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Direito Penal
Conjunto de normas jurídicas que associam factos penalmente relevantes uma
determinada consequência jurídica, uma sanção jurídica ou, conjunto de normas jurídicas
que fazem corresponder a uma descrição de um determinado comportamento uma
determinada consequência jurídica desfavorável.
A esses factos penalmente relevantes correspondem determinadas sanções jurídico-
penais, que são basicamente:
- As penas, e as principiais são:
· Prisão;
· Multa.
- As medidas penais, e as principiais são:
· Medidas de segurança;
· Medidas de correcção.
a) Medidas de segurança
Têm um carácter essencialmente preventivo, embora sejam sempre pós-delituais e são
baseadas na perigosidade do delinquente.
No âmbito do Direito Penal vigora o princípio da culpa que significa que toda a pena tem
como suporte axiológico normativo uma culpa concreta; a culpa é simultaneamente o limite
da medida da pena.
Ou seja, quanto mais culpa o indivíduo revelar na prática de um facto criminoso, maior
será a pena, quanto menor a culpa menor será a pena.
O fundamento para a aplicação de uma medida de segurança, não pode ser a culpa, mas
sim a perigosidade, ou seja, justifica-se a imposição daquela medida de segurança quando
há suspeita de que aquele indivíduo que cometeu aquele facto penalmente relevante volte a
cometer novo ilícito, de gravidade semelhante.
b) Medidas de correcção
São medidas (penais) que se aplicam a jovens delinquentes.
A partir dos 16 anos, o indivíduo tem plena capacidade de culpa e sobre ele pode recair
uma pena: pena de prisão ou pena de multa. Antes dos 16 anos, o indivíduo é inimputável.
c) Penas
Sanção característica do Direito Penal. Prevista e regulada nos arts. 40º segs. CP.
A pena de prisão tem um limite mínimo de um mês e um limite máximo de 20 anos
podendo ir até aos 25 anos em determinados casos (art. 41º CP).
A pena de multa tem um limite mínimo de 10 dias e um limite máximo de 360 dias (art.
47º CP).
A pena de prisão distingue-se da pena de multa:
- A pena de prisão é uma pena privativa da liberdade, em que o indivíduo é
encarcerado num determinado estabelecimento prisional onde cumpre a pena, vendo
a sua liberdade de movimentação coactada;
- A pena de multa é uma pena de natureza essencialmente pecuniária, se o juiz
condenar alguém pela prática de um crime com uma pena de multa e esta não paga,
ela tem a virtualidade de ser convertível em prisão.
2. Definição estrutural de Direito Penal
Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas com uma determinada
estrutura. Essa estrutura é a descrição de um facto, de um comportamento humano que é
considerado crime ou contravenção, a que corresponde uma sanção jurídico-penal1[1].
Estrutura da norma penal:
8. O que é a culpa?
É um juízo de censura formulado pela ordem jurídica a um determinado agente.
Censura-se ao agente o facto de ele ter decidido pelo ilícito, o facto de ele ter
cometido um crime, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, ter-se decidido
de harmonia com o direito.
Dentro do âmbito e delimitação do Direito Penal, pode-se distinguir três conceitos:
1) Crimes;
2) Contravenções;
3) Contra-ordenações.
13. Noção
Essência do Direito Penal como objectivo de proteger bens jurídicos fundamentais.
O Prof. Figueiredo Dias define bem jurídico como, expressão de um interesse de uma
pessoa ou da comunidade, integridade do Estado, vão-se sentar na própria pessoa ou na
comunidade.
Trata-se do objecto do Direito Penal, objecto que é em si mesmo socialmente
relevante fundamental para a integridade do Estado.
A noção material de crime era todo o comportamento humano que lesava ou ameaçava de
lesão bens jurídicos fundamentais.
A ideia de que o crime lesa bens fundamentais e não direitos remonta a Birnbaum (séc.
XIX), que vem dizer que os crimes não lesam direitos, mas sim bens, isto é, entidades para
além da própria ordem jurídica.
Os bens jurídicos não são realidades palpáveis, concretas, são antes valores da
existência social.
Não é efectivamente o legislador que cria esses bens, pois eles já existem, preexistem,
sendo certo obviamente que quando o legislador lhes confere tutela jurídica transforma
esses bens em bens jurídicos.
Estes bens são interesses da coexistência social, são valores reputados fundamentais à
própria existência da sociedade organizada em termos de Estado. Os comportamentos que
agridam lesem, ponham em causa, façam perigar esses interesses, devem ser objecto de
uma reacção.
O Direito Penal não deve intervir para tutelar todo e qualquer bem jurídico; o Direito
Penal deve intervir apenas para tutelar as ofensas mais graves a esses bens jurídicos que,
por outro lado, têm de ser bens jurídicos fundamentais, daí carácter subsidiário e
fragmentário do Direito Penal.
O Direito Penal só deve intervir para proteger bens jurídicos fundamentais, ou seja,
valores, interesses sociais e individuais juridicamente reconhecidos quer do próprio, quer
5
As restrições limitam-se ao necessário, ou seja, se outros ramos do direito através das
suas sanções, forem suficientes para acautelar a manutenção destes bens jurídicos, então
não se impõe a tutela do Direito Penal, porque ela deixa de ser necessária, é o princípio da
necessidade.
Conjugam-se os princípios da necessidade e da subsidiariedade, o Direito Penal só deve
intervir quando estejam em causa bens jurídicos fundamentais e que outros ramos de
direito não sejam suficientes para salvaguardar os bens jurídicos. A ideia de necessidade –
a pena deve ser necessária.
Por outro lado, de harmonia com o princípio ou com o carácter fragmentário do Direito
Penal, não são todos os bens jurídicos que o Direito Penal deve tutelar, mas tão só os que o
art. 18º CRP indica: os bens fundamentais.
O princípio da proporcionalidade, a intensidade com que se devem restringir direitos
fundamentais do cidadão é variável consoante a necessidade maior ou menor que há de
tutelar outros bens jurídicos fundamentais, por referência à gravidade dos bens jurídicos
em questão.
A teoria do bem jurídico, legítima a intervenção do Direito Penal nos quadros valorativos
do art. 18º CRP, tendo efectivamente um poder muito forte de critica argumentativa e
permite ao legislador, ou ao jurista verificar:
Por um lado, se esses bens jurídicos que o legislador resolve tutelar quando cria
incriminações são:
- Bem jurídico fundamental, se o não forem, a tutela do Direito Penal é
inconstitucional;
- Permite verificar se a intensidade da agressão justifica a tutela do Direito Penal,
isto é, se é efectivamente necessária a tutela do Direito Penal ou se outra tutela
será suficiente.
Por outro lado, permite dizer se o legislador ordinário respeitou a axiologia
constitucional nas diferentes incriminações e nas inserções sistemáticas dos diferentes
tipos legais de crime; permite verificar também se o princípio da proporcionalidade do
Direito Penal, assente em que, as diferentes gravidades de ilícito devem corresponder
diferentes penas, se isso é ou não observado.
18. Introdução
O Direito Penal pode encontrar legitimação a partir de duas ideias fundamentais:
- Da teoria do bem jurídico;
- Da teoria dos fins das penas.
No âmbito dos fins das penas, pode-se distinguir, fins de duas naturezas: fins mediatos
e fins imediatos:
- Como fins mediatos das penas tem-se os fins do Estado;
- Como fins imediatos das penas tem-se a ideia de retribuição e de prevenção.
O Direito Penal é um ramo de direito produzido pelo Estado e como tal, deve em última
análise prosseguir fins imanentes a esse mesmo Estado.
A finalidade das penas7[6] pode ser vista não numa óptica mediata de finalidades a
prosseguir pelo próprio Estado, mas numa óptica formal e abstracta.
Três finalidades podem ser prosseguidas com os fins imediatos das penas:
1) Ideia de retribuição;
2) Ideia de prevenção:
a) Geral;
b) Especial.
As penas servem para retribuir o mal a quem praticou o mal, esta é a teoria retributiva
das penas: tem uma finalidade retributiva.
Ou então poder-se-á dizer que as penas servem para fazer com que as pessoas em geral
não cometam crimes, uma finalidade de prevenção geral.
Ou dizer que as penas servem para que a pessoa que é condenada a uma pena e que a
tenha de cumprir não volte ela própria a cometer crimes, tem-se aqui uma finalidade de
prevenção especial.
A estas ideias subjacentes aos fins das penas, há que distinguir entre:
- Teorias absolutas das penas;
- Teorias relativas das penas.
8 Geral ou especial.
[7]
Numa óptica de prevenção geral, pode-se dizer que as penas pretendem evitar que as
pessoas em geral cometam crimes.
Numa óptica da prevenção especial, pode-se verificar que o direito penal, ao submeter
um indivíduo a uma sanção por um crime que ele cometeu, pretende evitar que esse
indivíduo volte a cometer crimes. Fá-lo por duas vias:
1) Ou porque esse indivíduo é segregado, isto é, enquanto está a cumprir pena tem a
impossibilidade de reincidir;
2) Ou então, já não assente na ideia de segregação, mas numa ideia de regeneração,
de recuperação ou de ressociabilização, através de um tratamento que lhe será
submetido no âmbito do cumprimento da pena.
O Direito Penal é chamado a retribuir um crime, mas é concebido com uma ideia de
prevenir (teoria da prevenção geral). O objectivo da pena é essencialmente o objectivo de
exercer uma influência na comunidade geral – ameaçar se cometer um crime, pois ao
cometer fica submetido a uma determinada pena – prevenir a prática de crimes.
Füerbach, cria a “teoria psicológica da coacção”, as infracções que as pessoas cometem
têm, um impulso psicológico, a função da pena é combater esse impulso de cometer crimes.
Intimida-se as pessoas, com esta coacção para que os cidadãos em geral não cometam
crimes. Esta prevenção geral divide-se em:
- Prevenção geral positiva, revelar à comunidade o que acontece se praticar um
crime;
- Prevenção geral negativa revelar a intimidação.
Aparece a teoria da prevenção especial, tem também a ideia de prevenção, mas a
prevenção já não é a comunidade em geral, mas sim a prevenção do indivíduo, ou seja, que o
agente não volte a cometer um crime. Pretende evitar a reincidência.
Os principais defensores da teoria da prevenção especial asseguram-na de três
formas9[8]:
1) Salvaguardar a comunidade do delinquente;
2) Intimidar o autor 10[9]com a pena;
3) Evitar a reincidência11[10].
É a teoria que mais se opõe à retributiva. O Direito Penal é cada vez mais dirigido à
pessoa do criminoso, criando condições para o sociabilizar. É alvo de críticas.
Tal como a prevenção geral, não nos fornece um critério de quanto e a duração das
penas. Os sistemas (teorias) desenvolvidos por si só são falíveis, começando a se
desenvolver teorias mistas.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
24. Fundamentos
Em primeiro lugar encontram-se um grupo de normas que proíbem certas penas e certas
medidas de segurança16[15]. Neste sentido pode-se ver aqui que este conjunto de normas
constitucionais que proíbem certas penas ou certas medidas de segurança filiam-se num
princípio de política penal, que é o princípio da humanidade das penas.
- Art. 29º/5, consagra-se o princípio “ne bis in idem”, ou seja, o princípio de que
ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto.
Também os princípios gerais de direito internacional são fonte de Direito Penal (art.
29º/2 CRP).
- A lei que define crime tem de ser uma lei precisa – “nullum crimen nula poena sine
lege certa”;
- Proíbe-se a retroactividade da lei pena – “nullum crimen nulla poena sine lege
previa”;
Uma lei penal não deve conter tão só a descrição de um comportamento considerado
crime; deve conter, em conexão com essa descrição, a correspectiva sanção jurídico-penal.
Neste sentido, o princípio da legalidade tem como fundamento a garantia dos direitos
individuais.
Enquanto submissão do poder de punir o Estado à lei, o princípio da legalidade tem esse
fundamento: garantir os direitos individuais do cidadão.
Uma delas afere-se pelas pessoas que têm a missão de criar crimes e estabelecer as
correspondentes sanções jurídico-penais, isto é, que tem a missão de fazer leis penais.
Do princípio da legalidade decorre a ideia de que não há crime nem pena sem lei
(escrita), a definição de um comportamento como crime e a correspondente sanção que se
lhe aplica tem de constar de uma lei escrita. Tem competência para criar normas
incriminadoras17[16], a Assembleia da República (art. 165º CRP).
Impõe que as leis a aplicar sejam a lei que vigora no momento da prática do facto.
Outro princípio que é o da imposição de leis penais retroactivas quando as leis penais
posteriores forem favoráveis ao arguido, ao agente.
1) O princípio de que não há crime nem pena sem lei certa – “nullum crimen nulla
poena sine lege certa”;
2) Decorrência de que não existe crime nem pena sem lei escrita – “nullum crimen
nulla poena sine lege scripta”.
Neste sentido, as sanções jurídico-penais sejam elas penas ou medidas penais, têm de
ser sempre aplicadas por um órgão de soberania independente, com a finalidade de aplicar a
justiça, que entre nós são os tribunais.
Consagra-se o princípio “ne bis in idem”, isto é, o princípio de que ninguém pode ser
julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto.
2) Tem de ser típico, ou seja, tem de estar descrito numa lei, tem de corresponder
a uma descrição legal;
a) A lei (escrita)
Aqui está a tal decorrência do princípio da legalidade “nullo crimen nulla poena sine lege
scripta”, não há crime nem pena sem lei escrita (art. 165º CRP).
b) Costume
No entanto o costume tem valia quando visa, não criar ou agravar a responsabilidade
penal do agente, mas quando a sua intervenção resulte benéfica para o agente: ou seja,
quando o costume se venha traduzir no âmbito de uma norma favorável, isto é, quando o
costume de alguma forma venha atenuar ou mesmo excluir a responsabilidade criminal do
agente.
c) Jurisprudência
Há uma grande tendência para que os tribunais se orientem para decisões anteriores.
d) Doutrina
Não é fonte imediata de direito, mas sim fonte mediata. Corresponde ao conjunto das
opiniões dos eminentes penalistas.
São fonte de Direito Penal, tal como a lei, porque depois de todo o processo de
assinatura, aprovação, ratificação, eles entram na ordem jurídica nacional como lei escrita.
1) Alguns autores – Teresa Beleza, etc., admitem a analogia, nas normas penais
favoráveis;
3) Outros ainda – Frederico da Costa Pinto – entende que no âmbito das normas
favoráveis a analogia está de todo excluída. Em certos casos pode-se admitir a
interpretação extensiva de normas favoráveis, mas não é possível o recurso à
analogia no âmbito de normas favoráveis.
Afirma-se rotundamente que não é possível integrar lacunas por analogia. Isto é,
perante um caso omisso que o legislador penal ano tipificou, não classificou como crime, o
juiz não pode, ao contrário de que acontece no domínio do direito civil regular esse caso
omisso, nem recorrendo à analogia legis, nem à analogia iuris, nem tão pouco criar a norma
de harmonia com o espírito do sistema. O juiz pura e simplesmente julga, absolvendo.
30. Normas favoráveis
As normas favoráveis são aquelas que visam, ou que traduzem para o agente, uma posição
mais benéfica porque:
Mas já não se aceita que se faça interpretação restritiva de normas penais favoráveis,
isto porque, a ser possível, diminuir-se-ia o campo de aplicabilidade destas normas
favoráveis, o que significa aumentar o campo de punibilidade.
Quanto à analogia:
Outra posição é a de que se admite por princípio a integração de lacunas por analogia no
âmbito de normas penais favoráveis, desde que essa analogia não se venha a traduzir num
agravamento da posição de terceiros, por ele ter de suportar na sua esfera jurídica efeitos
lesivos ou por ter auto-limitado o seu direito de defesa.
existência de lei penal expressa, mais concretamente a existência de lei penal certa –
branco, dentro de certos limites ou desde que sejam respeitados determinados limites.
punibilidade e de punição, ou seja, que digam quem são os destinatários e em que posição
é que eles se encontram e que contenham a respectiva sanção; desde que correspondam
fundamentais através desta técnica, sob pena de não o fazendo, a alternativa resultaria
sempre que o agente com a sua conduta cometa uma pluralidade de infracções. As quais
infracções praticadas;
aplicável19[18].
intervenientes no crime.
