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N639d
Nicolau, Marcos.
Dezcaminhos para a criatividade/Marcos Nicolau. –
João Pessoa: Idéia, 2003.
120p.
ISBN 85 –86867 03 – 9
CDU – 159.954.869.0(81) – 4
SUMÁRIO Insight
O inconsciente percebe o que o consciente
não vê
Introdução
Descaminhar não é perder o rumo Inspiração
Quando o sensível e o sincero se revelam
Bom-humor
O riso libera-nos de nós mesmos Programação Neurolingüística
Os recursos criativos das estratégias mentais
Irreverência
Nenhuma autoridade é a verdade Metáfora
Pode não ser real, mas é verdadeiro
Não-especialista
Para além de um saber há sempre uma visão Tao
irrestrita A expressão criativa do contínuo fluxo da
alternância
Bricolagem
Reconfigurar é construir o mundo de novo Algumas considerações a mais
Criança Referências
O prazer de brincar é descobrir segredos
Sobre o autor
senho, meditou por alguns minutos a passos lúveis com os quais se depara. Tal qual um
lentos pelos aposentos e, voltando-se para o especialista aciona o raciocínio, recorre aos
rei, disse: conhecimentos disponíveis, exaure sua habi-
- Quando criança costumava brincar com lidade racional de investigação. Algumas ve-
as sombras que as diferentes perspectivas dos zes, não encontrando solução, desiste ou se
objetos formavam na parede. A exigência do contenta com qualquer resposta, mesmo que
rei, seu pai - que Deus o tenha - é realmen- medíocre. Felizmente, existem aquelas men-
te muito fácil de ser cumprida, majestade. O tes que intuem outras formas de descobertas
tempo apenas apagou três pequenas linhas in- e abrem possibilidades diversas de pensar que
ternas da figura, impedindo o reconhecimento as levam às alternativas inusitadas.
da sua forma real. Eis a solução, um elemen- Mentes que agem assim exploram essa
tar quadrado: intrigante e simples capacidade humana, a
criatividade, que tantas soluções tem propor-
cionado às pessoas de todas as épocas, de to-
das as raças, de todas as culturas. Intrigante
porque resulta, não de um acúmulo de conhe-
cimentos e saberes, mas de um salto qualita-
Maravilhado com o que havia presencia- tivo na forma de pensar; simples porque aces-
do naquele dia, o rei disse: sível a todos nós, indistintamente, embora a
- Foi preciso um homem que soubesse simplicidade não seja algo fácil de se alcançar.
onde procurar, e um outro que soubesse ver a Os mitos que envolviam a criatividade
resposta... foram sendo destituídos ao longo do tem-
É assim que funciona a mente humana po, deixando-nos antever que a criatividade
diante dos problemas aparentemente inso- manifesta-se em posturas espontâneas, prin-
pessoas criativas, segundo o psicólogo Ho- da inteligência humana levada a cabo quoti-
ward Gardner, mantêm a inteligência racional dianamente para chegar a resultados impor-
como fonte e conduto para suas realizações, tantes. E que exigiu, durante muito tempo da
porque, quando se trata de invenção e cria- vida deles, esforço, dedicação, treinamento,
ção, as capacidades de pensar visualmente e aperfeiçoamento e estudo acadêmico no caso
de perceber conexões são insuficientes sem do médico. Entretanto, quando se deparam
a capacidade de levar os achados até a sua com obstáculos, empecilhos e desafios, diante
forma final, ou seja, conferindo e realizando dos quais o conhecimento adquirido e a ra-
a possibilidade operacional e funcional dessas cionalidade não encontram alternativas de
descobertas. solução, esses profissionais poderão recorrer
Isso nos coloca diante de uma questão a outra capacidade, a de intuir um caminho
elementar: como é, então, que se reconhe- fora da racionalidade, através da percepção
ce uma pessoa criativa? Pelos resultados que criativa. É o que fazem, geralmente, os mais
obtém, pela maneira original como lida dia- bem sucedidos deles.
riamente com problemas de toda espécie; A criatividade, portanto, tem base na
pelo modo de agir diante dos obstáculos e dos racionalidade; mas ambas constituem duas
desafios, modo esse que a permite chegar às faces de uma mesma moeda, a mente huma-
alternativas inusitadas, quer seja artista, in- na. Enquanto o pensamento proveniente do
ventor ou não. hemisfério esquerdo do cérebro é racional e
Você conhece o trabalho sistemático dos linear, porque está sob o domínio do intelec-
profissionais à sua volta. Um mecânico que to, cuja função é discriminar, medir e classi-
desmonta e monta o motor de um carro, o ficar tudo à nossa volta, o hemisfério direi-
médico que abre, opera e salva um paciente to, estimulado muito involuntariamente na
com sua intervenção cirúrgica, são exemplos nossa cultura, é intuitivo, artístico, usando a
percepção para ver o todo. Observando, por pensamento divergente, pensamento lateral
exemplo, os procedimentos mentais para com etc. O descaminho é sair da estrada conheci-
a nossa fala, descobrimos que, enquanto o he- da, quando esta apresenta seus grandes obs-
misfério cerebral esquerdo trata da formação táculos, para a trilha ou a picada desconhe-
e sintaxe da frase para que esta seja compre- cida que revela novas perspectivas ou pontos
endida, o hemisfério direito trabalha o aspec- de vista diferentes, permitindo que se volte
to da entonação da voz, que é onde se revela à estrada principal e se coloque de novo no
a intenção de quem fala. E hoje, no processo caminho com aspectos renovados e, conse-
de comunicação mais avançado, sabemos que, quentemente, com maiores possibilidades de
pelo aspecto neurolingüístico, tão importante sucesso. Afinal, se você anda apenas pelo ca-
quanto o que dizemos é como dizemos, con- minho já traçado, dizia o inventor Alexander
dição essencial para que nosso propósito seja Graham Bell, vai somente até aonde os outros
alcançado. já foram.
