Título: A formação da CECA e a sua importância para a construção europeia
Escrito em: Maio de 2005
Tema: CECA, CEE, construção europeia, Europa, história da UE, UE. Nº de palavras: 1450
Após a II Guerra Mundial, a situação da Europa é inquietante. Os EUA,
preocupados com a expansão militar e ideológica da URSS, impulsionam a integração progressiva da RFA no sistema ocidental. Há uma tomada de consciência de que só uma Europa com uma Alemanha plenamente integrada poderá fazer face à ameaça soviética. Por isso, os EUA pressionam os países europeus para que permitam a recuperação da Alemanha, o seu rearmamento e a sua entrada nos mecanismos de segurança. Contudo, isto era bastante complicado de realizar, devido às profundas feridas de guerra. Nesta altura, o objectivo principal da política francesa era a de manter as maiores restrições possíveis em relação à Alemanha, para que a França tivesse tempo suficiente para recuperar politica e economicamente, embora estivessem conscientes de que esta politica não poderia manter-se para sempre e que o dinamismo alemão não poderia ser travado indefinidamente. As tensões manifestam-se, sobretudo, à volta das indústrias do carvão e do aço, muito importantes nesta altura e fonte inesgotável de conflitos entre franceses e alemães. Os acordos de Petersberg tinham posto fim à ocupação aliada da Alemanha Ocidental, mas deixaram duas questões territoriais por resolver: a anexação francesa do Sarre e a administração internacional do Ruhr. A França e o Benelux resistiam à ideia de transferir o controlo do Ruhr para as autoridades alemãs, porque aqui concentrava-se 40% do poderio do ferro e do aço da Europa. Os motivos profundos destas tensões franco-alemãs e a necessidade de encontrar uma solução para a integração da Alemanha ocidental na Europa foram bem entendidos por Jean Monnet, que tinham compreendido, antes de qualquer outro, que os europeus necessitavam de criar mecanismos efectivos de coordenação económica e política. Em 1950, Jean Monnet partilhava das preocupações dos dirigentes franceses de que a crescente tensão desse lugar a um aumento do proteccionismo e desconfiança, o que constituiria uma ameaça à paz. Monnet considerava que era necessário que esta situação estática mudasse, pois só se os europeus acabassem com o medo do domínio industrial alemão é que se dissiparia o maior obstáculo à unidade europeia. Assim, Monnet vai preparar um plano de base franco-alemão que dura até aos nossos dias. Nele, o acordo do carvão e do aço constitui uma primeira etapa dum processo progressivo de integração mais amplo, cujas bases futuras teriam uma comunidade económica global e depois uma comunidade política europeia. O objectivo último de todo este processo era a paz. Monnet propôs, então, o seu plano ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Robert Schuman. Juntos decidem elaborar uma proposta de forma discreta, com medo que a publicidade tornasse inviável todo o processo. Depois da aprovação da declaração Schuman pelo Secretário de Estado norte-americano, Dean Acheson esta foi dada a conhecer ao Chanceler Konrad Adenauer, que aderiu entusiasticamente ao plano, porque para a RFA, a proposta significava poder participar em pé de igualdade e sem intervenção directa dos aliados no início do processo de integração europeia. Assim, o projecto de aproximação franco-alemã teve a aprovação alemã e americana. Os EUA consideraram esta iniciativa, uma forma de se conseguir a estabilidade económica da Europa. Já os britânicos mostram grande oposição, visto que a proposta de Jean Monnet tinha claros elementos supra-nacionais. Os holandeses, por seu lado, consideram-na tão avançada e ambiciosa que apenas a vêem como uma proposta de base. O governo francês tenta uma reformulação que seja aceitável para os ingleses, a quem dão um prazo limite. Os sectores britânicos de carvão e aço eram bastante maiores que os dos países restantes. Para os ingleses, era inconcebível conceder soberania nestes aspectos tão importantes para a economia. A 9 de Maio de 1950, o Conselho de Ministros consegue vencer as resistências e é proposta a criação de um órgão supranacional que colocasse em comum a produção franco-alemã de carvão e aço. Para Schuman, este é o primeiro passo em direcção a uma federação europeia e a sua declaração deve ser classificada como um acto revolucionário, porque representa uma mudança política da França em relação à Alemanha. Isto é consequência da aceitação progressiva por parte dos aliados da criação dum estado alemão. Neste plano, aparece já uma inovação institucional: a criação de uma Alta Autoridade, um órgão supranacional e independente dos governos. Tenta-se superar a mera cooperação intergovernamental, através da criação dum órgão europeu, que constituiu a primeira etapa