1) Relação de especialidade
Neste sentido, vê-se que por força de uma relação de especialidade em que as normas se
podem encontrar, tanto pode subsistir a norma que contenha a moldura penal mais elevada,
como a norma que contenha a moldura penal mais baixa.
2) Relação de subsidiariedade
Nos casos em que a norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não aplicabilidade de
outra norma, só se aplicando a norma subsidiária quando a outra não se aplique. A norma
prevalecente condiciona de certo modo o funcionamento daquela que lhe é subsidiária.
Distinguem-se dois tipos:
2º Casos em que subsiste uma imputação a título negligente e doloso, sendo certo
que a responsabilidade por facto negligente é subsidiária à imputação por facto
doloso;
3) Relação de consunção
Quando um certo tipo legal de crime faça parte não por uma definição do código, mas
por uma forma característica, a realização de outro tipo de crime, ou seja, quando tem uma
discrição típica suficientemente ampla que abranja os elementos da discrição típica da
outra norma.
A finalidade das normas concentra-se sempre na tutela de bens jurídicos, sendo possível
identificar em cada tipo legal a ratio da conduta descrita.
33. Introdução
Uma das decorrências do princípio da legalidade é que não há crime sem uma lei anterior
ao momento da prática do facto que declare esse comportamento como crime e estabeleça
para ele a correspondente sanção20[19].
Em Direito Penal vigora portanto a lei do momento da prática do facto. Mas a aplicação
externa ou exacerbada deste princípio poderia levar a situações injustas. Donde o princípio
geral em matéria penal é de que as leis penais mais favoráveis aplicam-se sempre
retroactivamente.
Qual é a lei que no momento do julgamento o juiz devia aplicar ao arguido? É a lei do
momento da prática do facto, que é a mas favorável, do que a lei posterior, ainda que
essa lei tenha revogado aquela. Existe ultra-actividade da lei penal, porque se aplica
Duas situações
Uma nova lei vem descriminalizar uma determinada conduta. Como deve reagir a ordem
jurídica? Se a conduta vier a ser descriminalizada não deve ser condenado por essa
conduta, mesmo que o agente tenha já sido condenado e se encontre detido (art. 2º/2 CP).
Cessa os efeitos penais – princípio da aplicação da lei mais favorável.
Regime que se revela concretamente mais favorável, deve-se aplicar este regime ao
agente.
No entanto a lei no art. 2º/4 CP coloca um limite para o efeito retroactivo – “salvo se
este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado”. É diferente dos efeitos
da descriminalização.
Não é incompatível o art. 2º/4 CP com o art. 29º/4 CRP, na medida em que a Constituição
manda aplicar retroactivamente a lei de conteúdo mais favorável ao arguido, e arguido tem
um sentido técnico-jurídico rigoroso: uma coisa é arguido, outra é condenado e outra ainda
é réu.
O art. 2º/4 CP, diz que a lei penal de conteúdo mais favorável só não se aplica ao
condenado, e isto porque, se já há trânsito em julgado da sentença condenatória, é porque
esse indivíduo já foi condenado, não se estando a falar em arguido mas sim em condenado.
Se realmente se pudesse aplicar retroactivamente esta lei mais favorável, então estava-
se a julgar outra vez o mesmo indivíduo pela prática do mesmo facto. E o princípio “in bis in
idem”, de que ninguém deve ser julgado/condenado duas vezes pelo mesmo facto (art.
29º/5 CRP) era posto em causa.
Não faz sentido que o Estado, equacionando uma valoração eminente a um determinado
crime, se abstenha a partir de determinado momento de impor uma determinada punição;
como também não faz sentido continuar a aplicar uma punição que o Estado recusou num
determinado momento.
O que está em causa é uma diferente valoração do legislador quanto aos factos
considerados crimes.
37. Leis temporárias e leis de emergência
As leis temporárias são as leis que marcam “ab initio”, à partida, o seu prazo de vigência;
são as normas que se destinam a vigorar durante um determinado período de tempo pré-
fixado. São leis temporárias que caducam com o “terminus” da vigência que pré-fixaram.
Ressalva-se no art. 2º/3 CP, que continua a ser punido o facto criminoso praticado
Significa que, não obstante no momento do julgamento a lei já não estar em vigor por já
ter caducado ou já ter sido revogada, deve continuar a ser punido pelo facto que praticou
durante esse período em que a lei estava efectivamente em vigor.
Em bom rigor, no âmbito das leis temporárias não há uma verdadeira sucessão de leis no
tempo, porque:
- A lei é temporária em sentido estrito, não necessita de nenhuma outra lei para
que se possa afirmar uma sucessão de leis penais no tempo; a lei é só uma só faz
sentido falar em sucessão de leis penais no tempo e em retroactividade ou
irretroactividade quando estão em causa mais do que uma lei, pelo menos duas leis.
Aqui a lei é só uma.
- Não há uma lei diferente, não há uma sucessão de regimes, donde também não faz
sentido falar em aplicação retroactiva porque a lei é sempre a mesma.
Não são só conexões geográficas que o legislador utiliza para tornar aplicável a lei penal
portuguesa, para que seja competente para julgar factos penalmente relevantes.
Quando se trate de crimes expressamente consagrados no art. 5º/1 CP, são crimes que
o Estado português entende ferirem a sensibilidade jurídica nacional, são crimes que põem
em causa valores ou interesses fundamentais do Estado português.
São de alguma forma crimes que todos os Estados têm interesse em punir. De um modo
geral, independentemente da nacionalidade dos seus autores, são crimes que reclamam
uma punição universal e daí que as ordens jurídicas se reclamem competentes para fazer
aplicar a sua lei penal a esses factos descritos no art. 5º/1-b CP.
O princípio da nacionalidade passiva diz que a lei penal portuguesa se aplica a factos
cometidos no estrangeiro contra portugueses.
2º Condição: que os factos criminosos “sejam também puníveis pela legislação do lugar
em que foram praticados, salvo quando nesse lugar não se exerça poder punitivo”;
3º Que “constituam crime que admite extradição e esta não possa ser concedida”, não
se admite a extradição de cidadãos nacionais.
Esta condição prevista na 3ª condição, só funciona cumulativamente quando se trate de
um caso de nacionalidade passiva, quando se trate de um crime praticado no estrangeiro
por um estrangeiro contra um, português.
Por outro lado, também em princípio não se admite a extradição quando seja
prioritariamente aplicável a lei penal portuguesa.
- Princípio de que ninguém pode ser responsabilizado por um facto mais do que uma
vez (art. 29º CRP);
- Art. 6º/2 CRP, depois de ver que lei penal é competente, tem-se que ter em
atenção a lei do lugar onde o facto foi cometido, e mais favorável, mas que puna o
facto.
As condições no art. 6º/2 CP não funciona quando está em causa o princípio da protecção
dos interesses nacionais (art. 6º/3 CP).
44. Introdução
É a teoria que tem por objecto o estudo do crime. O conjunto dos pressupostos de
punibilidade e de punição que são comuns a todos os crimes, a todos os factos tipificados na
lei como crime.
Os requisitos comuns é que um facto deve ter para ser considerado criminoso e para que
dele decorra uma responsabilidade jurídico-penal para o seu autor, para o agente daquela
infracção.
Pode-se formalmente definir crime como um comportamento humano que consiste numa
acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível.
Esta teoria permite desde logo uma aplicação certa, segura e racional da lei penal.
Passa-se dum casuísmo, de verificar caso a caso o que é crime para através da teoria da
infracção, ter-se uma vocação generalizadora de factos penalmente relevantes, de factos
criminosos.
Tem-se de ver se essa acção preenche a tipicidade de um dos tipos previstos na parte
especial do Código Penal, ou então em legislação penal lateral.
Para isso é preciso verificar se essa acção é típica, isto é, é necessário verificar se
estão preenchidos os elementos objectivos22[21] e subjectivos23[22] de um tipo legal.
O elemento subjectivo geral do tipo é o dolo. Tem-se de se ver então o que é o dolo:
consiste na consciência e vontade de realizar os elementos objectivos de um tipo legal.
Estando preenchida a tipicidade, vai-se verificar que esta categoria analítica que é
composta por elementos subjectivos e objectivos, estando integralmente preenchida indicia
a ilicitude.
46. Ilicitude
Mas numa óptica material, o facto ilícito consiste numa danosidade social, numa ofensa
material a bens jurídicos.
Em princípio da lei penal só tipifica factos que são contrários ao direito. Mas a ilicitude
indiciada pelo facto típico ou pela tipicidade pode ser excluída.
22
23
Pode estar excluída pela intervenção de normas remissivas, que vêem apagar o juízo de
ilicitude do facto típico, são as designadas causas de justificação que, a estarem
presentes, justificam o facto típico, excluindo a ilicitude indiciada pela própria tipicidade.
Mas pode acontecer, que preenchido um tipo mediante uma acção penalmente relevante
e a ilicitude indiciada pelo tipo, pode ser que não se verifique nenhuma causa de
justificação ou de exclusão da ilicitude.
Na maior parte dos casos em que as pessoas cometem crimes não estão a actuar ao
abrigo de nenhuma causa de exclusão da ilicitude.
47. Culpa
Logo, para que o juízo de culpa possa ser formulado é preciso que o agente tenha
capacidade de culpa. O agente não tem capacidade de culpa se tiver menos de 16 anos, ou
se for portador de uma anomalia psíquica ou de um estado patológico equiparado.
Mas para além de ter capacidade de culpa, o agente também tem de ter consciência da
ilicitude do facto que pratica; e para além da capacidade de culpa e da consciência da
ilicitude é preciso, para se formular sobre o agente um juízo de censura de culpa, que o
agente não tenha actuado em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.
48. Punibilidade
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é ainda preciso
que seja punível.
Então chega-se à conclusão que por vezes existem determinados factos praticados no
seio de acções penalmente relevantes, típicas, ilícitas culposas, mas contudo os agentes não
são punidos. E porque é que não há punibilidade em sentido estrito?
Os tipos, a não ser quando a lei expressamente o diga, são sempre dolosos.
- Por um lado, fazer uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal;
Mas se hoje, entende-se que o crime é uma acção típica, ilícita, culposa e punível, esta
tripartição entre tipicidade, ilicitude e culpa é uma conquista dogmática da Escola Clássica.
E à Escola Clássica segue-se cronologicamente a Escola Neo-clássica, e a esta segue-se a
Escola Finalista.
Todas estas escolas teorizam o crime tripartindo-o, dizendo que era uma acção típica,
ilícita e culposa. Agora, o que cada uma destas escolas considerava como integrante de cada
uma destas categorias analíticas é que diverge.
Escola Clássica:
- Beling/Van Listz;
- Ilicitude – formal;
Escola Neo-clássica:
- Ilicitude – material;
a) Tipo indiciador;
Escola finalista:
- Wessel;
- Acção – final;
Todos estes sistemas partem duma análise quadripartida do crime, como acção típica,
ilícita e culposa.
A ilicitude é uma categoria separada. Para os Clássicos a ilicitude é vista numa óptica
meramente formal, ou seja, como contrariedade à ordem jurídica na sua globalidade. Um
facto ilícito é um facto contrário à lei.
Não vem permitir uma graduação do conceito de ilicitude, porque se em sentido formal,
a ilicitude significa contrariedade à ordem jurídica, se o facto ilícito é o facto que
contraria a ordem jurídica, donde contraria a lei, e o facto lícito é o facto que não
contraria a lei, então só se pode afirmar que um comportamento é ou não é ilícito, é ou não
é contrário à ordem jurídica.
Quanto à culpa, para os Clássicos, era nessa categoria dogmática do facto punível que se
incluíam todos os elementos subjectivos. Portanto, a ilicitude e a tipicidade eram
meramente objectivas. Tudo quanto fossem elementos subjectivos estaria na culpa.
A culpa era vista de uma óptica psicológica, porque a culpa corresponde à ligação
psicológica entre uma pessoa e o seu comportamento, e essa ligação poderia ser uma ligação
dolosa ou uma ligação negligente.
A primeira crítica diz respeito ao conceito de acção. Este conceito de acção como
movimento corpóreo que produz a alteração objectiva no mundo exterior é um conceito
criticável por várias razões.
Mas talvez a crítica mais forte que se pode tecer ao conceito de acção dos clássicos é
precisamente a omissão porque a responsabilidade penal é afirmada por factos cometidos
por acção, mas também por omissões penalmente relevantes.
Daí que os clássicos tenham reformulado um pouco esta noção, dizendo então que a
acção homicida é a acção que se esperava que o agente tivesse.
Em relação à ilicitude, sendo uma ilicitude meramente formal, só nos permite afirmar se
um comportamento, se um facto, se uma acção, é ou não ilícita, não nos permitindo graduar
o conceito de ilicitude.
Em relação à culpa.
Sendo a culpa vista numa óptica meramente psicológica, pergunta-se como é que os
Clássicos explicam a culpa negligente, mormente os casos de negligência inconsciente.
É desenvolvido na Alemanha a partir dos anos 20, procurando “limar” alguns defeitos ou
arestas do sistema clássico.
Vêem dizer que não é importante verificar se ouve ou não um movimento corpóreo que
produziu uma alteração objectiva no mundo exterior, porque as actuações humanas são
pautadas por determinadas valorações.
Klaus Roxin entende que o que é importante em sede de Direito Penal, em sede
comportamental são tão só os factos ou as acções voluntárias, isto é, aqueles
comportamentos dominados ou domináveis pela vontade.
Dentro da vertente Neo-clássica surge outro conceito de acção, que é a acção social,
desenvolvida por Smith.
Este autor defende que mais importante que tudo para afirmar a existência duma acção
penalmente relevante é verificar se aquele comportamento, se aquela actuação deve ser
tido como uma acção em termos sociais. Isto é, se socialmente aquele comportamento
merece a qualificação de acção.
E isto porque, desde logo, há acções que à prática, podem parecer negar valores, mas
que não devem ser acções penalmente relevantes de harmonia com a própria concepção
social de acção.
A tipicidade, os Neo-clássicos vêm dizer que a tipicidade é composta por uma série de
elementos, e o tipo não é valorativamente neutro, implica já um juízo de valor para quem
preenche a tipicidade. Referem que o tipo tem também elementos normativos, elementos
que, descrevendo entidades do mundo real, carecem duma interpretação complementar pelo
recurso a normas.
Para estes autores, o tipo é composto por elementos positivos e por elementos
negativos:
Portanto, aqui neste conceito de crime como comportamento socialmente relevante que
lesa valores, já se pode enquadrar de alguma forma o comportamento omissivo ou a omissão,
coisa que ficava de fora do conceito meramente causal e naturalístico de acção dos
Clássicos.
Portanto, a intenção que preside a uma determinada acção, que é a sua finalidade, deve
ser espelhada no tipo. Logo, o dolo que é a intenção, o fim da actuação, deve ser um
elemento subjectivo do tipo.
Interessará mais, verificar se aquela pessoa que actua de determinada forma actua
ilicitamente, se se lhe pode atacar um juízo de desvalor na acção ou no facto que pratica.
Existe aqui uma certa concepção ética do direito.
Dentro deste conceito de ilicitude pessoal de se poder reprovar uma pessoa por adoptar
um determinado comportamento, podem-se distinguir dois desvalores:
A acção, embora no âmbito dos crimes negligentes seja também desvaliosa24[23], por
comparação dos crimes dolosos em que o agente actua querendo e conhecendo um
determinado resultado, o desvalor da acção nos crimes dolosos é muito superior.
Quanto à culpa.
