2 e item 6.3.1).
22 Entenda-se aqui a categoria de tempo e não as formas verbais. Para nós (TRAVAGLIA, 1991), o verbo no
português faz as seguintes marcações temporais: passado, passado até o presente, presente, presente para
o futuro, futuro, onitemporal; além, é claro, da ausência de marcação temporal.

64 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


o da enunciação23: a) passado para as descrições passadas” (estáticas
e dinâmicas, narradoras e comentadoras) (observou-se ocorrência de
100%); b) “onitemporal para as descrições presentes de comentário”
(estáticas ou dinâmicas) (observou-se ocorrência de 100%); c)
“presente para as descrições presentes de narração”; e d) “futuro para
as descrições futuras”.24
B) Textos dissertativos
a) são os textos com maior porcentagem de verbos gramaticais,
sobretudo os auxiliares modais das mais diferentes modalidades, os
ordenadores textuais, as expressões e os verbos de relevância. Estes
seriam caracterizadores dos textos dissertativos;
b) contêm todos os tipos de verbos: dinâmicos, estáticos e gramaticais;
c) aparecem os verbos enunciativos de pensar, já que se instaura o
interlocutor como ser pensante, que raciocina: pensar, achar, saber,
parecer, etc;
d) os textos dissertativos só podem ser formulados com os aspectos
imperfectivo, começado, cursivo e os de duração ilimitada
(indeterminado e habitual), já que pretendem apresentar fatos como
válidos para todos os tempos;
e) como um texto do conhecer conceitual, é o tipo de texto com o maior
número de modalidades presentes, mas predominam as modalidades
da certeza (83,7%), da possibilidade (10,37%) e da probabilidade
(4,08%). Ainda aparecem obrigatoriedade, permissibilidade,
necessidade e volição (todas com menos de 1% e como objeto de
análise);
f) aparecem todos os tempos verbais (categoria), mas a predominância
é do onitemporal (67,85%) ou do tempo não marcado (21,86%),
seguidos do futuro (4,18%), do presente (3,21%) e do passado até o
presente (1,61%) nesta ordem. A marcação de presente para o futuro
não apareceu. Entende-se a predominância do onitemporal e do não-
marcado, tendo em vista as propriedades da dissertação de apresentar
idéias vistas como válidas para todos os tempos, o conhecer abstraído
do tempo. A marcação de passado até o presente parece ser
característica do texto dissertativo.
C) Textos injuntivos
a) aparecem auxiliares modais de modalidades imperativas, sobretudo
ordem, obrigação e prescrição;
b) são constituídos essencialmente de verbos dinâmicos (ações);
c) aparecem verbos enunciativos mais no discurso indireto, e ligados à
condição do produtor do texto de incitador e do recebedor de potencial
executor das ações: mandar, ordenar, determinar, pedir, suplicar,
sugerir, recomendar, etc.

23 Travaglia (1991, capítulo 5) propõe e distingue três tipos de tempos envolvidos na formulação dos textos: o
referencial, o do texto e o da enunciação.
24 As porcentagens referem-se aos verbos com a categoria de tempo atualizada. Para os casos que não se
apresentam porcentagens, o autor considerou os dados encontrados não significativos quantitativamente,
mas confirmando a hipótese.

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d) são marcados pela não atualização do aspecto;
e) só são possíveis com as modalidades imperativas (obrigação,
permissão, ordem, proibição, prescrição) e com a volição e que são
características dos textos injuntivos;
f) o tempo característico é o futuro independentemente da forma verbal
(100% dos verbos com tempo atualizado).
D) Textos narrativos
a) os verbos gramaticais predominantes são os marcadores temporais
e os auxiliares aspectuais, o que é coerente com a propriedade dada
pela perspectiva de inserção no tempo e também os auxiliares
semânticos (que dão detalhes ou nuances dos fatos narrados);
b) são constituídos essencialmente por verbos dinâmicos (ações, fatos,
fenômenos, transformativos);
c) aparecem verbos enunciativos de contar e assistir, já que o produtor
é o contador e o receptor é o assistente dos episódios: presenciar,
assistir, ver (tudo/o que acontecer/suceder/ocorrer), contar, relatar,
narrar, falar/dizer (tudo/o que acontecer/ suceder/ocorrer);
d) só são possíveis com o aspecto perfectivo que caracteriza a narração.
Dos aspectos de duração, os mais característicos da narração são o
durativo, o iterativo e o pontual;
e) as modalidades características desse tipo de texto são a certeza e a
probabilidade, uma vez que são os textos que dão a conhecer os
acontecimentos;
f) também para a narração o tempo atualizado depende da relação entre
o tempo referencial e o da enunciação: a) presente na narração
presente (85,65% dos verbos com tempo atualizado. O passado
aparece com função retrospectiva.); b) passado na narração passada
(98,50% dos verbos com tempo atualizado). O presente aparece com
função de relevo emocional; c) futuro nas narrações futuras (os dados
não foram quantitativamente significativos, mas confirmam a
hipótese).