Eis porque chamamos as múltiplas ma-
neiras de sair do pensamento racional de É preciso ver o incomum no óbvio
descaminhos para a criatividade: enquanto a
inteligência formal ministrada pela raciona- Quais as posturas que as pessoas criati-
lidade humana estabelece o caminho trilha- vas assumem? O que devemos fazer de dife-
do linearmente por todos diante das infindas rente para sermos criativos nos momentos em
tarefas e atividades rotineiras, a criatividade que precisamos da criatividade para alcançar
rompe com este caminho, intuindo atalhos por melhores resultados?
lugares que parecem íngremes ou impossíveis Uma resposta talvez possa ser intuída em
de serem seguidos. E que resulta no que os diferentes exemplos. O inusitado pode estar
estudiosos chamam de insight, iluminação, até mesmo nos mais elementares comporta-
mentos dos quais não nos damos conta: quan- talvez não tivesse descoberto a penicilina. E
do um professor ou um palestrante começa a eles não são vistos como pessoas criativas por
transmitir sua mensagem, é comum deparar- excelência, e sim especialistas que, em de-
mos com pessoas que acham o assunto banal, terminado momento prescindiram da raciona-
não lhe dando atenção. Dizem para si mesmas lidade formal, por isso chegaram a seus resul-
que já sabem daquilo e se ocupam com outros tados. Assim, mais uma vez recorremos a uma
pensamentos ou em conversas paralelas. Real- dessas frases oportunas, dita por Heráclito há
mente, o que o ministrante está falando pode 2.500 anos: se você não estiver esperando,
ser conhecido, entretanto, é justamente a nunca vai encontrar o inesperado.
postura contrária, a de dar atenção ao banal, Soma-se a estes, um número extenso de
de descobrir aspectos novos, de estar alerta exemplos na história ocidental, apropriada-
ao trivial que permite que muitos façam des- mente citados por Menna Barreto, e dos quais
cobertas importantes, porque alimentam este escolhemos alguns, que mostram a imprevisi-
espírito de estar atentos. As respostas impres- bilidade de fatores envolvidos nas posturas e
cindíveis, muitas vezes, escondem-se no banal descobertas de personalidades bem conheci-
e somente uma pessoa atenta pode percebe- das.
las. O que move as pessoas em direção às
Foi assim que se fizeram muitas desco- suas descobertas? Graham Bell procura criar
bertas e invenções na história da humanida- um aparelho para minimizar o problema de
de: se um químico da Du Pont não resolvesse surdez que afligia sua esposa, sua sogra e ele
examinar um pedaço de borracha queimada mesmo: chegou ao telefone. Pasteur presen-
que ia para o lixo, jamais teria descoberto ciara na infância a morte de pessoas conheci-
o Nylon; se o Dr. Fleming tivesse jogado fora das, causadas pelo ataque de um lobo raivoso.
aquela substância que mofou por descuido, Essa perturbação o impulsionou a descobrir a
momento da percepção de uma solução cria- gos antigos dando conta de que o caminho
tiva, ele ocorre de forma muito mais comum mais curto entre dois pontos é uma reta, po-
do que a gente percebe na rotina do pensa- demos nos transpor dimensionalmente para
mento. O cérebro humano, segundo Edward a descoberta de Einstein sobre a trajetória
De Bono, é um dispositivo maravilhoso que curvilínea e mais curta da luz, também entre
permite que as informações cheguem à nossa pontos distintos. E, daí, saltarmos para a ins-
mente e se organizem em padrões. Nós esta- tância dos nossos desafios pessoais. No cam-
belecemos esses padrões em amplas áreas de po das vivências, as metáforas permitem-nos
drenagem, criando-se, assim, as estruturas desfazer e refazer esses conceitos. Na própria
mentais temporárias formadas pela seqüência compreensão da criatividade, se considerar-
das experiências que vivenciamos. Mas não há mos o ponto de chegada como a solução deste
uma simetria nesses padrões de informação, problema, então o caminho mais curto não se
o que permite à mente encontrar ou construir configura assim: A ___________ B. Configura-
outras seqüências possíveis e ainda não expe- se como uma espiral, uma figura disforme ou
rimentadas. Isso resulta em configurações no- mesmo como um círculo, porque a solução
vas e até inusitadas, permitindo o ato criativo. pode estar no próprio questionamento.
É fundamental nesse processo, o papel
das nossas percepções e posturas mentais
diante dos conceitos que se tornam crenças
fixas, preconceitos ou verdades generalizadas
estabelecidas através de uma racionalidade
que não nos permite desacreditar delas quan- Geralmente, as melhores soluções não
do a situação assim o exigir. se encontram no mesmo plano do problema,
Da constatação particularizada dos gre- ou na mesma perspectiva. O contrário de alto
é... baixo! O contrário de feio? Bonito! O con- que ama. Como a maioria de nós aprendeu na
trário de preto? Branco! O contrário de ver- escola que estudar é coisa séria e exige racio-
de?... - ouvimos quase sempre respostas di- cínio lógico - privilégio de pessoas disciplina-
versas: azul, amarelo, ou mesmo preto que é das mentalmente -, encontramos dificuldade
a ausência da cor. Mas somente passando para em fazer tais descobertas.
um outro plano de significados que não os das Os exemplos da vida vivem desmistifi-
cores é que encontramos a resposta: verde/ cando tais posturas em diferentes áreas e situ-
maduro. Já havíamos falado da categoria cor ações. Presenciamos muitas vezes a admiração
com preto/branco. E qual o contrário de man- de pais que têm computador em casa, cujos
ga? Lembramos de imediato da fruta e procu- filhos de 10, 11 anos costumam livrar-lhes de
ramos nesse contexto a resposta, mas trata-se dificuldades no uso e operacionalização de
do verbo mangar, logo: manga/elogia. Eis uma certos programas. Quando o entrave surge,
resposta que prescinde de um salto de uma quase nos descabelamos por não conseguir re-
instância para outra, mas que apresenta uma solvê-lo. Nossa necessidade está dentro de um
resposta racional, lógica. Nesses casos temos contexto racionalizado entre o problema e o
configurações nas quais as formas que a linha resultado que precisamos alcançar. A criança,
toma saindo do problema servem para nos jo- situada em outra dimensão na qual predomi-
gar em outro plano ou outras perspectivas em na o aspecto lúdico, o jogo descompromissado
que as possibilidades e opções de solução são de procurar variantes, logo percebe a saída.
mais amplas. Não porque saiba mais sobre computador, mas
Logo, a pergunta é, como fazer nossa porque sua mente está aberta e flexível para
mente descobrir tais procedimentos? E uma ver maneiras óbvias - nós acreditamos que a
das respostas vem do psicólogo Carl Gustav solução é complicada, achamos que trata-se
Jung: aquele que cria, brinca com os objetos de algo intrincado demais e tememos o erro.
Tanto é assim que, em muitos outros e outras mais podem ser voluntariamente ad-
casos, quando não encontramos uma solução quiridas como que por treinamento, no labo-
e não temos uma criança dessas por perto, ratório mental de quem gosta de exercer tais
abandonamos a tarefa para voltarmos mais processos. É o caso do insight ou da programa-
tarde com a mente mais arejada e, por fim, ção neurolingüística. O importante é que cada
encontramos a resposta. um perceba por si mesmo como pode explorá-
Isso valida o que dissemos há pouco: a las melhor, quais as que mais se lhe adequam
mente humana é mesmo como uma moeda. e facilitam sua criatividade.
