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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
FORTALEZA/CE
Novembro/2004
II
FÁBIO FONSECA FIGUEIREDO
Aprovado em ____/____/____
_____________________________________
Presidente da Banca
_____________________________________
Examinador Interno/UFC
___________________________________________
Examinador Externo/UECE
IV
DEDICATÓRIA
contemplar os nomes de todas as pessoas que de alguma forma me ajudaram a realizar este
trabalho. De antemão peço desculpas às que não foram citadas, aproveitando a oportunidade
para novamente agradecer pelo fizeram por mim nessa árdua trajetória.
Educação. Também agradeço ao CNPq por ter custeado com uma bolsa de mestrado, o que foi
bastante útil haja vista eu ter vindo de outro Estado e não possuo qualquer vínculo
de um rico referencial teórico. À Ana Elizabeth, Gerardo, Bodião, Inês Mamede, Sandra
Felismino, Ana Dorta, Ângela Sousa, Ercília, Juraci, Arimatéia e Cacau do Prodema/UFC, o
meu muitíssimo obrigado por tudo e desculpa se falhei em alguma ocasião. Também agradeço
Faço menção especial à URBANA, na pessoa de seu diretor presidente e aos técnicos
catadores por terem permitido a minha entrada no mundo vivido por eles.
À minha turma que nunca esquecerei. Tivemos momentos marcantes os quais guardo
maturidade não se encontra mas se constrói. À Terezinha, amiga fiel de quem somente posso
elogiar. Eduardo, talvez o cara mais bacana que eu já conheci. Irmão na cachaça, no charuto e
VI
no apoio acadêmico. E, finalmente, à Izaura. Não sei o que essa senhora é para mim, se mãe,
expressar o que eu sinto por esse ser GENUINAMENTE humano, que dignifica a espécie!
Aos amigos que conheci ao longo destes dois anos, Geny, Dori, Baby, Rogério,
Carlos Alberto e Guto...a vocês todos, valeu ter-lhes conhecido. Também a Caline, de Natal,
A minha família, Mãe, Leidinha, Eliene, Genal, Francisco, Joãozinho e aos demais
A Lindomar, ex-quase tio, que mesmo na fria e cinzenta Curitiba, foi fundamental no
fechamento do trabalho. Dodó, a maneira de agradecer é dividindo uma boa garrafa de Gim!
Especialmente, agradeço a meu pai por ter segurado a “onda” nos momentos difíceis,
sempre acreditando e apoiando as minhas decisões. Agradeço por ter me ensinado a ir à luta
Vir fazer mestrado aqui em Fortaleza ocorreu pela insistência de três pessoas. Uma
delas é o grande amigo Daniel Lins que desde 2000 tem me incentivado voar cada vez mais
alto. Outro cara importante foi Giuliano, amigo de Natal, que não mediu esforços no sentido
de me convencer a vir morar na terra do sol. Finalmente, meu primo Santiere, este último
sempre acreditou no meu potencial e sempre me deu a maior força. Aos três, muito obrigado!
Atualmente, mesmo longe, sei que ela torce e vibra por mim. Guna, obrigado por ter me
do Aterro Controlado da Cidade do Natal/RN. Trata-se de um estudo de caso que utilizou para
coleta dos dados a análise documental, a observação direta e entrevistas com funcionários da
cada uma delas, como entidade representativa dos catadores. A disputa tem o propósito de
objetivo de angariar lucro com a venda dos recicláveis. A URBANA demonstra empenho na
conflitos entre os representantes das associações e ao descrédito dos catadores pelo projeto. A
haverá melhoria nas condições de trabalho dos catadores. Com a coleta seletiva do tipo porta-
a-porta, eles terão uma substancial melhoria nas suas condições de trabalho pois realizarão a
coleta dos materiais recicláveis nas residências, ao invés de coleta-los no lixão. Todavia,
deixar a cargo dos catadores a coleta seletiva, ficando a URBANA apenas gerenciando os
resíduos sólidos.
VIII
ABSTRACT
The study analyzes the dynamics of the exploration of the work of the trash workers of
recycle materials of lixão of the Natal City. One is about a case study that used how
methodological proceeding the documentary analysis, the direct comment and interviews with
employees of the Company of Urban Cleanness of the Natal City (URBANA) and with the
representatives of the two associations of the trash workers existing in the lixão. The results
show that it has between the representatives of the associations a rivalry motivated for the
necessity of if presenting, each one of them, as representative entity of the trash workers. The
dispute has the intention to get benefits proceeding from the project of combat to the hunger
associated with the social inclusion of trash workers and the eradication of lixões, financed for
the Federal Government and URBANA, implanted in Natal City since january/2003. The
representative related ones only perceive its associations as economic entities, demanding
productivity of the work of the associates with the objective of the get profit with commerce
of the recycle materials. The URBANA one demonstrates to persistence in the concretion of
the mentioned project, carrying out all the actions of its ability. However, it is exempted of
responsibility of possible the failure of project, what it attributes to the conflicts between the
representatives of the associations and to the discredit of the trash workers for the project.
The implementation of the project will attenuate problematic the ambient one that involves
the garbage in Natal City and will have improvement in the conditions of work of the trash
workers. With the selective collection of the type door-the-door, they will have a substantial
improvement in its conditions of work therefore the collection of the recycle materials will be
in the residences, instead of collects them in the lixão. To leave to selective collect to trash
workers, being the URBANA one only managing the services, is a blind form of the
flexibility, with the peculiarity of to give up the Company of the necessity of the employment
SIGLA DEFINIÇÃO
DEDICATÓRIA ................................................................................................................... IV
AGRADECIMENTOS ........................................................................................................... V
RESUMO.............................................................................................................................. VII
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1
O leitor poderá observar ao longo do texto que a singularidade deste estudo está no
enfoque sobre a atividade de catação dos materiais recicláveis existentes no lixo, realizada
essa ocupação se faz imprescindível para a sociedade natalense, pelo fato de oportunizar
ocupação e renda para as pessoas que possuem baixa qualificação profissional e se encontram
desempregadas, também pelo fato da atividade ser uma prática de cunho ambiental,
catador.
de cada época como se turbilhões de devires tornassem o dito multiplicado por muitos outros
modos de dizer o mesmo dito”. Em concordância com o autor, empreendemos a busca de mais
VASCONCELOS (op. cit., 13), “vivemos num abismo, com uma corda esticada dos dois
lados, sendo nossa missão atravessar de um lado a outro da corda munidos de toda a
mundo novo que adentramos a partir deste momento, no sentido de que partem de uma
percepção as análises que fazemos. Cientes de que estamos aprendendo, iniciamos essa
viagem despidos de qualquer certeza, coadunando com ZAOUAL (2003:58) quando diz que
“os conhecimentos bem estabelecidos são, sem dúvida, uma fonte de ignorância apresentada
com arrogância”.
2
Envolvimento com o tema
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal. Iniciamos o processo
de elaboração do estudo com questões acerca do que acontecia com o lixo coletado nas ruas.
As inquietações surgiam com mais vigor à medida que deparávamos com catadores de lixo
responsável pela limpeza pública da cidade. Através da coleta das ruas, obtivemos
informações que o órgão responsável pela coleta e destinação final do lixo era a Companhia
limpeza que nos cedeu todas as informações sobre o sistema de coleta e acondicionamento
final do lixo.
Controlado. Nesse período, estávamos no processo de definição do objeto de estudo para esta
monografia.
leste de Natal, percebemos que o lixo coletado pela URBANA se constituía em grave
problema ambiental pelo fato de ser despejado a céu aberto, o que poluía o entorno do lixão.
ambiental não somente para as imediações da área do aterro mas a toda Natal pois o aterro
uma solução visando ao condicionamento racional dos resíduos do lixo, evitando assim a
Respondida a pergunta inicial, outra surgiu: o que fazer para atenuar os problemas
ambientais visíveis ocasionados pela negligente disposição final do lixo em Natal? Não tardou
piloto que, no segundo semestre do ano de 2000, estava sendo implementado na cidade de
seletiva na capital cearense. Para tanto, caberia ao órgão responsável pela limpeza pública de
A iniciativa privada também participaria do projeto, sendo que para isso as empresas
envolvia os catadores espalhados pelas ruas fazendo a coleta dos materiais recicláveis. A
produção dessa coleta era levada aos vários pontos de entrega voluntária (PEV’s) da cidade,
sendo os catadores pagos conforme o peso e o tipo de material coletado. O material dos
PEV’s era transportado pela Prefeitura para o galpão de armazenamento, Centro de Triagem
de Resíduos (CTR’s). Nos CTR’s, todo o material era devidamente enfardado, de acordo com
realizando o projeto intitulado: “Diagnóstico da Situação dos Resíduos Sólidos no Rio Grande
Sólidos1”. A pesquisa foi financiada pelo Programa das Nações Unidas para o
1
O conteúdo do diagnóstico encontra-se disponível no sítio eletrônico <http://www.idema.rn.gov.br/Cma/Diagnostico2001>
5
Nesta pesquisa, realizou-se levantamento minucioso sobre o lixo, em 34 cidades do
Estado do Rio Grande do Norte, inclusive na capital. Inicialmente com a entrega de amplo
questionário para o representante do órgão público responsável pela limpeza de cada cidade.
Visitamos o local de destinação final dos resíduos do lixo, onde se fez a filmagem,
De acordo com o IDEMA (2001), o objetivo central da pesquisa foi traçar o quadro
situacional do lixo, nos municípios, para que, constatadas as deficiências, fossem propostas
evidenciando o descaso e/ou despreparo das Prefeituras com a questão. Dentre as alternativas
de questionários com os responsáveis pela coleta pública, nas cidades selecionadas, filmagens
catação dos resíduos do lixo de maneira diferenciada. Nas 34 cidades visitadas, percebemos a
presença de catadores, famílias inteiras que sobreviviam da coleta dos resíduos. Embora
na monografia, foi somente em 2001 que começamos a indagar sobre as condições sub-
2
O Levantamento Gravimétrico consiste na caracterização dos resíduos existentes no lixo.
3
Para saber sobre as especificações técnicas de um aterro sanitário, consultar sítio eletrônico da Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária (ABES): <www.abes.org.br>
6
A proximidade com a literatura que aborda a temática ambiental, juntamente com a
percepção de que o capital tem se apoderado das questões ambientais com o intuito de fazer
do meio ambiente mais um espaço de reprodução capitalista, o que percebemos com nitidez,
do trabalho dos catadores do aterro público controlado de Natal. Com o aporte teórico, fomos
Problematizando a temática
Exemplos desse tipo multiplicam-se por todo o país, podíamos descrever muitos
outros dos quais tivemos conhecimento ao longo desta dissertação. Entretanto, mais do que
imensas filas que se formam nas portas dos contratantes, o que externa o quadro situacional
da economia brasileira marcado por elevadas taxas de desemprego, têm merecido destaque e
atenção os profissionais, nas filas, à procura de emprego. O fato de pessoas das mais variadas
qualificações almejarem uma vaga para cargo que exige habilitação diferente da sua é
empíricas, não tem salvado o trabalhador do horror do desemprego (ARRAIS NETO 2002,
FORRESTER 1997).
anteriores. Se, nos anos de 1940 e 1950, início do industrialismo brasileiro, a qualificação
profissional era uma garantia de emprego, agora o quadro é outro. A retomada da teoria do
capital humano com a qualificação do trabalhador tem se mostrado refutável, haja vista que os
excluindo-os do trabalho formal, pode ser interpretado como mais uma forma de combinação
do capital para garantir a sua reprodução, que se efetiva às custas da expropriação dos
trabalhadores.
Ribeiro Gonçalves, na região do Vale do Assu, Rio Grande do Norte, BONETI (1997) analisa
a exclusão como sendo fruto de desenvolvimento econômico que usa, como estratégia, “a
em seguida, instalar o novo sistema produtivo avançado. Aos trabalhadores do antigo sistema
não resta outra alternativa senão migrar para a informalidade, tornando-se excluídos
econômico e socialmente por representarem o atrasado, o arcaico, sem serventia para o novo
sistema.
da lista. A nosso ver, essa atividade reflete soberbamente o que vem ocorrendo com o
mercado de trabalho brasileiro, desde a ascensão neoliberal do início dos anos de 1990,
elevadas taxas de desemprego fazendo com que as pessoas utilizem, como estratégia de
Brasileira”.
Outro elemento não menos importante na composição deste estudo diz respeito à
no patamar mais elevado possível, os detentores do capital têm optado pelo modelo de
no planeta. O uso irracional dos extratos ambientais, fruto das atividades econômicas da
mundial, pode ser interpretada como mais uma forma de exploração capitalista (ALTVATER,
1995). Isso sem falar nos danos ambientais distribuídos para toda a humanidade, de forma que
a riqueza gerada seja apropriada pela parcela social detentora do capital, distribuindo a
feita por esse tipo de desenvolvimento econômico, determinados grupos e setores sociais de
sociedade.
com a preservação e conservação do meio ambiente sendo que, para isso, aportara-se sob três
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princípios fundamentais que são: a conservação dos sistemas ecológicos sustentadores da
maneira como concebido, o conceito é amplamente difundido por todos, desde ecologistas até
últimos anos, a reciclagem tem ganhado destaque em várias agendas de debate, sobretudo no
que, através da indústria da reciclagem, é possível amenizar dois problemas que afligem a
anos de 1990, percebemos que essa atividade se desenvolve com uso intensivo de mão-de-
Talvez a característica mais marcante dessa indústria no país seja a precariedade do trabalho a
catadores, ora perambulantes de ruas, ora moradores de lixões públicos, realizam a atividade
da catação em condições subumanas, mantendo contato direto com o lixo, pondo em risco a
paradoxo gera conflitos entre o formal, o que é aceito pela sociedade, e o informal, o
desconhecido.
O autor vai mais além ao definir essa perversidade como sendo “o aumento da produção de
bens com componentes cada vez mais descartáveis, paralelamente ao aumento da produção
O desenvolvimento que surgiu para ser sustentável implica, salvo raras exceções,
novas facetas do capital para a sua reprodução. Diferentemente do que foi proposto quanto ao
intervenção sob o julgo econômico, primordial na consolidação da riqueza social das nações.
4
As estatísticas sobre poluição ambiental são divulgadas em canais de comunicação e meios de circulação científica.
Sugerimos o acesso a sítios eletrônicos de institutos como o Fundo Mundial para a Conservação (WWF), <www.wwf.org>.
12
A produção capitalista que para MESZAROS (1996) é caracterizada atualmente pela
intensidade, elevadas proporções de lixo. Para minimizar o dano ambiental causado a partir do
lixo, estimula-se a reciclagem dos resíduos criando-se assim a cadeia produtiva da indústria
que vai desde o catador até o empresário do setor, passando pelo deposeiro e o atravessador.
Exemplo atual de como se utiliza o meio ambiente como forma de reprodução das
material, o que induz a sociedade ao consumo desmedido das latinhas, que, seguindo o
A nosso ver, essa modalidade de ambientalismo parece estar permeada pela lógica da
de lixo e o remédio, a tentativa de reciclar a maior quantidade possível desse lixo. Enquanto o
vem ocorrendo de modo sorrateiro e perigoso, sendo sutilmente perceptível em alguns lugares
Particularizando a discussão
particularidades de Natal. Pelo fato de termos morado a maior parte da vida naquela cidade,
para chegar ao estágio acadêmico. Por isso, acatamos a suposição formulada por BOGDAM
& BIKLEN (1994:85) de que “certos pormenores, ambientes ou pessoas tornam-se objetos
construção civil, o setor turístico e alguns ramos industriais não respeitaram os limites
ambientais urbanos, de tal forma que podemos facilmente identificar edificações em áreas de
Dado aos efeitos nocivos distribuídos pelo conjunto da sociedade natalense, o lixo
deixa de ser uma questão meramente ambiental e passa ser encarado como questão de política
pública. O órgão público estatal encarregado da limpeza da cidade, a URBANA, vem, desde
ampla intervenção no aterro controlado da cidade, com o intuito de erradicar o lixão, devido à
inadequada disposição final dos resíduos, bem como promover a ressocialização dos
erradicação de lixões, formulado pelo Governo Federal (Capítulo IV, item 4.2) contempla a
aos problemas dele derivados. Ao poder público, cabe acondicionar os resíduos de maneira
correta, para tanto, está, em fase final de construção, um aterro sanitário que atende às
natalense na adoção da coleta seletiva, o que contribui para a elevação do tempo de vida útil
econômico sustentável passa, necessariamente, pela ocupação e renda dos desempregados que
migraram para a atividade da catação. Com os materiais recicláveis coletados pelos próprios
destinado ao aterro sanitário. A medida elevaria a vida útil do aterro, além de proporcionar
pública, uma vez que os catadores da ASCAMAR e ASTRAS ficam responsáveis pelo
serviço de coleta. Os catadores associados são remunerados pelos próprios serviços, dado que
primeiro diz respeito às condições de trabalho dos catadores. Conforme capítulo IV, item 4.1,
erradicação do lixão beneficia esses sujeitos, no que diz respeito às condições de trabalho.
forma que a opressão da mulher catadora é uma constante. A alegação que referenda essa
masculino (FIGUEIREDO, 2000). Se a alegação, a priori, for verdadeira, que alternativas são
tomadas pela URBANA para que haja equivalência entre homens e mulheres em relação aos
ASCAMAR e ASTRAS. Inicialmente, o fato de a ASTRAS ter surgido pelo mesmo motivo
da ASCAMAR, ou seja, por incentivo da URBANA, faz supor que o movimento social que
representantes das entidades tencionam promover o engajamento dos interesses dos catadores.