24
b) Os portadores de anomalias psíquicas, que são inimputáveis em razão da anomalia
psíquica.
Daí que quem segue a sistemática finalista opte por uma quadripartição do facto punível,
em que se distingue:
55. Acção
Dentro do ponto de vista dos fins das penais, quer numa óptica retributiva, quer numa
óptica preventiva, não faz sentido criminalizar comportamentos que não sejam dominados
pela vontade.
A acção tem relevância quer consista num comportamento positivo, quer numa omissão. A
nossa lei equipara a omissão à acção; essa equiparação é dada pelo art. 10º CP.
No caso das omissões impuras nem toda a gente pode incorrer em responsabilidade
jurídico-penal por omissão impura, porque o legislador só responsabiliza pelas omissões
impuras aqueles sobre quem recaía ou impendia um dever jurídico que pessoalmente o
obrigasse a evitar a produção do resultado típico.
- Torna-se mais difícil de explicar como é que nestes casos das omissões impuras
pode haver a acção omissiva;
- Este conceito de acção causal não afasta, de per si, comportamentos dominados
pela vontade.
Smith vem com um conceito social de acção, dizendo que acção penalmente relevante é
aquilo que é socialmente adequado a ser acção.
Mas este conceito não explica de per si porque é que algumas omissões negam valores
não é dada tanto pela acção, mas pela ordem jurídica.
Muitas vezes também, a relevância social da acção não pode estar desligada daquilo que
o agente quis.
Por outro lado, não há dúvida que o mesmo comportamento pode ter vária e diferente
relevância social, consoante a intenção do agente.
Este conceito de acção final não é compreensível para abarcar todas as realidades e
comportamentos que podem dar origem à responsabilidade jurídico-penal.
Há outros autores que discordam e que dizem que o conceito de acção penalmente
relevante e efectivamente uma categoria que não se deve descurar, porque o conceito de
acção tem um determinado rendimento em sede de dogmática jurídico-penal.
Por detrás de cada tipo incriminador, o legislador há-de pretender sempre a tutela de
um ou mais bens jurídicos, porque o direito penal encontra a sua justificação na tutela de
bens jurídicos fundamentais.
Enquanto que o bem é aquela realidade que não é uma realidade palpável, é um valor, um
interesse.
Por detrás de cada tipo legal encontra-se sempre a tutela de um ou mais bens jurídicos.
Há quem diga, como Ihering, que não existem elementos puramente descritivos: todos
eles são mais ou menos normativos; postulam sempre, para seu cabal entendimento e
compreensão, uma valoração suplementar, seja ética, seja de ordem jurídica.
O tipo é integrado sobretudo a partir duma abordagem finalista, por uma estrutura
mista: é composto por elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Referindo, agora, tão só ao crime comissivo por acção, ou crime doloso por acção, pode-
se encontrar os seguintes elementos objectivos do tipo:
a) O agente;
c) O resultado;25[24]
Os elementos subjectivos, são aqueles que pressupõem já uma relação com o foro
íntimo do agente, ou seja, entre a representação da mente do agente daquilo que ele pensa
e quer aquilo que objectivamente se verifica, por isso se designam elementos subjectivos.
25
26
O dolo consiste no conhecimento e vontade de empreender um determinado tipo legal de
crime. O dolo consiste no conhecer e querer os elementos objectivos de um tipo legal de
crime.
a) Agente
O agente é aquela (s) pessoa (s) que adopta uma conduta típica descrita num
determinado tipo legal de um crime e que empreende a realização típica – o agente do tipo
legal de crime.
A conduta típica, também dita descrição da acção típica, ou tão só a acção típica,
aparece como um elemento objectivo do tipo legal de crime e encontra-se efectivamente
descrita no tipo.
c) Resultado
Há crimes em que, para além da descrição da conduta típica, se exige que espaço-
temporalmente se desprenda ou se destaque da conduta típica algo diferenciado que é o
resultado – o resultado típico – para que o facto possa estar efectivamente consumado.
Nestes crimes materiais ou de resultado, que para além da conduta pressupõe, ainda,
para a sua consumação, a verificação do resultado típico.
d) Nexo de causalidade
É um elemento não escrito do tipo, isto porque, nos crimes materiais ou de resultado,
naqueles crimes que se designam normalmente por crimes de forma livre. Ou seja, são
crimes cuja obtenção do resultado típico previsto pela norma pode ser obtido, por
referência à conduta do resultado típica que é matar, pelas mais diferentes formas.
Por vezes, muito raramente, o legislador pode pretender dar cobertura literal a esse
elemento, ou a este nexo de nexo de causalidade ou de imputação objectiva, e descrevê-lo.
Aqui o crime é de realização vinculada, pela descrição do elemento, por uma certa
descrição do nexo de causalidade. Um outro elemento não escrito no tipo e que existe
apenas nalgumas classificações, ou nalguns tipos de crime – os crimes de omissão impura ou
imprópria – é o chamado dever de garante.
Muitas vezes a lei descreve comportamento que considera proibidos e que as pessoas
não devem adoptar, porque ao adoptá-los isso importa a obtenção de um determinado
resultado lesivo, o qual pode ser obtido quer por via de um comportamento activo ou de uma
acção, quer por via de um comportamento omissivo ou de uma omissão.
Para que uma pessoa seja responsabilizada por ter dado origem à produção de um
resultado típico proibido pela lei em virtude de uma inactividade, ou em virtude da sua
passividade ou omissão, é preciso que sobre essa pessoa impenda um dever jurídico que
pessoalmente a obrigue a evitar a produção desse resultado lesivo.
As circunstâncias podem ser, para a nossa lei, ou crimes autónomos, ou então elementos
que integram qualificações ou priviligiamentos de tipos legais de crimes.
Porque o facto de preencher um tipo neste sentido restrito não significa de per si que a
pessoa vá ser punida, porque a pessoa pode ter actuado tipicamente, todos os elementos
objectivos e subjectivos do tipo podem estar preenchidos mas a pessoa não ter
responsabilidade jurídico-criminal porque, por hipótese, naquele caso actuou em legítima
defesa.
c) Tipo intermédio
Significa pois, a situação de que alguém cometeu um facto típico em sentido estrito, que
é simultaneamente ilícito, ou seja, uma pessoa cometeu um facto que corresponde à
descrição objectiva e subjectiva de uma norma legal, não actuando ao abrigo de nenhuma
causa de exclusão da ilicitude, ou não actuando ao abrigo de nenhuma causa de justificação.
Os crimes gerais ou comuns são aqueles que podem ser praticados por qualquer pessoa,
ou seja, qualquer pessoa pode ser agente ou autor do crime tipificado.
São aqueles que pressupõem como autores dos crimes apenas as pessoas que têm uma
qualidade exigida pelo próprio tipo.
Dizem-se crimes específicos em sentido próprio quando para além de só poder ser
agente ou autor da incriminação aquela pessoa que tenha as características exigidas pelo
próprio tipo, não existe na lei penal nenhuma tipificação correspondente para o comum das
pessoas.
É um crime que só pode ser praticado por aquelas pessoas e mais nenhumas. Não existe
responsabilidade jurídico-penal paralela para quem não tenha essas qualidades pressupostas
pelo tipo na pessoa do seu agente.
Os crimes específicos em sentido impróprio são aqueles que exigindo embora essas
qualidades específicas do agente, têm paralelo para o comum das pessoas em termos de
responsabilização jurídico-penal.
Ainda quanto ao agente, há uma outra classificação que distingue entre: crimes
plurisubjectivos, também chamados de participação necessária e, crimes unisubjectivos ou
unisingulares.
Klaus Roxin fala nos chamados crimes de violação de dever. São crimes que são
definidos através de um dever jurídico, não tanto pelo desenvolvimento de qualquer
actividade, mas essencialmente pela titularidade de um dever jurídico.
Klaus Roxin propõe uma sistemática bipartida da teoria do facto punível. Essa teoria
bipartida devia assentar:
- Por um lado, nos crimes que consistem em levar a cabo uma determinada
actividade;
- Por outro lado, os crimes que violam deveres jurídicos, normalmente deveres
jurídicos de natureza profissional ou deveres jurídicos funcionais a que uma
determinada pessoa está adstrita.
61. Princípio da responsabilidade singular ou princípio da responsabilidade individual
Por um lado, Füerbach vem dizer que as pessoas colectivas são incapazes de agir. E isto
porque as pessoas colectivas estão dominadas e só têm capacidade de para agir de
harmonia com a especificidade do fim.
Neste sentido, as pessoas colectivas não podem agir como as pessoas singulares. Se o
fim das pessoas colectivas tem de ser um fim legítimo, então elas só têm capacidade de
agir legitimamente, porque senão eram nulas por contrariedade à lei, à ordem pública e aos
bons costumes.
Por outro lado, Savigny tem afirmado também a ideia de que não existe responsabilidade
penal das pessoas colectivas, acentuando já não a ideia de incapacidade de agir, mas
acentuando a ideia da incapacidade de culpa.
A culpa é um juízo individualizado de censura feita pela ordem jurídica e que se dirige a
uma pessoa pela prática de um facto ilícito. E naquilo que no juízo de censura se reprova ao
agente é precisamente o facto dessa pessoa, tendo capacidade e possibilidade de se
decidir de forma diferente, de se decidir pelo direito, ter-se decidido pelo torto, ter-se
decidido pelo ilícito.
Neste sentido, uma vez que as pessoas colectivas não têm uma vontade própria real, têm
só uma vontade fictícia. Daí a insusceptibilidade de culpabilizar as pessoas colectivas.
Os crimes por acção em cuja tipicidade e cuja conduta típica está descrita
efectivamente em termos de acção. Acção que, a ser efectuada pelo agente, viola uma
proibição ou um comando legal.
Existe responsabilidade por acção quando o agente pratica actos que são subsumíveis às
condutas descritas nos tipos legais em termos de acção.
Mas também existe responsabilidade por omissão.
Nos caos de omissões puras o agente incorre em responsabilidade jurídico-penal por ter
violado uma norma preceptiva, uma norma que impõe a adopção de uma determinada conduta
que é omitida, ou não tem lugar.
No âmbito das omissões impuras tem-se uma situação diferente. Aqui o agente é
responsabilizado por um determinado resultado que tem lugar não por sua acção, não
porque ele tenha directamente adoptado uma conduta típica descrita na lei, mas
precisamente porque dá origem a um resultado por uma inactividade sua, violando desta
forma uma norma ou um preceito de natureza proibitiva.
- Directamente da lei;
- De situações de ingerência.
Mas por força do art. 10º CP, que equipara a acção à omissão, e onde se encontra a base
legal da construção das omissões impuras é necessário, para responsabilizar alguém por
uma omissão impura, que sobre essa pessoa recaísse o dever jurídico, oriundo de qualquer
destas fontes que pessoalmente o obrigasse a evitar a produção do resultado lesivo.
- Os crimes de omissão pura são os que consistem directamente, pelo próprio tipo
legal, na violação de um comando;
Os crimes de mera actividade também ditos formais (omissões puras) são aqueles em
que a mera conduta típica consuma imediatamente o crime.
Os arts. 117º e 118º CP dizem a partir de que momento é que se começa a contar o praz
de prescrição do procedimento criminal, e não maior parte dos casos é a partir da
consumação.
Por outro lado, esta distinção é também importante para efeitos de possibilidade ou não
possibilidade de responsabilidade criminal por facto tentado.
A tentativa, tal como está tipificada no art. 22º CP, consiste na prática de actos de
execução de um crime que o agente decidiu cometer, sem que o resultado típico se chegue a
verificar.
Nos crimes de perigo a descrição típica não exige a lesão efectiva dos bens jurídicos
tutelados pela incriminação, mas tão só a colocação em perigo, tão só a ameaça de lesão
desse bem ou bens jurídicos tutelados pela norma.
Pelo contrário, nos crimes de lesão, exige-se um dano ou uma lesão efectiva no bem ou
bens jurídicos tutelados pela norma. E fala em bem ou bens jurídicos tutelados pela norma
porque há tipos legais de crimes que tutelam mais do que um bem jurídico. São os chamados
crimes pluridimensionais. Os crimes de lesão são desde logo entre outros:
- O crime do art. 131º CP: uma vez ocorrida a morte, há uma lesão do bem jurídico
vida;
- Perigo concreto;
- Perigo abstracto;
- Perigo abstracto-concreto.
Nos chamados crimes de perigo concreto, o legislador tipifica o próprio perigo pela
descrição de uma conduta perigosa, da qual se autonomiza o resultado típico, resultado que
é o próprio perigo para o bem ou bens jurídicos tutelados pela incriminação. Donde, os
crimes de perigo concreto, uma vez que têm autonomizado o resultado da conduta perigosa
descrita pelo legislador, que é o próprio perigo, são crimes de resultado.
Neste tipo de crime, já não é preciso que se autonomize nenhum resultado típico que
seja o próprio perigo, porque a lei contenta-se com a descrição da conduta que tem como
perigosa.
É menos do que nos crimes de perigo concreto porque o legislador descreve no tipo a
própria conduta que considera perigosa, sem necessidade de autonomizar o resultado
perigoso, tal como acontece no âmbito dos crimes de perigo concreto, e que é o próprio
perigo.
Estes crimes são aqueles que alguns autores consideram que só podem ser cometidos
pelo próprio agente da infracção, pelo próprio agente material do crime, não admitindo
outra forma de autoria, desde logo autoria mediata.
A autoria mediata é uma das formas de autoria tipificada no art. 26º CP.
Outra situação típica de autoria mediata é o caso da coacção, em que alguém coage
outrem à prática de um determinado facto.
Não se pode confundir estes crimes de mão própria com os crimes específicos ou
próprios:
- Os crimes de mão própria são crimes que podem ser praticados por qualquer
agente.
a) Crimes simples
São aqueles em que são violados, por lesão ou ameaça de lesão, vários bens jurídicos.
Qualquer um destes tipos está inserido na parte especial do Código Penal, num
determinado capítulo. Com a adopção das condutas típicas proibidas por estes tipos o
agente lesa vários bens jurídicos.
Os crimes praeter intencionais têm uma estrutura mista, são um misto de um resultado
a título doloso. O nexo de imputação dá origem a segundo resultado imputado ao agente a
título de negligência.
Diz-se que nos crimes praeter intencionais há uma estrutura mista: misto de dolo e
negligência, ligados por um nexo de imputação objectiva29[28].
E mais amplo, porque não supõe que o crime básico, que o primeiro resultado, seja
sempre doloso; por hipótese, um resultado negligentemente provocado pode dar origem a
um resultado mais grave, negligentemente ocorrido.
Repara-se que esta classificação é também importante desde logo porque quando estão
em causa tipos básicos, tipos qualificados e tipos privilegiados, normalmente entre eles
pode estar em causa uma relação consensual, uma relação de concurso aparente, legal ou de
normas, neste caso numa relação de especialidade.
Estes tipos de crime são aqueles em que a tipicidade é descrita em função de uma
especial intenção ou tendência, sem a qual o tipo não está preenchido.
Mas, para a consumação do tipo, curiosamente, não se exige que o resultado dessas
intenções, ou dessas tendências se verifique.
Quem chamou a atenção para que os tipos por vezes pressupunham determinados
elementos subjectivos específicos e refiram as especiais intenções, foram os Neo-
clássicos:
- O tipo de furto, para além de ser um tipo doloso, postula também para além do
dolo (em sede de tipicidade), um elemento subjectivo específico que é a especial
intenção de aprovação;
- O crime de envenenamento (art. 146º CP) postula uma intenção de lesar a saúde
física, ou psíquica de outra pessoa;
- O tipo legal do art. 235º CP tem uma especial intenção: intenção de causar
prejuízos ao Estado ou a terceiros.
Significa pois que a tipicidade aqui é descrita em função desta especial tendência ou
intenção. Se não se verificar esse elemento subjectivo específico, o tipo não está
preenchido.
