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XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp.

1-18

NOVA DIVISÃO DO TRABALHO E MUDANÇAS NAS RELAÇÕES RURAL-


URBANO NA FRONTEIRA MATO GROSSO/BOLÍVIA

NUEVA DIVISIÓN DEL TRABAJO E CAMBIOS EN LAS RELACIONES RURAL-


URBANO EN LA FRONTERA MATO GROSSO-BOLIVIA

José Bertoldo Brandão Filho


Ms em Geografia, UFMT
Pesquisador do NUCLAMB/UFRJ
jobran1@hotmail.com

Resumo: Na atual divisão territorial do trabalho, o espaço rural está integrado a todos
as formas de produção e consumo da sociedade moderna. O desenvolvimento do meio
técnico-científico-informacional traz a implantação de novos fixos e, por sua vez, novos
fluxos se impõem às velhas formas espaciais. As mudanças nas formas espaciais são
muito rápidas e implicam em processos econômicos instáveis para parte considerável
das classes trabalhadoras e de setores produtivos de baixa renda ou excluídas do
mercado de trabalho. Este trabalho se propõe fazer uma breve análise da relação rural-
urbano na fronteira Mato-Grosso/Bolívia, objeto de estudo de minha dissertação de
mestrado.
Palavras-chave: Divisão do trabalho; Relações rural-urbano; fronteira; Mato Grosso-
Bolívia

Resumen: En la actual división del trabajo el espacio rural está integrado a todas las
formas de producción y consumo de la sociedad moderna. El desarrollo de los medios
técnicos científicos informacionales resultan en la implantación de nuevos fijos y, por
su vez, nuevos flujos se imponen a las viejas formas espaciales. Los cambios en las
formas espaciales son muy rápidas e implican en procesos económicos inestables
para sectores considerables de las clases trabajadoras y sectores productivos de baja
renta o excluídas del mercado de trabajo. Este trabajo se propone hacer un breve
análisis de la relación rural-urbano en la frontera Mato-Grosso/Bolívia, objeto de mi
tesina de maestria.
Palabras-clave: División del trabajo; Relaciones rural-urbano; frontera; Mato Grosso-
Bolivia
2 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

INTRODUÇÃO

A partir dos anos setenta começa a tornar-se visível uma nova investida do
capital no Centro-Oeste, abrindo-se novas fronteiras de expansão, tendo a soja como
carro-chefe do agronegócio. Esse processo não se dá isoladamente e contém no seu
âmago fortes alterações na divisão do trabalho, nos processos produtivos e, em
especial, nas relações cidade-campo. O Centro-Oeste, em especial o estado de Mato
Grosso, é exemplo dessas novas formas de organização do território.
Nesse novo processo as formas de acumulação do capital são diferentes, mas a
sua essência é a mesma: desigualdades territoriais e sociais para garantir a
concentração de capital nos centros hegemônicos, tanto ao nível espacial como de
classes sociais. O rural, com base na pequena produção ou na pecuária extensiva,
encolhe-se, e praticamente desaparecem do mapa as formas mais arcaicas.
Considere-se que o rural moderniza-se e a partir das preocupações
neomalthusianas da revolução verde e, não por acaso, um grande viés de acumulação
do capital, nos espaços de vantagens escalares, toma conta dos centros econômicos e
políticos regionais e nacionais. As empresas dirigem o olhar para uma nova forma de
acumulação que reúna articulações entre agregar valor aos recursos naturais, produzir,
transformar e vender aos grandes centros consumidores do mundo.
Neste sentido, este trabalho tem como proposta o estudo das relações rural-
urbano na fronteira do Estado de Mato Grosso com a Bolívia. O desenvolvimento do
trabalho compreende a seguinte estrutura: o rural e o urbano na acumulação do capital,
breve caracterização da área de estudo, evolução rural e urbana e mudanças no
trabalho formal.