Nas mãos de uma criança, rodopia e mostra as O primeiro dos dez caminhos é o bom
duas partes; nas mãos de um adulto, tende a humor que, além de influir no estado corpo-
rolar linearmente, exibindo apenas uma face. ral, permite que encontremos portas laterais
que nos colocam noutra perspectiva de visão
Os dez caminhos para a criatividade das coisas. Outros caminhos próximos do bom
humor são, a irreverência, somos capazes de
Os descaminhos que aqui se apresentam, perceber que nenhuma autoridade em qual-
procuram mostrar alguns procedimentos que quer assunto é dona de todas as respostas. Na
fazem parte da personalidade de muitos de bricolagem, a colagem de idéias e de postu-
nós. Mas, é oportuno salientar, não são clas- ras. Na bricolagem, a colagem de idéias e de
sificações determinadas psicologicamente, posturas, a colagem de fazeres e de produtos,
como se existissem em separado, definindo sempre renovam o que já existe. No caminho
tipos diferentes de pessoas. Algumas dessas da criança, o uso livre da fantasia e da ima-
posturas são naturais, como o bom humor, a ginação e o prazer de brincar, são capazes de
postura da criança, outras, esporádicas como abrir perspectivas mentais para as descober-
a irreverência, a postura do não-especialista, tas.
A postura do não-especialista é usar toda por fim, o caminho do Tao, bem conhecido dos
a experiência e técnica para executar traba- orientais, mas já bastante difundido no oci-
lhos, mas na hora dos impasses e empecilhos, dente. Essa postura nos coloca diante da fonte
esquecer a especialidade para poder ver a poderosa de criação, a natureza, e nos mostra
questão por ângulos inusitados. o movimento de alternância dos opostos no
Outros caminhos vislumbram-se na per- universo a construir novas ordens.
sonalidade humana, fundamentais ao proces- Podemos apresentar, em nossos compor-
so da criatividade. A partir das descobertas de tamentos, a predominância de uma ou mais
tantos estudiosos, temos ao nosso dispor o ca- dessas posturas, mas sempre enfrentamos
minho do insight, no qual o hemisfério racio- situações e ocasiões onde elas se misturam
nal do cérebro deixa que o hemisfério intuitivo ou se alternam a partir de um sentimento de
devolva uma resposta criativa. Na inspiração superação. Queremos superar adversidades
é onde a intuição é exercitada no sentido de e atender necessidades, e nos movemos em
motivar-nos e nos fazer buscar as sensações e busca de suas realizações. É nesse mover-se
percepções interiores. Temos ainda o caminho que estabelecemos o descaminho que nos per-
da Programação Neurolingüística: um conjun- mitirá virar às avessas o problema.
to de estratégias através das quais muitos de Descaminhar não é perder o rumo, e sim,
nós são capazes de substituir as velhas ima- achá-lo por outras vias, mesmo que pareçam
gens pelas imagens do que queremos nos tor- instáveis - é na instabilidade que a natureza
nar, usar a força da comunicação verbal para dá seus saltos evolutivos, passando de uma or-
nos reorientar. Também há o caminho da me- dem para outra. O descaminho, nesse caso, é
táfora: os provérbios, as parábolas, os poe- o momento de instabilidade que nós provoca-
mas, permitem-nos descobrir e compreender mos ao assumirmos certas posturas mentais,
profundas verdades acerca do que somos. E, para tornar a criatividade voluntária.
quando alimentamos, por exemplo, a alegria entre uma forma de humor, o chiste, e os so-
de ver possibilidades nas coisas simples ou, nhos. Freud mostrou que o chiste, ou ao nos-
concordando com Menna Barreto, quando se so modo, a piada, pode ser inofensiva quando
permite a molecagem da criança que temos tem significados ocultos e seu efeito agradá-
dentro de nós. vel deve-se exclusivamente à sua técnica. As
Daí porque o bom humor vem a ser, antes piadas tendenciosas permitem a expressão
de tudo, condição de saúde e bem-estar físi- de sentimentos e idéias que de outra forma
co e mental, já apontado por tantos estudos seriam reprimidos. Ou seja, o exibicionismo
médicos. Vários autores têm mostrado que o sexual, a inventiva e a rebelião contra a au-
humorismo, em seus diferentes aspectos, te toridade são possíveis mediante a técnica da
uma influência favorável sobre o organismo piada, pois permite liberar a inibição e deixar
humano. Alguns momentos de alegria baixam livre certa energia reprimida.
os níveis de certos hormônios associados ao É o que se anuncia no diálogo:
estresse, fazendo com que nosso sistema de - Socorro, seu delegado, acabo de ser
defesa se fortaleça. Uma boa risada melhora violada por um débil mental.
a circulação sangüínea, trabalha os músculos - Por que a certeza de que era um débil
abdominais, acelera favoravelmente os ba- mental, minha senhora?
timentos cardíacos e retira o ar que fica nos - Eu tive de ensinar tudo pra ele.
pulmões. Além da técnica humorística de condu-
Esta influência coloca o bom humor no zir-se a narrativa a uma expectativa para, no
mesmo nível dos sonhos, que também têm clímax, surpreender a todos com algo inespe-
saudáveis efeitos fisiológicos e psicológicos rado, a situação traz à tona o interesse daque-
sobre nosso corpo. E não foi à toa, segundo la mulher de mostrar-se ainda desejada, que
Silvano Ariete, que Freud encontrou relação se flagra no seu relato final. E rimos porque
intimamente sabemos que é próprio da nossa pensamentos. O que nos remete à afirmativa
condição humana contradizer-nos através de de Jung: aquele que cria, brinca com os obje-
atitudes e ações que camuflam interesses e tos que ama. E ao transformar tudo em brin-
desejos mais íntimos, os quais não temos co- quedo, descobre-lhes, com alegria, os segre-
ragem de revelar abertamente. dos, porque, diz Rubem Alves, no brinquedo a
Por sua vez, a maneira como as pessoas imaginação cria um mundo segundo a lógica
cultivam seu humor revela muito de suas per- do princípio do prazer. Aliás, é brincando que
sonalidades. Por isso deve haver uma distin- todos os filhotes de mamíferos aprendem, pois
ção clara entre diferentes formas de humor, trata-se do exercício físico e mental que esti-
porque através dele também pode instaurar- mula as auto-descobertas.
se, com muita nocividade, sentimentos de Temos, assim, o humor como uma brin-
humilhação e desprezo. Ao invés do sentido cadeira psíquica que proporciona à mente
criativo, o humor passaria a um sentido des- uma situação agradável. Um bem-estar que
trutivo. É o caso da ironia, anunciado por An- dissolve a rigidez corporal, ao mesmo tempo
dré Comte-Sponville, como uma arma aponta- que nos coloca em situação de flexibilidade
da contra outrem: “É o riso mau, sarcástico, mental, permitindo que vislumbremos novos
destruidor, o riso da zombaria, o riso que fere, contextos, tão importantes para os processos
que pode matar, é o riso do ódio, é o riso do de criação.