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Se, de maneira classista, declaradamente em prol dos anseios dos catadores entrelaçados pela
vertente ambiental por ser atividade da coleta seletiva do lixo também uma prática ambiental;
Por fim, trata-se de definir qual o papel da URBANA nesse novo contexto. O
acenando para a possibilidade de resolução do grave problema de cunho social causado pela
agregação de pessoas que sobrevivem da coleta clandestina dos resíduos do lixo despejado no
aterro.
trabalho dissertativo. O tato de pesquisador, ora motivado pela curiosidade humana natural,
ora pelo contato mantido com a literatura acadêmica, levou-nos a definir os objetivos da
investigação. Assim, o objetivo geral visou analisar a dinâmica da exploração do trabalho dos
e de vida dos catadores. Por fim, discutir aspectos da exploração do trabalho dos catadores em
com o tema no intuito de situar o leitor sobre a origem da motivação pessoal que nos levou a
pertinentes aos elementos que vamos abordar no texto. Para tanto, discutimos o trabalho na
questões que nortearam a construção do objeto de análise, bem como os objetivos que nos
dispusemos investigar.
a contextualização da temática por pensarmos que a interpretação dos dados passa pelo
(1983), sendo este último o único trabalho acadêmico encontrado na UFRN, que trata dos
catadores do aterro de Cidade Nova, em vinte anos, 1983 a 2003. Por fim, discutimos a
tecemos comentários sobre a crise do trabalho, fazendo a releitura das teorias que tentam
teóricos que defendem a tese de que o desemprego é o sintoma de uma sociedade que
como fator de produção. Na seção seguinte, consta a análise dos estudiosos que vêem no
desemprego uma vertente do capital para sua reprodução, usando maior ou menor quantidade
seção se propõe a traçar quadro referente à catação de resíduos sólidos no país, sua noção de
pesquisa de campo. Relatam-se as dificuldades encontradas, assim como os motivos que nos
fizeram optar por utilizar três instrumentos metodológicos de coleta: a análise de documentos,
aterro, em setembro de 2003. Pensamos ser importante situar o leitor no contexto do universo
investigado, por isso, iniciamos com a aproximação com o ambiente da pesquisa. Fruto de
qualquer análise sobre o projeto citado por pensarmos ser mais conveniente nos restringimos,
desenvolvidas ao longo do capítulo, onde fizemos a intercessão com a fala dos sujeitos
entrevistados.
por base os depoimentos, fizemos uma reflexão acerca desta rivalidade com vista aos próprios
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sujeitos, na forma como percebem a existência da outra entidade, como procuram se
posicionamento diante da situação dos catadores. A seguir, passamos à minuciosa análise dos
trabalho e lixo, no discurso dos representantes da ASCAMAR e ASTRAS. Vale dizer que
estamos relacionando, nesse item, a lógica capitalista com a vertente ambiental. Encerramos
exploração do trabalho dos catadores do lixão, em Natal, bem como a postura que o poder
divulgada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que trata da informação e
versa o relatório de cadastramento feito pela URBANA, em janeiro de 2003, com os catadores
O homem, como todo animal, para poder sobreviver, modifica o locus vivendi a fim
humana que então se diferenciou dos outros animais. Hábitos como o nomadismo e a
proveniente dos animais caçados e da pesca. Também a extração dos alimentos encontrados
ferramenta fez com que o homem modificasse a natureza e a obrigasse a servi-lo, ou melhor:
natureza não somente por uma questão de sobrevivência. Uma vez que as intempéries
existência humana, o consumo dos recursos naturais tomou outra conotação. Fatores como
O que mais tem contribuído para a transformação do meio ambiente são as relações
de produção com as quais cada sociedade humana se depara ao longo da história. O feudo da
alta Idade Média que, sob a luz de produção artesanal e economia de subsistência, muito
provavelmente explorou os recursos naturais com menos vigor e em menor intensidade do que
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a sociedade européia da primeira revolução industrial, caracterizada por uma produção em
escala fabril, com o capitalismo em seu estágio inicial de expansão. Convém analisar a
propusemos que diferentemente dos outros animais, o homem modifica a natureza visando
não apenas ao suprimento das suas necessidades, mas a fatores atrelados ao tipo de relação de
Por mais que façamos críticas ao sistema capitalista pela forma de reprodução,
reconhecemos que, em dado momento da história da humanidade, essa forma de produção foi
individualizado dos artesões foi em pouco tempo substituído pelo das fábricas. Nesse
meio ambiente.
degradação ambiental. Todavia pensamos que os exemplos citados dão a exata dimensão do
que tem representado, para o meio ambiente, a intervenção humana motivada pela ânsia da
produção capitalista.
Governamentais (ONG´s). Gestados no seio das camadas mais intelectualizadas dos países
integrantes desses movimentos passaram a adotar uma filosofia de vida diferente da cultuada
integrantes foram considerados rebeldes por defenderem causas que iam de encontro à ordem
capitalista vigente.
Mas o que levaria as pessoas da classe média a irem de encontro ao sistema que,
naquele momento, era propício ao estrato social do qual faziam parte? Não devemos esquecer
que esse período ficou conhecido, na história da humanidade, como os trinta anos gloriosos,
no qual welfare state tratou de conceder, às populações abastadas dos países desenvolvidos,
benefícios sociais significativos. A explicação para esse fenômeno talvez repouse no fato de
que:
dos empresários, que tinham a complacência dos Governos, era responsável imediato pelo
extenso quadro de mazelas sociais que se apresentava, bem como pelo avanço desenfreado da
O ambientalismo que floresceu em fins dos anos 60 e início dos anos 70,
construiu elementos que combinavam a rejeição dos jovens aos valores
consumistas de seus pais com a busca idealista pela simplicidade rústica,
contrariando um estabelecido culto à ganância das grandes corporações.
outras parcelas da população para que se ativessem à causa ambiental. Também pressionaram
1960 e 1970, explicita que tais movimentos surgiram demandando que políticas destrutivas,
se esperava que estas mudanças acontecessem foi fortemente influenciada pelas atitudes
políticas dos Governos que estavam no poder no momento, diante dos sistemas econômicos.
das Nações Unidas (ONU) se pronunciasse diante da temática. No ano de 1972, a ONU
natureza. DIAS (1992) comenta que a Conferência da Suécia obteve valor reconhecido por ter
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lançado as bases para discussões posteriores que tiveram como objetivo traçar estratégias de
nas quais a fauna e a flora ainda estivessem pouco exploradas, como, por exemplo, a região
amazônica nacional.
Embora possa parecer absurdo sob qualquer ponto de vista minimamente racional, o
coerente se analisarmos segundo a lógica das discussões que envolvem a temática. Um dos
pobres, utilizarem a biodiversidade natural como reserva de valor, o que faz com que haja
exploração ambiental se deu de maneira predatória, tanto que as reservas de recursos naturais
economias nacionais para o conjunto da humanidade, vêem a poluição como mal necessário
sustentabilidade do planeta, esses governantes sugerem que os países que ainda possuem
5
No capítulo III, ALTVATER (1995) analisa com bastante propriedade os motivos pelos quais o modelo de desenvolvimento
econômico-industrial dos Estados Unidos não ter dado a merecida importância aos limites ambientais daquele país.
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reservas naturais significativas mantenham-nas objetivando garantir o equilíbrio natural do
planeta.
direito de utilizar seu meio ambiente, assim como fez boa parte dos países desenvolvidos, de
reservas ambientais pouco exploradas caso haja financiamento econômico em seus países por
Concordamos com os representantes dos países pobres quando afirmam que os ricos possuem
uma dívida ambiental com o resto do mundo. Contudo expropriar os recursos naturais de
absolutamente contraditória em relação à crítica que fazem aos países ricos, que usaram do
pelos governantes dos países ricos. Eximir-se da culpa dos danos ambientais causados, em
mesmo porque a riqueza gerada não foi distribuída entre as demais nações. O discurso de que
atualmente os limites ambientais são respeitados, em seus países, perde relevância vez que as
mesma forma como fizeram nos países de origem, indiscriminadamente, amparados pela
quase inexistência de legislações ambientais e/ou não cumprimento das leis determinadas.
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Enquanto permanece esse jogo sem regras, tanto os representantes das nações ricas,
bem como os líderes das nações menos desenvolvidas não se apercebem de que o meio
ambiente constitui um sistema fechado. ALTVATER (1995) aponta para o fato de que a
país aparentemente consciente com o meio ambiente implica déficit ambiental de mesma
magnitude para os demais. Para o autor, a resolução das macroquestões ambientais consiste
Em outro momento da análise, ALTVATER (op. cit) projeta uma tendência futura,
mais-valia relativa, exige a industrialização em estágio avançado. Porém essa exigência não
será realizada por todas as nações, dado que as reservas ambientais serão cada vez mais
utilizadas pelos países mais avançados tecnologicamente. Neste sentido, vale dizer que a
relação entre ecologia e economia resume-se apenas aos discursos de abertura e encerramento
de eventos internacionais.
população dos países menos desenvolvidos. Geralmente culpados pela poluição do meio
ambiente, esses indivíduos são bombardeados pela idéia de adotarem o estilo de vida da
população dos países ricos. Trata-se, portanto, de um paradoxo pois, ao mesmo tempo em que
essa população é incentivada a aderir a uma nova cultura de consumo, o que intensificaria
localidades.
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MAY (1995) vai além ao afirmar que a ecologia, nesses países, é uma questão de
pobreza. Comentando o apelo global para a preservação do meio ambiente brasileiro, o autor
afirma ser impossível fazer com que a população se comprometa com as causas ambientais,
“uma vez que acima de 40% da população brasileira ganha abaixo do que é necessário para
encher a cesta básica, a maioria das casas carece de sistema de coleta de lixo e tratamento
minimização de resíduos tenha ganhado impulso no Brasil, a partir da Agenda 21, documento
elaborado, durante a II Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, ECO’92, realizada no Rio
de Janeiro/RJ e promovida pela ONU, ainda há pouco interesse pelas questões ambientais por
parte da maioria da população brasileira. Segundo a autora, uma possível explicação para o
fato está nos baixos índices dos indicadores sociais, com destaque para a falta de escolaridade
Na prática, vale dizer que a população dos países menos desenvolvidos é oprimida
parece ser uma relação absolutamente contraditória vez que, nos países periféricos, há forte
apelo para a reprodução dos costumes do mundo desenvolvido. Por sua vez, a reprodução dos
degradação ambiental.
ricos, chama atenção para o fato de que o modelo de vida dessas nações tem um custo
considerável para os recursos naturais não renováveis. Para o autor, “generalizar esse modelo
eficazes elementos de análise teórica sobre a temática exposta, afirma que a questão
sócioeconômica pode ser elaborada adequadamente apenas como uma vertente da ecologia.
A formação do lixo está intrinsecamente ligada à existência humana uma vez que
resulta da intervenção do homem na natureza. Quer seja através da extração dos recursos
se deu majoritariamente pela extração dos recursos naturais, o século XX notabilizou-se pela
dimensões estratosféricas.
alimentos, bebidas, etc”, faremos algumas apreciações a esse respeito, enfocando a formação
O senso comum define lixo como algo que não mais é útil, portanto inútil, objetos
e/ou restos de objetos que não servem mais. A definição simplista tratando da utilidade das
que o valor de um bem e/ou serviço resultaria da sua capacidade de ser útil para alguém.
utilidade como sendo “uma qualidade abstrata que torna um objeto apropriado para nossos
fins, caracterizando-o como bem ou serviço”. Traçando uma curva exponencial decrescente, o
autor demonstrou outro aspecto: qualquer bem possui valor elevado para uma pessoa que não
o tem. À medida que a necessidade/vontade de possuir o bem diminui, este vai perdendo valor
na mesma proporção.
Para BENTHAM (apud HUNT, 1982:148), o consumo dos bens estava diretamente
homem é motivado a maximizar o prazer em detrimento da dor, sendo que assim procurará
consumir aquelas coisas que lhe proporcionem satisfação, que lhes sejam úteis e que lhes
valor desses bens. Com a demanda equilibrada, os produtores não podem elevar o valor do
investidos na produção, sob o risco de perder a concorrência junto aos demais produtores.
O uso da teoria do valor para este estudo se faz pertinente, se admitirmos que, com o
consumo racional, a produção de lixo estava condicionada a esse consumo. Assim, segundo
os motivos citados anteriormente, as pessoas não consumiam em demasia, o que teria como
conseqüência uma geração de lixo em escala menor do que, por exemplo, o que se tem na
preliminares, o autor dividiu o valor em duas categorias de análise: valor de uso e valor de
troca. Partindo do princípio de que os objetos são reservas potenciais de utilidade, todos os
objetos produzidos pelo conjunto da sociedade possuem valor de uso, atrelado à capacidade
de ser útil.
Todavia ter valor de uso não representa necessariamente para o objeto possuir valor.
Entendendo que o valor se manifesta no ato da troca entre diferentes objetos, é incoerente
trocar valores de uso, haja vista a utilidade ser uma qualidade subjetiva, ou seja, o que é útil
para uma pessoa pode não ser para outra. Se assim o fosse, a indagação que surgia era: como
valor, o autor conclui que não está na utilidade de um objeto a sua medida invariável de valor.
A troca entre objetos diversos somente é possível, caso haja um referencial de valor
invariável, algo que, sob todos os aspectos e em qualquer circunstância, não alterasse o valor.
6
HEILBRONER (1996) pontua os pressupostos fundantes da teoria neoclássica, fazendo uma leitura minuciosa das obras
32
ter a certeza de que, ao longo da transação comercial, os valores dos objetos envolvidos
permanecem constantes.
Como medida invariável de valor, o autor elegeu o trabalho humano abstrato contido
nas mercadorias. Já que toda mercadoria contém trabalho humano indiferenciado, ou gelatina
de trabalho, MARX (1996:169) define o valor de uma mercadoria como sendo determinado
necessário para a produção de um valor de uso o que determina a grandeza de seu valor”. E
esse quantum deve ser aceito pela sociedade, uma vez que estar fora dos padrões do mercado
Aceitos nas relações de troca, os objetos deixam de ser meros depósitos de valores de
uso específicos, para se tornarem mercadorias com valor de troca. Admitindo que as
cientes ou não, buscam produzir não mais simples valores de uso, mas valores de uso social,
dado que as mercadorias só possuem valores de troca quando os valores de uso são aceitos
pela sociedade.
dissemos que o mesmo é inerente ao ser humano, haja vista qualquer intervenção, no meio
ambiente, ter como conseqüência a produção de lixo. Comentamos também que, a partir de
dado momento histórico, a produção dos resíduos se deu não somente pela intervenção na
natureza visando à sobrevivência da espécie humana, porém a fatores diversos, com destaque
transformação da natureza foram superadas. A técnica apurada e a tecnologia cada vez mais
avançada são os instrumentos pelos quais a intervenção no meio ambiente alcança patamares
seus países vençam a concorrência internacional e se instalem sem maiores dificuldades nos
criam-se estilos, inventam-se comportamentos, de forma que a sociedade vai sendo envolvida
por uma espécie de casulo mercadológico, no qual o ser aceito por um grupo é substituído
pelo estar sendo aceito desde que se acompanhe as tendências contemporâneas do mercado7.
consomem também motivadas por estímulos externos, expressos nos modismos que surgem
costumes locais, sobretudo, nos países menos desenvolvidos, estão sendo, gradativamente,
34
substituídos pelos costumes do centro do sistema capitalista. Induzidos pelo american way8, a
identidade própria 9.
a compra de produtos com funções, muitas das quais, provavelmente nunca serão utilizadas
pelo usuário. Existem também casos banais e mesmo cômicos de pessoas que consomem
atrela a produção acentuada dos resíduos à irracionalidade do consumo. Para ele, “uma
sociedade racional em termos de uso justo de recursos finitos não produziria o tipo de lixo
Sendo o lixo corolário do excesso de consumo, parece incoerente fazer uso da teoria
utilitarista do valor para explicar sua existência na sociedade. No atual contexto, o padrão de
consumia apenas os produtos que lhes fossem úteis, na exata medida das necessidades. Caso
os neoclássicos tentassem usar a teoria do valor utilidade para a situação vivida hoje,
valor de uso, isso se considerarmos que muitas mercadorias, embora produzidas em escala
industrial, não possuem, do ponto de vista prático, qualquer utilidade que justifique sua
7
Uma discussão sobre as tendências sócio-culturais do mundo atual pode ser encontrada em ROUANET (1996).
8
Termo utilizado para expressar o estilo de vida da nação estadunidense de classe média. ALTVATER (1995) diz que uma
das formas encontradas para disseminar o estilo americano de viver é através das manifestações culturais produzidas nos
Estados Unidos, com destaque para a indústria cinematográfica e musical.
9
Ver Capítulo III, seção II de ALTVATER (1995).
35
aceitação social. O que MARX (1996) anteriormente definiu como valor de uso social, bem
mercado. Entretanto, muitas mercadorias são produzidas sem que haja o valor de uso social.
implica dizer que os produtos já nascem com vida útil predeterminada para que sejam
substituídos o mais rapidamente possível, criando novas demandas para que se tenham novos
produtos.
devido aos avanços obtidos com a produtividade da produção que, para se desfazer da grande
quantidade de produtos, diminui a vida útil das mercadorias. Sendo assim, considera-se que
socioeconômico, “uma vez que o capital define útil e utilidade como vendável, é necessário
economia. A rapidez com que as mercadorias são sucateadas demonstra traço importante da
terceira revolução industrial do século XX, que é o da criação e destruição de produtos. Nesta
ótica, “o paradigma tecnológico é muito mais substituidor do que criador, ao contrário das
10
Para ZAOUAL (2003:39), o capital “estimula o mercado com base em novas necessidades para manter em clima de
expectativa o conjunto da sociedade”. Adiante, o autor comenta que “o sentimento de falta criado pelo capital é satisfeito
para o consumidor através das técnicas de marketing”.