O RURAL E O URBANO NA ACUMULAÇÃO DO CAPITAL

“O chapéu de lavrador homenageia o homem do


campo, enquanto a gravata faz tributo aos
executivos do agronegócio” (João Paulo Nucci).

Para Marx e Engels (1988), a mais importante divisão do trabalho físico e


intelectual é a separação entre a cidade e o campo. Na cidade se concentram
populações, instrumentos de produção e capital e, a oposição entre a cidade e o
campo se dá dentro de uma divisão do trabalho com base na propriedade privada.
Entretanto, as relações rural-urbano se modificam à medida que também se tornam
Nova divisão do trabalho e mudanças nas relações rural-urbano na fronteira Mato 3
Grosso/Bolívia, pp.1-18

mais complexos os espaços de produção e reprodução do capital. Portanto, ampliam-


se a produção e a circulação e intensificam-se e tornam-se mais complexas as
relações entre tempo e espaço. Com os avanços das novas tecnologias a
industrialização da agricultura elimina cada vez mais a separação entre modos de vida
rural e urbano.
Entretanto, a partir das últimas “crises” do modo de acumulação e organização
econômica e sócio espacial em grandes aglomerações urbanas, o papel parece se
inverter: a crise nas formas de produção de alimentos, com prioridades para a
acumulação, levou a novas formas de organização territorial, com base em novas
funções dos territórios. Ou seja, as mudanças na divisão territorial do trabalho
reestruturam os espaços e as relações sociais inseridas em seus territórios.
Portanto, a fase atual da acumulação capitalista apóia-se em uma nova divisão
do trabalho, a qual em Mato Grosso se manifesta nas formas e processos, com
aparentes relações que se diferenciam da formação rural-urbano da fase de
acumulação anterior, presente em outras regiões do país. Santos (1993) afirma:

a organização territorial e urbana do Brasil guarda profundas diferenças


entre suas regiões. Nos anos 80, a região Sudeste é a mais urbanizada.
Entretanto, a região Centro-Oeste aparece como a segunda região mais
urbanizada do país, com uma taxa de 68% contra 83% da região
Sudeste.

É evidente que as relações entre o rural e o urbano, na fase de modernização do


campo tendem a ser integradas e horizontais. O que há de verticalidade são as
relações de classe sociais dentro dos espaços rural ou urbano, que quase sempre são
ocultadas pelos agentes hegemônicos. Há uma dialética de reprodução ampliada do
capital através dos conflitos e pactos de classes sociais e não através da dialética rural-
urbano. A reprodução do espaço é resultado das relações de classes. Tudo indica que
a nova fase de acumulação está tirando o verniz das dicotomias produtivas espaciais,
engessando a união aparentemente contraditória entre cidade e campo, na qual o
capital separou para garantir a sua acumulação. Fragmentam-se as relações e os
espaços para poder controlar os processos de reprodução.
4 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