Crimes instantâneos são aqueles em que o agente com o seu comportamento dá origem a
uma situação de ilicitude que ocorre e se esgota com a produção desse comportamento.
Nos crimes duradouros o agente com o seu comportamento dá origem também a uma
situação de ilicitude, situação essa que fica privada em relação à coisa de que é
proprietário das suas faculdades de uso, gozo e fruição. Mas esse estado lesivo dura
enquanto pelo menos a pessoa que furtou não devolveu o objecto furtado a quem de direito.
E então como é que estes crimes que são ditos de Estado se distinguem dos crimes
instantâneos?
Como é que se distinguem, por sua vez, os crimes de estado dos crimes duradouros?
Conclusão:
- Nos crimes instantâneos não se verifica um estado lesivo que possa ser removido;
Uma outra distinção que é necessária fazer é aquela que estabelece a diferença entre
actos preparatórios:
- De tentativa;
- E de consumação.
Em primeiro lugar, tem-se que atender a dois conceitos de consumação. Por um lado
fala-se em consumação formal e essa consumação formal pressupõe o preenchimento de
todos os elementos do tipo incriminatório.
Por outro lado, fala-se num conceito de consumação material que tem a ver com a lesão
efectiva do bem jurídico tutelado pela norma jurídico-penal.
Nos crimes materiais ou de resultado só há uma consumação pelo menos formal, quando
o resultado típico se tenha produzido. Enquanto que nos crimes de mera actividade, ou nos
crimes formais, como não há um resultado que se tenha que distinguir ou autonomizar da
conduta do agente, o tipo está consumado formalmente quando se verifica a actuação ou a
conduta típica do agente.
Mas por vezes, tem-se de distinguir a responsabilidade penal do agente não por facto
consumado, mas por actos preparatórios ou por factos tentados.
Quanto aos actos preparatórios eles são uma fase do “inter criminis”, em que
normalmente é possível cindir e destacar várias etapas na evolução do cometimento do
crime:
Os actos preparatórios regra geral e por força do disposto no art. 21º CP, os actos
preparatórios não são punidos.
Só existe punição por actos preparatórios quando a lei expressamente o disser; ou então
o próprio legislador tipifica como crime autónomo actos que são actos de preparação.
- Por outro lado, sendo ainda punível a tentativa, a pena é especialmente atenuada.
Por isso, pode-se assentar que os elementos da tipicidade do facto tentado sejam
três:
Em Direito Penal não existem tentativas negligentes, as tentativas são sempre dolosas.
Encontra-se por referência ao disposto no art. 23º CP, as tentativas impossíveis que
também, nalguns casos, não são puníveis.
Essa tentativa, quando existe numa manifesta inaptidão do meio empregue com vista à
produção do resultado pretendido, é uma tentativa não punida.
31 Actos de execução daqueles que se encontram previstos nas várias alíneas do art.
[30]
22º CP.
Regra geral, só é possível desistir enquanto não há consumação, pelo menos enquanto não
há consumação material.
A tentativa é uma figura que está especialmente concebida para os crimes materiais ou
de resultado. Como a tentativa pressupõe um elemento negativo que é a não produção do
resultado típico está concebida para os crimes de resultado.
Nos crimes formais, de que são exemplo os crimes de mera actividade ou as omissões
puras, há quem distinga e fale em:
Nos crimes uniexecutivos já não é possível nem pensável uma fragmentação de actos
antes da consumação.
A classificação dos crimes pluriexecutivos, dentro dos crimes formais, vem permitir
duas coisas:
1) Por um lado, vem permitir considerar-se que também é possível falar de tentativa
nos crimes formais que sejam pluriexecutivos;
2) Por outro lado, ainda, nestes crimes formais, que estão preenchidos com a mera
conduta do agente e que não exigem a verificação de um resultado ontologicamente
diferenciado da conduta, vem permitir que nos crimes formais pluriexecutivos se
possa falar por exemplo em desistência.
IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
Dentro da teoria do facto punível e das categorias analíticas começou-se por analisar a
acção. Verificando-se que havia uma acção penalmente relevante, essa acção tinha de ser
subsumível a um tipo. E portanto o tipo tem uma determinada estrutura que é composta por
elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Para se verificar se aquela acção se subsume a um tipo legal, tem-se de ver se os
elementos do tipo estão preenchidos; se os elementos objectivos estiverem preenchidos,
vai-se então ver se os elementos subjectivos do tipo também estão preenchidos para,
estando o tipo integralmente preenchido, passar a outra categoria analítica que é a
ilicitude.
Há uma acção penalmente relevante, mas não é típica se não é típica, não há
responsabilização penal do agente.
Esse nexo de causalidade, sendo um elemento objectivo do tipo nos crimes materiais, de
resultado, ou omissões impuras, é um elemento não escrito do tipo, não está lá escrito,
excepto se se tratar de um crimes de realização vinculada.
A imputação objectiva só existe nos crimes materiais, nos crimes de resultado ou nas
omissões impuras, nos crimes de mera actividade, como a conduta do agente consuma desde
logo o tipo legal e não é necessário que espaço-temporalmente algo se diferencia, não há
nada a imputar. A própria conduta consuma o tipo legal de crime.
Portanto, imputação objectiva e causalidade não são a mesma coisa, porque, pode haver
causalidade e não haver imputação objectiva; da mesma forma que só artificialmente é que
se poderá falar de causalidade e no entanto haver imputação objectiva.
Esta matéria de imputação objectiva mais na faz do que decidir quando é que se pode
responsabilizar criminalmente uma pessoa por alguma coisa que ela fez. E nomeadamente,
ver se é possível aferir, em termos de nexo de imputação, um determinado resultado, um
determinado evento ou uma determinada conduta humana.
E só havendo nexo de imputação, esse nexo relacional, que não tem de ser necessária e
forçosamente causal, é que se pode afirmar a responsabilidade jurídico-penal do agente.
73. Teoria da causalidade ou teoria “conditio sine qua non” ou teoria da equivalência
das condições
Surge uma teoria que procurava dar resposta a esta imputação do resultado a uma
determinada actividade e que é uma verdadeira teoria da causalidade, que pressupõe a
existência de um nexo causal entre um determinado resultado e uma conduta, em termos de
causa e efeitos.
Então, através deste raciocínio hipotético, eles pensavam assim: vai-se abstrair dessa
conduta cuja causalidade se quer aferir e verificar se o resultado, abstraindo da conduta,
se mantém ou não. E chega-se a esta conclusão: se abstraindo do comportamento o
resultado permanecer é porque aquele comportamento não é causa de resultado.
Isto porquê? Porque eles nivelam todas as circunstâncias enquanto condição da produção
do resultado; todas concorrem equivalentemente para a produção do resultado, sem que
haja a possibilidade para se parar entre causas relevantes e causas irrelevantes.
Mas quando à partida a relevância da causa for desconhecida, a teoria pouco ou nada diz
sobre a manutenção ou não do resultado.
Uma critica que se faz à teoria da “conditio sine qua non” é que ela não resolve os casos
de imputação na chamada causalidade cumulativa e na chamada causalidade virtual ou
hipotética.
Por outro lado ainda, uma critica que se faz a esta teoria, é a de que esta teoria, já
excessiva na responsabilização criminal, por referência ao conceito de causa que tem, e
porque não permite distinguir entre causas relevantes e irrelevantes e irrelevantes porque
todas as circunstâncias são condições aptas à produção do resultado, então este conceito
naturalístico de causa não consegue explicar a imputação nos crimes omissões impuros ou
impróprios.
Parece ser aquela que o Código Penal perfilha no art. 10º, quando equipara a acção à
omissão e quando se diz que, quando de um crime faz parte um determinado resultado, o
facto é tanto a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
A teoria da adequação, visa restringir ou limitar os exageros da antecedente construção
da “conditio sine qua non”.
Já não são todas as circunstâncias que se equivalem enquanto causa do mesmo resultado,
mas são só importantes aquelas causas ou aquelas condições que sejam aptas, que sejam, no
sentido de importarem a obtenção de determinado resultado.
Neste juízo vai-se verificar se, para um homem médio, para um agente médio colocado
nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar daquele comportamento em concreto, era
previsível que resultasse aquela ocorrência ou que desse comportamento resultasse aquele
evento em concreto.
- Se, pelo contrário, não se puder afirmar um juízo de previsibilidade, então, ter-
se-á de considerar que aquele comportamento não é causa, no sentido de causa
adequada, à produção do resultado.
Fazer uma prognose é fazer uma previsão. E essa previsão é posterior, ou póstuma,
porque se vai fazer uma previsão no momento em que já ocorreu o resultado, quer-se
efectivamente comprovar se a conduta é conducente a esse resultado já ocorrido. Por isso
é que é uma prognose – uma previsão –, mas é póstuma.
E é objectiva, porque não se vai perguntar ao próprio agente que agiu se, actuando
daquela forma, lhe era a si previsível que ocorresse aquele evento, mas vai-se
efectivamente questionar, por relação – é quase uma valoração paralela na esfera laica do
agente. Ou seja, vai-se averiguar, para um homem médio colocado nas mesmas
circunstâncias de tempo e de lugar do próprio agente, se para ele era previsível que daquela
conduta ocorresse aquele resultado.
Para encontrar a verdadeira adequação, há que recorrer também aos conhecimentos que
o agente tenha no caso concreto.
Contudo, são várias as críticas que se podem fazer a esta teoria da adequação e que são
as seguintes:
Em primeiro lugar, é uma doutrina que postula, para a adequação da causa, elementos de
natureza subjectiva, uma vez que se tem de ter também em conta os conhecimentos que o
agente tinha da situação. E portanto já não se faz totalmente uma prognose objectiva
posterior, porque ela não é mesclada por uma subjectividade, pelos conhecimentos que o
agente tinha da própria situação.
Por outro lado, este critério, ou esta ideia de previsibilidade em que assenta a teoria da
adequação é um critério algo impreciso. E isto porque, postulando um conhecimento da
realidade e do mundo objectivo, não há dúvida nenhuma que esse conhecimento é residual.
Existem doutrinas posteriores cujo percurso foi iniciado por Klaus Roxin, que vêm
introduzir determinadas ideias para de alguma forma, corrigir estas teorias antecedentes:
quer a teoria da adequação ou da causalidade adequada, quer a teoria da “conditio sine qua
non” ou da equivalência das condições. É a chamada teoria do risco, ou dos critérios do
risco.
Os critérios de risco não são baseados em critérios de causalidade, sendo certo que a
ideia de causalidade em sede de imputação objectiva é um pressuposto mínimo ou um limite
máximo que não se pode dispensar.
Por vezes, a causalidade, o nexo de causalidade, não chega, não é suficiente para
explicar a imputação objectiva porque, pode existir causalidade, pode existir um nexo de
causa e efeito entre dois fenómenos e no entanto não haver lugar a imputação objectiva.
O cerne está pois em que o comportamento ou a conduta do agente tem de ser criado,
aumentado ou não diminuído o risco proibido.
Só haverá lugar a imputação objectiva quando o agente, através da sua conduta, tiver
criado, aumentado ou não diminuído risco proibido.
Em conclusão:
A causalidade e imputação objectiva são duas realidades que não significa a mesma
coisa.
Por outro lado, pode haver causalidade e não obstante não haver imputação objectiva,
são casos de diminuição do risco33[32].
Também a causalidade não resolve aquelas situações em que existe uma actuação
negligente por parte do agente, actuação negligente essa que da origem a um determinado
evento lesivo; mas, mesmo que o agente adoptasse um comportamento lícito, mesmo que o
32 São riscos lícitos ou permitidos, porque são inerentes à própria sociedade em que
[31]
as pessoas vivem.
Causalidade há, imputação objectiva em princípio não haverá, pelo menos para aqueles
que defendem como corrector, dentro dos critérios do risco, o chamado comportamento
lícito alternativo.
Muitas vezes o processo causal perspectivado pelo agente para obtenção do evento ou
do resultado típico diverge daquele que na realidade se verifica. Há diversos tipos de
desvios no processo causal:
Ou seja, pergunta-se se, daquela actuação do agente seria previsível que ocorresse um
risco tal que levasse à produção daquele resultado.
- Se, pelo contrário, se afirmar que não era previsível, então trata-se de um desvio
relevante ou essencial.
São todas aquelas situações em que o agente adopta um comportamento negligente, não
observa os deveres de cuidado a que está obrigado e de que é capaz e, com esse
comportamento ilícito por ele adoptado, dá origem a um resultado lesivo; mas prova-se que,
mesmo que o agente actuasse diligentemente, observando todos os deveres de cuidado, o
resultado lesivo seria o mesmo, os chamados casos de comportamento lícito alternativo.
- Há aqueles que dizem que nos casos de comportamento lícito alternativo não há
lugar a imputação objectiva;
- E há aqueles que dizem que nestes casos deve firmar-se a imputação objectiva do
agente.
Nos termos do art. 10º/1 CP, diz-se que quando um determinado crime, ou um
determinado facto típico, compreende um resultado, o facto abrange não só a acção
adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
Neste sentido, parece que o legislador firma aqui, como ponto de partida para a
imputação objectiva, uma teoria da adequação, mas teoria da adequação que, sendo no
entanto maioritária na doutrina e jurisprudência mais recentes, completada pelos critérios
de imputação objectiva nomeadamente pelas ideias do risco.
Introduzem-se depois correcções a esta teoria, correcções essas trazidas pela ideia de
risco, nomeadamente os casos de diminuição do risco, os casos de risco permitido ou risco
lícito, os casos que se situam para além da esfera de protecção da norma, em todos eles há
causalidade mas não há imputação objectiva.
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
Do tipo fazem parte, para além dos elementos objectivos, os elementos subjectivos,
nomeadamente o elemento subjectivo geral nos crimes dolosos que é o dolo. E alguns tipos
pressupõem também elementos subjectivos específicos – as especiais tendências, as
especiais intenções.
A partir deste conceito de dolo, verifica-se que o dolo tem uma estrutura composta por
dois elementos:
Esta falta de conhecimento de elementos do facto típico gera situações de erro; são as
situações de erro de tipo, situações em que há um desconhecimento ou um imperfeito
conhecimento dos factos ou da realidade.
Quanto ao elemento intelectual do dolo interessa ainda dizer que tem que ser um
conhecimento actual.
Uma pessoa pode querer um resultado, ou pode querer um facto típico, com maior ou
menor intensidade.
Quando a pessoa quer directamente aquilo que prevê com a intenção de realizar aquilo
que prevê, está-se perante a forma mais intensa de querer, está-se perante o dolo de
intenção ou dolo directo de primeiro grau.
Portanto, em Direito Penal é incorrecto dizer-se que dolo é sinónimo de intenção, porque
intenção em termos rigorosos visa tão só uma das espécies de dolo, que é a forma mais
intensa (art. 14º/1 CP).
Outras vezes a relação de intensidade para com aquilo que o agente quer já não é tão
intensa. São aquelas em que o agente quer algo em primeira linha, e quer essa coisa com a
sua intenção; mas sabe que para conseguir essa coisa, como consequência necessária da
conduta que tem de empreender para conseguir isso que quer, algo vai acontecer como
consequência necessária da conduta.
Nestas situações está-se perante o dolo directo de segundo grau ou dolo necessário
(art. 14º/2 CP).
Nas situações de dolo eventual, que é a forma mais ténue de intensidade da relação do
querer do agente para com o facto por ele praticado, o agente representa, prevê como
possível que da sua actuação possa ocorrer um determinado resultado lesivo, um
determinado tipo crime. E actua conformando-se com a possibilidade dessa realização,
actua conformando-se com a possibilidade de a sua actuação desencadear a ocorrência do
facto típico por ele previsto, é o chamado dolo eventual (art. 14º/3 CP).
Muito perto do dolo eventual, está uma outra figura que há chamada negligência
consciente.
Em primeiro lugar, a norma do art. 13º CP, diz-se que a regra geral é a imputação por
facto doloso e só excepcionalmente existe responsabilidade criminal por facto negligente.