36
Para LUTZENBERGER (2004), muitos dos problemas ambientais relacionados ao
lixo, ainda considerados insolúveis, podem facilmente ser resolvidos, caso abandonássemos
todos aprender a produzir menos lixo, rejeitando os apelos publicitários que nos querem
contemporânea. Nesse sentido, a discussão da problemática do lixo urbano não deve ser
dissociada das questões econômico-sociais pelo fato de que daí é que surge a discussão no
sociedade em função do período histórico. Até meados dos anos de 1950, por exemplo, a
reciclagem era entendida como um meio social para vencer as dificuldades econômicas da
nação. Nos países diretamente envolvidos na segunda guerra mundial, a reciclagem dos
resíduos atingiu índices bastante elevados, fato justificado pela incapacidade de se produzir
lixo nas cidades torna-se um problema de grandes proporções para a sociedade. Dessa forma,
a reciclagem surge como alternativa para atenuar os malefícios causados ao meio ambiente,
37
diante da inadequada disposição final do lixo. Atualmente, a reciclagem dos resíduos sólidos
do lixo é uma atividade econômica rentável, fomentadora de empregos e geradora de renda 12.
Ressaltamos que a reciclagem não constitui um fenômeno estático, podendo assumir mais de
uma função social, cuja interpretação depende do momento histórico vivido pela sociedade.
Durante a ECO’ 92, formulou-se um documento amplo, Agenda 21, elaborado por
possíveis ações que podem ser realizadas no planeta com o intuito de se aproximar do que se
lixo. Para que a primeira ação se concretize, é preciso que o consumo das mercadorias seja
“R” da reutilização aponta para que os resíduos do lixo sejam reaproveitados ao extremo, a
O terceiro “R” indica reciclagem, que implica utilizar os resíduos como matéria-
prima para a fabricação de novos produtos. Convém salientar que, do ponto de vista técnico, a
No que se refere à reciclagem dos resíduos sólidos, a ação traz benefícios ao meio
ambiente por reduzir soberbamente o volume de lixo que tem como destino final os aterros
por ser uma atividade econômica. Segundo CALDERONI (2003:34), a reciclagem possui
11
Para facilitar a compreensão do texto, usaremos os conceitos de lixo e resíduo conforme Capítulo II, seção V de
CALDERONI (2003). Portanto, lixo é definido como o conjunto de todas as coisas descartadas pela sociedade, enquanto que
resíduo é o material encontrado no lixo passível de ser reciclado.
38
Em termos específicos, a reciclagem do lixo apresenta relevância ambiental,
econômica e social, com implicações que se desdobram em esferas como as
seguintes: organização espacial, preservação e uso racional dos recursos
naturais, conservação e economia de energia, geração de emprego e renda,
desenvolvimento de novos produtos, finanças públicas, saneamento básico e
proteção de saúde pública, além de redução de desperdício.
ainda que no ano de 1996, foi estimada em R$ 4,2 bilhões a economia de matéria-prima
possível no Brasil através da reciclagem dos resíduos sólidos do lixo domiciliar. Atingiram-se
na realidade R$ 0,7 bilhões, 18% do total da economia estimada. Foram perdidos, nos aterros
indústria absorvedora de mão-de-obra menos qualificada, dado que o ciclo dessa indústria se
inicia com a coleta do lixo. Para VALLE (1995:77): “Do ponto de vista social, pode-se
acrescentar mais um fator positivo à reciclagem que é a geração de emprego nos níveis mais
catadores e carrinheiros.”
preservação do meio ambiente. No entanto, devemos considerar que não foi a preservação
ambiental o único motivo para a implantação dessa prática. Implicações de caráter econômico
combate à poluição ambiental. Dessa forma, a reciclagem, mesmo maquiada com o propósito
12
Ver CALDERONI (2003) e GRADVOHL (1998).
39
Em um sistema econômico que se reproduz através da obtenção do lucro, os
investimentos são canalizados para atividades que possuam viabilidade econômica. Seguindo
esse raciocínio e acatando a teoria marxiana de que o lucro capitalista origina-se do trabalho
expropriação do trabalho dos agentes econômicos que participam da cadeia produtiva dessa
indústria.
pautada no trabalho da catação dos resíduos sólidos realizado pelos catadores, não tarda para
relacionarmos que umas das formas de obtenção de lucro dessa indústria advém da
para a entidade recicladora, não o benefício social e o interesse das gerações futuras quanto à
prática ambiental.
Dessa forma, torna-se claro que a reciclagem dos resíduos sólidos, como toda e
potencializa o consumo desses materiais sob a alegação de que é viável reciclá-los. Ou seja,
está se criando demanda por reciclagem que, do ponto de vista ambiental, não constitui não
melhor alternativa à resolução do problema que tem se constituindo o lixo nas cidade
brasileiras.
cujo nome técnico é plástico-filme, seguem poluindo, sob várias formas, o meio ambiente. O
40
baixo preço pago no mercado da reciclagem para esse material faz com que os catadores não
de mata atlântica. O clima agradável, com temperaturas amenas em torno de 27º a 30º graus
Celsius, com duas estações do ano bem definidas e período chuvoso entre os meses de abril a
agosto, segundo dados do IDEMA, Natal possui o segundo melhor ar do continente sul-
americano.
O conjunto desses fatores faz da capital do Rio Grande do Norte alvo fácil para quem
ameaçada. Como na maioria das cidades de médio e grande porte do país, o desenvolvimento
econômico em Natal tem se caracterizado fortemente pela exploração do setor terciário, que
ocorre de maneira desregrada, não respeitando, muitas vezes, a legislação ambiental vigente.
boa parte da rede hoteleira ter sido construída em áreas legalmente reservadas à conservação
ambiental. A argumentação dos empresários é de que os hotéis fazem parte do aporte turístico
local, e sendo o turismo uma das atividades econômicas de maior relevância para Natal, eles
13
Para saber sobre os índices de reciclagem dos resíduos sólidos no Brasil, consultar sítio eletrônico
<http://www.cempre.org.br>
41
Outro tema que merece relevância, nos meios de comunicação, é a poluição dos
forma, não se justifica a resistência desses empresários quanto ao uso de técnicas não
poluentes no trato do camarão. Podemos deduzir que o desinteresse por uma produção limpa
criar camarão poluindo os mangues, o rio e o mar, por que investir em técnicas
e matadouros clandestinos se constitui em risco aos filtros naturais do rio. Essas práticas
Por outro lado, a questão não e restringe à poluição engendrada pelos detentores do
qualquer ação estatal que vise minimizar tais efeitos, os moradores dos bairros menos
desprovidos fazem do lançamento do lixo, a céu aberto, uma prática comum. Não se
comunidade.
situação do saneamento básico ainda incipiente leva a crer que, para os diversos Governos que
já ocuparam o poder público local, a questão ambiental constitui uma temática que apenas
42
tangencia prioridades das políticas públicas. A quase inoperância dos órgãos estatais
competentes, diante dos diversos crimes ambientais que vêm ocorrendo sistematicamente em
Natal, supõe que a busca do poderio econômico está conseguindo se sobrepor aos interesses
ambiente saudável.
Natal são deficitários, com informações desencontradas e dados imprecisos sobre produção e
tratamento final do lixo. A Companhia acata o estudo formulado pelo renomado médico
Januário Cicco (1920)14, tratando dos primeiros registros sobre o destino final do lixo. O autor
refere que o lixo coletado na cidade tinha como destino as proximidades do matadouro
público, localizado na área atualmente conhecida como bairro do Salgado, zona oeste da
nas vidas das sociedades, é ainda de inadiável necessidade retirar para logar próprio o
fato de a região, que atualmente engloba o bairro do Salgado, ser uma das mais antigas da
14
Embora tenhamos pesquisado em órgãos como IDEMA, Secretaria de Saúde, UFRN e a própria URBANA, não
encontramos a referência deste estudo. Sendo assim, estamos reproduzindo as informações disponibilizadas pela URBANA
no sítio eletrônico, <http://www.natal.rn.gov.br/urbana/index.php> Acesso em 25/08/2004.
43
cidade, supomos que, já na década de 1920, existiam pessoas potencialmente prejudicadas por
incineração do lixo, construído pela Prefeitura nas proximidades do que se conhece como
Horto municipal, no bairro Passo da Pátria, zona leste da cidade. Há registros de que o
incinerador, conhecido pelos residentes como forno do lixo, começou a funcionar no ano de
1935. Já o documento fotográfico da área dá conta de que a construção foi finalizada no ano
O forno tinha capacidade para incinerar 32m3 de lixo, diariamente coletado por
caminhões e carroças. Nas localidades em que inexistia a coleta oficial do lixo, a população se
enterrado.
Com o aumento da quantidade coletada, o lixo voltou a ser lançado a céu aberto, nas
Prefeitura inutiliza também o lixão que se formou nos arredores do extinto incinerador,
passando a colocar o lixo coletado em área próxima à ponte do bairro de Igapó, no atual
bairro Nordeste.
No início dos anos setenta, o destino final do lixo voltou para as proximidades do
antigo incinerador, desta vez, para servir de material para cobertura de depressão do solo, no
da cidade motivaram mais uma mudança na área de despejo final, desta vez em definitivo,
da disposição final dos resíduos. O fato de o lixo servir para a correção da depressão do solo e
44
a drenagem dos gases provenientes do lixo orgânico conferem, a esta forma de tratamento,
bairro de Cidade Nova começou a servir como área de destinação final de lixo no ano de
1968, com o lixo sendo lançado a céu aberto. Posteriormente, o destino final dos resíduos é
Conforme COSTA (1983), a área foi designada pela Prefeitura para receber o lixo a partir de
1971.
mudanças de local, leva-nos a considerar que a problemática foi encarada pelo poder público
consideradas paliativas.
lixo, não lograram sucesso. A partir do resgate histórico, temos o entendimento de que o
fracasso dessas ações se devem à descontinuidade das ações que visavam simplesmente à
serviços de coleta.
do lixo. Todos as áreas estão localizadas em zonas ambientais importantes da cidade, ora nas
proximidades dos manguezais do Rio Potengi, como nos bairros do Salgado, Nordeste ou
45
Baldo, ora no terreno de dunas como o do aterro de Cidade Nova. Isso comprova,
ambiental no município.
Cidade Nova foi escolhida em virtude de ser praticamente despovoada, no início de 1970
(COSTA, 1983). Outro fator preponderante na escolha foi o fato de ser distante do centro,
área, o que posteriormente veio constituir o bairro, foram erguidas pelos catadores.
Segundo IDEMA (2001), estima-se que 5,0% desse total seja pré-coletado pelos catadores nas
ruas antes da coleta oficial da URBANA. Outros 10,0% são separados na Usina de Triagem,
localizada na área do aterro controlado. O restante do lixo é despejado a céu aberto, sem que
haja qualquer tratamento prévio. Não existem estatísticas referentes ao percentual de materiais
cálculos de índices de variação de lixo, adotamos como base o ano de 1980. A tabela está
passo que, na década de 1990, o aumento no índice de variação atingiu 263% em relação ao
ano de 1980. Para os anos de 2000, as estatísticas apontam para índices ainda mais elevados,
triplicando o volume de lixo gerado na cidade. Esses números, que representam o crescimento
no volume do lixo em Natal, podem ser explicados, dentre outros fatores, pelo aumento
relacionado à saúde pública principalmente para os residentes dos bairros próximos ao aterro
humano, bem como insetos e ratos. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza
virtude do não tratamento do lixo no destino final, são as diarréias infecciosas, amebíase,
freático da cidade. O aterro controlado de Natal está localizado em área de duna, caracterizada
pela alta permeabilidade, prestando-se à captação da água proveniente das chuvas para a
reposição do lençol freático da cidade. Todavia o lixo lançado, a céu aberto, nessa área,
15
Dados disponibilizados no sítio eletrônico: <http://www.natal.rn.gov.br/urbana/index.php>; Acesso em 25/08/2004.
16
Informações disponibilizadas no sítio eletrônico: < www.abrelpe.org.br>; Acesso em 15/06/2003.
47
implica que o chorume17, líquido proveniente do material orgânico contido no lixo, está se
infiltrando na duna, poluindo as águas subterrâneas, o que pode ser comprovado no estudo
realizado pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN), em 2000:
Segundo dados fornecidos pela CAERN, 25,0% dos 169 dos poços tubulares
de Natal estão com índices de contaminação por nitrato acima do máximo
permitido pelo Ministério da Saúde, tal contaminação se deve, dentre outros
fatores, a contaminação do lençol freático da cidade. (Jornal Diário de
Natal, 2000) 18
Esses dados podem ser considerados preocupantes haja vista que a contaminação dos
d’água. Faz-se menção ao fato de que a água é um recurso natural que, se não gerenciado de
maneira racional tanto no uso quanto na sua potabilidade, pode vir a se tornar imprópria para
lixo em Natal. Destarte, até o presente momento, outubro de 2004, não se obteve o sucesso
próximo dos 98% do município, a Companhia ainda não conseguiu suprimir a utilização dos
do meio ambiente ainda existente em Natal, a sociedade natalense, juntamente com o poder
público, constituído nas esferas Municipal, Estadual e Federal, deve se sensibilizar com o
perigo que é a poluição do espaço urbano. Caso contrário, não há alternativas eficazes para o
17
Ver PEREIRA NETO (1996).
48
combate à poluição. Nesse contexto, faz jus a exacerbada preocupação ambiental demonstrada
por VALLE (1995:05), quando afirma que “preservar o meio ambiente não é mais um
modismo de minorias, mas uma necessidade universal para a preservação de nossa espécie”.
aterro, fruto dos mais de 4 milhões de toneladas de lixo que já foram despejadas naquele
local.
dos catadores de lixo através da coleta seletiva. Com o objetivo explícito de se diferenciar das
preestabelecidos, o atual projeto propala que as ações propostas sejam efetuadas e que, a
partir de então, o lixo em Natal passa a ser tratado com a coleta e acondicionamento
18
Dados extraídos do sítio eletrônico: <http://www.dnonline.com.br/anteriores>; Acesso em 03/11/2000.
49
CAPÍTULO II: A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO NO CAPITALISMO
capital. Ao fazer um breve levantamento histórico, observamos que, desde a fase inicial, o
econômico capitalista vem sofrendo ao longo de sua existência. Há uma vasta e competente
literatura tratando dessa temática. Uma vez que estamos investigando a exploração do
trabalho dos catadores dos resíduos sólidos do lixo, pensamos ser importante, até mesmo
capitalista.
contemporânea, suas nuances e perspectivas. Ciente de que a discussão dessa natureza requer
significa ocupar-se em algum mister; exercer seu ofício; aplicar a sua atividade. Enquanto
algumas pessoas vêem o trabalho como uma tortura, outras admitem ser um mister, uma
humana, sendo realizado pelo homem como condição para sua sobrevivência. ENGELS
crescimento demográfico das aglomerações primitivas foi crucial para isto, por demandar
produzindo utensílios que lhes serviam para a construção de moradias, bem como para a caça,
processo de trabalho. Para ele, “o trabalho é, antes de tudo um processo entre o homem e a
Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu
momento histórico, no qual está inserido. Tendo sido comunal, escravista, determinado pelo
modo de produção feudal, chinês, mesopotâmico e socialista, dentre outros. Segundo a teoria
mais gerado na produção, que consiste na parcela de trabalho realizado pelo trabalhador e não
mais-valia.
essência do fenômeno expropriação do trabalho pelo capital sob várias nuanças. Discutindo a
seio da produção capitalista, tem por finalidade encurtar a parte da jornada de trabalho,
durante a qual, o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo. Isso ocorre, segundo o autor,
para que o capital se aproprie da maior quantidade possível de trabalho não pago realizado
pelo trabalhador.
seção deste capítulo. A seguir, faz-se exposição da relação capital e trabalho no modo de
produção capitalista, no que tange à divisão entre lucros e salários. Para tanto, utiliza-se o
referencial teórico marxiano por entender que o autor aborda, de maneira lúcida, a discussão
proposta.
De acordo com MARX (1996), a sociedade capitalista é composta por duas classes
sociais distintas, uma formada pelos detentores dos meios de produção (instalações, matérias-
trabalhadores.