Travaglia (1991) ainda apresenta outros fatos sobre os tipos de verbos e


situações, as formas e as categorias verbais (inclusive pessoa e voz), mas cremos
que esses exemplos são suficientes para mostrar características desses quatro
tipos de textos relativas à superfície lingüística no que respeita ao uso dos tipos
de verbos e das formas verbais, mas sobretudo das categorias de tempo,
modalidade e aspecto.
Um outro exemplo, fora dos elementos do verbo, é o fato de que nos textos
narrativos (em que a perspectiva do produtor do texto em relação ao objeto do
dizer é a do fazer ou acontecer inserido no tempo – TRAVAGLIA, 1991, 2007a) a
formulação lingüística vai exigir o uso de recursos da língua para marcação
desse tempo, daí a presença maior em textos narrativos de recursos da língua
marcadores de tempo
tempo, pois, além da marcação de tempo feita pelos verbos,
observa-se o uso muito freqüente nesse tipo de texto de recursos, tais como: a)

66 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


expressões: era uma vez; b) datas: em 1997, no dia 25 de outubro de 2003; c)
conectores de valor temporal: conjunções e locuções conjuntivas (quando,
enquanto, logo que, assim que, depois/antes que, etc.); preposições ou locuções
prepositivas (após, antes de, depois de, etc.); seqüenciadores ou encadeadores
temporais no tempo referencial, tais como: aí, daí, então, etc.; d) advérbios e
adjuntos adverbiais de tempo: há muito tempo atrás, à noite, em três dias, por
muitos anos, dali a algum tempo, naquele momento; e) nomes (substantivos e
adjetivos) indicadores de tempo: dia, mês, semana, ano, década, atrasado,
adiantado, temporário, transitório, etc.), entre outros; f) tempos verbais: passado,
presente, futuro.
É interessante observar que alguns desses recursos são mais usados para
certos tipos de narrativas. Assim, por exemplo, as narrativas ficcionais geralmente
se inserem num tempo pouco específico, como em (4), já as narrativas nas notícias
costumam ter indicações temporais mais precisas, com datas, por exemplo, como
em (5). Outras formas de narrativa parece que apresentam uma inserção no
tempo dada apenas pelo tempo verbal como algo passado (veja, por exemplo,
piadas, fábulas, apólogos, parábolas) ou futuro (como no caso das profecias e previsões).

(4) Era uma vez, há muito tempo atrás, quando havia fadas e bruxas andando pela Terra,
um príncipe ...

(5) O presidente Lula, esteve em Cuba no dia 26/09/2003, onde estabeleceu acordos
comerciais com aquele país...

Na verdade o uso de conectores e de tipos de relações entre cláusulas


tem se revelado ligado ao tipo de texto:
a) nos descritivos predominam os conectores de conjunção, somando as
características que formam o “quadro” resultante da descrição e aparecem
também os de contrajunção, permitindo a oposição de características para
o mesmo fim (Ela é bonita, mas um pouco deselegante);
b) nos dissertativos
dissertativos, como importam as relações entre idéias constituintes do
conhecer, aparecem conectores para os mais diferentes tipos de relações:
conjunção, contrajunção ou oposição, disjunção ou alternância, causa /
conseqüência (explicativas, justificativas, causais, condicionais, finais,
consecutivas, conclusivas), comparação (comparativas, conformativas),
comprovação, especificação (incluindo a exemplificação) entre outras;
c) na narração já falamos da importância dos conectores para marcar as
relações temporais;
d) na injunção são importantes os conectores de seqüenciamento de ações
(em textos injuntivos que ensinam a fazer e como fazer com diversos passos)