combate”. Para ele, ao contrário da ironia, o Talvez por isso, o psiquiatra Donald Win-
humor cura e ajuda a viver. nicott tenha definido o objetivo da cura psico-
Mas como se dá a criatividade na prática lógica como “trazer o paciente de um estado
de nosso humor, inserido quotidianamente em em que não é capaz de brincar para um estado
nossas vivências? Vejamos, de saída, que o hu- em que é capaz de brincar”. Para o psiquiatra,
mor permite à mente brincar com os objetos e somente através da diversão, e apenas da di-
versão, a criança e o adulto são capazes de ser fato de, contraditoriamente, dizermos: “Esse
criativos e de usar toda a sua personalidade. problema me tira do sério!”. Na verdade, diz
A criatura que brinca, diz Nachmanovi- ele, o problema nos coloca no sério, ficamos
tch, está mais apta a se adaptar à mudança tensos e rígidos, por isso, temos dificuldade
de contextos e de condições. A brincadeira, de superá-lo.
na forma da livre improvisação, desenvolve a O bom humor parece espelhar muito bem
capacidade humana de lidar com um mundo as idéias de iluminação da mente quando des-
em permanente transformação. E foi brincan- cobre o inusitado, o pensamento divergente
do com a variedade de adaptações culturais que rompe com a condução linear da narrati-
que a humanidade espalhou-se pela terra, so- va, ou o pensamento lateral que busca uma via
breviveu a várias idades do gelo e criou seus à parte para voltar à idéia principal trazendo
instrumentos e ferramentas. Até o trabalho uma surpresa. Seguindo esse último entendi-
árduo, segundo ainda Nachmanovitch, quan- mento, Edward De Bono diz que isso acontece
do enfrentado com espírito alegre, pode se quando a maneira mais provável que temos de
tornar diversão: “quando me divirto descubro ver as coisas sobre um choque pela súbita to-
novas maneiras de me relacionar com tudo, mada de consciência de que existem outras
porque o divertimento desafia hierarquias so- possibilidades. A nossa mente, pelo humor, os-
ciais”. De fato, o brincar nos liberta das res- cila entre a maneira óbvia de ver as coisas e
trições arbitrárias, ajudando-nos a expandir o o inusitado. De Bono é enfático ao insistir que
nosso próprio campo de ação e permitindo a o humor é o comportamento mais importan-
reorganização de nossas capacidades para que te do cérebro humano porque indica, melhor
possamos utilizá-las de maneiras inesperadas. que qualquer outro comportamento mental, a
Nesse sentido, uma das importantes ob- natureza do sistema de informação que dá ori-
servações de Mena Barreto é justamente o gem à nossa percepção. Por isso mesmo filóso-
fos, psicólogos e cientistas vêm se interessan- O único aspecto talvez positivo na fal-
do cada vez mais pelo estudo do humor como ta de humor de alguém é que nos faz rir do
forma de compreender as idéias emergentes quanto também ficamos engraçados e ridícu-
sobre o comportamento dos sistemas não-line- los quando perdemos o bom humor.
ares e instáveis da natureza, como o caos, os
fractais, etc. Ou seja, o humor é a essência da
criatividade porque demonstra como as nossas
percepções das coisas, estabelecidas de uma
certa maneira podem, de repente, ser recon-
figuradas.
Não se admite, portanto, ao entrar no
banheiro de uma empresa e encontrar um
executivo fazendo caretas engraçadas diante
do espelho. Isso pode fazer parte das terapias
que tentam minimizar os estragos causados
pelo estresse e pelas pressões do trabalho, re-
cuperando nos profissionais, o bom humor e
a sensibilidade para a alegria das coisas mais
simples. Afinal, como diz André Comte-Spon-
ville, é ridículo levar-se a sério: “Não ter hu-
mor é não ter humildade, é não ter lucidez, é
não ter leveza, é ser demasiado cheio de si, é
estar demasiado enganado acerca de si, é ser
demasiado severo ou demasiado agressivo”.
pelo mundo afora. A diferença, porém, entre dessas “verdades”, não podemos encontrar
Guga e os demais, é justamente a sua irreve- alternativas, noutra há possibilidades. As-
rência. Até parece que esqueceram de dizer sim tem acontecido com os aspectos revolu-
a ele que sem seriedade e sem rigidez, não cionários da nossa civilização, pois, segundo
conseguiria vencer o torneio - se tivesse dado John Cuber, há uma profunda diferença entre
ouvidos a essa crença desportiva, talvez não alguém que rompe as regras e alguém que
alcançasse tal façanha. não aceita as regras. Um é um transgressor,
É importante ressaltar que irreverência o outro, um revolucionário. Assim tem sido
não se restringe apenas a contrariar, como diz com os aspectos práticos da nossa sociedade,
Menna Barreto, pios não tem nada a ver com de acordo com Thomas Huxley, cada grande
rebeldia, com desaforo, com rivalidade, arro- avanço do conhecimento útil implicou rejei-
gância ou impolidez: “Como a própria pala- ção absoluta a alguma autoridade.
vra diz, trata-se de não reverência: trata-se A história nos legou exemplos cruciais de
de uma decisão de recusar-se a reverenciar, irreverência, como a de Galileu Galilei, que
de prestar culto ao que quer que seja; não se foi obrigado pela Igreja a renegar as impor-
prostrar perante ninguém nem ciência algu- tantes descobertas sobre os movimentos do
ma, não se prostrar perante informação algu- nosso planeta porque contrariavam as escri-
ma e não se prostrar perante você mesmo”. turas sagradas e provocavam inveja em outros
A nossa necessidade de solucionar pro- estudiosos. Para escapar da Inquisição roma-
blemas precisa levar em conta a irreverência na, Galileu, diante das autoridades eclesiás-
como forma de não aceitar as “verdades” ins- ticas, renegou que a terra se movia em torno
tituídas pelas autoridades ou pelos especia- do sol, mas, logo em seguida, como que pen-
listas, porque só assim transcenderemos para sando em voz alta, reafirmou “e mesmo assim
outra dimensão perceptiva. Se, na dimensão ela se move”.