52
O capitalismo é um sistema que possui, no cerne, a contradição, a começar pela sua
disputa de interesses entre capitalistas e trabalhadores indica qual classe está em uma situação
salário. Aparentemente, os ganhos dos capitalistas são obtidos após a venda das mercadorias,
divisão dos ganhos. Vale dizer que o maior lucro capitalista implica um menor salário para o
trabalhador e vice-versa. Isso faz surgir embate entre as classes sociais já que o capitalista está
sempre motivado a lucrar mais, assim como o trabalhador procura salário maior que o atual. O
debate, por que não dizer o embate, sobre como devem ser divididos lucros e salários põe, de
Os capitalistas alegam que precisam de lucros cada vez maiores, pois somente assim
contratando trabalhadores. Os integrantes dessa classe entendem que os salários não podem
ser aumentados a taxas muito elevadas devido à concorrência intercapitalistas. Sendo assim, o
capitalista que mantiver seus custos de produção menores terá vantagens no mercado.
alimentos básicos, a lógica da racionalidade econômica faz com que os salários pagos sirvam
trabalho, é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade ou pela quantidade
família. O aumento nos salários não proporciona os resultados esperados pelos trabalhadores,
uma vez que leva a aumentos dos preços dos bens de primeira necessidade, consumidos pelos
trabalhadores:
aumento dos salários faz com que os produtores dos bens de primeira necessidade reajustem
seus preços na mesma magnitude. Na prática, havia um repasse de custos nos preços finais
dos produtos. Contudo essa alegação capitalista não tinha sentido, pois conforme o autor, uma
alta geral da taxa de salários de fato leva a uma diminuição na taxa de lucro, entretanto, não
Outra justificativa dos capitalistas para que não houvesse aumentos nos salários, a
desemprego que esse aumento podia gerar nos setores onde os salários estivessem acima do
investimentos para outras atividades, já que parte dos lucros eram desviados para pagamento
dispostos a migrar para outros setores mesmo ganhando menos, o que trazia os salários ao
nível inicial.
trabalhadores. Marx percebeu, com extrema habilidade, que havia algo oculto na justificativa
essência dessa justificativa, ficou evidente para o autor quando desvendou que o trabalhador
vendia sua força-de-trabalho ao capitalista e não a realização fruto do seu trabalho. Assim, o
Com base nisso, Marx chegou à verdadeira origem do lucro capitalista, qual seja a
parte do trabalho realizado pelo trabalhador e não pago pelo capitalista, o sobre-trabalho,
denominado por ele de mais-valia. Implícita ao fenômeno das relações que permeiam a
capitalistas, recebendo por isso um salário que deve ser o necessário à sua sobrevivência.
de salários, sendo a diferença apropriada pelo capitalista. Diante disso, para MARX
que o operário tem que trabalhar para reproduzir o valor da força-de-trabalho e o sobre-
esforços para aumentar a produtividade do trabalho dos contratados pois quanto maior for a
alheio seja apenas intuitivo dado que os capitalistas não se apercebem deste fato.
no aumento da quantidade de horas trabalhadas, fazendo aumentar a produção sem que haja a
constantes.
Para que a ampliação da mais-valia absoluta e relativa seja obtida com sucesso, os
capitalistas procuram investir na melhoria das máquinas e equipamentos, bem como tratam de
dividir o processo de trabalho no maior número de tarefas possíveis para que o trabalhador se
especialize, cada vez mais, em uma atividade específica. Essas ações aumentam a
produtiva do executor. Em síntese, o capitalismo com sua avareza pelo lucro, se apropria do
buscaremos, a partir de agora adentrar, ainda que de maneira embrionária, algumas teorias
É certo que, desde os primórdios até hoje, o sistema econômico capitalista vem
essência, a acumulação de capital sob a forma de lucro. ´No entanto, breve resgate histórico
aos “30 anos gloriosos”, compreendidos entre os anos de 1945 a 1975, demonstra que o
capitalismo conheceu, naquele momento, uma fase de menor ímpeto. Condicionantes político-
econômicos como o Welfare State, embalados pela teoria keynesiana, geravam, nos países que
adotaram essas políticas, uma situação que tendia ao que Keynes 19 definiu como pleno
emprego.
A segunda metade dos anos de 1940 do século passado, marcada por um período de
enterrá-lo durante a tarde, o autor vislumbrava que era através dos gastos do Estado com
grandes obras públicas que a renda nacional seria distribuída entre os agentes econômicos.
jamais vistos na história do mundo capitalista. Privilégios como jornada de trabalho definida,
pagamento de horas extras e sensível melhoria nas condições de trabalho dos operários fabris
são exemplos dos ganhos obtidos pelos trabalhadores no período. Em síntese, ao menos nos
valia..
década de 1940 prezava pela geração de empregos, estatização dos setores estratégicos como
a extração do petróleo e a produção de energia, além das garantias trabalhistas, com a criação
primeiros anos da ditadura militar, década de 1960, período conhecido como o Milagre
Brasileiro.
Contudo, o ciclo dos trinta anos gloriosos começa a ruir. Os Governos atolados em
19
John Maynard Keynes, renomado economista inglês da primeira metade do século XX. No período pós crise de 1929 e
mais intensivamente no pós segunda grande guerra, vários países adotaram o receituário keynesiano como forma de vigorar
suas economias. Para saber mais sobre a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, ver KEYNES (1996).
58
rearranjos, de tal forma que a segunda metade da década de 1970 pôde ser considerada um
marco.
e a implantação, nos países ricos, e imposição aos países pobres, das políticas neoliberais 20,
mundo que, a partir daquele momento, uma nova ordem política se estabelecia. A intervenção
mobilidade do capital atestam que a disputa entre as classes, capital e trabalho está
acadêmico e fora dele, sobre as novas nuanças do capitalismo. Uma das discussões mais
instigantes, travadas entre cientistas das mais diversas áreas de conhecimento, nesse início de
século, diz respeito à temática relativa à questão do desemprego. Cada teoria, fazendo uso do
proposta, para efeito do nosso trabalho científico, damos um olhar economicista por entender
20
A literatura a cerca da gênese das políticas neoliberais em todo o mundo é vasta e diversificada. Sugerimos uma leitura
apurada aos escritos de ANTUNES (1999) e TAVARES & FIORI (1997).
59
Reportando à Ciência Econômica, identificamos duas teorias que explicam a
avanço tecnológico como fator determinante das mudanças do trabalho. Dessa forma, uma
trabalho humano está sendo fortemente substituído pelo trabalho das máquinas.
sustenta que a crise, no mundo do trabalho, está intimamente ligada à relação de exploração
do trabalho pelo capital. Não refutando o referencial marxiano de que o desenvolvimento das
quantidade do trabalho morto das máquinas, os críticos entendem que a propalada crise
implica novas práticas encontradas pelo capital, com o fito de realizar o objetivo principal, a
Por mais paradoxal que possa parecer, existe, entre as duas teorias, um ponto de
Diante disso, cabe a nós realizar o árduo exercício de discutir as considerações formuladas
ritmo crescente, pelo trabalho das máquinas, desencadeando dois fatores: o aumento da
de produção.
60
A dicotomia é interpretada por alguns teóricos como prenúncio do fim dos empregos.
Autores como MESZAROS (1996), RIFKIN (1995) e HABERMAS (1975), dentre outros,
caminha para se tornar em sociedade do não trabalho. Esses autores argumentam que, com o
sociedade contemporânea, é visto como contínuo e inexorável, explicado por dois motivos
racional. Com base nisso, há uma tendência natural para que o homem desenvolva novas
pode ser comprovado quando se compara a tecnologia utilizada pelo homem, no período em
que vivia nas cavernas, com a disponível no final do século XX. Embora simplista, o exemplo
atividade econômica capitalista caracteriza-se, dentre outros fatores, pela concorrência entre
estratégias, entre elas a absorção de novas tecnologias. Assim, as grandes indústrias estão na
a racionalização da produção.
produção capitalista entende que esse movimento ocorre de maneira uniforme em todo o
planeta, sendo impossível negar tal constatação. Para RIFKIN (1995), o mundo está entrando
em nova fase de sua história, na qual cada vez menos trabalhadores são necessários para
61
produzir bens e serviços demandados pela população global, não lhes restando outra
alternativa senão as filas do desemprego, fato que o autor interpreta como exílio ao emprego.
Esse movimento, para ele, ocorre em escala mundial, haja vista que:
modernização do parque industrial, o que vem contribuindo para a elevação das taxas de
desemprego. Esse fato remete para a racionalidade econômica do mercado, que busca alocar,
da maneira mais eficiente possível, os fatores de produção, capital e trabalho, a fim de obter
maiores lucros.
esfera econômica, por exemplo, o autor observa que a produção da riqueza social tornou-se
industrial.
OFFE (1989) argumenta que já no início da década de 1980, não parecia irrealístico
antecipar, para o futuro previsível, uma redução drástica do potencial de absorção no mercado
de trabalho em todo o mundo, devido à evolução tecnológica produtiva. Para o autor, a crise
62
do mundo do trabalho é, na verdade, a conseqüência de uma sociedade caracterizada pelo
riqueza desvincula-se, cada vez mais, do uso da força de trabalho humano, devido à revolução
Porém o que diferencia as crises anteriores da atual é que, antes, havia o mecanismo de
reduzia-se o dispêndio da força de trabalho por produto, ao passo que a produção crescia em
domínio do trabalho morto, o trabalho realizado pelas máquinas, sobre o trabalho vivo, feito
pelo homem.
Na prática, vale dizer que o desenvolvimento tecnológico fez com que o trabalho
fosse racionalizado mais do que a capacidade de ser reabsorvido pela expansão do mercado.
21
Disponibilizado no sítio eletrônico http://www.terravista.pt/IlhadoMel/1540/manifesto_contra_trabalho.htm, Acesso em
15/06/2003.
63
Dessa forma, na lógica de racionalização, a robótica substitui a energia humana, ou as novas
trabalhador que não consegue vender sua força de trabalho para o aterro sanitário social.
precariedade do trabalho de alguns estratos sociais definidos como excluídos. Para o autor, “o
(1996:95) salienta que essa forma de produção tem feito com que “sob tais circunstâncias,
uma proporção cada vez maior de trabalho vivo se torne força de trabalho supérflua do
ponto de vista do capital”. Esse fenômeno, o autor interpreta como sendo indício da
O fato de esses autores utilizarem termos como trabalho supérfluo, lixo industrial e
aterro sanitário social é indicativo de que, na concepção desses teóricos, o trabalho perde
vigor na sociedade atual. Para o bem ou para o mal, presenciamos a tentativa de reprodução
condicionado à relação do trabalho vivo com o trabalho morto está sendo refutado, para os
porque as empresas buscam profissionais qualificados para ocupar postos de trabalho, o que
implica dizer que são esses funcionários que mais rapidamente dão retorno lucrativo à
contratante.
afirma que os investimentos estão sendo alocados menos em locais que possuem recursos
desqualificados, não lhes resta outra alternativa senão migrar para as atividades informais, que
requerem menor qualificação profissional. Há, ainda, o fato de muitos destes trabalhadores
subsistência.
(1999), ARRAIS NETO (1999), MELLO (1997) e CHESNAIS (1996), dentre outros, a crise
65
do emprego que assola o mundo não pode ser explicada apenas pelo incremento da
tecnologia, menos ainda pela falta de qualificação profissional dos trabalhadores. Para esses
avanços tecnológicos, não se qualificando de maneira eficaz para ocupar os novos postos de
trabalho que têm surgido, ao que indica, constitui-se em análise parcial e equivocada.
disso são as várias facetas assumidas pelo capital, nos diversos lugares do planeta, sobretudo a
período dos trinta anos gloriosos, o capitalismo keynesiano usava o estado como maior
elevado déficit das contas públicas fez com que os agentes econômicos: banqueiros e grandes
capitalismo reuniu condições para seu fortalecimento no interior dos países, promovendo o
discurso neoliberal alegava que o objetivo central desse processo tencionava o aprimoramento
da produção industrial. Impulsionado por melhores condições estruturais, bem como pelo
elevado nível de qualificação profissional dos trabalhadores, o uso das novas tecnologias
além de colocar toda a infraestrutura de base tecnológica à disposição dos investidores. Uma
vez minimizadas as barreiras que dificultavam a entrada dos investimentos externos, os países
estavam aptos a receber o capital internacional, denominado por TAVARES & FIORI (1997),
taylorista-fordista não mais se sustentava. O argumento usado era que a produção realizada
nos molde do antigo modelo de produção implicava irracionalidade econômica, pois com ele
22
Ver HEILBRONER (1996).
67
não se conseguiria extrair a produtividade ótima dos fatores de produção: capital, trabalho e
tecnologia.
estruturas da base produtiva vigente. Nesse sentido, surgem conceitos como empregabilidade,
polivalência técnica exigidas pelo mercado de trabalho tem menos dificuldade de conseguir
emprego, até porque as competências adquiridas, ao longo dos anos, fazem o trabalhador
qualificado útil para o capital. Entretanto outras variáveis devem ser levadas em consideração
final dos anos de 1980, com a ascensão das políticas neoliberais, POCHMANN (2001) acena
década de 1990, houve maior demanda por empregos em atividades consideradas informais
em setores econômicos menos favorecidos. A estatística subsidia o autor para afirmar que a
em forma de ciência e tecnologia na produção, como previsto por Marx nos Grundrisse, não
só gera desemprego estrutural como a extrema precariedade do trabalho. Nos países pobres,
existem indústrias que utilizam trabalho humano intensivo. Nessas áreas, trabalho precário
68
convive com trabalho informal, trabalhadores de altíssima qualificação profissional
discurso da flexibilização do trabalho, já que, no plano da ação, tais modelos industriais que
visam à melhoria das condições de trabalho não são aplicados paralelamente e de forma
contínua em todo o mundo. O que se têm são algumas partes do mundo, majoritariamente nos
países ricos, a atividade industrial realizada com o uso de modernos modelos de produção. E
mais ainda, mesmo no interior das indústrias, existe a combinação de vários modelos,
críticos, é o fato de, em algumas regiões do mundo, o custo da mão-de-obra ser tão baixo a
produção, como no início do século XX. Em áreas mais atrasadas da América Latina, África e
Ásia Menor, é possível identificar ainda produção industrial realizada com trabalho manual.
realizados não mais nos moldes da legislação vigente, mas conforme a necessidade e a
como mais uma forma de retenção do lucro capitalista através da expropriação do trabalho
não pago.
ARRAIS NETO (1999), debatendo os processos educativos para uma sociedade que,
trabalho, aumentando a produtividade por meio do que ficou conhecido como produção
flexível:
Tais especulações teóricas fazem supor que o discurso neoliberal não condiz com a
fosso entre alguns setores mais privilegiados e a maioria da população mundial. Com o
capital, impondo, aos países, sobretudo aos periféricos, a abertura irrestrita de suas
economias, com o intuito de acelerar o fluxo migratório dos investimentos capitalistas dos
periféricos para obterem vantagem sob três aspectos: mercado consumidor de bens dos países
centrais, abundância de recursos naturais ainda existentes nesses países e o baixo preço da
mão-de-obra, este último favorecido pela desregulamentação trabalhista. Não restam dúvidas
CARVALHO (2001), dão conta de que três bilhões de pessoas, no mundo, estão
Uma breve avaliação da economia mundial, nos anos de 1990, não deixa dúvidas de
que, para o capitalismo, não importa qual a forma de produção a ser implementada, desde que
seja a mais rentável, visto que o lucro é determinado através da expropriação do trabalho não
pago, conforme explicitado por MARX (1996), já no século XIX. O vigor das transformações
atuais sugere que a melhor maneira de organização produtiva parece ser a combinação de
melhor forma de produção. Interessa sim efetivar os elementos que proporcionem o maior
então a tecnologia de ponta é intensivamente utilizada. Por outro lado, se o uso das velhas
peças são minuciosamente estudadas, antes de postas ao lado das demais. A novidade no
quebra cabeça está no fato de que a imagem a ser formada através da justaposição das peças
poderá ser modificada, desde que o jogador, o investidor capitalista, assim o deseje.
que é o capitalismo.
trabalho: “(...) os trabalhadores informais poderiam ser enquadrados como parciais por
fazerem parte de uma atividade industrial, porém sem nenhum vínculo empregatício. São
indicam que, a partir do censo do ano de 2000, 20% da população ocupada no Brasil, ou seja,
12,4 milhões de trabalhadores não têm carteira assinada. São pessoas sem direito à
Integração Social (PIS) e outros benefícios como férias, 13º salário e o Fundo de Garantia por
INSS.
décadas, sugere muito mais uma visão apocalíptica dos fatos do que uma análise concisa da
72
atual crise do desemprego que assola o mundo. O cerne da discussão não deve repousar no
existência.
crise. Ela não tem afetado, por enquanto, a lucratividade dos grandes conglomerados
extraordinárias23. As condições ótimas criadas pelo capital para sua reprodução podem até
Para a classe trabalhadora, o que antes era motivo de luta da causa operária, a
expropriação do seu trabalho pelo capital torna-se algo vital para sua reprodução enquanto
transformação de uma sociedade excludente para uma mais justa, atualmente os debates
tecnológico.
POCHMANN (2001) admite que a crise do emprego não se deve apenas ao problema de
escassez de postos de trabalho, mas também ao problema de falta de renda, que faz com que
segmentos sociais adicionais sejam remetidos ao mercado de trabalho, quando deviam estar
fora dele.
23
Em publicação intitulada “O planeta pede socorro”, Revista Veja de 21/08/2002 aponta como um dos fatores para a
poluição ambiental a extrema concentração de renda, citando como exemplo o fato das três pessoas mais ricas possuírem uma
riqueza equivalente ao PIB dos 48 países mais pobre do mundo.
73
A leitura da realidade apoiada no referencial teórico marxiano indica que a
capitalismo vai, por suas próprias forças, ruir. Se a especulação teórica irá se confirmar é algo
maneira cada vez mais visível entre ricos e pobres, o que gera convulsões sociais próximas ao
internacional. Deixemos a tarefa para outra oportunidade. Por ora, cabe analisar a situação do
qualificação profissional, resultam, dentre outros fatores, da forma como o Brasil foi inserido
Nos anos de 1990, a estratégia utilizada para maquiar o processo de exclusão, a que
estão sendo submetidos milhares de pessoas do mercado de trabalho, é através das exigências
quanto maior for sua qualificação, o que requer, além da formação específica, a capacidade de
Internacional do Trabalho (DIT). Segundo POCHMANN (2001), a atual DIT está dividida da
seguinte maneira: nos países centrais residem as cadeias produtivas de maior importância,
vinculadas aos processos de concepção do produto. Nos países pobres ocorre o movimento de
com repercussões nas condições de trabalho atual. Dados divulgados por pesquisa realizada
pelo IBGE25 (2003) mostram que, nas seis macrorregiões metropolitanas do país (São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre), do total de brasileiros que
transbordamento das políticas neoliberais, porque o capital, uma vez fortalecido amplia a
24
Ver FURTADO (1980).