Enquanto que da estrutura do dolo fazem parte dois elementos – o elemento intelectual
(conhecer) e o elemento volitivo (o conhecer), como acontece na negligência inconsciente;
mas não há nunca o elemento volitivo.
Há quem secunde para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, uma
teoria da probabilidade ou verosimilhança.
- Se uma pessoa prevê como altamente provável um certo resultado e não deixa de
agir como quer agir, pode dizer-se que essa pessoa actua com dolo eventual;
É um critério impreciso.
Para além de ser um critério muito impreciso, o grau de probabilidade com que se prevê
ou não determinado resultado é subjectivável, varia de pessoa para pessoa: há pessoas que
são mais cautelosas e outras pessoas que o são menos.
E por outro lado, há determinados resultados que são altamente prováveis e que
contudo, ninguém pensa imputá-los a título doloso.
- Se pelo contrário, tendo previsto como certo o resultado lesivo, o agente não
tivesse deixado e actuar de forma como actuou, então é porque o agente actuou
como dolo eventual.
Esta fórmula ou teoria hipotética de Frank para distinguir os casos em que o agente
actuaria com dolo eventual ou com negligência consciente, é de alguma forma criticável. Por
força de algumas críticas Frank faz uma formulação positiva da sua teoria.
Já não se pergunta o que é que aconteceria se o agente tivesse previsto como certo o
resultado lesivo, mas vê-se antes, perante uma determinada situação fáctica, se a posição
do agente ao actuar é esta: “aconteça o que acontecer, haja o que houver, eu actuo”.
Para fazer a distinção entre dolo eventual e negligência consciente e saber quando é que
o agente actua conformando-se (e portanto querendo o resultado), a teoria ou fórmula
positiva de Frank é um bom ponto de partida.
Para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, vai-se partir do princípio
da actuação da teoria positiva de Frank mas com um correctivo face ao apelo da motivação
concreta do agente quando actua de determinada forma.
Para que o tipo esteja consumado, é necessário que se autonomize dessa conduta o
resultado típico, que é o perigo para a própria vida da pessoa que foi exposta.
Nos crimes de perigo concreto o resultado é o próprio perigo para o bem jurídico que a
norma pretende tutelar.
O dolo é uma figura que tem um recorte legislativo. Existem várias modalidades de dolo,
que é um dolo de lesão, previstas no art. 114º CP. Portanto o dolo de perigo há-de ser um
dolo que não pode ser uma figura inteiramente nova, mas que tem que ter algum apoio
legislativo. Há-de ter alguma filiação em sede do que já está no art. 14º CP, nalgum dos seus
números.
Por outro lado também não é concebível uma situação de dolo eventual de perigo, porque
se o dolo eventual nos termos do art. 14º/3 CP, é aquela situação em que o agente
representa como possível que da sua conduta vá ocorrer a lesão e actua conformando-se
com essa possibilidade, então o agente, ao prever como possível o perigo, está a prever a
possibilidade da lesão, porque o perigo é sempre a possibilidade de lesão.
O dolo de perigo há-de ser natural e necessariamente um dolo necessário de perigo, que
pode ser recortado nos moldes do art. 14º/2 CP.
Para que exista dolo de perigo é necessário um elemento positivo e dois elementos
negativos.
Elemento positivo:
É a consciência que o agente tem da situação de perigo: o agente tem de representar,
tem de tomar consciência (elemento intelectual do dolo) da possibilidade de lesão que é o
perigo.
Elementos negativos:
1) É preciso que o agente, tendo previsto e representado o perigo, que é a
possibilidade de lesão não se auto-tranquilize no sentido de pensar que aquilo que
previu como perigoso não irá ocorrer, porque nesse caso tem-se uma situação de
negligência consciente (art. 15º/1 CP).
2) Por outro lado, tendo o agente representado o perigo e tendo consciência desse
perigo, ele não se pode auto-conformar. Na verdade, se o agente prevê o perigo e se
auto-conforma com a possibilidade de o perigo por ele previsto se desencadear em
lesão, então já se tem uma situação de dolo eventual de lesão.
Ainda no que diz respeito à imputação subjectiva, torna-se relevante falar nos
elementos subjectivos específicos ou especiais.
Os Neoclássicos chamariam à atenção para o facto de que o tipo tinha alguns elementos
subjectivos específicos. Foram referidas em sede própria as especiais tendências, as
especiais intenções, a propósito do crime de burla, que pressupunha uma intenção de
enriquecimento.
Quando o legislador nada diz, nos tipos da parte especial que são em geral dolosos,
admite-se qualquer forma de dolo – dolo directo, dolo necessário, dolo eventual – a não ser
que a lei expressamente limite a forma de dolo que serve para o preenchimento do tipo
legal35[34].
Enquanto consagração e disciplina legal, o regime do erro está previsto nos arts. 16º e
17º CP.
O art. 16º CP expressa as situações de erro intelectual, enquanto que o art. 17º CP
expressa as situações de erro moral, também dito erro de valoração.
Nos casos do erro do art. 17º CP erro moral ou de valoração, a sua relevância, filtrada ou
não por critérios de censurabilidade, tem quando o erro for não censurável, a função e
consequência de excluir a culpa.
O erro intelectual do art. 16º/1 CP (erro do tipo) é um erro que pode incidir sobre
elementos do facto típico, elementos normativos ou elementos de direito, e sobre
proibições cujo conhecimento fosse razoavelmente indispensável ao agente ter para tomar
consciência da ilicitude.
No art. 16º/2 CP prevê-se outra situação de erro, que não é já um erro de tipo, mas é um
erro sobre os pressupostos de facto ou de direito das causas de exclusão da ilicitude ou
das causas de exclusão da culpa.
- Erro ignorância;
- Erro suposição.
Por vezes, dentro da modalidade do erro intelectual pode haver uma errada
representação da realidade, ou um imperfeito conhecimento. É uma situação de erro
suposição que é uma das modalidades reconduzíveis à situação de erro intelectual.
Ou
- Erro de tipo; e
- Tentativa impossível.
As situações de erro de tipo são situações que se dizem normalmente de erro por
defeito, em que o agente, com o seu comportamento, dá origem a um resultado que ele não
quis.
86. Critérios de relevância do erro
- Enquanto que o erro intelectual, nas suas modalidades de erro ignorância e erro
suposição, releva imediatamente, releva por si mesmo, ou seja, basta provar que a
pessoa está no âmbito de uma dessas situações previstas no art. 16º CP para que o
erro tenha relevância;
Numa situação de erro moral ou de valoração, que são aquelas situações em que as
pessoas ignoram a realidade, não têm uma errada percepção da realidade, mas têm sim é
uma errada valoração ou concepção valorativa dessa mesma realidade, o erro não releva por
si mesmo.
A percepção que se tem da valoração jurídica dessa mesma realidade é que é errada,
porque o agente presume que aquele comportamento é um comportamento lícito, admitido
pela ordem jurídica, quando na realidade a valoração dada àquela actuação é uma valoração
negativa, é um comportamento ilícito.
O erro moral ou de valoração do art. 17º CP não relva por si mesmo, como nos termos do
art. 16º/1 CP. A consequência não é automática, há uma relevância mais exigente: tem de
ser ainda filtrada por um critério de censurabilidade.
Assim, tem-se de ver se aquele erro de valoração, se aquele erro moral, é um erro
censurável ou um erro não censurável. Ou seja, se era um erro censurável, porque era um
erro evitável, e consoante um caso ou outro, assim a consequência, desta forma:
- Se o erro era um erro inevitável, não censurável, a culpa será excluída nos termos
do art. 17º/1 CP;
- Se, pelo contrário, for um erro censurável, porque era um erro evitável, aí o
agente responde pelo crime doloso que cometeu, podendo a pena beneficiar de uma
atenuação especial e facultativa (art. 17º/2 CP).
- Essencial;
- Não essencial.
Todas estas circunstâncias, a estarem presentes, têm como consequência nos termos do
art. 16º/1 CP a exclusão do dolo. No art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade por negligência
nos termos gerais.
Exemplo:
A, conhece e quer destruir um livro, mas desconhece que aquele livro que ele quer possui
um valor histórico grande. Desconhece pois aquela característica fáctica do objecto.
Então, o agente conhece e quer danificar o livro. Portanto, ele conhece e quer incorrer
no crime de dano. Mas na realidade, aquilo que acontece é que o agente, devido ao valor
histórico do objecto do tipo, está a incorrer no crime de dano agravado.
Os tipos legais de crime, quanto ao autor, numa das modalidades mas conhecidas, se
podem distinguir entre crimes gerais ou comuns e crimes específicos, podendo estes ser
crimes específicos em sentido próprio ou crimes específicos em sentido impróprio.
Chama-se agora à colação a noção dos crimes específicos ou próprios que são aqueles
que exigem determinadas qualidades, naturalísticas ou outras, da pessoa do autor. Ou seja,
nem todas as pessoas podem ser autoras daqueles tipos legais de crime, mas apenas as
pessoas que tenham a qualidade típica descrita na lei.
É um erro que se insere também no art. 16º/1 CP e que leva à exclusão do dolo36[35].
- Pode tratar-se de um desvio no processo causal, que pode por seu turno ser um
desvio essencial ou um desvio não essencial;
Há quem não considere o erro sobre o processo causal como um erro de tipo. E isto
desde logo devido às consequências que a relevância deste tipo de erro tem.
Porquê então tratar aqui o erro sobre o processo causal, ao lado das situações de erro
do tipo?
Tem-se que se ver quando é que se está perante um desvio no processo causal que seja
essencial, ou quando é que esse desvio no processo causal é não essencial, porque de acordo
com uma ou outra conclusão assim a consequência em termos de tratamento jurídico-penal é
diferenciada; assim:
Então, o cerne da questão está em saber quando é que um desvio no processo causal é
essencial e quando é que não é.
E então dizem:
Mas nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal seja mais aceitável a
figura do dolo geral, vendo nestas acções um processo unitário levado a cabo pelo agente
com dolo geral e punido pois o agente por facto doloso consumado.
Também designada erro sobre a execução ou execução defeituosa não é em rigor uma
situação de erro intelectual.
Nas situações de aberratio ictus” não existe uma representação errada da realidade, o
que se verifica, sim, é um insucesso do facto, ou um fracasso do facto.
Uma delas, é a da Profa. Teresa Beleza, que dá a estas situações de “aberratio ictus”
exactamente o mesmo tratamento que dá às situações de erro sobre a identidade do
objecto, ou seja, entende que se deve averiguar se existe distonía típica entre o objecto
representado pelo agente e o objecto efectivamente atingido e tratar a situação como se
de um erro sobre o objecto se tratasse.
De acordo com outra posição perfilhada entre outros autores pelo Prof. Castilho
Pimentel, Dra. Conceição Valdágua e também pelos Profs. Cristina Borges Pinho e Costa
Pimenta será de entender que nestas situações de “aberratio ictus” se deve dar um
tratamento diferente, em termos de punir o agente em concurso efectivo com uma
tentativa (de homicídio ou outra) em relação ao objecto visado ou representado pelo agente
e um homicídio negligente (ou facto negligente) em relação ao objecto efectivamente
atingido.
Nestas circunstâncias, há que entender que se deve responsabilizar o agente pelo crime
que ele julga estar a cometer.
Erro sobre elementos normativos, é a segunda proposição do art. 16º/1 CP: erro sobre
elementos de direito de um tipo legal de crime.
Exemplo:
Exemplo:
Um pinhal situado numa região florestal protegida por lei: o agente desconhece a
existência dessa lei que enquadra aquela região numa zona protegida e que, em
consequência, pune criminalmente de uma forma mais severa o crime de dano (arrancar,
serrar ou por qualquer forma danificar as árvores).
Muitas vezes o agente ao actuar tem consciência, sabe, que determinado elemento
fáctico, que o objecto por ele visado, tem uma componente normativa, só que erra quanto à
extensão do conceito normativo.
Este erro sobre a extensão do carácter normativo há-de ser ponderado segundo um
critério de censurabilidade ou não censurabilidade, porque no fim de contas é um erro
moral ou de valoração.
Em primeiro lugar importa referir quais são estas proibições que se filiam em sede do
art. 16º/1 CP e não saltam já para o campo do art. 17º CP como erro moral ou de valoração.
Das proibições legais são só e tão só aquelas ditas proibições artificiais ou proibições que
não têm um carácter ético ou social enraizado em termos de serem valorativamente
neutras no sentido de que os cidadãos não têm delas consciência ético-jurídica ainda
formulada; ou então as proibições novas.
38 Não entronca já nas situações de erro intelectual previstas no art. 16º CP.
[37]
No fim de contas, proibições que em termos de axiologia não representem uma
interiorização de comando em termos de lesão ético-jurídica de bens jurídicos reputados
como verdadeiramente fundamentais ou essenciais.
ILICITUDE
a) Legítima defesa
b) Direito de necessidade
97. Introdução
O conceito de ilicitude material foi uma conquista dos neoclássicos que também
analisaram quais eram as consequências relevantes da distinção entre ilicitude material e
ilicitude formal.
Uma acção é penalmente relevante, essa acção pode ser subsumível aos termos gerais e
abstractos dum tipo legal de crime.
A um facto típico está indiciado um juízo de ilicitude, ilicitude formal, no sentido de que
aquilo que se fez é algo que contraria a ordem jurídica na sua globalidade, é algo que é
contrário à lei.
Mas este juízo de ilicitude indiciado pela tipicidade pode ser excluído, e é excluído pela
intervenção relevante das chamadas causas de exclusão da ilicitude ou causas de
justificação. Estas são causas, que visam excluir a ilicitude do facto típico; visam dizer que
aquele facto, que é típico, é aprovado pela ordem jurídica porque é um facto que está
justificado.
Mas um facto justificado39[38], não deixa por esse facto de ser um facto típico. Portanto
um facto justificado permanece típico – tão só se exclui a ilicitude.
Um facto, ainda que justificado, não deixa de ser típico, porque os factos, ainda que
aprovados pela ordem jurídica (factos cuja ilicitude esteja excluída) não são
valorativamente neutros.
A própria função que o tipo deve desempenhar inculca a que se faça uma análise
tripartida do facto punível, com as categorias da tipicidade, de ilicitude e da culpa. E isto
porque o juízo que é dado sobre a tipicidade de um facto que acaba por ser justificado é
um juízo que não volta atrás: o tipo tem uma função de apelo, desde logo pelos fins das
penas, visível em cada tipo legal de crime, quer-se dizer com isto que o legislador quando
tipifica comportamentos o faz com uma determinada intenção.
- No sentido de que as pessoas não devem empreender essas condutas que a lei
considera proibidas;
Esta função de apelo inerente aos tipos só se satisfaz se ainda que o facto esteja
justificado, o tipo permanecer intacto: em princípio não se deve matar, no entanto aprova-
se que alguém mate outrem em legítima defesa.
É um juízo que é feito pela ordem jurídica, um juízo generalizado, um juízo de desvalor
que incide sobre o facto praticado, ou seja:
Neste sentido tem-se que o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor generalizado que
incide sobre o próprio facto.
Se o direito penal, de harmonia com este princípio, só deve intervir e emprestar a sua
tutela robusta quando a tutela fornecida por outros ramos do direito não for
suficientemente eficaz para tutelar cabalmente bens jurídicos reputados como
fundamentais e essenciais à sociedade; então se os outros ordenamentos jurídicos para
determinados factos consideram que o comportamento é lícito, não deve vir o direito penal
incriminar e emprestar a sua tutela àquele facto, que não merece tutela jurídico-penal,
precisamente porque outros ordenamentos jurídicos prescindiram da sua consideração
como facto ilícito, mas consideram-no um facto aprovado.
As causas de exclusão da ilicitude em direito penal não são apenas as que estão
enumeradas no art. 31º CP mas todas aquelas que o ordenamento jurídico na sua globalidade
considera como relevantes para afastar a ilicitude de um determinado facto.