Considere-se, evidentemente, a não simultaneidade do tempo, tanto no espaço


urbano, entre os que detêm os recursos de terra e capital e, portanto, são classes
dominantes no contexto territorial em que vivem, em função das heterogeneidades
social e econômica, ainda mais complexa nos espaços urbanos. Há no interior de cada
cidade, ou mesmo no externo a elas, em suas relações horizontais ou verticais,
homens lentos ou rápidos, objetos luminosos ou opacos, culturas híbridas ou
multiterritórios culturais e econômicos (SANTOS,1997; HAESBAERT, 2002). É evidente
que isso depende dos níveis dos fluxos de mercadorias, de capital e de trabalho.
Nesse contexto, espacial e temporal, ocorrem as formações de redes urbanas
com tendência piramidal. Há tendência de formação de cidades regionais que entram
em concorrência com as velhas capitais históricas. Os principais serviços públicos se
concentram em certas cidades e a aglomeração, assim privilegiada, torna-se o principal
emissor de regras. O rural se reestrutura na medida em que “as transformações atuais
na agricultura determinam que as alternativas sociais e políticas, pensadas para os
trabalhadores e para os produtores rurais, devem ser redimensionadas” (SORJ, 1980,
p. 147).
Ao mesmo tempo, cidades estabelecidas há mais tempo, como Cáceres e Vila
Bela da Santíssima Trindade, ganharam vida nova no rastro do movimento que levou
Mato Grosso a ser conhecido como o celeiro do Brasil, promovido pelas novas
investidas do capital e tendo o agronegócio como carro chefe. Na fase atual, as novas
formas de acumulação, através da modernização da agricultura, constroem novos
espaços urbanos, ou seja: a riqueza no campo constrói novas formas de vida nas
cidades, mas também põe em evidência as diferenças econômicas entre os estratos de
classes. São, portanto, mais profundas as evidências da concentração de renda nas
classes hegemônicas.
Na fronteira de Mato Grosso com a Bolívia, apesar de uma certa distância dos
núcleos sob a influência direta do agronegócio, os impulsos de modernização
(RIBEIRO, 2006) também atingem esse espaço porque as distâncias quase
desaparecem na difusão de idéias e valores e o tempo é também mais curto em função
das novas tecnologias de informatização.
A partir dos anos 80, o vetor de desenvolvimento na região Centro-Oeste implica
no desenvolvimento de novas formas de relações capital-trabalho e, por sua vez, nas
relações cidade campo em todas as regiões em processos acelerados de
desenvolvimento, nas novas fronteiras do capital. Esse modelo de desenvolvimento, se
por um lado trouxe alguns bons resultados para agentes econômicos e políticos, por
Nova divisão do trabalho e mudanças nas relações rural-urbano na fronteira Mato 5
Grosso/Bolívia, pp.1-18

outro lado também se constitui em problemas nos planejamentos e gestão do território


e implica no desequilíbrio sócio-econômico das classes sociais excluídas do processo
de modernização. Portanto, avalia-se, nesse trabalho, a conformação rural-urbana no
contexto espacial e temporal em questão, as possíveis implicações políticas,
econômicas e sociais decorrentes desses novos processos.
As especificidades de cada unidade territorial e de cada objeto e a
universalidade que se manifestam nas formas espaciais, através das ações, são
questões que devem se articular num jogo dialético. Os municípios objetos de estudo
da variável rural-urbano na fase atual são os localizados na faixa de fronteira de Mato
Grosso com a Bolívia e sob influência de Cáceres, como pólo microrregional
intermediário.
Atente-se para o fato de que os pactos e conflitos territoriais historicamente
construídos estão presentes na paisagem, nas formas, mas somente podemos
entendê-los através da compreensão dos processos, das funções e da estrutura
(SANTOS, 1996) que norteiam os movimentos do capital e do trabalho. O movimento
político, através dos agentes hegemônicos globais e locais, remodela o território e
articula os demais agentes rurais e urbanos.
Os diferentes modelos de desenvolvimento e integração entre o rural e o urbano
em Mato Grosso evidenciam que há uma nova fase de acumulação, na qual esses
espaços se reestruturam e se integram ao modelo dominante da acumulação, em
evidente sintonia do local com o global. Entretanto, ocultam-se os conflitos em seus
processos de desenvolvimento econômico. Os atores hegemônicos fazem a gestão
aparentemente pactuada de seus territórios.
6 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo proposta compreende parte da fronteira do estado de Mato