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 67


e de justificativa (para justificar o incitamento feito para determinada ação,
na parte da superestrutura do texto injuntivo vista quando falamos da
estrutura composicional).
O recurso principal no estabelecimento de seqüência e ordem referencial
de situações nos textos é o aspecto verbal que, segundo Travaglia (1991, capítulo
5, 1994), constitui o princípio básico do seqüenciamento e ordenação referencial
transcrito em (6). Esse princípio dá conta do seqüenciamento e ordenação não
só na narrativa, mas também nas descrições, dissertações e injunções.

(6) 1) Dada uma seqüência de situações em um texto, duas situações contíguas na


linearidade textual:
a) serão seqüentes, se o aspecto do verbo das orações ou frases que as expressam
for perfectivo (Ver exemplos 8 e 9);
b) serão simultâneas, se o aspecto do verbo de pelo menos uma das orações ou
frases que as expressam for imperfectivo (Ver exemplo 10);
c) se forem seqüentes, a ordem referencial (cronológica) será aquela em que aparecem
no texto (Ver exemplos 8 e 9), a não ser que haja instruções em contrário dadas por
qualquer um dos elementos ordenadores apontados em (7) (Ver exemplos 11, em
que se tem a mesma ordem referencial do exemplo 8)
d) a simultaneidade estabelecível por b pode ser transformada em seqüência pelos
elementos ordenadores de (7.1) a (7.7).
2) se tivermos duas situações seqüentes e uma delas tiver aspecto acabado em
combinação com tempo relativo de anterioridade ou com o advérbio “já”, ou com tempo
passado em relação a presente ou futuro, a situação com aspecto acabado será anterior
à outra, mesmo que esteja depois no texto. (TRAVAGLIA, 1991, p.129-130) (Ver exemplo
12 em que se tem a mesma ordem do exemplo 8)

(7) A atuação do princípio de (6) no seqüenciamento e ordenação é complementada pelos


seguintes recursos e princípios:
1) o tempo verbal absoluto (passado, presente, futuro) seqüencia as situações nesta
ordem;
2) o tempo relativo: a) pretérito mais-que-perfeito do indicativo, em conjunto com o
aspecto acabado, marca a situação como anterior a um momento indicado por adjunto
adverbial ou situação(ções) no perfectivo (Veja exemplo 12); b) o futuro do pretérito
marca posterioridade;
3) elementos lingüísticos diversos de valor temporal ou com implicações temporais,
que podem marcar anterioridade, simultaneidade, posterioridade: a) elementos adverbiais
de valor temporal: advérbios, sintagmas adverbiais, orações adverbiais; b) datas; c)
preposições (após, antes de, depois de, etc.); d) conjunções (enquanto, depois que, antes
que, logo que, etc.); e) verbos (iniciar, começar, terminar, etc.) outros elementos
ordenadores, tais como: primeiro, segundo, último, penúltimo, aí, daí, etc.;
4) o conhecimento de mundo, por meio: a) do conhecimento de esquemas, planos e
scripts; b) de relações entre orações e períodos que expressam situações: causa e