Outros irreverentes famosos, em cir- vas que tais especialistas não alcançam.
cunstâncias reais ou fictícias, demonstram o Do alto da nossa experiência, insistimos,
inusitado das atitudes humanas: Carlitos, de podemos nos tornar demasiadamente racio-
tantas fugas e estripulias engraçadas; Garrin- nais e, por trilharmos o caminho linear do
cha e sua mágica de entortar adversários. pensamento lógico, ficamos inclinados a con-
É o comportamento irreverente que a siderar perda de tempo levar em consideração
escola considera indisciplina e pune paula- o trivial, conformando-nos com aquilo que já
tinamente. É justamente o que as empresas foi estabelecido.
rejeitam e rechaçam em seus funcionários: Voltando ao nosso primeiro exemplo,
a contrariedade ao “saber” instituído pelos Guga não é um tenista qualquer, e sim, um
especialistas. Mas, eis o movimento que gera profissional que vem dedicando a vida àquele
criatividade: questionar as definições e as esporte. Porém, se trilhasse o caminho con-
pré-concepções, como a remover o muro que vencional apenas, buscando disciplina, serie-
nos impede de ver a paisagem do outro lado. dade, controle em demasia, seria somente
Cabe ressaltar que não se trata de usar mais um tentando entrar para o seleto gru-
qualquer questionamento como se toda auto- po dos melhores do mundo. Ao romper com o
ridade pudesse ser desprezada. Mas dar ouvi- convencional, permitiu soltar-se mais, temer
do à irreverência que, muitas vezes, surge dos menos a derrota e se divertir consigo mesmo
processos intuitivos de pessoas que sabem es- e com a situação - os adversários esperavam
tar diante de riscos e conseqüências. Dar ouvi- alguém preparado para uma luta de vida ou
do àquela voz interior ou àquelas pessoas que, morte e se depararam com um garoto fazendo
justamente por não serem autoridades no as- uma festa, mas com técnica e talento.
sunto, justamente por não serem autoridades O tenista brasileiro sabia das suas reais
no assunto, podem ver as coisas sob perspecti- possibilidades e acreditou nelas, desconside-
está sempre pensando dentro dos parâmetros trumentos utilizados na sua profissão: pinças,
e do contexto de sua prática. Quando surge boticões, tesouras, mas foi buscar uma idéia
um problema, daqueles imprevisíveis, para para seu instrumento odontológico revolucio-
o qual os manuais não têm explicações e ne- nário na roda de fiar da mãe dele. Somente
nhum outro especialista conhece, sua mente depois de conseguir uma solução ou alterna-
gira em círculos à procura de solução. tiva inusitada é que o não-especialista volta
Nesse momento, deve-se esquecer que a ser o especialista de sempre, valendo-se de
se é um especialista, para que se possa ver o toda a sua experiência e técnica para colocar
problema sob outras perspectivas. Os proce- em prática suas descobertas.
dimentos comuns são esquecidos; as técnicas Para Nachmanovitch, diferentes profis-
mais conhecidas ficam de molho. É preciso sa- sionais necessitam dessa postura mais livre da
ber soltar a mente aos ventos da imaginação, técnica que permite encarar mais diretamente
nos céus de outros conhecimentos, mantendo- seus desafios. Um amigo médico perguntou-lhe
a ligada, tal qual a pipa, por uma tênue linha o que um assunto tão efêmero como a criativi-
à racionalidade prática do consciente. dade espontânea tem a ver com alguém como
Ao romper com o próprio ponto de vis- ele, cujo trabalho é prático e científico. A res-
ta especializado, o profissional rompe com posta veio com uma pergunta: “onde está a
as limitações que o seu conhecimento técni- arte na medicina?”. O amigo disse que na falsa
co havia imposto à sua mente. O pensamen- medicina o médico encara o paciente tal qual
to pode agora transitar mais livremente por o relato de um livro de casos médicos, vendo
outras maneiras de encarar as coisas, como o a pessoa como um grupo genérico de sintomas
exemplo apresentado por Menna Barreto so- e tenta classificá-lo de acordo com o que seus
bre o dentista que inventou a broca de den- professores lhe ensinaram. Na verdadeira me-
tes. Greenwoold tinha à sua volta todos os ins- dicina, cada pessoa é única - num certo sen-
tido, o médico deixa de lado o conhecimento dos, porém, para descobrir e inventar o novo,
puramente técnico e mergulha no caso, dei- é preciso quase sempre sair da sua técnica ou
xando que sua visão se forme de acordo com criar outras, para colocar em prática o que se
aquele contexto particular. Utiliza-se de seus descobriu.
conhecimentos como referência, mas não per- A busca do especialista, portanto, deve
mite que eles o ceguem para a pessoa de car- estar muito além da quantidade e da quali-
ne e osso que está à sua frente. Essa visão dade do seu conhecimento. Mais precisamen-
assegura um olhar integral sobre o paciente, te, deve romper com todo esse conhecimento
que vai muito além dos sintomas e revela os quando ele não é capaz de mostrar a melhor
verdadeiros fatores que causam a doença. A resposta. A diferença entre os mais inventivos
partir de então, volta à cena o especialista a experts aparece naqueles que descobrem as
conduzir melhor o tratamento. melhores alternativas porque ousam sair da
Não há como negar a importância da condição de meros especialistas, quer seja
especialização. Mesmo no campo da arte, se pela irreverência, quer seja pelo bom-humor,
formam os especialistas com suas técnicas de ou mesmo liberando a criança instigadora e
composição, pintura, escultura, porque a téc- curiosa que traz no íntimo.
nica é própria do fazer, do executar, do con- As crianças, aliás, criam com originalida-
cretizar. Realmente, para fazer, do executar, de enquanto não são especialistas; os artistas,
do concretizar. Realmente, para fazer qual- por sua vez, criam porque, apesar de esco-
quer coisa com arte é preciso adquirir técni- lherem uma especialidade, continuam vendo
ca, mas, ressalta Nachmanovitch, criamos por o mundo com olhos de criança. Ambos desco-
meio de nossa técnica, e não com ela. O espe- brem as técnicas de colocar em prática o que
cialista criativo sabe disso: sua técnica o con- fantasiam ou, como dizem por aí, as suas “doi-
duz àqueles resultados desejados e conheci- dices”. É o que disse também o poeta portu-
reira ajunta retalhos para criar novas peças. nos tornamos irreverentes diante daquilo de
Um computador tem o monitor da televisão, o que dispúnhamos e assumimos a postura da
teclado da máquina de escrever, o mouse do criança que busca outras configurações. “O
antigo controle remoto à distância, entre ou- cerne da transformação é a mente que brin-
tras adaptações. Mesmo o milenar provérbio ca: a mente que, por não ter nada a ganhar
chinês, “uma longa caminhada começa com o ou a perder, trabalha e brinca com os limites
primeiro passo”, pode receber uma colagem e resistências das ferramentas que temos nas
e se tornar renovado: “uma longa caminhada mãos”, diz Nachmanovitch.
começa com o primeiro passo, na direção cer- O termo vem da palavra francesa, brico-
ta”. lage, que significa criar alguma coisa a partir
Imagine, então, fazer dessa prática um do material que se tem à mãos. Segundo Na-
processo voluntário e consciente, capaz de chmanovitch, um bricoleur é uma espécie de
colocá-lo em vantagem diante dos desafios, homem dos sete instrumentos, capaz de con-
uma vez que permite a você utilizar-se de uma sertar qualquer coisa: “Nos filmes de aventu-
perspectiva muito mais ampla de possibilida- ra, o poder de bricolagem é simbolizado pelo
des de agir e de fazer, de encontrar soluções herói cheio de truques que salva o mundo ape-
e alternativas. nas com seu canivete suíço e sua esperteza. O
Bricolagem é a arte natural e espontâ- bricoleur é um artista dos limites”.