para a unificação económica e política da Europa, com vocação federal e indispensável para a preservação da paz. O projecto de Schuman previa a adesão de outros países à organização. Em Junho publicou-se uma comunicação conjunta em que se confirmava a participação da Itália e do Benelux no plano Schuman e se assinalava o carácter vinculativo e supranacional das decisões adoptadas pela Alta Autoridade. O chamado grupo dos 6 estavam, então, dispostos a sacrificar uma parte da sua soberania nacional para alcançar os seus objectivos. Entretanto, vão-se desenrolando as negociações, em Paris, para o estabelecimento da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), dirigidas por Jean Monnet. Monnet estava preocupado com o facto das negociações se tornarem demasiado longas e da possibilidade de fazerem emergir as diferenças e divergências entre os países. Cria, então, um documento de carácter técnico. Porém, as dificuldades associadas à configuração institucional da CECA, as diferenças existentes entre os mercados nacionais e a modificação do contexto internacional com a eclosão da guerra da Coreia, fazem com que as negociações se compliquem. O problema central residia na legitimidade da Alta Autoridade, porque se cede uma parcela de soberania. A atribuição de amplas competências a uma organização supranacional acima dos governos, despertava muitos receios, o que levou os belgas e holandeses a pressionarem a criação de um Conselho de Ministros com representantes dos Estados-membros que restringisse o poder da Alta Autoridade. Assim, as decisões da Alta Autoridade teriam de ser aprovadas pelo Conselho. Ante esta possibilidade, Monnet acabou por aceitar uma solução intermédia: um Conselho de Ministros mas com competências limitadas a questões de política económica geral, enquanto a Alta Autoridade teria poderes relacionados com a produção e gestão do carvão e do aço. Estes problemas, em Outubro de 1950, estão resolvidos. Ao mesmo tempo, Monnet inicia uma campanha na qual exigia a eliminação de todas as medidas que pudessem significar uma limitação da concorrência por meio de quotas de produção, fixação de preços e de partilha de mercados. Contudo, os acordos de especialização e de concentração podiam ser permitidos, mas apenas depois de se ter a autorização da Alta Autoridade. Uma das condições para o êxito da CECA era a eliminação dos sistemas dos cartéis alemães. A Alemanha acabou por aceitar as cláusulas anti-cartéis e o Tratado Constitutivo da CECA pôde ser finalmente assinado, em Paris, pelos 6 países fundadores, a 18 de Abril de 1951. Coloca-se em marcha um mercado comum para o carvão e o aço, o que implicava a supressão das barreiras alfandegárias e a proibição de medidas discriminatórias e ajudas ou subvenções concedidas a esses produtos para permitir a livre circulação do carvão e do aço. A CECA controlaria o abastecimento regular e os preços. A realização de um mercado comum seria progressivamente alcançada após um período preparatório e seguido de um período de transição. Em Julho de 1953 o Tratado da CECA entra em vigor. Aquando da sua instituição, formaram-se 4 instituições: a Alta Autoridade, que composta por pessoas independentes, estava encarregada de administrar o mercado comum e assegurar a obtenção dos objectivos fixados; o Conselho de Ministros dos Estados-membros, que coordenava o trabalho da Alta Autoridade com os governos; a Assembleia Comum, integrada por membros dos parlamentos nacionais e que tinha competências de controlo sobre a Alta Autoridade; e finalmente, o Tribunal de Justiça, que exercia um controlo jurisdicional sobre os actos das instituições europeias. O parecer global sobre a CECA é positivo, porque atribui-se-lhe um aumento de produção de aço. Também se intensifica o comércio entre os 6 países, a diminuição dos custos de produção e dos custos de matérias-primas. Introduziram-se, igualmente, importantes benefícios sociais, nomeadamente, pela criação de emprego, ajudas contra o desemprego e, mesmo, readaptação profissional. Por outro lado, com a CECA há uma verdadeira cessão duma parcela de soberanias. Os estados estabelecem um sistema predominantemente supranacional que incorpora a regra da maioria e o controlo obrigatório de um Tribunal de Justiça. É uma instituição que atribuía competências fundamentais a uma outra instituição supranacional, que era a Alta Autoridade, e os seus 6 membros actuavam independentemente dos governos dos 6 países. A CECA, como a primeira comunidade europeia, foi de vital importância para a construção europeia, porque ela teve êxito, mostrando que é possível colaborar e ceder soberania. Antes da CECA, as experiências internacionais (UEO, NATO, OECE, Conselho da Europa) tinham-se baseado apenas numa cooperação internacional, sem cedência de soberania.