68 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


conseqüência/efeito; meio e fim; condição e condicionado; ação e resultado;
possibilidade e realização, etc.; c) da ordenação de tipos de situações; d) do próprio
valor do semantema de certos verbos, como preceder, seguir(-se), acompanhar, etc.,
quase sempre com as situações indicadas por nomes.
5) elementos do conhecimento de mundo que funcionam como instruções em contrário
a (6.1.a): a) quando várias situações são constituintes de outra; b) as fases de realização
e de desenvolvimento de uma situação, sendo partes constituintes dela também não
são vistas como seqüentes a outras situações, mas têm uma ordem entre si; c) dois
verbos distintos que indicam a mesma situação (seja por repetição do mesmo item
lexical, seja porque são sinônimos ou temos um verbo vicário);
6) o conhecimento de mundo que nos diz que duas ou mais situações com o mesmo
sujeito e no imperfectivo não podem ter realização simultânea, é uma instrução em
contrário a (6.1.b) e, neste caso, as situações serão vistas como seqüentes;
7) instruções em contrário a (6.1.a) e (6.1.c) ocorrem quando se tem relações entre
situações que não permitem afirmar se as situações são seqüentes ou simultâneas,
nem estabelecer uma ordem para as situações. Isto ocorre: a) quando uma ou mais
situações são ligadas a uma só, representando exemplos, conseqüências, reações,
especificação, etc.; b) quando se tem uma ou mais situações englobadas em um período
de tempo dado por outra situação, constituindo uma espécie de efeito lista, quando se
tem mais de uma situação;
8) alguns tipos de situação mantêm entre si uma relação que resulta em ordenação
referencial porque: a) representam o início ou término de outra situação; b) sua ocorrência
representa ao mesmo tempo o término de uma situação prévia e o início de uma nova.
São os verbos transformativos, como engordar. Essas situações são percebidas como
ocorrendo na ordem dada a seguir independentemente da ordem em que aparecem no
texto: c) situação pontual inceptiva à processo à situação pontual terminativa (Exemplo:
partir → ir → chegar); d) estado ou característica → mudança de estado/transformativo
→ novo estado ou característica (Exemplo: ser/estar magro → engordar → ser/estar
gordo.
9) a marcação de aspectos relativos às fases de realização (não-começado / começado
/ acabado) e desenvolvimento (inceptivo – início / cursivo – meio / terminativo – fim)
das situações, conjugada com a indicação de duas noções temporais (passado recente
e futuro próximo), também leva à ordenação de situações, pois se percebe as situações
no mundo real como acontecendo na seguinte ordem:
prestes a acabado
não-começado → → começado → → acabado
começar há pouco
inceptivo → cursivo → terminativo

(TRAVAGLIA, 1991, p.130-139)

Vejamos alguns exemplos em que se pode perceber a aplicação de parte


dos princípios acima e que são importantes na caracterização das categorias
de texto.

(8) João mudou para Uberlândia e comprou uma casa.

Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007 69


(9) João comprou uma casa e mudou para Uberlândia.

(10) João comprou uma casa quando morava em Uberlândia.

(11) a) João comprou uma casa, depois que mudou para Uberlândia.
b) Antes de comprar uma casa, João mudou para Uberlândia.

(12) Quando comprou a casa, João tinha mudado para Uberlândia.

O uso desse princípio vai permitir a caracterização de descrição, dissertação,


injunção e narração quanto a esses aspectos de superfície lingüística diretamente
ligada a elementos de conteúdo e sua organização, uma vez que o que está
nesses princípios tem uma realização lingüística específica.
Vimos que o editorial de jornal é um texto composto pela fusão dos tipos
dissertativo e argumentativo “stricto sensu”, fusão que aparece como necessária
e dominante na composição desse gênero. Parreira (2006, p.125-132) faz um
estudo do uso de operadores argumentativos em tal gênero25 e constata que
os dois grupos de operadores que são mais usados são os que têm as seguintes
funções: “a) introduzir um argumento apresentado como acréscimo, um
argumento a favor de uma determinada conclusão (22,10%); b) assinalar uma
oposição (15,04% + 3,35% = 18,39%)” (PARREIRA, 2006, p.128), “contrapor
argumentos orientados para conclusões contrárias” (p.130). No primeiro grupo
estão incluídos os seguintes operadores: além disso, ainda mais, além de, e mais,
e, também, nem, nem mesmo, ademais, não apenas ... mas, não apenas ... mas
também, e não só porque ... mas também, não só ... mas também, sobretudo, e
também, além, mais uma vez, mais ainda, aliás, ainda, e ainda (PARREIRA, 2006,
p.124, 130). O segundo grupo a autora divide em dois subgrupos: a) no primeiro
aparecem aqueles que introduzem argumentos que se contrapõem usando uma
estratégia de suspense (15,04%): mas, mais ainda, mas também, entretanto,
porém, contudo, todavia, do contrário, no entanto, agora, ao contrário. b) no
segundo aparecem aqueles que introduzem argumentos que se contrapõem
usando uma estratégia de antecipação (3,35%): embora, mesmo que, apesar de,
ainda que. Parreira (2006) ainda evidencia que o predomínio dos operadores
com essas duas funções tem uma correlação direta com os tipos de argumentos
mais usados, conforme vimos ao falar da estrutura composicional. Como se pode
ver, essa característica da superfície lingüística acaba por ser caracterizadora
do editorial em seu funcionamento argumentativo. Por isso dissemos que a
caracterização pelos recursos da superfície lingüística não pode ser desvinculada
das propriedades da categoria de texto.