nea da infância, pois, afirma Nachmanovitch, Dentro das empresas é comum ocorrer
é o que vemos nas crianças, que incorporam uma mistura de teorias gerenciais, de produ-
qualquer coisa às suas brincadeiras - qualquer tos e serviços, de procedimentos de trabalho.
trapo ou objeto que encontram pelo chão, E os que usam da bricolagem encaram isso
qualquer informação que lhes caia no ouvido. como um procedimento dos mais produtivos,
Podemos considerar que, na bricolagem, porque são capazes de improvisar. Num pri-
minhos para a criatividade é o caminho da cidos artistas, têm demonstrado que aqueles
criança: há bom-humor e irreverência; a bri- adultos que mantiveram sua capacidade de
colagem é a ordem do dia e o não-especialista fazer uso de várias habilidades infantis de per-
está o tempo todo presente. cepção e expressão, pertencem ao grupo de
Estudiosos sempre fizeram a relação pessoas talentosas que se tornaram músicos,
entre a postura dos artistas e as atitudes da escritores, dançarinos, artesãos, porque não
criança. Rudolf Arnheim, autor de extenso en- deixaram que tais habilidades se atrofiassem.
saio sobre a intuição e o intelecto nas artes, De fato, o que é para o adulto de um modo
comenta: “Eu não consigo pensar em nenhum geral, uma tarefa chata ou tola demais, é para
fato essencial na arte ou na criação artística, a criança, naturalmente, um imenso deleite.
cuja semente não seja identificável no traba- Mesmo em atividades artísticas, os adultos
lho das crianças”. Freud, no início do sécu- encaram os exercícios com demasiada serie-
lo, já tratava da questão com uma pergunta: dade, enquanto as crianças experimentam um
“Não poderíamos dizer que toda criança, ao prazer espontâneo e livre do compromisso de
brincar, se comporta como um escritor criati- produzir uma obra de arte - é esse sentimento
vo, no sentido de que cria um mundo próprio que o artista procura.
ou, melhor dizendo, rearranja as coisas do seu A criança, colocada na base da forma-
mundo de uma maneira nova que a agrada?” ção psicológica do ser humano, segundo Mena
Sua resposta é a de que o escritor age tal qual Barreto, é o substrato mais importante e o
uma criança quando brinca, porque cria um componente psicobiológico da personalidade,
mundo de fantasia que leva a sério e embo- a sede de todas as emoções. É a sede ainda
ra o separe da realidade, investe nele muita da intuição e, por isso mesmo, da criatividade
emoção. do indivíduo. As crianças pensam de forma di-
Não só psicólogos, mas também reconhe- reta, imediata, sem generalizações teóricas.
insensíveis, mas sua visão e sua fala eram nor- taltistas, existem duas maneiras de definir o
mais. insight: é entendido como pura discriminação
O cego mostrou-lhe a peça e pediu que de um resultado obtido quando descobrimos
a identificasse olhando numa enciclopédia. repentinamente o funcionamento de um brin-
Foi com surpresa e alegria que ouviu o amigo quedo, por exemplo, ou quando aprendemos
revelar-lhe: “É um telégrafo antigo, uma má- para além das meras tentativas de ensaio-e-
quina de transmitir código morse!” erro. Também a concepção de insight tomou
Ambos descobriram, assim, que pode- força com a descoberta do neurocirurgião Ro-
riam formar uma eficiente dupla, não só dan- ger Sperry, em meados deste século, ao se-
do conta do trabalho crescente de triagem, parar os hemisférios cerebrais dos epilépticos
mas, principalmente, na identificação das pe- para diminuir suas crises. Ele percebeu que
ças estranhas que ali chegavam. ambos os hemisférios têm funções diferentes
Essa é uma das visões que podemos ter mas integradas.
da relação que existe entre o hemisfério es- A mais interessante conseqüência da re-
querdo e o hemisfério direito do nosso cére- lação entre essa parte esquerda - que é ló-
bro na formação do insight. Mas, muitos de gica, racional, desintegradora - e a parte
nós permanecem a vida inteira como um cego direita - que é intuitiva, artística, integrali-
que não quer ajuda para reconhecer melhor as zadora -, diz respeito aos conceitos gesltat
coisas. Se contenta com o conhecido e evitam de compreensão e solução de problemas que,
o desconhecido. Ignoram a parte do seu cére- num primeiro momento, parecem insolúveis.
bro que ousa ver o todo ao invés de somente O insight é decorrente de uma atividade na
analisar pedaço a pedaço as coisas. qual o lado esquerdo do cérebro empenha-se
O termo insight foi incorporado à teoria racionalmente na busca de uma resposta a
da Gestalt por Köhler, em 1917. Para os ges- determinado problema sem obter resultado,
passando, então, a tarefa para o lado direito. gar temos o desafio ou o problema e vamos
Este, por sua vez, encontra uma perspectiva em busca de um reconhecimento, procurando
nova para o desafio e devolve o que encontrou juntar informações, levantar dados para co-
ao hemisfério racional dominante. O resulta- nhecê-lo melhor, fazendo todas as conexões
do pode ser uma resposta pronta ou uma vaga e analogias possíveis. Às vezes, nessa etapa
sensação. Pode surgir numa caminhada, num acontece o surgimento de possíveis respostas,
banho ou num sonho. Trata-se, entretanto, de mas para que o insight aconteça, precisamos
uma solução a partir da experiência e dos co- continuar, tratando de incubar o processo de
nhecimentos do sujeito, que se torna possível busca. Um pequeno período de esquecimen-
graças aos novos processos de abordagens da to serve para que o hemisfério direito assuma
sua mente. o comando, dando a impressão de que aban-
O fato é que a maioria de nós observa donamos a procura, porém ficamos alertas
muito pouco a própria maneira de pensar e às percepções e sensações provocadas pelas
sentir, estabelecendo deficiências ao priorizar circunstâncias à nossa volta, pois, a qualquer
certos sentidos em detrimento de outros ou ao momento pode surgir uma resposta, para que
usar constantemente o hemisfério racional em possamos verificar sua funcionalidade. Foi o
lugar do hemisfério intuitivo. Tal qual Delil, que aconteceu nos exemplos clássicos de Ar-
o inteligente guia de caravanas, é necessário quimedes que, na Grécia antiga, descobriu
que o lado racional da nossa mente saiba onde como medir o peso flutuante dos corpos depois
procurar, a quem delegar essa busca e ficar na de entrar numa banheira; de Kekulé, o quími-
expectativa do retorno. co alemão que sonhou com o símbolo da cobra
Podemos atentar para as etapas que a morder o próprio rabo, percebendo que a
compõem o processo de criação pelo insight, fórmula do Benzeno, tão exaustivamente pro-
conforme inúmeros estudos: em primeiro lu- curada, era uma cadeia circular; do inglês que
nada pode deter o processo criativo. Se a vida lógico baseia-se em informações das quais te-
está cheia de alegria, é a alegria que alimenta mos consciência, e que são apenas uma parte
esse processo, mas se a vida está cheia de dor, de tudo o que sabemos, o pensamento intui-
é a dor que alimenta a criação. tivo fundamenta-se em todo o saber que te-
A inspiração requer o sentimento leal e mos e em tudo o que realmente somos. Nesse
verdadeiro da pessoa para com a sua realiza- caso, a razão é um processo seletivo de com-
ção, uma ligação sincera entre os seus sen- paração e discriminação que resulta em esco-
timentos e a necessidade de criação da sua lhas experimentais. Ao seu modo, a percepção
obra. A sensibilidade que flui do sentimento sensorial e intuitiva vem a ser o conhecimento
de tristeza ou de alegria faz emergir da pes- espontâneo e imediato daquilo com que esta-
soa, uma expressividade carregada de emoção belecemos uma relação.