Grosso com a Bolívia, incluindo o município de Cáceres e os municípios sob sua
influência.
O núcleo urbano de Cáceres, destacado no trabalho, emerge na rede urbana
regional centralizando uma rede de articulações de serviços nas áreas de saúde,
educação, segurança fronteiriça e gestão institucional da posse da terra, através do
Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), possibilitando a sua conformação como
centro regional secundário.
É importante salientar que na fronteira fluvial e seca que separam o Brasil da
Bolívia, as pessoas são raras, as comunicações são precárias, as estradas são poucas
e ruins. Atualmente, esta fronteira, apesar das mudanças econômicas da região e de
sua evolução urbana, se mantém com graves problemas de infra-estrutura e
diferenciações sócio-econômicas. Nesse sentido, pode-se dizer que as relações
espaço-tempo são diferenciadas e singulares em relação a outros espaços, foco de
desenvolvimento tecnológico com base no agronegócio, em Mato Grosso.
O mapa mostra a localização de Cáceres e sua relação com os municípios da
fronteira Mato Grosso – Bolívia. A cidade de Cáceres faz a conexão entre Cuiabá e os
municípios da fronteira com a Bolívia, em direção ao Estado de Rondônia, na condição
de sub-centro regional e exercendo papel geopolítico na questão do Mercosul.
Nova divisão do trabalho e mudanças nas relações rural-urbano na fronteira Mato 7
Grosso/Bolívia, pp.1-18

Mapa da área de estudo: municípios da fronteira Mato Grosso/Bolívia

MT

BOLIVIA

Fonte: Dados do IBGE (2000). Elaborado por Rafael Valente (2008) – Geografia/UFRJ
8 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

s condições naturais do pantanal mato-grossense fazem desse território um


espaço polêmico e menos privilegiado dentro do contexto atual de expansão do capital,
dependente, principalmente, dos esgotamentos dos recursos e das perdas das
vantagens comparativas em relação a outros espaços. Obviamente, vários dos
obstáculos naturais podem ser superados com modernas tecnologias. Porém, os
investimentos são elevados e pode resultar em uma seletividade de investidores com
recursos de capital elevado e, por sua vez, exclusão de pequenos produtores.
A faixa de fronteira de Mato Grosso com a Bolívia possui 750 km de extensão
que se alternam geograficamente, entre regimes secos e alagados abrangendo
territórios entre Mato Grosso do Sul e a Amazônia, incorporando municípios de
importância econômica e cultural para a região. Obviamente os limites e faixas
fronteiriços constituem problemas históricos herdados ao longo dos processos de
ocupação do território e, dependendo do contexto de desenvolvimento econômico e
das relações políticas das oligarquias dominantes, tanto do lado brasileiro como do
lado boliviano.

EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO E DO RURAL-URBANO NA FRONTEIRA MT/BOL

As transformações no cerne das relações de produção levam às mudanças das


relações econômicas e políticas, acelerando ou reduzindo a dinâmica da mobilidade de
capital e de força de trabalho, de acordo com a posição e localização espacial dos
territórios. Nesse sentido, a mobilidade da população é uma das variáveis de maior
importância para se detectar a essência das formas de acumulação do capital.
A partir dos anos 1970, uma série de mudanças ocorrem na região, implicando
em mudanças nas funções dos principais núcleos urbanos, com destaque para
Cáceres, vinculadas à atração de imigrantes, principalmente do Sudeste e do Sul, que
passa a ser dotada de serviços em termos de educação superior, com a instalação da
UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso – e área de saúde, via construção
do Hospital Regional de Cáceres. Além disso, novos núcleos surgidos a partir das
emancipações passam a dotar os seus territórios de comércio e serviços
especializados, a exemplo de Pontes e Lacerda, que também aumenta a sua
população rural e urbana com implementos da pecuária e dos serviços, quase sempre
sob o comando de produtores imigrantes oriundos do Sudeste e do Sul do país.
Nova divisão do trabalho e mudanças nas relações rural-urbano na fronteira Mato 9
Grosso/Bolívia, pp.1-18

Nesse contexto, alguns desses municípios mantêm suas características culturais


com base nas populações rurais nativas, tais como Vila Bela da Santíssima Trindade,
Porto Esperidião e outros municípios. O município de Jauru perde população a partir
dos anos 90, enquanto Araputanga, São José do Quatro Marcos e Mirassol D’Oeste
passam a ter processos de industrialização leiteira e frigoríficos em substituição parcial
às culturas de plantios permanentes ou temporários.
Nos gráficos a seguir observa-se a evolução da população e as mudanças na
população rural-urbana, que contribuem para caracterizar a dinâmica populacional dos
municípios da fronteira Mato Grosso – Bolívia.