25 Parreira (2006) trabalhou com 78 editoriais, com uma média de 14.153 operadores por editorial, de três
grandes jornais: Folha de S. Paulo (27 editoriais / 35,9%), O Globo (26 editoriais / 32,5%) e Estado de Minas
(25 editoriais / 31,6%) para evitar o viés do estilo de um jornal em sua caracterização.

70 Alfa, São Paulo, 51 (1): 39-79, 2007


Freitas (1997) estudou o gênero folheto de hotéis do Brasil, da Inglaterra e
dos Estados Unidos da América, escritos em Inglês, e constatou em sua pesquisa
que esses folhetos no nível lexical são caracterizados por um conjunto recorrente
de palavras que ela dividiu em dois grupos: a) o de palavras-chave (key words)
e b) o de palavras super-chave (key key words). As palavras-chave dos folhetos
de cada país eram recorrentes nos folhetos daquele país. As palavras super-
chave são as que apareciam nos folhetos de mais de um país. Aqui vamos listar
apenas as palavras super-chave e que apareceram nos folhetos dos três países
com uma freqüência acima de 0,10%, que a autora usou como ponto de corte
estatístico. São elas: fax, facilities, enjoy, special, service, hotel, to, club, suites,
this, that, by, private, reservations, it, park, our, hotels, room, rooms, restaurant,
in, international, offers, be, all, your, area, you, and, bar (FREITAS, 1997, p.135-
136). A autora ainda discute o papel das palavras-chave e super-chave em relação
às três macro funções propostas por Halliday (a textual, a experiencial e a
interpessoal). A análise e caracterização feita pela autora vão além do que
apresentamos aqui, mas queremos apenas que se tenha um exemplo em que o
uso de um conjunto de palavras caracteriza, no nível lexical, um gênero pela
sua presença constante nesse gênero. Dentro do quadro teórico que propomos,
pode-se levantar a hipótese de que essa caracterização lexical dos “folhetos de
hotel” tem uma relação direta com o conteúdo temático que se especializa por
termos uma espécie do gênero definida pelo conteúdo: hotel. Talvez um reflexo
da coesão seqüencial por manutenção temática.
Como se pode observar, a caracterização das categorias de texto pelo
parâmetro de como se constrói a superfície lingüística do texto pode apresentar
recursos de todos os planos e níveis como caracterizadores. Desse modo não se
pode esquecer que elementos composicionais de formulação da seqüência
lingüística, advindos da correlação entre marcas e propriedades próprias da
categoria de texto em formulação ou recepção configuram características de
superfície lingüística de cada categoria de texto e, portanto, têm de ser
observadas ao caracterizar tais categorias.

Condições de produção

O quinto parâmetro de critérios para caracterização das categorias de texto


se relaciona ao que decidimos chamar de condições de produçãoprodução. Até o
momento pudemos observar que nesse parâmetro podemos incluir e observar:
quem produz, para quem, quando, onde (geralmente um quadro institucional),
o suporte, o serviço, etc.
quem produz
O critério de “quem produz” inclui tanto o indivíduo (geralmente ocupando
um lugar social) como a comunidade discursiva (SWALES, 1990), ou esfera de