que ela vai concretizar de acordo com as suas Para ambos os autores, no momento da
habilidades. E, talvez por necessitar de uma percepção intuitiva acontece uma conver-
expressão significativa que condiga com a for- gência da multiplicidade de informações que
ça dos sentimentos, é que a inspiração está chegam de fontes e direções variadas da men-
tão ligada à toda forma de arte. te, gerando aquela sensação de certeza que
Falar da inspiração é tentar explicar os acompanha o pensamento intuitivo. A intuição
processos intuitivos, os quais as palavras pou- é um processo que está presente nas pessoas
co conseguem definir. Mesmo assim, é válido e de um modo geral e apesar de não podermos
gratificante o esforço de tentar compreendê- obrigá-la a revelar-se, é possível cultivá-la e
los pela maneira como se manifestam em nossa ajudá-la a crescer, uma vez que os resultados
percepção, recorrendo, inclusive, aos autores da improvisação e da criatividade podem sur-
que ousam fazê-lo. Virgínia Burden e Nacma- gir naturalmente porque houve uma prepara-
novitch consensam que, enquanto o raciocínio ção e um amadurecimento.
portamento das pessoas bem-sucedidas? Como considerar que, se o processo de uma pessoa
essas pessoas conseguem esses resultados/ é eficiente enquanto procedimento para en-
Qual a diferença entre o que elas fazem e o frentar adversidades, podemos adaptá-lo a
que fazem as pessoas que não são bem-suce- nós mesmos em busca dessa eficiência, sem-
didas? A partir de então, inúmeros psicólogos pre com o propósito de moldar gestos, atitu-
e especialistas debruçaram-se sobre essa nova des e mensagens que proporcionam eficiência,
perspectiva e chegaram a pressupostos que empatia e sinceridade na relação humana.
hoje norteiam a PNL através de um conjunto Em outras palavras, as técnicas da PNL
de técnicas, estratégias e habilidades acessí- podem ser úteis no desenvolvimento de sua
veis às pessoas de um modo geral. criatividade se você não perder de vista o sen-
A PNL ignora a crença de que a excelên- tido maior de sua busca: melhorar a si mes-
cia profissional é fruto de um talento inato e mo aprimorando sua expressividade mental
analisa como uma pessoa pode alcançá-la da e corporal para superar desafios. E visualizar
maneira mais rápida possível: “Se utilizarmos os procedimentos e os resultados positivos é
nossa mente e nosso corpo da mesma manei- como faz o arqueiro Zen que vê ele mesmo, o
ra que o faz uma pessoa que tem ótimo de- arco, a flecha e o alvo como se fossem um só.
sempenho, podemos melhorar imediatamente A mente canaliza todos os recursos e conheci-
a qualidade de nossas ações e nossos resul- mentos para que isso aconteça, não como um
tados. A PNL modela o que é possível, aquilo passe de mágica, mas porque juntou todos os
que seres humanos conseguiram fazer” - di- procedimentos necessários e disponíveis para
zem O’Connor e Seymour. que o imaginado se concretizasse.
Mesmo que a palavra modelagem seja Catherine Cudicio considera que, de
restritiva, por parecer um simples ato de imi- fato, se a criatividade equivale a reunir cer-
tação de aparências, não podemos deixar de tas informações de uma maneira insólita, isso
requer uma boa aptidão para construir repre- ferentes alternativas para os nossos proble-
sentações, tarefa que está ao alcance de to- mas. São essas alternativas que servirão de
dos nós. modelo para novos comportamentos. É o que
Em seus seminários sobre criatividade, ocorre no trabalho de conceituados profissio-
Cudicio ensina aos participantes como visuali- nais, quer sejam atores, atletas, professores,
zar sua própria imagem do ponto de vista que gerentes: eles são capazes de visualizar suas
eles quase nunca utilizam. Tais exercícios têm performances a fazer críticas como se fossem
o objetivo de dar maior flexibilidade e melhor um diretor, um técnico ou um observador na
aptidão às pessoas para representarem todos platéia, aperfeiçoando mentalmente seu tra-
os tipos de situações com uso da imaginação balho e estabelecendo o comportamento que
nas representações visuais. Isso as ajuda a va- permitirá o resultado satisfatório.
riar as abordagens de um problema, permitin- A imagem do êxito, ressalta Cudicio, é
do que encontrem alternativas inusitadas. como um script em que a sorte tem um pa-
Enfatizam-se, novamente, antigas sabe- pel importante, entretanto, quando as pesso-
dorias como a do Talmud que diz: mais impor- as acreditam que podem alcançar sua meta,
tante do que os conhecimentos, é o uso que dão a si a oportunidade de ser bem sucedidas
se faz dele. Assim, um dos pressupostos da e não ficam esperando que a sorte as favore-
PNL adapta esse saber a uma instância pesso- ça por puro acaso. É o que já consideravam
al: cada um possui em si os recursos necessá- psicólogos como Rogers e Erickson: o nosso
rios para o cumprimento de seus objetivos - a inconsciente é um poderoso aliado que nos
questão é aprender como explorar e desenvol- habilita a ter acesso a recursos internos ca-
ver esses recursos. pazes de permitir o desenvolvimento pessoal
A nossa imaginação, quando liberada ao criar em nós essa comunicação mental que
pelo espírito crítico e mentor, constrói di- nos transforma de vítimas das circunstâncias a
temos da velocidade de Johnny. Caso dissés- permitir acesso ao inconsciente e voltar com
semos, porém, que ‘Johnny é um antílope’, o suas revelações. É o que dizem O’Connor e
eternizaríamos por vinculá-lo aos cervos que Seymour ao afirmarem que as metáforas com-
habitam as profundezas da floresta do incons- plexas são histórias com muitos níveis de signi-
ciente primal”. ficado. Uma história contada de maneira clara
Saber, sentir e agir não são coisas que e simples distrai a mente consciente e ativa a
possamos separar, sustenta Bruner. Nós perce- procura inconsciente de significados e recur-
bemos, sentimos e pensamos simultaneamen- sos. Assim como a mente inconsciente gosta
te, ou seja, “percepensamos”. Separá-los é de relações, os sonhos, elementos do incons-
“o mesmo que estudar os planos de um cristal ciente, usam imagens e metáforas. Logo, uma
isoladamente, perdendo de vista o cristal que coisa eqüivale à outra quando existe entre
lhes dá existência”. É exatamente isto que elas alguma característica comum. Isso, inclu-
nos permite a metáfora, ter uma visão inte- sive, era o que já afirmava Aristóteles: uma
gral, ampla e profunda de uma verdade que boa metáfora implica uma percepção intuitiva
nos habita e para a qual só tínhamos acesso da semelhança entre coisas dessemelhantes.