Gráfico 1 Evolução da população em municípios da fronteira MT/Bol (1970-


2007)

100000
90000
80000
70000 1970
60000 1980
50000 1991
40000 2000

30000 2007

20000
10000
0
e

da
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O Gráfico 1 (um) ilustra a evolução da população total nos municípios da


fronteira selecionados para análise. Cáceres, por ser o centro polarizador de serviços,
conta com 85 mil habitantes e, aparentemente não evoluiu porque perdeu territórios
emancipados nas décadas de 1970 e 1980. Entretanto, sua situação de eixo logístico
entre Cuiabá e Porto Velho, fazendo ligação com Santa Cruz de La Sierra, além da
função portuária histórica, atualmente contando com projetos de reestruturação
10 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

econômica, mantém uma situação geoeconômica e política com relativas vantagens


dentro do atual contexto de reestruturação regional em função das necessidades de
expansão do capital. No cerne desse modelo de desenvolvimento inserem-se as
mudanças no rural-urbano.

Gráfico 2. Evolução urbana em municípios da fronteira MT-Bolívia (1980-2000)


Evolução da população urbana
1980
70.000 1991
População

60.000 1996
2000
50.000

40.000

30.000

20.000

10.000

0
Araputanga

Vila Bela da
Jauru

Mirasol do
Cáceres

Pontes e

Esperidião

dos Quatro
Lacerda

Santíssima
São José

Trindade
Marcos
Oeste

Porto
Municípios

Fonte: IBGE. Censo e recontagem. Adaptação: Brandão Filho, 2008

Observa-se, no gráfico 2 (dois), crescimento considerável da população urbana


em Cáceres a partir dos anos 1980, fato vinculado ao aumento dos serviços
especializados em educação, saúde, segurança e assistência jurídica, além dos
assentamentos rurais de pequenos produtores na região, fatores que explicam o
crescimento urbano de Cáceres e da maioria de seus municípios vizinhos. Por outro
lado, a população residente total decresce em quase todos os municípios da região,
entre 1991 e 1996. Em Jauru a perda de população chega a mais de 30% nesse
período. Isso se deve à especialização tecnológica urbana e mobilidade da população
trabalhadora não especializada em direção a outros territórios, principalmente para
Cáceres e Pontes e Lacerda.
Além do crescimento de população urbana em Cáceres e Pontes e Lacerda,
dois municípios de formação histórica diferenciada, observa-se que a população rural
desses municípios (gráfico 3) decresce entre 1980 e 1991, mas volta a crescer nos
períodos de expansão econômica na região centro-oeste com difusão de modernização
para a zona fronteiriça de Mato Grosso com a Bolívia, especialmente a partir dos anos
1996, segundo os dados de recontagem do IBGE. Esse processo de mobilidade
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Grosso/Bolívia, pp.1-18

também quase sempre é temporário e tende a seguir a lógica dos demais territórios,
objetos de expansão econômica em fases de colonização, em função de um
determinado ciclo ou implantação de modernização agropecuária e expansão de novas
fronteiras do capital.

Gráfico 3. Evolução rural de municípios da fronteira MT-Bolívia(1980-2000)