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ação social (BAKHTIN, 1992), ou formações sociais (BRONCKART, 2003), ou
domínio discursivo (MARCUSCHI, 2002). A comunidade discursiva é importante
na caracterização sobretudo dos gêneros que, como vimos, são os que realmente
circulam e funcionam em dada sociedade e cultura. Assim, se o texto é da esfera
jornalística, forense/jurídica, administrativa, literária, médica, acadêmica,
religiosa (considerando-se e distinguindo-se diferentes grupos religiosos), das
relações familiares e das relações sociais do dia-a-dia, publicitária, comercial,
industrial, etc., é muito importante, inclusive porque, em alguns casos, temos
gêneros com um mesmo nome, mas que identificam categorias distintas em
comunidades discursivas distintas. Este é o caso do ofício ofício, que, como vimos no
item 4, para a comunidade forense é um gênero “redigido pelo escrivão da
secretaria da vara criminal ao Instituto de Identificação e Estatística” com o
objetivo de “comunicar sobre a remessa dos autos ao juiz competente”
(PIMENTA, 2007, p.145) e na administração em geral é uma espécie do gênero
correspondência caracterizada por uma estrutura composicional (forma) que
configura a seguinte superestrutura:26 a) o timbre do papel identificando a
instituição ou órgão que envia o ofício (optativo); b) epígrafe (onde se coloca a
palavra “ofício” seguida das siglas do órgão/instituição que envia o ofício, uma
numeração do ofício seguida do ano de envio, e a data na mesma linha); c)
ementa (optativo) em que se coloca uma síntese do assunto para que o recebedor
saiba logo de que se trata; d) invocação ou vocativo: em que geralmente se
coloca a forma de tratamento “senhor(a)” seguida da indicação do cargo da
pessoa a quem o ofício se dirige; e) contexto ou desenvolvimento: parágrafo(s)
em que se desenvolve o assunto objeto do ofício; f) fecho: geralmente coloca-se
uma forma de cortesia como “atenciosamente”, “saudações”, etc.; g) assinatura
e cargo: aparece o nome do responsável pela comunicação feita no ofício e seu
cargo ou função; h) indicação de anexos quando ela não foi feita no contexto ou
desenvolvimento; i) destinatário: coloca-se à esquerda, em linhas separadas, o
vocativo com forma de tratamento, o nome do destinatário, o cargo acompanhado
de fórmula de enobrecimento abreviada (DD. = digníssimo ou MM. = meretíssimo,
etc.), órgão ou instituição e local (cidade e estado); j) redator e digitador (opcional):
coloca-se geralmente da seguinte forma: iniciais do redator em maiúsculas /
iniciais do digitador em minúsculas.
No Quadro 2, dissemos que os gêneros atestado, certidão, certificado e
declaração têm todos o objetivo básico de “dar fé da verdade de algo”. Eles vão
se distinguir por características de outros parâmetros e critérios. Assim, com
relação à superfície lingüística, eles vão se caracterizar pela presença de certos
verbos, como atestar, certificar, declarar, etc. No que diz respeito às condições
de produção, eles vão se distinguir por quem pode produzir e em que quadro

26 Tomada a Cunha e Matos (1985, p.34), com algumas adaptações e atualizações.

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institucional, conforme especificado a seguir. A certidão dá fé da verdade de
algo pela transcrição de registros existentes em instituições e órgãos geralmente
públicos e só pode ser feita por tabeliães em cartórios (como no caso de certidões
de nascimento, casamento, óbito, de escritura, etc.) ou funcionários de órgãos
públicos autorizados (como no caso das certidões negativas de débitos com
prefeituras, receitas estaduais e federais, delegacias, etc.). No certificado
geralmente se dá fé da verdade de que alguém realizou algo em dada instituição
(por exemplo: cursos, treinamentos, apresentações em congressos, etc.) e, por
isso, quem pode emitir um certificado é sempre uma autoridade responsável
pela instituição em que o fato se deu (por exemplo: diretor de escola, coordenador
de curso, secretário de educação, diretor de instituição em que alguém realizou
estágio, coordenador/presidente de evento). Já o atestado geralmente é feito
por alguém que tem competência técnica (atestado médico, por exemplo) ou
institucional para fazê-lo (como no caso do atestado de bons antecedentes).
Finalmente, a declaração pode ser feita por qualquer cidadão disposto a
responsabilizar-se pela verdade de algo perante outrem ou perante algum órgão
ou instituição (por exemplo, a declaração que alguém faz para um juiz, dizendo
conhecer um casal e que eles estão separados de fato há mais de três anos, e o
faz para fins de separação legal com mais facilidades na justiça ou que declara
que uma mulher M viveu maritalmente com um homem pelo tempo X, num
processo de pedido de pensão ou de disputa de bens).
No caso da comunidade forense ou jurídica, extremamente formal e
estruturada no que diz respeito aos seus gêneros, muitas vezes dois gêneros
muito próximos se distinguem apenas por quem pode produzi-los e os produz.
Esse é o caso, por exemplo, da queixa crime e da denúncia. Vimos que a denúncia
é um gênero sempre redigido por um promotor do Ministério Público, solicitando
(é uma petição) a abertura do processo contra o agente do fato criminoso
(PIMENTA, 2007, p.110). Já a queixa crime com o mesmo tipo de conteúdo e
objetivo da denúncia tem condições de produção diferentes. Como diz Pimenta
(2007), a queixa crime é