25
Dados extraídos do sítio eletrônico: <http://www.folha.uol.com.br/folha> Acesso em 05/07/2003.
75
repartição e a destinação social da riqueza. Desse modo, a economia financeira atua como
1990 chama atenção para o fato de que a política econômica neoliberal, baseada no tripé
produtiva. A seguir, o autor comenta os efeitos nefastos da política neoliberal para o mercado
de trabalho brasileiro:
resíduos do lixo realizada pelos trabalhadores que não conseguem colocação no mercado de
da década de 1990.
Nas últimas décadas, tem merecido destaque observar a ferocidade com que o
sistema capitalista cria as condições necessárias para sua reprodução. No âmbito financeiro, o
jamais vista na história26. O capital virtual, como é chamada essa modalidade de capital,
conseguem influenciar as políticas internas dos países da periferia do sistema, a tal ponto de
condicionar o crescimento econômico desses países aos interesses imediatos e/ou de longo
prazo. Vale dizer que esses países se desenvolvem ao ritmo ditado pelos conglomerados
empresas para se manter no poder, tendo que executar, em troca de colaboração, políticas que
contexto internacional.
pelo neoliberalismo do final dos anos de 1980, são fatores que contribuem para alavancar o
26
Para uma compreensão mais apropriada da ação do capital especulativo sobre as economias nacionais na atual conjuntura
internacional, ver TAVARES & FIORI (1997) e CHESNAIS (1996).
77
distanciamento de rendimentos entre ricos e pobres em todo o mundo. Para BORON (1999), a
reestruturação capitalista, iniciada em finais dos anos de 1970, com o fortalecimento das
(...) Em 1960, os 20% mais ricos da população mundial tinham uma renda
30 vezes superior aos 20% mais pobres. (...) no ano de 1990, se pôde
verificar que, apesar de todos os programas de ajuda, as disparidades de
renda duplicaram – a renda dos 20% mais ricos da população passou a ser
59 vezes maior que a dos 20% mais pobres. (p.31)
capital corroboraram para o empobrecimento crítico ao qual está sendo submetida a maioria
Européia relatam a existência de, pelo menos, 50 milhões de pobres nos países que compõem
a zona do euro, no início da década de 1990. Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais
grave, haja vista que, no mesmo período, cerca de 35 milhões de pessoas vivem abaixo da
linha de pobreza. O autor comenta ainda que se estimava entre 130 e 196 milhões de pessoas
Como podemos perceber, se, para a população dos países desenvolvidos, os estragos
proporcionados pelas políticas neoliberais foram nefastos, para os países latinos, o efeito
dessas políticas foi ainda mais nocivo. Segundo CANO (1995), a década perdida, como
ficaram conhecidos os anos de 1980, em virtude dos baixos indicadores socioeconômicos dos
países pobres, apresentou deplorável redução média anual de 1,9% no Produto Interno Bruto
(PIB) por habitante, na América Latina, com o Brasil apresentando cifra próxima a zero e a
cerca de três bilhões de pessoas, vive na pobreza extrema, com renda inferior a US$ 2 dólares
por dia. O relatório indica também que a pobreza não está restrita ao mundo em
desenvolvimento, haja vista que mais de 10% da população dos 20 países mais
industrializados aufere rendimentos inferiores a metade do salário médio desses países. Ainda
As estatísticas são preocupantes pois indicam que o fosso entre ricos e pobres está se
alargando em dimensão e intensidade. Todavia, o que pode ser considerado ainda mais grave
maneira cada vez mais acentuada. Diferentemente do que ocorreu no período compreendido
entre pós-segunda guerra até meados dos anos de 1970, com a tendência à minimização das
desigualdades nos países centrais e relativa melhora das desigualdades sócioeconômicas, nos
sociedade atual se depara com a emergência dos inimpregáveis pelo sistema econômico do
mundo globalizado, que deixam de ser um fenômeno apenas dos países mais pobres, agora
transformações do mundo do trabalho dos países centrais, com repercussões no interior dos
jovens e dos trabalhadores considerados velhos pelo capital. Dessa forma, ampliam-se os
27
Dados extraídos do sítio eletrônico: <http://about.reuters.com/brazil>; Acesso em 06/06/2003.
79
contingentes do chamado trabalho informal, além de aumentar o vasto exército industrial de
reserva.
passa a ser supérfluo28 para o processo produtivo. Óbvio que a superfluidade do trabalho não
ocorre de maneira linear em todo o mundo, entretanto as estatísticas apontam que, em alguns
Diante desse quadro, se, para os trabalhadores que estão empregados, o presente é
incerto e o futuro é insano, o que devem esperar os trabalhadores sem emprego? Sem
básicos, tais como vínculo empregatício, pagamento de férias e seguridade social, etc, sendo
informais é composta, nas palavras de IANNI (1997:67): “(...) por trabalhadores que
compõem a subclasse, uma categoria de sujeitos, membros das mais diversas etnias e
empobrecimento da população mundial não se restringe à mera questão econômica, tal qual
fizemos. Uma reflexão mais aprofundada deve levar em consideração aspectos mais gerais,
80
como os distúrbios sociais ocasionados pelos desequilíbrios na distribuição da riqueza
produzida. Por ora, vale fazermos o recorte teórico evidenciando a categoria econômica para
Relacionada a situação de pobreza vivida pela nação, onde a atividade da coleta dos
resíduos sólidos do lixo existiu, as economias locais passavam por período de recessão.
produção em abundância.
venda dos materiais recicláveis, uma forma de sobrevivência. A atividade da catação está
associada à exclusão social de parcela significativa da sociedade que não consegue emprego
pública:
28
Embora seja uma literatura jornalística, a obra desenvolvida por FORRESTER (1997) tece comentários significativos no
que tange a superfluidade do trabalho.
81
NASCIMENTO (2000) faz ressalva para os conceitos de exclusão e pobreza, já que,
em alguns momentos da história da humanidade, não houve qualquer relação entre os dois
paradoxo no que tange à situação do catador na escala societal. Se, por um lado, o catador está
específicas; por outro, está excluído por não ter acesso aos bens materiais e simbólicos
modernos.
casos, até mesmo familiar, os catadores aparecem nas estatísticas oficiais apenas como
projeção. A clandestinidade das estatísticas faz com que os catadores de materiais recicláveis
passem quase despercebidos pela sociedade. No mundo atual, essas pessoas perderam a
identidade inicial e continuam assim por também não se inserirem na nova sociedade.
deparam com a cidade, ambiente hostil à sua existência. BURSZTYN & ARAÚJO (1997), ao
constituintes da sociedade formal mantêm relação conflituosa com esses sujeitos. Para
pessoas que ficaram desempregadas, nos últimos seis anos, em geral, possuem pouca
fato de o país conviver, há mais de duas décadas, com uma situação de extrema recessão
econômica, com índices de crescimento inferior aos de décadas anteriores. Essa constatação,
ainda das políticas de desenvolvimento nacionais centradas apenas nas zonas mais
melhoria da infra-estrutura urbana, nos centros de médio e de grande porte brasileiros, atuam
como força centrífuga, empurrando a miséria para a periferia e cidades menores. Por outro
lado, a precariedade das condições de vida, na periferia, juntamente com as também precárias
perspectivas nas zonas rurais, age como força centrípeta, atraindo a população miserável para
29
Termo usado por BUARQUE (1997) para definir as pessoas que vivem nas ruas sobrevivendo da catação.
30
Matéria divulgada no Jornal Folha de São Paulo de 20/07/2003, com o título: Título: Miséria Reciclada: Desemprego
impulsiona corrida da sucata. Caderno de Economia e Negócios, pág. B-6.
83
Em grande medida, o confronto entre as forças centrífugas e centrípetas,
num contexto de estrangulamento do mercado de trabalho, explica a
existência de um crescente contingente de moradores de rua e de populações
perambulantes. (op. cit. 49)
Desempregados e sem ter o que fazer nas ruas das cidades, esses perambulantes
materiais recicláveis:
Assim, a catação dos resíduos sólidos se insere no rol das ocupações informais. A
atividade do catador consiste em perambular diariamente pelas ruas, puxando uma carroça
com o material reciclável coletado. Outra modalidade de catador são os que catam nos lixões
públicos, restringindo-se à coleta dos materiais despejados na área específica. Atentemos para
o fato de que essa divisão não é estanque, ou seja, um catador de rua também o faz nos lixões,
assim como o catador do lixão pode vir a catar na rua. Em ambos os caso, a escolha do local
e relativa formulados por MARX (1996), Meszaros afirma que essas atividades informais são
84
a expressão mais nefasta da reprodução do capital através da expropriação do trabalho não
pago.
precariedade do trabalho do catador faz com que o contato com o lixo seja direto, estando
propenso a doenças relacionadas ao lixo, além de possíveis cortes com o manejo dos materiais
coletados.
organização do trabalho. No mundo do trabalho dos catadores existe uma espécie de parceria
feita com o dono do depósito, que compra o material coletado. O deposeiro cede ao catador a
carroça de coleta e, em troca, o catador somente pode vender os materiais recicláveis. Neste
caso, embora o catador esteja trabalhando para o dono do depósito, este se isenta de qualquer
responsabilidade no tocante à forma como o trabalho está sendo realizado. Também não há
comprometimento por parte do deposeiro quanto aos possíveis riscos que venha sofrer o
pelo catador. O fato de a renda ser proveniente diretamente da sua produção faz com que o
esforço para atingir elevada produtividade no trabalho seja altíssimo. Neste caso, a mais-valia
absoluta e relativa se faz presente, dado que o catador visando auferir maior renda, está
motivado a trabalhar maior quantidade de horas possíveis, a um ritmo intenso. Todavia, dadas
melhoria da atividade da catação e à condição do catador, não têm sido eficazes e/ou
legalmente, que o Governo conceda aos catadores os mesmos direitos trabalhistas cedidos aos
importância perante a sociedade, por desenvolverem uma atividade que resulta na melhoria da
qualidade de vida das pessoas, através da catação de resíduos que teriam como destino final
os lixões das cidades. Sendo assim, exigem inserção nas discussões em torno da política
destaque para o desejo dos catadores em almejar inserção no seio da sociedade, por se
(2003:72) quando comenta que a ausência do Estado, nas questões relativas à reciclagem,
exemplo, no mercado ligado à reciclagem, onde os catadores usualmente não contam com o
trabalho, o Governo brasileiro tem promovido políticas remediativas, tais como programas de
31
Em um outro momento, pretendemos investigar as diversas organizações do trabalho do catador que está inserido na cadeia
produtiva da indústria da reciclagem.
86
qualificação e re-qualificação profissional. Em relação aos profissionais da reciclagem, há
particular interesse por parte das Prefeituras em apoiar iniciativas de formação de associações
e cooperativas de catadores.
gestores públicos, não se apercebem de que estão defendendo uma modalidade de ocupação
que os catadores deixem de ser clandestinos, o trabalho com os resíduos do lixo não os liberta
do estigma de ser uma população que sobrevive dos despojos da cidade. De maneira contrária
ao que almejam os catadores, não é através da legalização da atividade da coleta que eles
passam a ser aceitos por uma sociedade, que o simbolismo do consumo desmedido domina o
como muletas para o problema do desemprego, criando demanda ainda maior para a catação
desenvolvidas por POCHMANN (2001). Para o autor, uma das maneiras de se aliviar a
economia, através dos pequenos negócios. Por fim, o autor diz que o estágio de bem-estar
BURSZTYN & ARAÚJO (1997) afirmam que a solução do problema deve passar,
estão direcionadas para sua formalidade, com os catadores possuindo os mesmos direitos
trabalhista, é provável que haja melhoria nas condições de trabalho desses profissionais.
fazemos referência a BURSZTYN & ARAÚJO (1997), por pensarmos não estar, no
entendimento, existem questões que estão para além da formalidade trabalhista, que podiam
ser trabalhadas com o objetivo de tornar a convivência social mais justa. Contudo trabalhar
sempre um passo para a compreensão do espaço universal, esta dissertação assume o caráter
qualitativo do tipo estudo de caso. Conforme LUDKE & ANDRÉ (1986), a pesquisa
qualitativa tem, como características principais, a prioridade para estudo dos fenômenos
sociais, a coleta de dados e a análise dos fatos no contexto de origem, a interação entre
cidade de Natal. Com base nos objetivos previamente propostos, definimos dois
devíamos necessariamente ter a autorização daquele órgão para iniciar a pesquisa. Pensamos
ser justo ressaltar a prontidão com que fomos atendidos por funcionários e pelo diretor
realização da pesquisa. Algumas vezes fomos agraciados com transporte até o aterro, no
bairro de Cidade Nova, local de difícil o acesso, o que facilitou bastante nossas incursões ao
local.
89
Inicialmente, causou-nos certo incômodo ter que adentrarmos novamente o universo
próxima da indicada por BOGDAM & BIKLEN (1994) aos investigadores que se aventuram
ao campo:
pesquisas anteriores, dado que, mesmo com as dificuldades que, sabíamos de antemão, que
íamos enfrentar no campo, sentimo-nos à vontade para fazer as abordagens iniciais com os
humano, a observação implica contato direto com o mundo real que está à volta. Quando
utilizamos essa técnica para fins científicos, a observação deve seguir critérios que, para
parque de triagem de resíduos sólidos, assim como a atividade da catação em cima do lixo, o
aspecto mais relevante do instrumento de coleta de dados para a nossa pesquisa se refere à
2003.
cotidiano desses sujeitos, tanto que, já nas primeiras visitas ao campo, percebíamos a
FIGUEIREDO (2000) e o que se estabelecera até o momento em que estávamos fazendo esta
pesquisa. Com isso, entendemos que podíamos evitar possíveis erros nos resultados, devido à
Montamos também, nesses roteiros, questões específicas para cada categoria de sujeito
selecionado.
erradicação do lixão de Natal; o cadastro dos catadores do lixão feito pela URBANA em
URBANA por ser empresa encarregada da limpeza pública em Natal. Outro motivo foi o fato
de a Companhia ter sido responsável por diversas ações do projeto de erradicação do lixão.
Para a escolha dos sujeitos, utilizamos como critério seu envolvimento com os
por esse técnico, haja vista ter participado de todas as quatro intervenções anteriores
contratado. Embora não fizesse parte do quadro efetivo da URBANA, esse técnico em meio
ambiente possui a função específica de discutir, com os catadores da área do aterro, as ações
discutir questões internas da URBANA, o que enriqueceu a análise posterior dos dados. Ao
catadores avulsos pois todos os associados catavam materiais recicláveis na área de despejo
final do lixo. Embora associados, a prática da coleta dos resíduos individual ou em grupos
familiares sugere que esses sujeitos ainda não se apercebem da convivência associativa.
93
Dessa forma, pensamos ter contemplado as duas categorias de catadores da área do
representante da ASTRAS.
responder a todas as questões. Também foram bastante proveitosos os aspectos citados pelos
meses;
setembro de 2003;
pesquisa. Os períodos de realização das tarefas seguiram as demandas exigidas pelo estudo,
campo realizada no mês de setembro de 2003, no aterro público da cidade de Natal. Para a
Outrossim, tencionamos nesse momento fazer a interpretação dos dados contidos nas
respostas que foram cedidas pelos representantes das três entidades selecionadas:
social, rivalidade e dialética que podiam ser trabalhados de tal forma a se constituir em
interpretação das nossas análises, não consideramos pertinente fazer-lhes uma incursão
categorial pelo fato de que se assim o fizéssemos, deveríamos enveredar por especulações
teóricas a que não nos sentimos apto, até o momento. Salientamos, porém, que não
descartamos tais elementos, haja vista que, em um momento posterior, podiam ser utilizados
convenientemente.
Partindo dos estudos realizados por IDEMA (2001) e FIGUEIREDO (2000), tecemos
comentários sobre alguns resultados obtidos no momento. Vale ressaltar que optamos por
catadores associados pela ASCAMAR, e outro contendo os catadores avulsos, não associados.
Há no lixão uma divisão de território feita pelos próprios catadores que delimita a posse do
A divisão territorial deve ser respeitada de tal modo que, quando o caminhão despeja
o lixo na grande área a céu aberto, nenhum catador associado pode ter acesso, pois esse lixo
pertence aos catadores avulsos. Do mesmo modo, se o caminhão despejar o lixo na usina de
triagem, todo o material passa a pertencer à ASCAMAR, sem que os avulsos tenham acesso a
esse material.