Inerente a toda a justificação existe uma ideia comum: não há participação em facto
justificados, ou seja, a participação num facto justificado não é punida.
Quando se diz que não existe participação penalmente relevante, em termos de punição,
dum facto justificado, significa que não existe punibilidade da participação num facto
típico justificado.
b) Para determinada doutrina o facto é ilícito, mas o agente é punido por tentativa;
c) Para outro sector da doutrina o facto é também ilícito, mas o agente é punido por
facto consumado;
· Nas causas de justificação cujo elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura,
se o elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o elemento subjectivo
não estiver preenchido o agente é punido por facto consumado;
a) Legítima defesa
100. Introdução
A legítima defesa assenta precisamente numa reacção a uma agressão actual e ilícita
que ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente ou terceiro. Essa reacção
trem de ser uma reacção adequada, necessária a afastar ou repelir a agressão actual e
ilícita.
a) Doutrina monista
Para esta doutrina todas as causas de justificação se filiam numa ideia comum; a noção
de ideia comum é que varia de autor para autor.
Poder-se-á dizer que inerente a todas as causas de justificação existe uma ideia de
ponderação de interesses: do interesse a salvaguardar do interesse ameaçado. Portanto,
uma ideia de ponderação de interesses.
b) Doutrina pluralista
E isto porque, inerente à legítima defesa, dum ponto de vista (ou dum prisma)
meramente individual, está uma ideia de auto-protecção.
Mas, quando se olha a legítima defesa já por um prisma social ou colectivo, vê-se que o
seu fundamento é a reafirmação do direito negado. Se há uma reacção contra uma acção
ilícita, de alguma forma está-se a repor um direito negado com a agressão, precisamente
porque a agressão é ilícita.
Partindo desta ideia do lado individual e do lado social da legítima defesa, pode-se
assentar no seguinte.
Em primeiro lugar, com base nesta ideia de auto-protecção (lado individual da legitima
defesa) não há legítima defesa de interesses públicos. Quer-se dizer com isto que a defesa
de interesses públicos é feita pelos meios coercivos normais, pelas forças públicas de
defesa. No entanto, existem determinados interesses públicos que, ao serem ofendidos,
podem ter uma certa repercussão pessoal na esfera jurídica dum titular. E se assim for
podem defender-se interesses ou bens de natureza pública.
Por outro lado, à ainda atendendo a esta ideia de auto-protecção, não há legítima defesa
de terceiros contra a vontade do agredido ou do ofendido, isto é, não há legítima defesa de
terceiros se esse terceiro não se quiser defender ou não quiser ser defendido por uma
determinada pessoa em concreto.
Como princípio, e ainda dentro da ideia de auto-protecção, diz-se que não há legítima
defesa contra tentativa impossível.
Na legítima defesa, ao contrário com o que sucede com o direito de necessidade, não se
exige que haja uma sensível superioridade entre o bem que se pretenda salvaguardar e o
bem que é lesado com a defesa.
Já no âmbito do direito de necessidade, nos termos do art. 34º CP uma pessoa só actua
em direito de necessidade quando, para afastar um perigo que ameaça de lesão um
determinado bem jurídico, lesar outro bem jurídico que não seja superior ao bem que se
pretende salvaguardar. Portanto, tem de haver uma ideia de ponderação entre os
interesses a salvaguardar e os interesses lesados com o exercício do direito de
necessidade.
Uma agressão, para efeitos de legítima defesa, é todo o comportamento humano que
lese ou ameace de lesão um interesse digno de tutela jurídica. Tem de ser uma agressão
humana. Dentro deste conceito de agressão também se entende que todos aqueles
movimentos corpóreos que não constituem acções penalmente relevantes, não são
considerados agressões para efeitos de legítima defesa, porque são movimentos que não
são dominados pela vontade humana.
A agressão pode ser dirigida quer a bens ou interesses de natureza pessoal, quer a bens
de natureza patrimonial do defendente ou de terceiro, consoante se esteja no âmbito de
uma legítima defesa própria ou alheia. E é uma agressão qualificada: para além de haver
uma agressão, ela tem de ser: actual e ilícita.
a) Agressão ilícita
É toda a agressão contrária à lei, não necessitando contudo de consistir numa actuação
criminosa. Para ser uma agressão ilícita, tem de se tratar de uma agressão não justificada,
contra legítima defesa não existe legítima defesa.
b) Agressão actual
É actual, a agressão que está iminente, isto é, prestes a ocorrer, a agressão que está em
curso ou em execução, ou simplesmente a agressão que ainda dura.
Ainda em sede de legítima defesa e para caracterizar esta agressão actual e ilícita,
tem-se que distinguir os casos de mera provocação de pré-ordenação (ou provocação pré-
ordenada).
c) Mera provocação
A agressão que o defendente repele com a defesa há-de ser uma agressão que até pode
ter sido provocada pelo próprio defendente e aí, ainda existe legítima defesa. O que não
pode é a agressão que o defendente repele ter sido pré-ordenada pelo defendente com o
intuito de agredir simulando uma defesa.
Vale mais não exigir como pressuposto da legítima defesa a impossibilidade de recorrer
em tempo útil aos meios coercivos normais; é depois, na análise do meio que o defendente
utiliza para repelir a agressão actual e ilícita é que se vai ver se há ou não uma defesa
necessária.
Se o defendente puder recorrer, em tempo útil aos meios coercivos e não o fizer,
defendendo-se por suas próprias mãos, então pode-se dizer que o meio já não é adequado,
mas é antes um meio excessivo.
Para que se actue ainda legitimamente, para que se actue ao abrigo desta causa de
exclusão da ilicitude é preciso verificar se o meio utilizado para repelir uma agressão
iminente e ilícita de que esta a ser vítima, ou de que está a ser vítima um terceiro, é um
meio racional, adequado para afastar essa agressão. Se o meio utilizado pelo defendente
para afastar a agressão for um meio desajustado, um meio que ultrapassa os limites da
racional, então já não se está perante a situação de legítima defesa, estar-se-á no âmbito
de um excesso de legítima defesa (art. 33º CP).
O que seja efectivamente o meio necessário para repelir a agressão deve aferir-se
sempre no caso concreto.
Em teoria, pode-se dizer que o meio necessário é aquele dos vários meios que o agente
tem à sua disposição, de eficácia mais suave, ou seja, aquele que importa consequências
menos gravosas para o agressor. Mas, meio de eficácia suave, mas simplesmente meio
eficaz, ou de eficácia certa.
Quer-se dizer com isto que, em última análise, a necessidade do meio empregue para
repelir a agressão é aferida em concreto atendendo a múltiplos factores. Desde logo,
atendendo:
- Etc.
Perante uma situação de excesso de legítima defesa, como o facto não está justificado,
como o facto é ilícito, pode-se efectivamente actuar em legítima defesa.
Se o defendente, podendo recorrer à força pública para evitar a agressão não o faz e
resolve actuar, mas usando um meio racional, tão só omitindo esta obrigação que é a de
recorrer aos meios coercivo normais, então entende-se que há aqui uma situação de
excesso de legítima defesa.
A defesa excessiva pode resultar também do art. 33º/2 CP onde se fala em não
censuráveis, esta não censurabilidade é uma causa de desculpa.
Pode-se então dizer que o meio necessário para repelir a sua agressão é, dos vários
meios que o agente tem à sua disposição, o mais suave41[40], mas um meio de eficácia certa.
São aqueles casos em que as agressões provêm de crianças, de pessoas com a sua
capacidade de avaliação sensivelmente diminuída, pessoas embriagada, etc. De um modo
geral, de pessoas inculpadas, de inimputáveis, ou também daquelas pessoas que têm quanto
à vítima uma relação de parentesco.
Nestes casos entende-se que o lado social da legítima defesa desaparece, ficando tão-
só, dentro da sua fundamentação, o lado individual, a necessidade de auto-tutela ou auto-
protecção de interesses.
Há autores que entendem que as causas de justificação não têm elementos subjectivos e
referem inclusivamente que não existe nenhuma expressão literal, em sede por hipótese de
legítima defesa, que inculque a ideia ou a necessidade de ter presente este elemento
subjectivo que é o “animus defendendi”, ou seja, a consciência que uma pessoa tem de que
está na iminência de ser agredida é a vontade que tem de se defender.
A maior parte da doutrina considera que isso não é verdade. O elemento subjectivo do
consentimento é precisamente o conhecimento do consentimento.
A doutrina não está de acordo quanto à forma de punir o agente, nestes casos em que
objectivamente está preenchida a causa de justificação, mas tão só falta o elemento
subjectivo.
Dentro deste entendimento, a analogia em direito penal só está proibida nos termos do
art. 1º/3 CP quanto a normas penais desfavoráveis, normas penais positivas que
fundamentam ou agravam a responsabilidade jurídico-penal do agente. Pelo agravamento ou
criação de pressupostos de punibilidade e de punição.
Ora, esta analogia do art. 38º/4 CP é favorável, porque é mais favorável ao agente ser
punido por facto tentado do que por facto consumado:
- Por outro lado, na tentativa a pena é especialmente atenuada (art. 23º CP).
Portanto, é melhor ser-se punido por facto tentado do que por facto consumado.
Enquanto no Código Civil a legítima defesa exige que o prejuízo causado pela acção de
defesa não seja manifestamente superior àquele que se pretende evitar, portanto joga-se
aqui com uma ideia de ponderação de prejuízos entre os bens danificados com a defesa e os
bens que se pretendem defender. O art. 32º CP não joga com essa ideia.
Por outro lado e ainda em confronto com o art. 337º CC vê-se, que a legítima defesa na
lei civil apresenta um carácter subsidiário, ou seja, só é possível recorrer aos próprios
meios quando não seja possível fazê-lo através dos meios coercivos normais.
Essa situação não é um pressuposto da legítima defesa do art. 32º CP:
- Esta matéria em sede de direito penal é regulada não pelo Código Civil mas pelo
Código Penal;
b) Direito de necessidade
108. Fundamentos
Note-se que o interesse ou bem jurídico cujo perigo se afasta tem de ser superior ao
interesse sacrificado.
O Código Civil clarificou de algum modo a questão, admitindo no seu art. 339º CC um
verdadeiro direito de necessidade, por consagrar ser lícita a acção daquele que destruir ou
danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente
superior, quer do agente quer de terceiro.
Mas por esta via continuaram sem solução os casos de identidade de valoração de bens
jurídicos e aqueles em o sacrificado tem maior valoração que não cabiam nem cabem
manifestamente no direito de necessidade.
Nessa linha de orientação se integrou também o Código Penal ao estabelecer no art. 34º
casos de direito de necessidade e no art. 35º de estado de necessidade desculpante.
O direito de necessidade torna a conduta lícita, dai a imposição feita no art. 34º-b CP
quanto à superioridade do bem ou interesse jurídico a salvaguardar. Daí também que o art.
34º CP tenha que se conjugado com o art. 35º CP, particularmente com o seu n.º 1, e que
uma vida nunca possa ser sacrificado no exercício de um direito de necessidade, já que,
sendo o bem jurídico de maior valoração, nunca qualquer outro lhe pode ser superior.
Segundo a jurisprudência:
O interesse ou o bem jurídico cujo perigo se afasta tem que ser superior ao interesse
sacrificado. Isso diz-se expressamente um dos elementos do direito de necessidade,
nomeadamente pela verificação do preceituado do art. 34º-b CP.
Em primeiro lugar, enquanto no art. 34º CP é excluída a ilicitude do facto típico, no art.
35º CP não se exclui a ilicitude do facto típico mas tão só a culpa. É portanto uma causa de
desculpa, o facto permanece típico e ilícito.
Se assim é, é possível haver uma situação de legítima defesa perante uma situação de
estado de necessidade do art. 35º CP. Já não é possível haver uma situação de legítima
defesa face ao art. 34º CP porque este exclui a ilicitude e para efeitos da legítima defesa a
agressão tem que ser actual e ilícita. Se o facto está justificado pelo direito de
necessidade, contra facto justificado não há justificação.
Por outro lado, há uma importância também relevante porque, partindo da teoria da
acessoriedade limitada, não há comparticipação num facto justificado. Ou seja, não se
responsabilizam os comparticipantes se o facto imputado estiver justificado. Assim, se o
facto praticado pelo autor, o facto principal, for um facto justificado pelo direito de
necessidade do art. 34º CP os comparticipantes, virtualmente cúmplices ou instigadores,
não terão também responsabilidade jurídico-penal, uma vez que o facto praticado é um
facto lícito.
A culpa é um juízo de censura individualizado e pode existir uma causa de desculpa que
beneficie um determinado agente e não aproveitar aos demais. Então só beneficia da causa
de desculpa quem dela pode aproveitar, já podendo responsabilizar-se criminalmente os
comparticipantes a quem essa causa de desculpa não aproveita. É por isso que a teoria se
diz de acessoriedade limitada: porque delimita a responsabilidade criminal dos
comparticipantes a um facto típico e ilícito praticado pelo autor. Se o facto for típico, mas
não for ilícito, já falta um dos requisitos da acessoriedade limitada, portanto, já não há
responsabilidade do participante.
As situações do art. 35º CP que têm relevância em sede de culpa (são causas de
desculpa) são aquelas em que o agente age numa situação em que não tem uma normal
liberdade de avaliação, de determinação e não lhe era exigível que ele adoptasse um
comportamento diferente: ou porque está numa situação de flagrante desespero, de medo
ou de coacção.
Pode-se então concluir que a superioridade que se exige nos termos do art. 34º CP entre
o bem jurídico sacrificado e o bem jurídico ameaçado pelo perigo não se mede em termos
de quantidade: a quantidade não implica superioridade qualitativa.
Em primeiro lugar, viu-se que por força do preceituado no art. 34º CP a situação de
perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo agente, excepto se se tratar de
proteger um interesse de terceiro.
O perigo tem que ser um perigo real e efectivo. Se o perigo for uma mera aparência de
perigo, estar-se-á então no âmbito do chamado direito de necessidade putativo, aqui não há
um perigo real e efectivo, há tão só um perigo pensado ou suposto, o perigo é tão só na
cabeça do agente, é uma situação de direito de necessidade putativo, em que o perigo é só
penado na cabeça do agente e que se chama erro sobre os pressupostos de facto de uma
causa de justificação, cuja previsão normativa e regulamentação está no art. 16º/2 CP.
Por outro lado, o perigo que se visa afastar tem que ser um perigo actual, ou seja, tem
que ser um perigo que exista naquele momento ou que está iminente, perigo esse que pode
advir de factos naturais ou facto humanos42[41].
Isto passa pela análise de se verificar qual é o interesse mais valioso, daí que a doutrina
por vezes aponte alguns índices para a determinação da sensível superioridade que tem de
existir entre o interesse salvaguardado e o interesse sacrificado:
- A medida das sanções penais cominadas para a violação dos bens jurídicos em
causa, por referência à axiologia constitucional;
- À modalidade do facto;
- Às medidas de culpa;
Esta é uma limitação ético-social que visa proteger da violação a dignidade e autonomia
ética da pessoa de terceiro, pois o direito tem de se conter e de se manter de certos
limites, recuando mesmo, se necessário, em face desses valores.
Elemento subjectivo:
O agente tem de conhecer a situação de perigo, actuado precisamente para evitar esse
perigo, que é uma probabilidade de lesão.
O agente fica excepcionalmente dispensado da pena (art. 35º/2, 2ª parte CP). É que a
isenção da pena e dispensa da pena são institutos diferentes (ver art. 74º CP),
enquadrando-se o art. 35º/2 CP o instituto da dispensa de pena, porque ainda há culpa,
embora em grau muito reduzido, e não no da isenção de pena, que afasta logo abinitio a
punibilidade do facto.
A lei escalona a valoração de alguns dos interesses, pelo que se deve observar a ordem
por que os enumera o art. 35º/1 CP. Trata-se de interesses eminentemente pessoais.