texto similar ao da denúncia a diferença está nas condições de


produção do texto por tratar-se de crime de ação penal privada ou
subsidiária da pública nos crimes contra a honra e os costumes.
A denúncia é obrigatoriamente oferecida pelo MP em ação penal
pública incondicionada, já a queixa crime é obrigatoriamente
oferecida pelo defensor do querelante. (PIMENTA, 2007, p.124)

Na comunidade discursiva forense e jurídica a denúncia só pode ser


produzida por um promotor do Ministério Público, enquanto a queixa crime é
feita pelo advogado que defende o proponente da ação. O tipo de crime em que

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ela é possível é diferente dos crimes denunciados pelo Ministério Público. Ambas
dirigem-se a um juiz.
Pimenta (2007) mostra que, na comunidade discursiva forense, para
ocorrência do processo penal há muitos gêneros que só podem ser produzidos
por agentes específicos da comunidade: delegado, policial, escrivão, promotor,
juiz, técnicos especializados, etc., e em circunstâncias específicas. Como seria
longo reproduzir aqui todos os exemplos, remetemos o leitor a esse estudo.
Dentre as condições de produção parece interessante observar aquilo que
se tem denominado nos estudos sobre gêneros de suporte
suporte, definido de modo
geral como o espaço-objeto que porta o texto, em que o texto ganha
materialidade — “um locus físico ou virtual com formato específico que serve
de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”
(MARCUSCHI, 2003, p.3) e também o que se chama de serviço
serviço. Muitos gêneros
só existem em suportes específicos, como o e-mail (com um suporte específico:
um programa de computador em um meio virtual e num serviço específico –
provedor de internet). Filmes só podem aparecer em superfícies de celulose ou
mais recentemente em suportes digitais e, quando projetados, em uma tela.
Cartas, além de terem uma forma específica que as distingue de outras espécies
do gênero correspondência, sempre têm como suporte o papel em que são
escritas e são levadas até o destinatário por um serviço de correio ou por um
mensageiro que faz o papel de transportador da carta. O telegrama já usa um
outro serviço, pois é transmitido via telégrafo ou outro meio mais atual, não
levando o que o locutor escreveu (a mão, datilografando ou digitando), pois a
redação é dele, mas não a produção física da mensagem. Convites podem usar
o mesmo suporte (folha de papel) e serviço transportador da carta. Evidentemente
cartas, telegramas e convites têm características de outros parâmetros
(principalmente estrutura composicional: superestrutura e superfície lingüística)
que os distinguem. Assim, por exemplo, sempre se destacou no telegrama sua
linguagem concisa, que inclusive deu origem ao epíteto “linguagem telegráfica”.
Creio que é interessante transcrever aqui o exemplo dado por Araújo (2006)
ao discutir a questão do suporte e sua influência no estabelecimento, na definição
do gênero enquanto tal, portanto como tomando parte possível na caracterização
dos gêneros.

Contudo, como Marcuschi alerta, nem sempre essa relação é


tranqüila, pois verificamos casos em que ocorre o contrário: o suporte
é determinante para distinguir o gênero. Exemplificando, tomemos o
seguinte texto:

(1) Paulo,
Parabéns! Você passou no vestibular!

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Um abraço!
Sua mãe, Maria.