O aterro controlado está dividido em três partes, em uma delas são dispostos os
resíduos da coleta residencial, bem como de áreas comuns da cidade – feiras livres, praças,
praias, etc. Na outra parte do aterro, existe uma vala onde são despejados os resíduos das
unidades hospitalares, juntamente com corpos de animais mortos provenientes dos canis
públicos da cidade.
triagem de materiais recicláveis contendo uma usina de triagem, com capacidade para
selecionar até 60 toneladas/dia, baias para separação de materiais, um galpão para o enfardo
Convém lembrar que alguns dos equipamentos do parque de triagem foram adquiridos ao
longo do tempo.
que viabilizou a instalação do parque de triagem, foi relatado que o objetivo da iniciativa era
triagem, reduzem de volume que vai para a área de despejo a céu aberto pois quantidades
falando, a venda dos resíduos é uma fonte de geração de ocupação e renda em potencial para
projeto foi pouco eficaz já que, após quinze anos da implantação, não houve em Natal, uma
mobilização consistente junto à sociedade quanto a problemática do lixo, riscos, bem como a
URBANA implanta um projeto de coleta seletiva em Natal para que os resíduos viessem
separados já da coleta, o que facilitava a triagem dos materiais pelos catadores, aumentando
catadores que visa criar condições de sobrevivência para os associados, através da prática de
associação doando parte do lixo coletado nos bairros, além de criar projetos como o do ano de
usina de triagem de resíduos sólidos. A usina consiste em uma esteira rolante que vai
passando com o material, sendo despejado em uma das extremidades pelo caminhão que traz
metais diversos e plásticos. Os vidros são vendidos na forma original, uma vez que não é
algumas deficiências técnicas que dificultam a produtividade da usina. Uma delas é a baixa
aproximadamente 1,5 mil toneladas/dia. Outra deficiência apontada são as constantes quebras
do equipamento, fato que, juntamente com a demora por parte da URBANA para fazer os
a quantidade de material disponível à venda por já vir separado na coleta. A maior quantidade
de material vendido resulta em aumento nos rendimentos dos catadores. De acordo com
entre meio e dois salários mínimos por mês, bem abaixo do rendimento do catador avulso.
Por fim, no que se refere à segurança e higiene, foi observado por IDEMA (2001) e
FIGUEIREDO (op. cit.) que os catadores associados realizam seu trabalho com equipamentos
condições de uso. Tal fato leva risco à integridade física, pois a probabilidade de acidentes no
99
trabalho se eleva tendo em vista que o indivíduo mantém contato direto com os equipamentos.
Outro risco diz respeito à saúde humana devido ao altíssimo grau de insalubridade a que são
Os avulsos são uma categoria de catadores que realizam atividades dentro do lixão,
dos associados, os avulsos não gozam de quaisquer privilégios por parte da Prefeitura no que
tange à melhoria da qualidade de vida. O único benefício concedido é o acesso à área do lixão
para que possam disputar o sustento com cães, gatos, porcos, urubus, jumentos e bovinos no
local. Esses animais domésticos pertencem aos próprios catadores e a alguns residentes
próximos da área do lixão que os levam para que se alimentem dos resíduos.
separação dos materiais é feita com o auxilio de um gancho de três pontas, que, não raro,
ocasiona acidentes devido as suas pontas bastante afiadas. Os avulsos quase sempre não
utilizam EPI’s, tão pouco EPC’s, mantendo assim contato direto com o lixo. Quando os
fazem, esses equipamentos são encontrados na própria catação, o que leva a crer que já
coleta avulsa, nesse caso, o volume de material coletado pertence à família. Foi observado
que, com a chegada do caminhão, existe uma espécie de rodízio de forma que os catadores
que estiverem mais próximos do último caminhão não se aproximam tanto do caminhão
seguinte, dando vez aos que não participaram da catação anterior. A cada novo caminhão, em
proveniente de supermercados e das feiras livres da cidade. Neste momento, impera a lei do
mais forte e do mais hábil no trato com os ganchos pois, nesses caminhões, há alimentos que
do lixão, tem se caracterizado por ser bastante masculinizada. Quando falamos de rodízio,
devemos levar em conta que apenas o homem participa, a mulher não tem vez. Ora a lei
silenciosa do mais forte que domina o mais fraco, ora a lei do rodízio na busca do melhor lixo
que impera naquele universo desconsideram a mulher, renegando-a a segundo plano. Com
efeito, às mulheres, não lhes restam alternativas, senão esperar que os homens usufruam a
primazia do primeiro contato com o lixo recém chegado, até se saciarem, e também torcer
para que passe despercebido dos primeiros donatários do lixo algum objeto de valor.
Os recicláveis coletados pelos catadores avulsos são separados por tipo de material e
enfardados manualmente. Após o enfardo, a grande maioria dos materiais são vendidos a
atravessadores que vão à área do despejo e compram a produção conjunta dos catadores. Cada
explicado fortemente pelos rendimentos auferidos com a venda de materiais recicláveis. Foi
apurado por FIGUEIREDO (2000) que os avulsos obtinham rendimentos médio mensal que
oscilavam entre 1,5 e 3 salários mínimos. Outro fator preponderante para o elevado número
Finalmente, enfatiza-se que uma das características peculiares dos catadores avulsos
são os diversos medos que sentem pelo fato de realizarem uma atividade concebida como
101
informal, não permitindo que sejam filmados e/ou fotografados proximamente. Evidenciamos
essa espécie de ostracismo social quando da realização das pesquisas de IDEMA (2001) e
FIGUEIREDO (2000). Na ocasião, a entrada na área de despejo do lixo somente foi possível
após a interpelação de um representante da ASCAMAR, que pediu aos catadores avulsos que
associados da ASCAMAR e avulsos, tem-se agora uma nova associação, a ASTRAS. Merece
ser comentada também a quantidade de pessoas que migraram para aquela atividade na área:
De aproximadamente 250 em 2001 para 466, sendo 64% homens e 36% mulheres conforme
que o fato de a atividade ser lucrativa para quem dela sobrevive era a causa imediata da
É uma atividade altamente lucrativa, onde você não tem patrão, chega na
hora que quer, trabalha do jeito que quer, no dia que quer, e é rentável né.
A média salarial, a média per capita de catadores dentro do lixão, pelo
menos há dois anos atrás, tava em R$ 200,00, hoje deve estar em torno de
102
R$ 250,00 a R$ 300,00 onde os catadores, os catadores fariam de R$ 150,00
até R$ 650,00 trabalhando por semana, de segunda a sexta lá no lixão.
percebemos que havia outros motivos que explicavam tal fenômeno. Nas entrevistas,
obtivemos relatos dos representantes da URBANA evidenciando que Natal foi uma das oito
abril/2004, algumas ações do projeto, como a coleta seletiva em bairros como Ponta Negra e a
voltar ao campo de estudo por entendermos ser irrelevante tal constatação para as análises que
estamos desenvolvendo, dado o objeto de estudo que nos propomos a investigar. Entendemos
que, se assim o fizéssemos, estávamos redirecionando nosso objeto de pesquisa, o que não
desejamos neste momento. Deste modo, expomos alguns tópicos da proposta de debate do
das áreas urbanas degradadas com o lançamento indiscriminado do lixo no meio ambiente. No
tocante à questão social, o projeto visa atuar no combate à fome das populações menos
atividade da catação. Essas práticas, uma vez realizadas de maneira organizada por
sumária dos lixões com posterior recuperação das áreas até então degradadas, com a
implementação de aterros sanitários. A medida visa ao controle racional do destino final dos
resíduos sólidos produzidos nas cidades. O outro pilar da proposta repousa na busca da
dos lixões:
elementos para que elas próprias desenvolvam as condições necessárias à sua reprodução, a
partir da atividade da coleta dos materiais recicláveis. Às Prefeituras, cabe o importante papel
preestabelecido.
dos lixões feito por órgãos do Governo Federal incorporou algumas ações de projeto que
havia sido anteriormente elaborado pelos técnicos da URBANA, em janeiro de 2003. Essas
peculiaridades referem-se basicamente às ações que são realizadas na área que atualmente
área do terreno, o projeto denominado Rabo de Fogo, para a produção de carvão vegetal,
sendo utilizada a madeira proveniente das podas de árvores. O local onde atualmente é
lançado o lixo, a céu aberto, passa por um processo de recuperação, com a impermeabilização
do solo para que o lençol freático não volte a ser contaminado pela infiltração do chorume
através das águas da chuva. No perímetro dessa área, é desenvolvida uma horta comunitária e
a compostagem32 do lixo orgânico, que serve de adubo para a plantação das hortaliças.
população dos bairros de Cidade Nova e adjacências. Tais áreas contam com campos de
futebol, pista de ciclismo, passeio público, quadras poliesportivas, além de salas que abrigam
atividades relacionadas às artes plásticas e cênicas, dentre outras. Também é montada uma
O passo mais importante desse projeto talvez seja a implementação da coleta seletiva
doméstico em seco (papel, papelão, latas, plásticos, etc) e o molhado (composto por materiais
orgânicos).
sujeito principal, faz-se imprescindível. As primeiras ações da URBANA junto aos catadores
cooperativas. Posteriormente, foi dada a qualificação específica dos catadores, que passaram a
agentes ambientais, com a função social de realizar o trabalho de coleta seletiva junto às
32
A compostagem é um processo biológico aeróbico, que utiliza o ar, controlado de tratamento e estabilização de resíduos
106
residências. Cada catador devia obrigatoriamente fazer uso de um crachá de identificação que
outros, a URBANA faz o revezamento de trechos de coleta entre os catadores das duas
associação fizerem a coleta em trecho onde o lixo é considerado de melhor qualidade, no mês
Cada bairro conta com uma Unidade de Transbordo, local onde o material coletado
pelos catadores é estocado. Ao final do dia, um caminhão da URBANA leva o material para a
Unidade de Transbordo principal. O lixo inadequado para a reciclagem vai para o Aterro
de material coletado pelos catadores. Os materiais recicláveis, uma vez contabilizados por
categoria, são repassados para as associações de acordo com a produção dos catadores. Os
serviços de gerência no que tange ao enfardo e à venda do material, ficam a cargo de cada
formalmente no dia 14 de maio de 2003, possuindo 82 associados formais, sendo 40% do total
de mulheres. A associação conta ainda com 167 catadores, que embora se mostrem simpáticos
à nova associação, não possuem ainda registro formal na entidade. Na visão dos idealizadores,
orgânicos para a produção de húmus. Para saber mais sobre o processo de compostagem, ver PEREIRA NETO (1996).
107
a ASTRAS objetiva montar uma entidade ampla de cunho social que atenda à comunidade
dos bairros de Cidade Nova, Felipe Camarão e Planalto. Durante a entrevista, perguntado
A ASTRAS é uma associação formada por pessoas que nós queremos contar
com a ajuda pra gente nunca errar. Procurar todo o tempo acertar, que seja
bem gratificado pela norma da nossa união, da nossa equipe, que nós temo
de pessoas unidas. Pessoas que tá fazendo um grupo bem vinculado, pessoas
que tá abraçando a postura que a gente não quisemo antes, porque
principalmente nós temo uma grande vitória que procuremos pessoa que já
tava tendo programação dentro de outras associações pra associar com a
gente, que acreditou na nossa postura de trabalho. (REPRESENTANTE
DA ASTRAS)
Merece também atenção o fato de que, de 1971, ano em que a área começou a ser utilizada
pela Prefeitura para a destinação final do lixo, até 1983, ano do primeiro estudo acadêmico
realizado com os catadores, estudo esse desenvolvido por COSTA (1983), não ter havido
que ficava responsável pelo parque de triagem, foi fundada a ASCAMAR. A evolução
histórica denota que o surgimento das entidades de catadores sempre esteve condicionado ao
intervenção por não possuírem vínculo com nenhuma entidade. Neste sentido, para atender a
distribuindo por afinidade, formando inicialmente quatro grandes grupos, cujo processo de
organização evoluiu de tal forma que um grupo denominado inicialmente Pacceli absorveu os
ASTRAS para que ela se denomine como uma associação gerida e composta por verdadeiros
A ASTRAS é feita numa base experimental com essa associação, que é uma
associação nova. Ela vai ter um recurso dado pela URBANA, um recurso
dado pela NOVORIO34, que é uma firma que tá vindo aqui pra Natal, e essa
ajuda que a URBANA vai dar é totalmente uma ajuda que ela ta dando a
nós, agentes reciclador. É digno, de pé no chão e a gente vamo chegar num
método de não errar...
Com a expressão não errar subtende-se que a associação até então errou, e corre o
33
Número referente a setembro de 2003, período de realização da pesquisa de campo.
109
torna-se nítido o clima de hostilidade por parte dos representantes da ASTRAS, em relação
quando perguntamos o que levou à composição de uma associação, haja vista a ASCAMAR
os mais de 400 catadores avulsos. Nesses depoimentos, apontamos elementos subjetivos, tais
ter acesso ao parque de triagem dos resíduos sólidos dava-lhe condições de explorar
alguns catadores, pelo fato de a ASTRAS existir apenas formalmente, já que os associados
continuavam a fazer a catação dos materiais recicláveis dentro do lixão, assim como os
catadores avulsos.
ASTRAS nos aguçaram de tal forma que, mesmo fora do roteiro preestabelecido, intentamos
34
Entidade privada carioca, com sede na cidade do Rio de Janeiro/RJ, que atua no ramo da reciclagem de resíduos sólidos.
110
é organizada 100% de catadores. A sua diretoria é, boa parte, ou era
deposeiro, ou é da comunidade de Cidade Nova. Tem gente que nunca
pegou um gancho dentro do lixo, e infelizmente esse número de pessoas
tiveram um certo apoio da Prefeitura que deu uma brecha para que eles se
organizassem, e agora se apoderam desse estigma de catador pra poder
montar uma associação. (REPRESENTANTE DA ASCAMAR)
gestores da ASTRAS. Afirmava-se que não eram catadores e sim donos de depósitos que
claro que também não era simpático à ASTRAS, sobretudo pelo fato de ter partido da própria
própria associação, visando não somente à consolidação como entidade que pretende ser
que viesse a ser utilizado pelo opositor no sentido de promover sua associação.
Na pesquisa de campo, pudemos perceber que as farpas entre os gestores das duas
O episódio que norteou nossa reflexão a respeito dos condicionantes, que permeavam
o cenário de guerrilha que se instalava na ocasião foi a reunião36 que marcou o primeiro
35
A Fundação Zerbini é uma organização não governamental que trata do apoio social às camadas menos favorecidas da
população brasileira. Maiores detalhes, acessar sítio eletrônico <www.fundacaozerbini.org.br>.
111
comportamento das duas delegações de catadores associados, pois, enquanto a ASCAMAR
foi representada pelo corpo gestor, formado de três pessoas, a ASTRAS mobilizou mais de
quinze associados. Além dos dois grupos organizados, alguns poucos catadores avulsos, cerca
implementado, abriu-se espaço para a intervenção dos presentes. Sempre que um catador da
ASTRAS se propunha a fazer alguma pergunta, havia palmas efusivas por parte dos
associados. O mesmo não ocorria com os membros da ASCAMAR, vale ressaltar que o
reduzido número de pessoas também era um fator que impedia tal atitude.
observador externo como ato de unicidade de grupo, ecoou diante da presença dos
Uma vez declarada a guerra, cada oponente faz uso das suas armas para acertar o
ASCAMAR, que, referendada por sua consolidação como associação, utiliza seu poderio
36
Agradecemos a URBANA, na pessoa do seu diretor presidente, que gentilmente nos permitiu a participação como ouvinte
na reunião ocorrida no dia 18/09/2003 entre os técnicos da Fundação Zerbini., funcionários da URBANA envolvidos no
112
Pretende-se justificar, através dessa racionalidade, a suposição de que os catadores
estavam, como até então, representados de maneira satisfatória. Como uma associação séria,
representante, “não promete mais do que é possível para o momento.” O diminuto número de
associados é explicado pela reduzida capacidade da esteira já que, “infelizmente aqui na usina
só cabe 45. Se coubesse 100, nós teríamos 100, se coubesse 300, nós teríamos 300 e assim
por diante.”
uma vez que a excessiva quantidade de catadores, para além da capacidade suportável da
usina de triagem, reduzia a renda dos associados. Levando-se em conta que a renda auferida
com a venda dos materiais recicláveis é dividida em partes iguais entre os associados, a
treinamento dos catadores para a atividade de catação. Somente assim a associação tinha
de associados.
temer a nova associação e que a convivência se dava de maneira pacifica pois “(...) nós da
ASCAMAR não interferimos e não vamos nos sobrepor a nada. Nós queremos trabalhar da
nossa maneira, eles [refere-se à ASTRAS] trabalham da maneira deles”, percebemos que não
relação à outra associação e a concomitante luta por benefícios por parte de seus
catadores, definidos por eles como pessoas com vários anos de vivência dentro do lixão,
sobrevivendo do e no lixo. Nos diversos contatos que mantivemos com seus representantes, e
sempre que nos era apresentado um associado, fazia-se menção em informar a quantidade de
atividade.
triagem durante a noite. Exigia também que a Companhia não medisse esforços na construção
proporcionavam à grande maioria dos verdadeiros catadores, benefícios a que sempre tiveram
direito pois a renda ia aumentar com o trabalho de triagem na usina, além da melhoria na
qualidade do trabalho por não mais terem que catar lixo dentro do lixão.
alfabetização. Cabe à URBANA promover cursos pois os catadores não suportavam conviver
daquela forma, trabalhando de maneira equivocada, o que lhes limitava auferir toda a renda
maior número possível de catadores pois “nós estamos quereno uma associação voltada pra
uma associação que, de fato e de direito, representa os interesses dos catadores. A alegação
que sustenta essa revolta se baseia no cadastro de catadores realizado em 1999 para a
reativação do parque de triagem dos resíduos. Cabe às pessoas que atualmente dirigem a
ASCAMAR compor a lista com nomes de catadores que fariam parte da associação. Segundo
respeitado, tendo sido cadastrado apenas parentes e amigos dos líderes da ASCAMAR.