Para os casos em que a lei não refere expressamente, deverá entender-se que em
princípio os interesses eminentemente pessoais predominam sobre os patrimoniais e que a
própria lei, pela indicação dada através das sanções, estabelece o escalonamento entre os
interesses da mesma natureza.
A este respeito e dentro desta orientação, expendeu o Prof. Figueiredo dias “…são
conhecidas as dificuldades que uma avaliação em concreto da hierarquia dos interesses
conflituantes pode suscitar. Nesta matéria deve bastar-me com acentuar que pontos de
apoio para a levar a cabo são oferecidos quer pela medida das sanções penais cominadas
para a violação dos respectivos bens jurídicos, quer pelos princípios ético-sociais vigentes
na comunidade em certo momento, quer pelas modalidades dos factos, a medida da culpa ou
por pontos de vista político criminais. Como ainda e também, noutro plano, pela extensão do
sacrifício imposto e pela extensão e premência do perigo existente. Mas para além disso no
novo Código existe ainda, para a justificação, que seja razoável impor ao lesado o sacrifício
do seu interesse em atenção à natureza e ao valor do interesses ameaçado. Esta limitação
ético-social do direito de necessidade – independentemente de saber se ela poderá ver-se
já contida, ao menos em certa medida, na exigência de sensível desproporção dos
interesses conflituantes – é, minha opinião, de sufragar incondicionalmente. O direito de
necessidade, justificado, embora como disse por razões de recíproco solidarismo entre os
membros da comunidade jurídica, tem em todo o caso de recuar perante a possibilidade de
violação da dignidade e da autonomia ética da pessoa de terceiro. E isso mesmo quer dar a
entender a alínea c) do art. 34º CP…”
Por maioria de razão, deve entender-se que há lugar a indemnização, se se verificarem
os seus pressupostos no caso de estado de necessidade desculpante, pois que também o há
no caso de direito de necessidade.
c) Outras causas de exclusão da ilicitude
Na acção directa visa-se não tanto repelir uma agressão, como na legítima defesa, mas
evitar a inutilização prática de um direito.
Aqui se exige como pressuposto a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios
coercivos normais e diz-se que o agente, para evitar a inutilização prática de um direito,
pode adoptar um dos comportamentos aqui descritos: ou apropria-se de uma coisa, ou
destrui-la, ou deteriorá-la ou opor uma certa resistência.
O seu regime não está traçado no Código Penal, mas no Código de Processo Penal.
De um modo geral quando uma pessoa for apanhada em flagrante delito de um crime que
corresponde a pena de prisão, os agentes da autoridade devem deter esse indivíduo; os
outros indivíduos, que não os agentes da autoridade podem proceder à detenção.
E isto, porque de um modo geral as pessoas não se podem andar a prender umas às
outras, porque podem incorrer em responsabilidade criminal pelo tipo de sequestro; ou
eventualmente para deter outra pessoas podem ter de lhe lesar a integridade corporal e
pratica as ofensas corporais; ou podem ter de coagir o indivíduo a um determinado
comportamento, tudo isto são factos típicos penalmente relevantes.
É esta uma causa de justificação entendida como de origem costumeira. O costume não
é fonte de direito em direito penal, mas quando funciona como contra-norma, ou seja,
afastando a responsabilidade penal do agente, portanto no âmbito de uma norma favorável,
já não lhe vê serem-lhe aplicadas as limitações decorrentes do princípio da legalidade.
Este direito de correcção deve ser aplicado utilizando precisamente o meio adequado a
exercer essa missão pedagógica do direito de correcção.
Quando o agente, para corrigir, excede o limite imposto, quando se afasta do meio
necessário dentro da função pedagógica de reeducar, então já não há o preenchimento
desta causa de exclusão da ilicitude.
115. Consentimento
- Noutros casos, o consentimento já não faz parte da ilicitude, não íntegra uma
causa de justificação, mas é um elemento do tipo ou da tipicidade, podendo ser um
elemento positivo ou um elemento negativo do tipo.
Existem determinados tipos legais que só estão preenchidos por exemplo sem o
consentimento do agente, neste caso o consentimento não é uma causa de exclusão da
ilicitude, mas um elemento negativo do tipo, tem que se verificar a ausência do
consentimento para que a tipicidade esteja preenchida.
Noutras vezes o consentimento é também um elemento do tipo, mas um elemento
positivo, nestes casos, para que o tipo esteja preenchido é necessário que a vítima de
alguma forma dê um certo consentimento à conduta desenvolvida pelo agente.
Quando o consentimento é um elemento do tipo e ele não está presente, o tipo está logo
afastado; já não se vai ver se o comportamento do agente é ilícito ou não.
Quando o consentimento não for um elemento do tipo, mas uma causa de justificação,
então é que se tem de verificar se o comportamento típico do agente está ou não
justificado pelo art. 38º CP.
Por outro lado, tem de ser um consentimento actual (art. 38º/2 CP). E só se admite o
consentimento para justificar lesões a bens jurídicos que sejam livremente disponíveis
pelo seu titular.
A integridade corporal é um bem jurídico que pode ser de alguma forma disponível.
Portanto, há que adequar um pouco a motivação que leva ao consentimento da lesão e
também a relevância em termos de reversibilidade ou irreversibilidade da lesão.
Consentimento presumido: vem previsto no art. 39º CP; neste há uma situação em que se
permite a lesão de determinados bens jurídicos, tendo em conta que se o titular desses
bens tivesses conhecimento das circunstâncias em que a lesão ocorre, teria consentido essa
mesma lesão.
É uma causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 36º CP. Trata-se daquelas
situações em que se torna lícito ao agente não cumprir um dever se cumprir outro dever de
categoria igual ou superior.
Se colidirem dois deveres a que o agente está obrigado, de igual valor, o agente tem a
liberdade de optar por um deles, não cumprindo o outro, sendo certo que só tem a
possibilidade de cumprir um deles.
Se colidirem dois deveres, um de natureza inferior e outro de natureza superior, então
está justificado o agente que não cumpre o dever de natureza inferior satisfazendo um
dever de natureza superior.
Colidindo imesuravelmente dois deveres, sendo certo que o agente só pode cumprir um
deles, está justificado o não cumprimento do outro dever ou da outra ordem, se tiver valor
igual ou inferior ao dever (ou ordem) que o agente cumpre.
Para o Prof. Figueiredo Dias, no âmbito do art. 36º CP só há conflito de deveres quando
colidem dois deveres de acção; já não é assim quando colidem um dever de acção e um
dever de omissão.
Há quem entenda (e parece bem) que podem coexistir um dever de acção e um dever de
omissão, desde o momento em que se trate de bens eminentemente pessoais, ou de
natureza pessoal, aí o dever de acção cede sempre perante o dever de omissão.
A justificação supra-legal não encontra o seu regime plasmado na lei, mas sai causas de
justificação que se constroem a partir dos princípios gerais do ordenamento jurídico e,
mais concretamente, a partir dos princípios que norteiam o regime jurídico da exclusão da
ilicitude.
Esta é aceite naqueles casos em que o defendente actua antes da própria agressão, mas
com o intuito de a evitar, sendo aceite que o defendente não pode esperar pelo momento da
agressão sob pena da sua defesa ser absolutamente ineficaz.
É uma causa de justificação supra-legal que nasceu para de alguma forma dar cabimento
à exclusão da ilicitude do crime de aborto, quando a interrupção voluntária da gravidez era
efectuada sob indicação médica na medida em que o nascimento do feto poderia redundar
na morte da mãe.
Para remover ou afastar o perigo de morte da mãe – mulher grávida – admitia-se esta
causa de justificação supra-legal.
Hoje em dia e face à nossa lei tem-se um regime especial de justificação para o crime
de aborto, e que se denomina precisamente “causas especiais de justificação do crime de
aborto”. São causas de exclusão da ilicitude especiais, em sentido próprio. E isto porquê?
Agora existem causas tipificadas na parte especial que o legislador cria para esses tipos
concretos. Donde, as causas de justificação que estão contidas na parte especial do Código
Penal e que valem só para aquele tipo legal de crime que a lei indica são designadas causas
de justificação especiais.
Mas ainda se pode encontrar na parte especial do Código Penal causas de justificação
especiais, umas que o são em sentido próprio e outras que o são em sentido impróprio.
São situações que são reconduzíveis ao art. 16º/2 CP que exclui o dolo; e nos termos do
art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade a título de negligência.
São aquelas situações em que o agente representa erradamente que está perante uma
situação objectiva de justificação e actua com o elemento subjectivo correspondente a
essa mesma causa de justificação que ele julga que está efectivamente presente, quando na
realidade falta o elemento objectivo: falta um pressuposto de facto um elemento normativo
dessa causas de justificação.
Viu-se em sede do art. 16º/1 CP que fala em “erro sobre os elementos do facto típico” –,
o dolo que estaria excluído seria o dolo do tipo.
Agora aqui pergunta-se: como é que o dolo do tipo pode estar excluído se o agente
actuou, ainda que na convicção errada de que estava actuar em legítima defesa, não deixou,
em termos de tipicidade, de conhecer e querer aquele resultado?
Como é que em termos de tipo ele actua como dolo e depois a consequência do art. 16º/2
CP é excluir o dolo?
Daí, várias formulações para explicar esta solução deste tipo de erro:
Os partidários desta teoria vêm dizer que no caso de erro sobre os pressupostos de
facto de uma causa de justificação, o dolo de tipo não está excluído. Então, aquilo de que o
agente pode beneficiar nestas situações de erro é de uma atenuação da culpa, ou mesmo de
uma exclusão da culpa.
E eles distinguem consoante o erro seja essencial ou não essencial, consoante seja um
erro evitável ou não evitável.
Esta posição é de alguma forma criticável, mesmo quando o agente está em erro sobre
um elemento que a existir excluiria a ilicitude do seu facto, ele do ponto de vista da
tipicidade não deixa de actuar dolosamente, portanto, não faz muito sentido excluir o dolo
de tipo. Mas repare-se: nas situações de exclusão do dolo de tipo (erro sobre elementos de
facto, de direito ou sobre proibições) do art. 16º/1 CP o dolo está excluído porque:
Elementos negativos do tipo são causas de justificação. O tipo é composto, para estes
autores, não só pela tipicidade positiva (elementos positivos do tipo), mas também por
elementos negativos, que são as causas de justificação, tudo isto faz parte do tipo de
ilícito, porque eles não separam tipicidade, ilicitude e culpa como categorias diferenciadas.
Ora, se as causas de justificação são elementos negativos do tipo, não deixam de ser
elementos do tipo, logo, se há um erro sobre um elemento de uma causa de justificação, não
deixa de haver um erro sobre um elemento do tipo. Se é um erro sobre um elemento do tipo
então o dolo de tipo está excluído.
O dolo tem um duplo enquadramento não só em sede de tipo, como elemento subjectivo
geral, mas também em sede de culpa como elemento subjectivo do tipo, enquanto
referenciador do facto proibido pela ordem jurídica ou enquanto referenciador do facto
exigido pela ordem jurídica, é o chamado dolo de tipo, elemento subjectivo geral.
Mas em sede de culpa o dolo também tem alguma função a desempenhar: o dolo, ou a
culpa dolosa, manifesta já o grau mais censurável da deficiente posição que o agente adopta
para com a ordem jurídica quando se decide pela prática de um facto ilícito, podendo e
devendo decidir-se de forma diferente, podendo e devendo decidir-se pelo lícito. Neste
sentido ter-se-á a culpa dolosa e o referenciador do dolo de culpa.
Assim, para quem faz esta bipartição entre o dolo de tipo e a culpa dolosa (ou dolo de
culpa) é fácil dizer que nestas situações de erro sobre os pressupostos de facto de uma
causa de justificação o dolo de tipo não está excluído; então, quando muito, aquilo que se
exclui é a culpa dolosa.
119. Erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de justificação
(art. 17º CP)
Ambas as modalidades – erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de
justificação – são espécies do chamado erro sobre a ilicitude indirecto ou erro sobre a
proibição indirecto.
Mas pensa que aquele facto, no fim de contas irá ser aprovado pela ordem jurídica
porque ele está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação que julga existir, quando na
realidade a ordem jurídica não conhece essa causa de justificação, nem é possível inferi-la
a partir dos princípios jurídicos gerais que norteiam o regime jurídico da exclusão da
ilicitude ou da justificação.
Nas situações de erro sobre a existência de uma causa de justificação, o erro sobre a
proibição já é indirecto, porque o agente tem consciência do carácter ilícito do facto que
pratica; ou tem consciência do carácter ilícito da omissão que desenvolve.
Simplesmente, julga que depois esses factos vão ser aprovados pela ordem jurídica, pela
existência de uma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude que a ordem jurídica
afinal não conhece.
Um outro tipo de erro sobre a proibição indirecto e que tem a ver com causas de
justificação ou de exclusão da ilicitude é o erro sobre os limites de uma causa de
justificação.
Aqui o agente age desconhecendo o carácter proibido da conduta que empreende, mas
está convencido que está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação, que na realidade
existe e é reconhecida na lei; mas o agente erra quanto aos limites dessa causa de
justificação.
Então distingue-se consoante esses erros sejam erros censuráveis ou erros não
censuráveis, consoante esses erros sejam erros evitáveis ou erros inevitáveis, e assim:
- Se o erro for um erro evitável, logo um erro não censurável, nos termos do art.
17º/1 CP a culpa está excluída;
- Se pelo contrário for um erro censurável, porque evitável, nos termos do art.
17º/2 CP o agente é punido com a pena correspondente ao crime doloso que pode ser
especialmente atenuada.
CULPA
incapacidade de culpa.
uma obrigação e se abstém precisamente dessa actuação, omitindo portanto uma acção que
lhe era exigível.
Qual é a consciência da ilicitude que se exige ao agente?
Em primeiro lugar, aquilo que se exige ao agente não é uma consciência de ilicitude
formal, mas tão só uma consciência da ilicitude material.
Não se exige formalmente um conhecimento da proibição e da sanção imposta para a
violação daquele pressuposto legal, porque senão só tinha consciência da ilicitude quem
fosse de alguma forma jurista ou penalista. Portanto, o que se exige é uma consciência da
ilicitude material, no sentido de que aquele comportamento é valorado do ponto de vista
axiológico em termos de ser censurado ético-socialmente. Basta o conhecimento da censura
ético-social do comportamento para que se forme a consciência da ilicitude do facto.
Por outro lado, esta consciência da ilicitude pode ser firmada e pode-se dizer que o
agente actua ainda com consciência da ilicitude, ainda que se trate de uma consciência da
ilicitude eventual.
O que filia o juízo de consciência da ilicitude não é o carácter moral ou imoral da
conduta empreendida pelo agente, porque a valoração moral ou imoral de um
comportamento não coincide sempre com a valoração jurídico-penal do comportamento
ilícito.
Portanto, neste conceito de ilicitude, tão só basta a consciência da ilicitude material.
Pode acontecer contudo que uma pessoa actue e pratique um facto ilícito e venha depois
a juízo defender-se, dizendo que actuou sem saber que aquilo que fez é proibido, ou que
não actuou precisamente porque desconhecia que actuar era uma imposição.
Nestes casos, está-se perante situações de erro sobre a ilicitude em que o agente
desconhece o carácter ilícito daquilo que fez, ou desconhece o carácter ilícito daquilo que
efectivamente não fez (e ilícito porque deveria ter feito).
Estas situações de erro sobre a ilicitude estão plasmadas no art. 17º CP, o Prof.
Figueiredo dias chama de erro moral ou de valoração.
46 Mas atenção, porque há autores que vêem nesta atenuação especial da pena, no
[45]
caso de excesso intensivo do art. 33º/1 CP uma atenuação que se funda não já na
culpa, mas na punibilidade em sentido estrito.
Outros autores entendem que esta atenuação, nos casos de excesso intensivo do art.