Esse texto, se for escrito em um pequeno pedaço de papel e


colocado por Maria sobre a mesa da sala, para que Paulo, ao chegar
de uma viagem tenha contato com o fato exposto, tal texto é um
bilhete. Se Paulo estiver trabalhando, chegar em casa “correndo” para
apenas tomar um banho e ir à Faculdade [...], ao ouvir na secretária
eletrônica esse texto,27 ele muda para um recado. Se Paulo fizer uma
viagem de negócios, e, no local em que estiver, abrir sua caixa de
mensagens na internet, e deparar com esse texto, ele terá um e-mail.
Numa outra situação, se Paulo tiver feito um vestibular numa cidade
distante onde sua mãe mora, e caso Paulo não possuísse telefone,
sendo que o resultado lhe será informado por sua mãe que lhe enviará
um telegrama com esse texto, temos assim um novo gênero. Podemos
perceber que em todos os gêneros, o conteúdo não mudou, teve o
mesmo fim, no entanto, o que determinou a caracterização do gênero
– bilhete, recado, e-mail, telegrama – foi exatamente o suporte, ou
seja, o gênero acabou por ser identificado graças a sua relação com o
suporte. (ARAÚJO, 2006, p.39)

Percebe-se pelo exemplo de Araújo (2006) que os suportes efetivamente


podem contribuir para a caracterização das categorias de texto, sobretudo dos
gêneros.

Considerações finais

Como se pode perceber, a caracterização de um tipo, gênero ou espécie de


texto será feita por meio da utilização de diversos parâmetros e critérios. É
preciso, entretanto, estar ciente de que: a) não é necessário nem obrigatório o
uso de todos os parâmetros e critérios na caracterização de todas as categorias
de texto: às vezes apenas um permite fazer a caracterização, às vezes é preciso
conjugar mais de um parâmetro e/ou critério; b) a caracterização pode ser feita
tanto pela presença quanto pela ausência dos elementos implicados nos
parâmetros e critérios; c) é preciso haver uma regularidade ou freqüência para
que o elemento em foco seja caracterizador de uma categoria e é preciso evitar
estabelecer tais regularidades pela observação de um ou dois exemplares de
dada categoria de texto; d) não é só a presença ou ausência do parâmetro ou
critério que caracteriza a categoria de texto, mas também como os elementos
caracterizadores se relacionam e/ou interferem uns com os outros, como eles
se combinam na categoria; e) sempre há, portanto, uma inter-relação entre os
27 O autor escreveu “ouvir na secretária eletrônica esse fato”. Trocamos “fato” por “texto”, por acharmos mais
adequado ao que estamos defendendo.

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critérios e parâmetros que é importante para a caracterização; f) com freqüência
um fato não é absoluto, mas há uma tendência que se mostra pertinente para a
caracterização, como no caso do tipo de personagem para fábulas, apólogos e
parábolas e no caso dos tipos de argumentos para o editorial; g) a distinção
entre gêneros muito próximos, por exemplo, pode se dar mais pelo jogo entre as
características do que pelas características em si.
É preciso também lembrar que, como os tipos compõem os gêneros, não se
deve ou pode apresentar como característica exclusiva de um gênero aquelas
características que ele apresenta por ser composto por um ou mais tipos, seja
em cruzamento ou fusão, seja em conjugação. O fato de os tipos e espécies
serem obrigatórios ou não na composição de um gênero, de o tipo ser ou não
dominante em relação aos outros com que se conjuga, é também critério de
estrutura composicional para a caracterização do gênero (TRAVAGLIA, 2007b).
Acreditamos na possibilidade de existência de outros parâmetros e critérios
para a caracterização de categorias de texto, além dos que elencamos aqui, e
na pertinência de sua utilização e pertinência para tal caracterização. A sua
descoberta, especificação e explicação é contribuição de pesquisa que
esperamos fazer ou que seja feita para além do que já conseguimos reunir aqui
a partir de nossas observações e estudos e de estudos de outros pesquisadores.

TRAVAGLIA, L. C. The characterization of text categories: types, genres and species. Alfa,
São Paulo, v.51, n.1, p.39-79, 2007.

• ABSTRACT: In this paper, we aim at discussing parameters and criteria to characterize


text categories which can be considered as types, genres or species (Travaglia, 2007a).
Such characterization is essential for identifying and distinguishing the categories to which
texts can pertain. Our proposal is that the different criteria for this purpose can be grouped
according to five distinct parameters: a) the content; b) the compositional structure; c)
the socio-communicative objectives and functions of the category; d) the linguistic surface
characteristics, generally in correlation with other parameters; and e) elements that can
be attributed to the production conditions of the text category.
• KEYWORDS: Discursive and textual genre; text type; text species; characterization.

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