37
Empregaremos esse termo por ser comumente usado pelos catadores. Porém, mesmo sendo palavras sinônimas conforme
FERREIRA (1986), entendemos que o termo disputa define com mais propriedade a relação conflituosa existente entre os
representastes das duas associações de catadores.
115
anos, como a única associação de catadores. Já a ASTRAS permeia seus argumentos
evidenciando a enorme massa de catadores cadastrados, muitos deles com mais de dez anos
entre os representantes das duas associações, se torna alvo fácil das balas perdidas. Na prática
significa dizer que o catador continua uma atividade intrinsecamente precaria e em condições
Com índice de atendimento dos serviços de coleta do lixo por volta de 98%, no
URBANA, criada à luz da Lei Municipal nº 2.659, de 28/08/1979, que a Companhia tem
responsabilidade, no que se refere a ações de cunho social voltadas para pessoas que
bairro de Cidade Nova. Deste modo, toda e qualquer ação desta natureza a ser desenvolvida
116
pela Companhia foge aos propósitos que nortearam sua criação, podendo ser considerada um
desvio de função.
ocorrem desde 197938. Devido à inexistência de setor interno responsável por montar trabalho
concatenado junto aos catadores, supomos que as primeiras intervenções realizadas com
aqueles sujeitos tenham sido informais, motivadas por sentimentos humanitários de alguns
os possíveis riscos à saúde dos catadores pelo fato de estarem consumindo alimentos
Com o passar dos anos, o olhar lançado aos catadores do lixão foi se focalizando sob
lixo, não mais necessitando se alimentar dos restos de comida encontrados no lixão. Com a
vezes pelo Ministério Público, sendo punida judicialmente por dispor de maneira inadequada
o lixo assim como pela existência de catadores da área do aterro. Pressionados pelo poder
judiciário e cobrados por setores específicos da sociedade natalense, tais como ONG´s de viés
além de organizar estratégias para o remanejamento dos catadores do lixão, já que havia a
que o então recém Governo Lula lançou como uma de suas medidas iniciais na área de
acordo com os parâmetros do Projeto Nacional, fez de Natal uma das primeiras cidades
brasileiras contempladas:
Segundo ele, a equivocada disposição final do lixo, em Natal, e a questão social que envolve
expectativas bastante positivas quanto ao êxito do novo projeto. As discussões internas sobre
a problemática davam conta de que, desta vez, o resultado final era diferente das quatro
intervenções anteriores. Na visão deles, somente agora, na quinta intervenção desde 1979,
38
Uma funcionária nos relatou que vários estudos sobre a situação dos catadores do lixão foram extraviados, restando apenas
alguns poucos documentos em sua biblioteca particular.
118
poder-se-ia vislumbrar um desfecho satisfatório, dado que esta intervenção é financiada e
(...) Eles [refere-se aos catadores] são pessoas muito desconfiadas, ao longo
de 1979 até aqui, essa já é a quinta intervenção, e a gente vê que a cada
intervenção os catadores já não confiam mais nos poderes públicos. Eles
pensam que é mais um engodo. (REPRESENTANTE 02 DA URBANA)
119
De fato, o episódio ocorrido, entre os anos de 1988 e 1989, marcou negativamente a
inaugurou o parque de triagem de resíduos contendo, além da usina de triagem, baias para
lixão para que desempenhassem função de garis. Aos recém-contratados coube a missão de
intervenção. Eles nos relataram que, seis meses após a iniciativa, todos os catadores-garis que
haviam sido contratados foram sumariamente demitidos. O fato ocorreu logo após a senhora
Wilma Maria de Faria ter assumido a Prefeitura de Natal, em primeiro de janeiro do ano de
1989.
Esses catadores contaram que, no período, procuraram o sindicato dos garis para
rever os direitos trabalhistas, não obtendo, no entanto, apoio por parte da entidade. Os
catadores atribuem a inércia do sindicato ao clima de disputa que havia entre os garis de rua e
eles, garis do parque de triagem pois, além dos salários, auferiam rendimentos extras devido a
a URBANA tem buscado cercear o que ela entende como sendo o maior empecilho para a
concretização do mesmo, a desconfiança dos catadores do lixão. Com esse intuito, a primeira
diante do novo cenário, que se apresenta uma vez que as propostas contidas no projeto foram
de fato efetivadas:
Fomos diversas vezes e uma das vezes falamos com bastante categoria e já
tínhamos a certeza de que já iria ser construído o novo aterro e dissemos a
eles que eles deveriam se associar, se organizarem para fazer parte desse
processo porque só organizado é que a gente iria fazer essa intervenção e
eles teriam parte nesse contexto. Para vender esse “peixe” tivemos muita
dificuldade. Mas eles acreditaram finalmente que era uma coisa séria, a
gente sempre enfatizando que seria algo responsável, e eles foram se
organizando. (REPRESENTANTE 02 DA URBANA)
favor dos interesses dos catadores. Além do apelo à mudança de concepção dos catadores
condições de auto sustentabilidade econômica para os catadores, através da coleta e venda dos
projeto da Companhia, em janeiro de 2003, era “implantar um projeto que viesse a acolher
aquela mão-de-obra [refere-se aos catadores avulsos] que eles já praticam mas que de
Em suma, fazer com que os catadores aprendessem a trabalhar da forma correta para
poder auferir maiores rendimentos com a atividade da catação de materiais recicláveis. Essa
intenção coaduna com a visão de outro funcionário da URBANA de que “os catadores
desorganizada. Ele precisa ter um estilo diferenciado de trabalhar, ele não deve ser mais
catadores avulsos não está sendo executada de maneira eficaz, a ponto de se explorar todas as
potencialidades oferecidas pelo trabalho no lixão. Assim, reafirmando a postura de defesa dos
interesses dos catadores e também por ser um dos objetivos do projeto de erradicação do
REPRESENTANTE 02:
Por isso a URBANA está conscientizando os catadores para que percebam que estão
entidades cujo objetivo é a defesa dos interesses da categoria, procuram realizar o trabalho de
fazendo atualmente.
ASTRAS, fez eclodir um fato novo que podia por em risco a concretização do projeto de
como se estabeleceu a rivalidade entre as duas associações. Foi a partir de então que a
conteúdo relatado por seus representantes, assim como os procedimentos adotados para a
resolução dos conflitos, percebemos a real postura da Companhia quanto à questão social que
aos catadores do lixão, é permeada por ações paliativas e sem efetividade prática. Destacamos
negativamente a intervenção, nos anos de 1988 e 1989, que dadas as características, denota ter
sido de caráter político-eleitoreiro. Some-se a isso que todas as quatro intervenções foram
um empecilho e ameaça à concretização das ações da intervenção junto aos catadores. Assim,
para a URBANA, os conflitos devem ser sanados o mais brevemente possível, uma vez que,
além de não beneficiar nenhuma das associações, dificulta o andamento dos trabalhos do
projeto. À Companhia, cabe a missão de tentar contornar as várias situações conflituosas que
vêm ocorrendo quase que diariamente, das quais destacamos os apelativos ataques pessoais
Foi-nos relatado que o interesse inicial da URBANA era montar vários pequenos
grupos de catadores. Contudo essa intenção não obteve êxito, dado que apenas a ASTRAS se
apresentou como associação de catadores. Supomos que o interesse inicial tinha como
finalidade evitar que houvesse algum tipo de rivalidade entre as associações. Além disso,
objetivava garantir que, havendo atrito, fossem mais fáceis os problemas das entidades de
catadores.
124
Não podemos deixar de supor também que para a URBANA era mais fácil impor-se
dos catadores, cada uma delas contava com poucos associados, o que facilitava as
(...) Queríamos no início que fossem diversos grupos formados, não tão
grande como foi essa da ASTRAS, porque a ASTRAS aglutinou a grande
maioria dos catadores mais experientes, alguns que já trabalharam aqui na
URBANA, lá na usina. (REPRESENTANTE 02 DA URBANA)
baseia-se na experiência adquirida ao longo dos anos, motivo pelo qual esta associação
chegou a se firmar como soberana. Para a Companhia, os mais de cinco anos de organização
125
em forma de associação deram o know-how com o lixo, por isso o parque de triagem devia
pois é provável que seus membros adquiram a propalada experiência de trabalho no decorrer
do tempo. A nosso ver, a URBANA devia acatar a justa reivindicação dos representantes da
ASTRAS no sentido de poder explorar o parque de triagem dos resíduos no período noturno.
noite, dever-se-ia fazer o rodízio diário de exploração do parque visando contemplar não
somente as associações, mas também os catadores avulsos que ainda não estão participando
de nenhuma associação.
conciliatória desse funcionário não condiz com a realidade. É pouco provável que os
parque de triagem apenas pela observação do trabalho dos associados da ASCAMAR, uma
vez que não lhes é permitida a entrada à área para fins de exploração econômica. Ainda que
lhes fosse dado o treinamento especifico para operar os equipamentos mecânicos, de nada
não para aprender nem pra imitar o conhecimento mas no sentido de chocar, de intervir
consideramos legítima sua postura contestatória. O exemplo que referenda nossa interpretação
126
é o fato de ter a URBANA concedido apenas para a ASCAMAR a exploração do parque de
ASTRAS.
relato do REPRESENTANTE 02, de que “a ASTRAS tem a ASCAMAR como um bicho papão,
uma coisa que pode de repente estar na frente deles, que pode angariar todas as coisas e eles
duas associações indistintamente, pensamos que a preocupação por parte da ASTRAS faz jus,
haja vista serem visíveis os benefícios concedidos à ASCAMAR. E mais uma vez insistimos
vantagem.
lixão, a URBANA tem buscado eliminar todos os possíveis entraves que, em algum momento,
podem vir a ameaçar a concretização das ações. Na busca de solucionar um desses entraves,
associações.
mostrando-se a favor dos interesses desses sujeitos. Para tanto, não poupa esforços no sentido
de convencer os catadores de que, desta vez, o final será diferente. O argumento é de que a
maior objetivo a melhoria das condições de vida dos catadores do lixão, em curto espaço de
tempo.
outra associação e por estar sempre à disposição dos catadores para explicar qualquer possível
dúvida que venha a surgir sobre as ações do projeto, dá subsídios à URBANA para se eximir
informando-lhes cada detalhe das ações a serem desenvolvidas. Todavia, de nada adiantam os
discurso para cada uma delas. Assim, com a ASCAMAR, firma-se o pacto da continuidade do
mesma e que a associação não deve se preocupar com as mudanças em processo. Ou seja,
afirma que a não há mudanças no que tange à estrutura organizacional do parque de triagem.
para todos. Os associados dessa entidade têm a garantia de que são contemplados com todos
As contradições que permeiam os interesses das duas associações fazem com que a
política ambivalente adotada pela URBANA estimule, ainda mais, a disputa entre ambas.
está provocando a ira dos associados da ASTRAS que consideram o fato como o
favorecimento à concorrente. Por outro lado, afirmar a garantia de igualdade de direitos aos
associados da ASTRAS, o que implica diminuição dos resíduos que podiam ser coletados
REPRESENTANTE 02, de congregar os catadores de tal forma que eles “não fiquem muito
129
dentro de si pois não querem se comunicar, não querem dar as mãos para se abrir naquele
Para a URBANA, tudo que podia ser feito para garantir os benefícios previstos está
disputa para obter maiores e melhores benefícios com a implantação do projeto proposto; ou a
eficácia do projeto está seriamente comprometida, devido à rivalidade não condizente com as
catadores associados. Nos depoimentos cedidos, uma das questões abordadas com maior
freqüência diz respeito às condições de trabalho dos catadores, definida por ambos os
processa a defesa dos interesses dos associados sob a ótica dos representantes das associações,
grupo como aquele, formado por catadores de materiais recicláveis, em uma associação. A
princípio, ficamos chocados com a resposta inicial de que não havia qualquer vantagem se
organizar o grupo de catadores em uma associação. Por outro lado, eram inúmeras as
desatenta, ora faltando ao trabalho, sem que houvesse justificativa aceitável, o catador põe em
risco a produtividade do trabalho e a conseqüente renda dos catadores devido aos possíveis
dos gestores perante os demais membros do grupo. Impossibilitados legalmente de poder ditar
ordens aos associados, não resta outra alternativa para os gestores senão contar com a
colaboração dos catadores para que encarem a associação com a devida seriedade.
As dificuldades do cargo de gerência fazem com que haja interesse explicito por
esse gestor, sob o julgo de uma cooperativa, ocorriam duas mudanças fundamentais no que
na associação. A segunda diz respeito à possibilidade de punição para o catador que viesse a
alguns aspectos mencionados por entendermos que há contradição quando confrontados com
cooperativa, as condições de trabalho dos catadores associados iam melhorar pois havia rígido
regimento interno com a intenção de punir com severidade o catador que se tornasse
problemático para o grupo. Em síntese, existia relação direta na qual a causa é a criação e
Dito isso, vejamos até que ponto os argumentos da relação causa-efeito podem ser
aceitos! Em nossa percepção, caso a ASCAMAR viesse a se tornar uma cooperativa, essa
modificação não surtia qualquer efeito prático para as condições de trabalho dos catadores, já
que as tarefas executadas não sofriam qualquer mudança significativa. Torna-se óbvio
imaginar que a situação do catador frente ao trabalho permanece a mesma, sem melhorias,
132
tampouco pioras. É factual que as condições de trabalho em atividade qualquer tende a
a conciliação entre trabalho e capital, que, por origem, são categorias antagônicas.
demonstra fartamente que jamais houve exemplo no qual a punição engendrasse a melhoria
das condições de trabalho, em qualquer modo de produção. Se a relação fosse verdadeira, por
exemplo, o trabalho escravo, nas sociedades escravocratas, tinha sido realizado em condições
escravos dos engenhos do Brasil Colônia não responderam aos objetivos propostos já que,
mesmo assim, os negros fugiam das senzalas. Na metáfora do autor, os açoites e os castigos
impostos aos escravos constituíam mais moinhos de gastar gente (op. cit.: 106) do que tornar
os escravos dóceis.
que pensa o representante da ASCAMAR dado que, ao invés de fazer com que o trabalhador
inimaginável. No entanto, o termo pressupõe que, caso a associação venha a se tornar uma
133
cooperativa, a gerência pretende comandar os catadores com bastante rigor, típico de
trabalho dos associados, haja vista que o rendimento da associação está condicionado à venda
quanto à pretensão. Inclusive, quando as duas associações convergem no sentido de que devia
existir, em Natal, coleta seletiva eficaz, está implícita a idéia de que a quantidade de materiais
elevado, foi-nos relatado que uma das estratégias adotadas pela ASCAMAR é a de não mais
recrutar mulheres para a associação. Por entender que o tipo de trabalho, na usina de triagem
demanda excessiva força física e por considerar pouco provável que a mulher execute de
Hoje você pode ver que nós temos mais mulheres na esteira do que homem,
no quantitativo. A gente deu uma parada porque tem muito serviço braçal e
as vezes os meninos que trabalham nos carrinhos e que trabalham na
caçamba não podem vir, ou por algum problema foram suspensos, a gente
não pode colocar uma mulher no lugar deles. Agora a gente parou, a gente
não recebe mais mulheres. Se tiver algum catador saindo dessa estrutura, a
gente vai colocar homem porque a gente já tá com a cota de mais de 30% de
mulheres na usina, e a problemática é que o serviço da usina é muito
pesado, é empurrar carrinho, puxar lixo na caçamba, carregar peso, aí fica
39
Ver MOURA (2003).
134
mais difícil. Então, é por isso que a gente adotou que agora a média vai ser
essa de 30% e não extrapolar o percentual de mulheres.
(REPRESENTANTE DA ASCAMAR)
realmente requeriam o uso intensivo de força física. Também constatamos que, ao menos
força física e indivíduos subnutridos para executar as tarefas, podíamos supor que o homem
estava mais capacitado fisicamente do que a mulher, no traquejo das atividades demandadas
pelo trabalho.
apoiado em vasta experiência acumulada, ao longo dos mais de cinco anos de existência da
realização da entrevista. Embora relatado que, naquele dia a quantidade de catadoras superava
a de catadores, verificamos que havia apenas quatro mulheres para o universo de quatorze
135
catadores ao longo da esteira mecânica, ou seja, 29%. O percentual, ao menos em termos de
quantificação estatística, não pode ser considerado, sob qualquer hipótese, maioria.
majoritariamente por homens, por entendermos que não é o uso da força física em si, mas a
maneira como o trabalho é organizado que determina maior ou menor quantidade de força na
de que algumas tarefas dos catadores podiam ser reordenadas de tal forma a privilegiar o
quaisquer atividades.
Outro aspecto que merece ser discutido trata da capacidade física do homem de
carregar peso como pré-requisito para a escolha de novos associados. Agindo dessa maneira, a
ASCAMAR adota critério de seleção diferente do que havia acertado com a URBANA para
que se pautava, no tempo de trabalho do catador ou catadora na área do lixão, de tal modo que
catadores também acusam a ASCAMAR de ser formada por familiares e amigos dos
representantes. Não sabemos até onde considerar essa informação, no entanto, nas
observações, vimos que vários associados mantinham algum grau de parentesco com os
ASCAMAR pode ser interpretado como discriminação ao trabalho feminino, haja vista não
do acordo firmado entre ASCAMAR e URBANA, para que a associação tivesse o monopólio
categoria, não devia fazer distinção por sexo para aceitar os integrantes.
Analisando a questão, temos que não seria interessante para a mulher ter os mesmos
direitos que os homens catadores, todavia, o quadro que apresenta demonstra a opressão ao
gênero feminino. Por vários motivos que temos apresentado ao longo do texto, posicionamo-
discriminação da mulher nessa atividade já tão precária. Some-se a isso que a variável
produtividade não podia sobrepor aos interesses coletivos de participação dos associados da
entidade.
dos interesses da categoria, vez que a associação é formada por verdadeiros catadores.