33º/1 CP tem ainda a ver com a culpa do agente, e portanto esta atenuação da pena
terá a ver com uma certa desculpa
Por outro lado, esta causa de desculpa pode encontrar um determinado fundamento na
exigência de um comportamento contrário, de um comportamento conforme ao dever ser.
A exigibilidade inculca aqui, no âmbito do estado de necessidade, já uma ideia de
proporcionalidade.
Em primeiro lugar, tem de se afastar um perigo grave, não é qualquer perigo.
Depois, o facto ilícito praticado para remover esse perigo tem de ser o único facto
adequado e necessário à remoção do perigo. Não pode haver outro, porque se houver já
não há desculpa.
Significa que tem de haver sempre uma determinada proporcionalidade, sob pena de se
dizer que era sempre exigível a adopção de um comportamento diferenciado para a
remoção do perigo. Portanto, aqui a ideia de exigibilidade inculca uma ideia de
proporcionalidade entre o bem em perigo e o bem que se lesa para remover esse perigo.
A exigibilidade de adopção de um comportamento conforme o direito é de alguma forma
um princípio meramente regulativo. E isto porque a ser um verdadeiro elemento da culpa, ou
é para toda a gente ou não é para ninguém. Então a exigibilidade não sendo elemento da
culpa, pode fundamentar uma situação de desculpa, ou seja: poderá em determinados casos
dizer-se que há culpa, porque o agente tem a capacidade de culpa e consciência da ilicitude
e ainda lhe era possível actuar na harmonia com o direito.
c) Obediência indevida desculpante (art. 37º CP)
Ainda pode ser desculpado quem cumpre uma ordem de um superior hierárquico sem ser
pelo agente evidente, no quadro das circunstâncias em que o conhecimento daquela ordem
desembocasse na prática de um crime. Tem-se aqui uma situação de erro sobre a ilicitude.
Cessa o dever de obediência hierárquica quando tal se traduzir na prática de um crime.
No entanto, quando o agente actua em obediência a uma ordem não sendo para si evidente,
no quadro das circunstâncias que ele representou, que essa ordem conduz à prática de um
crime, esse facto pelo agente praticado é um facto típico e ilícito, mas o agente beneficia
de uma desculpa.
133. Conclusão
A culpa é uma categoria analítica da sistemática do facto punível.
É uma categoria material e como tal, um conceito graduável, ou seja, o mesmo facto
pode ser passível de um maior ou menor juízo de censura de culpa, de harmonia com a
atitude expressa pelo agente na prática do facto, em termos de poder ter adoptado
sempre um comportamento diferenciado daquele que adoptou, o agente podia sempre ter
actuado licitamente e optou por actuar ilicitamente. E o agente podia ter actuado de
harmonia com o direito precisamente porque:
- Tinha capacidade de culpa, ou seja, tinha capacidade para avaliar o carácter
ilícito do facto e determinar-se, por essa avaliação;
- Teve conhecimento do carácter ilícito do seu facto; e
- Não actuou em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.
Nesse sentido, a culpa é um conceito material e graduável:
- Quanto maior for a censura da culpa, maior a pena do agente;
- Quanto menor for a censura, menor a pena do agente conforme resulta dos arts.
72º segs. CP.
Inclusivamente, que a culpa é um conceito graduável atestam entre outras:
- As normas do art. 17º/2 CP em caso de erro censurável sobre a ilicitude pode
haver lugar a uma atenuação especial da pena, que é fundada no grau de culpa
manifestado pelo agente;
- Prova-o o preceituado no art. 33º/1 CP em caso de excesso intensivo nos meios
empregues na legítima defesa, pode haver também lugar a uma atenuação;
- Prova-o o art. 35º/2 CP.
COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA
134. Introdução
A matéria da comparticipação encontra-se prevista nos arts. 26º, 27º, 28º e 29 CP.
A comparticipação criminosa postula em que várias pessoas concorrem para a prática de
um facto penalmente relevante.
Pode-se genericamente definir a comparticipação criminosa para o direito português
como uma situação de pluralidade de intervenientes num facto.
O problema que as regras de comparticipação criminosa visam responder é saber, dentro
da prática de um facto, quem é que é responsável, porquê e em que termos.
As regras da comparticipação criminosa são regras necessárias para no fundo se poder
aplicar as regras da parte especial a outras pessoas que não apenas àquelas que praticam o
facto por si mesmas.
Sendo certo que as normas da parte especial carecem em alguns casos das normas da
parte geral para integrar outros comportamentos, as normas dos arts. 26º e 27º CP são
normas que por si só não têm valor, são normas que se têm que relacionar com as normas da
parte especial.
E nestas relações entre as normas dos arts. 26º, 27 e até o art. 28º CP com as normas
da parte especial, tem-se no fundo um conjunto de outras regras.
As regras dos arts. 26º, 27º, e 28º CP são regras de extensão da tipicidade, ou seja,
são regras que visem no fundo tornar típicos comportamentos que não eram típicos.
As regras da comparticipação criminosa visam valorar contributos que não são
imediatamente subsumíveis aos tipos de ilicitude da parte especial.
Em segundo lugar, trata-se de regras que, em conjunto com a(s) regra(s) da parte
especial, criam uma nova regra de valoração jurídica, nesse sentido estendem a tipicidade
da parte especial.
A comparticipação criminosa assenta na distinção fundamental entre autoria e
participação.
As diversas figuras da autoria e da participação por referência à lei são as seguintes:
a) Autoria (art. 26º CP)
- Autoria singular;
- Autoria mediata; co-autoria
Figuras que estão previstas no art. 26º CP.
a) Participação criminosa são formas de envolvimento menos grave, pressupõem
sempre um autor e são:
- A instigação corresponde, aquele que dá uma indicação, dá uma ordem a outrem
para que esse outrem cometa um facto ilícito;
- A cumplicidade é o acto de auxílio, de apoio a um facto praticado por outrem.
135. Autoria
A ideia básica que está subjacente a um conceito extensivo de autoria é a da
equiparação causal dos diversos contributos: quem é causa de um facto, ou quem se torna
causal por um facto, é o autor do mesmo.
Este conceito extensivo pode ainda ser visto puramente como um conceito extensivo ou,
de uma forma mais radical, como um conceito unitário, isto é: há quem entenda que se teria
de partir de uma ideia de causalidade; e sempre que ela fosse essencial para o facto ter-
se-ia um autor.
Se porventura alguém fosse causal para o facto, mas o seu contributo não fosse
essencial, já não se teria autor47[46].
Esta posição distingue-se de uma outra, também de base causalista, que é mais radical,
que é esta: a partir do memento em que se identifica que alguém é causa, não há distinções
a fazer, todos são autores (trata-se por exemplo do sistema seguindo no direito austríaco).
O conceito extensivo parte de uma ideia de causalidade, mas há formas radicais de ler
este conceito extensivo:
- Um conceito causal de autor pode ser unitário, e no conceito unitário quem der
causa ao homicídio é autor sempre, independente da distinção que se possa fazer
quanto à essencialidade da causa.
- Num conceito meramente extensivo parte-se duma ideia de causalidade, mas
pode-se fazer distinções consoante o contributo seja essencial ou não seja essencial.
O Código Penal separou claramente os cúmplices dos autores, rejeitando um conceito
unitário de autor.
Se ler-se os arts. 26º e 27º CP vê-se que no art. 27º CP o cúmplice é sempre punido de
uma forma menos grave que o autor, o que é um elemento interpretativo bastante claro no
sentido de se poder dizer que o Código Penal não aceitou uma equiparação total entre os
diversos intervenientes, ou seja rejeitou o conceito unitário de autor.
Por outro lado, pode-se dizer também que rejeita um conceito extensivo de autor, e isto
por duas razões:
1) Porque prescindiu de qualquer referência à causalidade;
2) Porque na perspectiva do Prof. Eduardo Correia, quando os cúmplices prestassem
um contributo essencial seriam autores.
O Código Penal rejeitou um conceito extensivo de autor, porque o conceito extensivo de
autor admitia no fundo uma cisão da cumplicidade. O Código Penal não admite essa cisão:
- Por referência ao conceito extensivo do autor quem forneça uma arma
imprescindível para a prática do facto ilícito é considerado autor desse facto ilícito;
- Para o Código Penal, quem forneça uma arma é sempre considerado cúmplice, por
mais essencial que seja o contributo.
Ao não admitir esta distinção a cumplicidade essencial e a cumplicidade não essencial o
Código Penal também rejeitou um conceito extensivo de autoria.
PUNIBILIDADE
49
- E materiais as que se ligam ao facto praticado.
Para alguns autores a desistência é uma causa pessoal de isenção de pena. Para outros, a
desistência não é vista na pessoalidade e portanto não será uma causa pessoal, mas tem a
ver com o próprio facto, portanto uma causa material de isenção.
Qual é o fundamento da desistência?
Alguns autores, nomeadamente Roxin não Vêem a desistência uma causa de isenção de
pena, portanto fazendo parte da punibilidade em sentido estrito, mas vêem-na como uma
causa de exclusão de culpa.
Mas há autores que dizem que o que fundamenta este regime da desistência da
tentativa e de ficar impune dessa tentativa de que o agente voluntariamente desistiu é algo
diferente.
Existem várias teorias, desde logo a teoria primial que diz que por uma razão de política
penal (ou criminal) o facto de o agente saber que desistindo voluntariamente da tentativa
do crime que decidiu cometer não será punido, isso funciona em relação a ele como um
prémio e leva-o a auto-suspender a execução do crime, logo, fará diminuir a criminalidade,
ou fará diminuir o número de crimes.
De qualquer forma, e por uma razão da teoria dos fins das penas, justifica-se a não
punição da desistência voluntária da tentativa, porque quer da óptica da prevenção geral,
quer da óptica da prevenção especial, não existem razões para responsabilizar
criminalmente alguém que acabou por voluntariamente desistir da prática de um crime.
Portanto, do ponto de vista da prevenção geral e mesmo da prevenção especial, se a
pessoa por si própria, voluntariamente, desistiu de prosseguir na execução criminosa, não
há fundamento para se responsabilizar criminalmente o agente.
Quanto à desistência e dentro dos autores que consideram que a desistência se filia em
sede de punibilidade em sentido estrito como causa de isenção da pena:
Uns autores, vêem a desistência com um enfoque objectivo no facto praticado, ou seja, o
agente já está a praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, mas auto-
suspende a execução, ou evita a consumação, e neste sentido a valoração é o aspecto
positivo da actuação fáctica, ou seja, o não desenvolvimento, a não prossecução de actos
lesivos do bem jurídico tutelado pela norma penal, e nesse sentido fazem entroncar a
desistência como uma causa de isenção material.
Outros autores, mediante o carácter voluntário da desistência, dizem que é
relativamente à pessoa, o mérito da pessoa que de alguma forma resolve auto-suspender a
execução; ou tendo já desenvolvido toda a execução evita a consumação típica.
Consequentemente atiram a desistência para uma causa de isenção pessoal da pena.
2) Causas de extinção da responsabilidade jurídico-penal
Uma causa de extinção da responsabilidade jurídico-penal é a morte do autor do facto.
Neste sentido, como a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível, não há
possibilidade de fazer um incidente de habilitação de herdeiros, e, consequentemente,
morto o autor do facto, cessa a responsabilidade jurídico-penal, ela não é transmissível por
morte.
Para além da morte do autor (do agente da infracção) existem outras causas de
extinção da responsabilidade jurídico-penal:
- Prescrição do prazo do procedimento criminal;
- Caducidade do exercício do direito de queixa, no âmbito dos crimes semi-públicos
e particulares;
- Prescrição da pena.
3) Condições de procedibilidade (ou procedência) criminal
No âmbito das condições de procedibilidade também relevam alguma irresponsabilidade
do agente em sede de punibilidade em sentido estrito, ou seja, tudo aquilo que está para
além da prática, pelo agente, de uma acção típica, ilícita e culposa.
Em processo penal, ao distinguir a natureza dos crimes, entre crimes semi-públicos e
particulares, que nestes dois últimos é necessário para o desenvolvimento e prossecução do
processo criminal:
- Nos casos dos crimes particulares, queixa e acusação;
- Nos casos dos crimes semi-públicos, a queixa.
São estas as condições de procedibilidade do processo criminal, que culmina com a
prática de uma efectiva punição. Assim, se quem é titular do direito de queixa não quer
exercer esse direito, então não é pelo facto de o agente ter praticado um facto típico,
ilícito e culposo que ele vai ser punido, porque efectivamente falta uma condição de
procedibilidade.
50[48]
Se se verificarem, o agente não é punido.
TENTATIVA E DESISTÊNCIA
150. Introdução
O art. 22º CP define a tipicidade do facto tentado.
As regras da tentativa, à semelhança das regras de comparticipação criminosa, são
regras de extensão da tipicidade.
É facto penalmente relevante tanto o facto consumado como o facto tentado.
As regras da tentativa são regras acessórias, não há tentativa de nada, existem sempre
tentativas de factos tipificados na lei: tentativas, de furto, de homicídio, etc.
A tentativa é sempre dolosa não existem no direito penal a situação do facto tentado
negligente.
50
resultado típico desejado pelo agente se verifica ou não, isto é, se desemboca essa
execução numa consumação, pelo menos formal.51[49]
Com que critérios e quando é que a tentativa é punível?
A regra geral é a da impunidade “nuda cogitatio” ou da decisão criminosa não
exteriorizada materialmente em actuações.
Significa isto que o que é objecto de responsabilização jurídico-penal não são os
pensamentos, não são os sentimentos das pessoas não exteriorizados materialmente, na
prática.
Em primeiro lugar, porque o nosso direito penal é tendencialmente um direito penal do
facto e não um direito penal do agente, o direito penal responsabiliza sim os agentes, mas
precisamente porque eles praticaram factos ilícitos tipificados na lei.
Por outro lado, por uma razão de política criminal, não faria sentido punir-se a mera
decisão criminosa não exteriorizada na prática material de actos, porque então se a pessoa
que tivesse tão só manifestado a sua intenção de cometimento do crime fosse
responsabilizada, então ela nunca se auto-suspendia, levava mesmo o crime para a frente.
Ao passo que, se de alguma forma ela sabendo que mesmo que tenha exteriorizado essa
intenção tão só por palavras não é punida, pode ainda auto-suspender-se, precisamente
porque essa “nuda cogitatio” não é punida.
152. Actos preparatórios
O art. 21º CP diz que, regra geral os actos preparatórios não são puníveis.
Esses actos preparatórios visam a facilitação da execução do crime não são em princípio
punidos. Mas já os actos de execução que em sede do art. 22º CP integram a tipicidade da
tentativa, dão lugar a responsabilização jurídico-penal.
Há uma importância prática na distinção entre o que são os actos preparatórios e o que
são já actos de execução:
- Enquanto os actos de execução preenchem o tipo da tentativa e podem levar à
responsabilização;
- A regra geral é que de actos preparatórios não se responsabiliza o seu autor.
Portanto, a diferença se é o acto preparatório ou de execução é extraordinariamente
importante.
O art. 21º CP diz que “os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em
contrário”.
A regra geral é a impunidade dos actos preparatórios. As excepções podem revestir
duas formas:
1) Ou a lei penal incrimina autonomamente como um tipo de ilícito novo, actos que
normalmente são actos preparatórios mas têm uma incriminação autónoma;
2) Ou então por uma remissão pura e simplesmente genérica: “quem tentar matar o
chefe de Estado…” já e responsabilizado criminalmente, e aí a preparação é punida.
A distinção entre actos preparatórios e actos de execução é sempre feita em concreto,
são actos preparatórios ou de execução por referência a um crime concreto.
Os principais critérios de distinção entre actos preparatórios e actos de execução:
- Critério formal objectivo;
- Critério material objectivo;
- Critérios subjectivistas
O actos que não estiverem incluídos no art. 22º/2 CP são actos preparatórios.
a) Critério formal objectivo