de forma fragmentada. Ao perceber essa ver- Para criar-se uma boa metáfora que
dade, temos a revelação de uma espécie de aponte a solução de um problema, argumen-
profecia. E, para Bruner, a função derradeira tam O’Connor e Seymour, é preciso que a re-
das profecias não é a de predizer o futuro, e lação entre os elementos da história seja igual
sim, a de construí-lo. à relação entre os elementos do problema. As-
Mas também queremos saber o que ocor- sim, a metáfora vai repercutir no inconsciente
re na nossa mente quando uma metáfora se e mobilizar os recursos que ali se encontram.
instala. Afinal, ela parece burlar o nosso in- A mente inconsciente capta a mensagem e co-
crédulo e pragmático consciente para poder meça a fazer as mudanças necessárias.
to intuitivo. Também para os filósofos chine- não desista de sua vocação. A arte de deixar
ses devemos ir muito além do raciocínio e da que as coisas aconteçam, a ação na não-ação,
argumentação, pois o simples fato de haver a abandonar-se a si mesmo, tornou-se para Jung
controvérsia é uma prova de que não se vê as uma chave com a qual se pode abrir a porta
coisas com clareza. Dito de outra maneira, o ao caminho: precisamos permitir que as coisas
mundo não é linear como costuma conceber aconteçam na psique, pois a consciência está
nosso pensamento cartesiano, por isso, diz ain- sempre interferindo, ajudando, corrigindo e
da Wheatley, nossas abordagens racionalistas negando, sem permitir jamais que o simples
e lineares não podem funcionar. O que, para crescimento dos processos psíquicos desenro-
ela, nos defronta com um instigante paradoxo lem-se com naturalidade.
crítico: as duas forças que sempre pomos em De certa maneira, ainda de acordo com
oposição entre si - a liberdade e a ordem - Wheatley, incita-nos à humildade perceber
revelam-se parceiras na geração de sistemas que não inventamos nossas estratégias de mu-
viáveis, bem-organizados e autônomos. dança, mas, simplesmente, as descobrimos. O
Entretanto, ao tomarmos conhecimen- que implica que tenhamos de criar as condi-
to de que pelo Tao os mestres apaziguam sua ções em nossa mente, para que a criativida-
mente para colocá-la em sintonia com o uni- de se estabeleça a partir de um movimento
verso, vem-nos a questão: como essas pesso- inerente à própria percepção mental. Pode-
as fazem para atingir o progresso libertador mos nos sintonizar com o universal processo
capaz de gerir a criatividade? Jung diz que, de transformação e mudança, bem como com
até onde se sabe, elas não fazem nada, ape- a relação entre os opostos, considerando os
nas deixam que as coisas aconteçam, porque, momentos de desequilíbrio. São tantas as op-
segundo os mestres chineses, a luz circula de ções geradas nesse contexto de caos, que te-
acordo com sua própria lei, desde que a pessoa mos aumentadas as nossas oportunidades de
Ostrower, não é um caminhar aleatório: “An- O maior indício de tal desafio já se confe-
dando, o indivíduo configura o seu caminhar. re no procedimento das organizações avança-
Cria formas, dentro de si e ao redor de si. E das em investir naquilo em que os profissionais
assim como na arte o artista se procura nas mais investem, a auto-formação, a construção
formas da imagem criada, cada indivíduo se de um saber pessoal que transforma-se em
procura nas formas do seu fazer, nas formas dinamismo profissional, desejado a peso de
do seu viver”. ouro pelos empreendedores, e que elimina a
É o que representam, portanto, os des- dependência entre homem e empresa, fun-
caminhos aqui apresentados: pelo sentimento dando, sim, uma interdependência. Processo
de superação - superação da dor, da tristeza, esse, inclusive, que precisa ser revisto pela
da mediocridade; superação da vida e da mor- escola: o investimento no potencial instigador
te - é que estabelecemos nossas maneiras de e criador dos alunos, para que estes possam se
ser e de agir, de colocar a manifestação da tornar, no decorrer da formação, os principais
criatividade em nossas próprias mãos, lite- responsáveis pelo aprendizado que os torna-
ralmente, pela relação de complexidade que rão críticos e questionadores de todo confor-
existe entre a prestidigitação, o manuseio, e mismo.
o cérebro, e metaforicamente, na construção Estamos, enfim, diante da mais intrigan-
de nosso próprio desenvolvimento. O que, ali- te porta com a qual o ser humano jamais se
ás, reflete a maravilhosa plasticidade que a deparou, que se abre para a complexa e po-
nossa mente tem de atuar e moldar a si mes- derosa força da natureza, o poder criador da
ma. Não é essa, afinal, a exigência e o desafio mente humana - surgida talvez para realizar
do ser humano para o milênio que se inicia: a o que a própria mente ainda não descobriu -
capacidade de auto-educação e de auto-ges- e cuja chave está escondida em algum lugar
tão profissional? dentro dela mesma.
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São Paulo: Cultrix, 1996. Lingüística e Semiótica; mestre em Educação, com
dissertação sobre criatividade. Tem especialização
em Comunicação e graduação em Jornalismo. É um
dos editores da revista Culturas Midiáticas, do Mes-
trado em Comunicação e edita a revista eletrônica
Temática, publicada no seu site: WWW.insite.pro.br.
Atua no Núcleo de Artes Midiáticas do PPGC, atra-
vés do Grupo de Pesquisa em Humor, Quadrinhos e
Games (GP-HQG). Autor, entre outros, dos livros: In-
trodução à criatividade (1994); Educação criativa:
ensinando a arte de aprender e aprendendo a arte
de ensinar (1997); Dezcaminhos para a criatividade
(1998); Desígnios de signos: relação entre poesia de
vanguarda e publicidade impressa (2001); Dualidade
e criação publicitária: um princípio, muitas idéias
(2005); Razão & criatividade: tópicos para uma pe-
dagogia neurocientífica (2007); Tirinhas: a sínte-
se criativa de um gênero jornalístico (2007); Falas
& balões: a transformação do texto nas histórias
em quadrinhos (edição revista e ampliada, 2008).