O trecho pressupõe que a ASTRAS, além dos interesses imediatos, a defesa dos
natalense, no sentido da melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, entendendo que, para
Companhia para que o projeto de erradicação do lixão de Natal seja de fato implantado.
De fato, nas conversas informais que mantivemos, com este sujeito, estava presente o
Contudo tal postura, diante da temática ambiental, restringia-se à separação dos materiais
recicláveis do lixo doméstico, que, segundo o representante da associação, devia ser realizada
Embora haja apelo ambiental, este ocorre de maneira parcial pois, em nenhum
momento foi comentado o destino final do lixo orgânico, composto basicamente de restos de
PEREIRA NETO (1996), dentre outros, mais de 60% dos resíduos produzidos pela população
de baixa renda, como a das adjacências do lixão, são lixo orgânico, o que sugere que as ações
Neste sentido, entendemos que a preocupação com o meio ambiente não deva ser
restrita à separação de materiais recicláveis pela população, haja vista que o lixo orgânico,
restos de alimentos é tão poluente quanto plásticos, papeis, metais, etc. A nosso ver, a fala do
ambientais.
Fundação Zerbini, o representante da ASTRAS exprime o desejo de que haja aumento nos
seu entendimento sobre a dinâmica da atividade da catação dos resíduos do lixo. Tentando
desvelar a imbricada relação feita pelo gestor da ASTRAS, entre meio ambiente e economia,
prática ambientalmente satisfatória, haja vista os vários motivos citados. Além de ser uma
no que tange ao trabalho dos catadores. Tida como atividade informal, a catação é realizada
em péssimas condições de trabalho, o que submete os catadores ao contato direto com o lixo.
Somem-se a isso os possíveis traumas psicológicos devido à discriminação social das pessoas
acentue. Quando entrevistado pede que as pessoas façam a coleta seletiva nas residências, está
vislumbrando o aumento nos rendimentos dos catadores, pois há mais materiais recicláveis a
ser comercializado. Agindo desta maneira, o represente da associação está coerente com o
que, conscientemente ou não, quem faz apologia à coleta seletiva para posterior reciclagem
trabalho dos catadores. Sendo assim, a coleta seletiva implica contribuir para a perpetuação do
administração “será e deverá ser caracterizada pelo rigor”. Explorando um pouco mais o
140
significado do termo rigor, ele nos relatou que, na sua concepção, os catadores associados
devem trabalhar sério, “a começar por não mais se chamarem por apelidos e sim pelo próprio
nome de batismo”.
posteriormente que, mais do que uma maneira de organização do trabalho dos catadores, a
intenção no profissionalismo alimenta a rivalidade com a ASCAMAR por ser uma fonte de
Outra interpretação se relaciona à firmeza com que as decisões são tomadas pela
gerência. Embora o significado não esteja claro, tivemos a impressão de que, na fala do
esse gestor se considera o único capaz de conduzir a associação, dado que realmente tem a
Se correta nossa intuição, o administrar com rigor pode significar, para o catador
constituir uma cooperativa com rígido regimento interno de caráter punitivo para os membros
Tomando por base o embate entre os representantes das duas associações, algumas
Federal, através do projeto de erradicação do lixão que está sendo implantado na cidade de
Natal.
comunidade, grosso modo, a impressão inicial que temos é de que a luta pela
representantes das associações seja apresentar-se como entidade representativa dos catadores,
os argumentos utilizados denotam estar em jogo a manutenção do poder econômico por parte
Pela teoria, entendemos que a rivalidade entre os dois representantes das entidades de
catadores é algo nocivo para os ideais da categoria. MARX & ENGELS (1981:26), ao
discorrerem sobre a precariedade nas condições de trabalho dos operários ingleses do século
XIX, admitem que os trabalhadores, para reverter a situação, “deveriam se unir em sindicatos
postura conflituosa ensejada pelos representantes da ASCAMAR e ASTRAS, por mais que
ideais dos catadores. Os gestores não estão percebendo que, com a disputa, a solução para a
problemática dos catadores de lixo vai se tornando algo cada vez mais distante.
ASCAMAR teve mais de cinco anos para abordar, de maneira satisfatória, a problemática dos
catadores do lixão, não fazendo por que sempre estiveram preocupados com os interesses
esses sujeitos talvez seja a forma como as duas entidades surgiram. A ASCAMAR e a
ASTRAS foram fundadas com o incentivo dado URBANA, o que não as enquadra como
devia ser a luta contra o sistema que o fez surgir. Neste sentido, concordamos com SANTOS
(1995:261) ao afirmar que os movimentos sociais são locais de tempo e espaço, “a fixação
momentânea da globalização da luta é também uma fixação localizada e é por isso que o
quotidiano deixa de ser uma fase menor ou hábito descartável para passar a ser o campo
representantes das associações. Agindo dessa forma, a Companhia ganha tempo para enfrentar
a problemática social que envolve os catadores do lixão, haja vista que, no momento, é
digladiam entre si, como a Companhia pode efetivar as ações do projeto sem a colaboração
Outro ponto que merece destaque, na análise, é a coleta seletiva, que, nesse
momento, outubro de 2004, está sendo implantada em alguns bairros da cidade. Toda
paralelamente duas questões primordiais quando se trata de lixo urbano: a vertente ambiental
e a de cunho econômico.
143
Em relação ao meio ambiente, a coleta seletiva reduz sensivelmente a quantidade de
lixo que tem como destino final o novo aterro sanitário pois os materiais recicláveis serem
substancial redução nos custos com os serviços do lixo. A primeira redução evidencia-se no
transporte, uma vez que a diminuição na quantidade de lixo coletado, nas ruas, implica
Outra substancial redução nos valores monetários da coleta seletiva refere-se aos
meio ambiente, o lixo passa por processos técnicos visando poluir o mínimo possível o local
de destinação final. Desse modo, na relação direta com a quantidade de lixo, os custos de
operação diminuem.
No que tange aos gastos com pessoal, a eficácia da coleta seletiva traz vantagens
adicionais para a URBANA pois tira a responsabilidade no serviço de coleta. O lixo coletado
Companhia.
erradicação do lixão, ou seja, prover qualificação profissional para o catador visando formá-lo
como profissional da reciclagem. Por essa meta, à medida que a coleta seletiva for obtendo
sucesso e o catador das associações auferindo renda, na mesma proporção, a URBANA sai de
cena, assumindo apenas o papel de gerenciador dos serviços de limpeza pública da cidade.
144
Com isso, não estamos nos posicionando de forma contrária ao projeto de
no trato das questões ambientais do planeta (NOVAIS, 2000). Todavia é perceptível e factual
terceirização dos serviços. Além das vantagens da terceirização, como a diminuição dos
Nestas condições, o empenho pelo sucesso da coleta seletiva, em Natal, está para
além das questões ambientais. A nosso ver, implica a redução dos custos dos serviços do lixo
para a URBANA, pela contratação das associações de catadores sem que haja a necessidade
de contrato formal.
& ARAÚJO (1997), ações como as desenvolvidas pela URBANA caracterizam-se por
em Natal, ser ação isolada desperta o interesse de migrantes, perambulantes de rua, enfim, de
A demanda crescente pela participação faz com que o órgão gestor crie barreiras à
entrada, uma vez que o inchaço devido ao aumento de participantes põe em risco a sua
Não é absurdo imaginar que o sucesso da coleta seletiva faz surgir atritos entre os
destes últimos exigirem participação, alegando estar há mais tempo catando lixo nas ruas da
cidade. E o que é mais grave é que o argumento uma vez utilizado é convincente. Neste
sentido, o que fazer, qualificar os catadores de rua e colocá-los à frente da coleta de lixo na
E quanto ao catador, em tese, responsável direto pelo que está acontecendo em Natal,
no que se refere à limpeza da cidade? Vejamos! Alheio às disputas entre os representantes das
duas associações, o catador do lixão, associado ou avulso, está preocupado em separar a maior
quantidade possível de materiais recicláveis do lixo para poder vender e, com isso, realizar
É evidente que o catador percebe que, de alguma forma, o seu entorno é modificado.
enfim, o contexto que se molda, tudo indica que há mudança significativa na vida desses
presenciamos, somos tentados a concordar com a reflexão de ESCOREL (2000) sobre a luta
pela sobrevivência dos excluídos sociais modernos. Para a autora, “o fenômeno da exclusão
146
releva tanto a distinção que há entre viver e sobreviver quanto o grau de dificuldade
encontrados por uns e por outros para permanecerem vivos”, e, finalizando, “eis que surgem,
URBANA, junto aos catadores lixão, é algo imprescindível. Estando em cima do lixo, assim
como os catadores, vimos a disputa pela coleta do melhor lixo. Pior, vimos a disputa entre
catadores e animais pelo melhor lixo. Em dado momento, as cenas estarrecedoras causaram
náuseas, não de nojo por estamos em cima de toneladas de lixo com sol a pino e fedentina
insuportável, mas por vermos o tênue limite que separa, no momento, o homem, ser pensante,
do animal irracional.
Por outro lado, a inclinação teórica nos faz criticar o projeto de erradicação do lixão
da forma como está sendo montado. Assim, entendemos que seu sucesso está em banir a
atividade da coleta de lixo. Infelizmente, na nossa concepção, a tendência dos fatos leva à
com qualquer catador comprova a máxima de que, apesar dos percalços, o catador quer
recicláveis, os profissionais têm a legislação para referendá-los, o que implica dizer que a
aos mesmos direitos trabalhistas dos profissionais de outras áreas. Em síntese, a formalização
sequer devia existir pelo fato de pessoas sobreviverem da coleta dos restos da sociedade, é
147
algo que, a nosso ver, demonstra a insuficiência do sistema econômico em incluir pessoas, o
Exibe também o fracasso das políticas públicas, em Natal, vez que, conforme
dos resíduos do lixo, pelos mesmos motivos que os catadores de hoje. E ainda existem
catadores no lixão há mais de vinte anos, ou seja, passadas duas décadas do estudo inicial, a
Prefeitura e o Governo do Estado não conseguiram resolver questões relativas ao êxodo rural
situação de risco, enfim, não foram capazes de compensar as distorções sociais, fruto do
percebem que a atividade da catação foi a estratégia encontrada pelo catador para poder
catador, fundamental. É pueril pensarmos que o catador do lixão anseie pelo fim dessa
atividade, afinal, embora reconheça a dureza da ocupação, admite que pratica a coleta dos
lixão é seu mundo, onde ele desenvolve as relações de convivência social. Logo, embora haja
o estranhamento do catador com a atividade, aquele é o seu mundo, melhorá-lo é seu desejo
premente.
Não estamos com isso querendo dizer que, à luz da teoria utilizada nesta dissertação,
temos a intenção de definir que caminhos os catadores do lixão de Natal devam seguir.
Contudo viver do e no lixo não condiz com o homem, ser pensante, com capacidade de
transformar a natureza ao seu belprazer. A atividade da catação nos moldes como está sendo
efetuada pelos catadores do lixão confirma a tese desenvolvida por ESCOREL (2000:140-
148
141), de que “a exclusão reduz os indivíduos à condição de animal laborans, cuja única
qual estão inseridos os catadores do lixão de Natal, somente através de ação libertadora, nos
moldes da concebida por FREIRE (1987), é que esses sujeitos podem libertar-se das amarras
do sistema opressor, excludente. A pedagogia dos homens viabiliza-se pela práxis que é a
reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Dessa forma, conclui o autor,
“a superação exige a inserção crítica dos oprimidos na realidade opressora, com que,
o catador das habilidades especificas para realizar a coleta seletiva nas ruas da cidade de
Natal. Não tivemos acesso ao conteúdo programático a ser ministrado, todavia esperamos que
o material seja permeado por elementos que despertem, nos catadores, o interesse pela visão
crítica dos fatos. Que o curso de qualificação profissional, mais do que mero processo de
meio de emancipação.
149
CONSIDERAÇÕES FINAIS
preenchimento das vagas de gari, na cidade do Rio de Janeiro, em meados de 2003. Sem fazer
juízo de valor, no que tange a ocupação, no evento, demos atenção aos candidatos que
reprovados naquele concurso, é provável que poucos tenham sido aprovados em outro
concurso, público ou privado. Alguns devem estar trabalhando em empresas privadas. Outros,
trabalho, voltaram aos bancos escolares, rumando para cursos de informática, língua
tornando-se camelôs nas calçadas das cidades brasileiras, cobrador free lance de transporte
alternativo, enfim, sobrevivendo dos diversos bicos. Os sem perspectivas de colocação, nos
passando a coletar materiais recicláveis do lixo nas ruas e/ou lixões públicos Por fim, muitos
oferecida.
Exemplos como os citados demonstram que a economia brasileira vem passando por
novos empregos. A situação não é privilégio brasileiro, haja vista que a nova divisão
internacional do trabalho, imposta pelo capital com a ascensão do neoliberalismo, fez com o
atividades informais.
modelo, de tal forma que possíveis empecilhos legislativos estão sendo minimizados. Em
vários países, as conquistas angariadas pela classe trabalhadora estão sendo suplantadas
seu favor. Paralelamente, o contexto de quase total submissão dos trabalhadores em relação ao
capital comprova a letargia forçada por que vem passando o movimento sindical diante da
realidade.
excludente, iniciando novo ciclo exploratório, após completado o ciclo anterior. Vale ressaltar
que as determinações entre fim de um ciclo e início de outro não são estáticas, ou seja, um
extratos ambientais, sem a preocupação com os limites naturais, consiste a forma brutal de
concepção, o capital completa o primeiro ciclo exploratório ao usar a natureza à sua maneira,
lixo que podia ser interpretado como o fim do processo, toma outra conotação, à medida que,
151
para o capital, o fim de um processo engendra o início de outro, através da reciclagem dos
resíduos sólidos. Nesse momento, inicia-se o novo ciclo exploratório do capital, vale dizer, é
reciclagem como forma de se atenuar os danos ambientais causados pelo lixo produzido na
como apêndice da economia por dinamizar toda a cadeia produtiva da indústria recicladora.
Neste caso, é dada especial ênfase à geração de ocupação e renda para os desempregados. Em
como o desemprego.
fundamental importância para Natal, que o lixo é lançado, a céu aberto, em terreno de duna,
área, bem como a construção do aterro sanitário visando ao correto acondicionado final dos
No que tange à coleta seletiva implantada nos bairros de Natal, apoiamos a iniciativa
receamos que tal iniciativa privilegie o postulado econômico da redução dos custos
Zerbini faz-se imprescindível, haja vista a situação de extrema precariedade e miséria absoluta
cima do lixo. Um ponto que pensamos ser importante mencionar refere-se à relação do
catador com a área do lixão. Com a pesquisa de campo, percebemos que havia simbiose entre
os catadores e aquela realidade. Assim, tivemos a impressão de que, com o fim do aterro, a
desde que a coleta seletiva seja consolidada na cidade. Todavia, uma vez que os associados da
terceirização altamente lucrativa para a URBANA, já que não há qualquer contrato formal
com os catadores. A efetividade da coleta dos catadores das associações certamente causará
de rua. Sendo a coleta seletiva feita pelos ex-catadores do lixão, os catadores de rua
reivindicam participação no projeto por atenderem aos mesmos critérios dos demais
Espera-se que, com a nova roupagem dada a atividade da catação através pela
qualificação profissional do catador, os catadores sejam aceitos pela sociedade, sendo vistos
153
não como ameaça mas como sujeitos importantes para a manutenção da qualidade de vida na
cidade. Ações dessa natureza são de difícil penetração, cabendo árduo esforço por parte dos
Na nossa concepção, a ação não traz os resultados desejados pelo fato de apenas a
URBANA se encarregar dessa missão. Sentimos falta, por exemplo, do envolvimento do setor
educacional que podia dar grandes contribuições à forma como as pessoas percebem o meio
ambiente, a começar pela discussão da educação ambiental como temática transversal nos
currículos escolares.
claro que ambas funcionam com a lógica da lucratividade. Embora se denominem entidades
sociais de classe, ASCAMAR ASTRAS constituem associações que, como tais, esperam tão
Como estão sendo gerenciadas, pensamos que as duas associações têm pouco a
contribuir com seus associados, assemelhando-se mais a grupos particulares com objetivos
específicos do que a movimentos sociais com interesses coletivos. Exemplo disso é a viril
associações, trata-se de algo apenas adjacente. A nosso ver, a preocupação ressentida pelos
discurso, sem qualquer efeito prático do ponto de vista ambiental, porém com significado de
angariar benefícios com o projeto que está sendo implantado. Também funciona como meio
cidade de Natal são sistêmicos, isto é, interligados e interdependentes que requerem mudanças
154
nos valores da sociedade local, com percepções, práticas novas e processo de sensibilização e
instâncias.
por considerarmos ser esse o primeiro passo na resolução da problemática ambiental e social
ASTRAS, assim como dos relatos dos próprios técnicos da URBANA levam a crer que o
projeto, em Natal, pode até lograr o sucesso esperado por todos, todavia é agente causador de
novos problemas justamente por constituir ação isolada, restrita à cidade de Natal. Dessa
contido no projeto, temos que nos posicionar de maneira contrária ao projeto desenvolvido.
resolução da problemática do lixo, sem que haja iniciativas semelhantes e concatenadas com
as ações da capital potiguar em todo o Rio Grande do Norte. Conforme comentamos ao longo
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