Evolução da população rural

30.000
25.000
1980
P o p u la ç ã o

20.000
1991
15.000
1996
10.000
2000
5.000
0
J auru

M ir a s o l d o

P o n te s e

E s p e r id iã o

d o s Q u a tr o
C ác eres

S a n tís s im a
A r a p u ta n g a

Lac erda

V ila B e la d a
São J osé

T r in d a d e
M arc os
O e s te

P o r to

Municípios

Fonte: IBGE, Censo e recontagem. Adaptação: Brandão Filho, 2008

Como pode ser observado no gráfico 3 (três), nos municípios de Porto


Esperidião, Jauru e Vila Bela da Santíssima Trindade a população rural se mantém no
período 1980-2000. Isso porque esses municípios, apesar de suas diferenças em
termos históricos, contam com uma tradição rural predominante, desde as últimas
investidas de expansão do capital na região. Por outro lado, os municípios de Cáceres
e Pontes e Lacerda, também com históricos diferenciados, crescem em termos de
população urbana.
Recorde-se que os anos 1970 é o grande marco de expansão capitalista, com
aberturas de novas fronteiras, incentivos fiscais do Estado Nacional, pressões sobre a
pequena propriedade no sul e no sudeste do país e a procura de um novo eldorado
pelas classes produtoras e eternas migrantes, que em boa parte se dirigiram para Mato
Grosso. Parcela desses migrantes se dirigiram para os espaços fronteiriços, em função
12 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

das terras baratas e das colonizações incentivadas pelo Estado ou pelas colonizadoras
privadas.
Um dos principais trunfos econômicos da região fronteiriça, no pantanal
matogrossense, é o desenvolvimento da produção agropecuária. Os dados mostram
que o Brasil produziu 204,5 milhões de bovinos em 2004, 207,15 milhões em 2005 e
205,88 milhões em 2006 (IBGE, 2006). Nessa evolução da produção nacional o estado
de Mato Grosso teve participação significativa, e nele a região de Cáceres. Por sua
vez, essa nova dinâmica implicou em rearranjos territoriais, principalmente em Cáceres
e Vila Bela da Santíssima Trindade.
Os dados no gráfico a seguir mostram a importância econômica da pecuária na
área de estudo.

Gráfico 4. Efetivos de Bovinos em municípios da fronteira MT/Bolívia

1.200.000 Jauru

1.000.000
Pontes e Lacerda
800.000
Bovinos

600.000 Porto Esperidião


400.000
Vila Bela da Santíssima
200.000
Trindade
0
Cáceres
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Ano

        $      % ! !&    '      

Vale destacar que nos últimos anos o estado de Mato Grosso vem apresentando
evolução ascendente destacada na produção pecuária, colocando-se como o maior
produtor bovino do país. Em 2000 a sua produção foi de 12,5 milhões de cabeças, em
2004 passou para 25,9 milhões e, em 2006, 26 milhões.
Suzi Bonfim (2008) destaca que o Brasil é o 6o maior produtor de leite, com
aproximadamente 4,5% da produção mundial. Em 2007, o país produziu 26,7 bilhões
de litros de leite. A maior parte dos 35 mil produtores de leite encontra-se na região
oeste do estado de Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia. São 250 mil cabeças em
propriedades com até 100 hectares, o que por sua vez, caracteriza a forte presença de
pequenas propriedades modernizadas e altamente produtivas. Esse modelo se
Nova divisão do trabalho e mudanças nas relações rural-urbano na fronteira Mato 13
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contrasta com o aparente domínio de latifúndios tradicionais, com pecuária extensiva


existentes na microrregião.
O aumento na produção bovina teve pequenas alterações em 2005 em função
da febre aftosa. É importante observar que a região sob influência de Cáceres produz
elevado número de bovinos e que Cáceres e Vila Bela da Santíssima Trindade são os
municípios maiores produtores do estado de Mato Grosso. O que isso representa em
termos de mão-de-obra e de migração e de trabalho?

MUDANÇAS NO TRABALHO FORMAL

Sabe-se que a partir do processo de modernização na agricultura, o trabalho


formal é reduzido aos campos técnicos mais especializados, restando muito poucas
atividades para os trabalhadores não especializados. A força de trabalho urbana, nas
novas regiões já nasce terceirizada e com poucos trabalhadores na produção. O
comércio e os serviços predominam sobre os demais setores.
Na atual fase de mudanças no trabalho e na organização do território, o processo
de desenvolvimento e criação de novas funções, sucessivas emancipações vão
urbanizando a região da fronteira, sob a égide de um crescimento do trabalho na
agropecuária, que também impulsiona o crescimento urbano, os serviços e o comércio.
Apesar da predominância do arcaico, ou seja, da pecuária extensiva e da agricultura
ainda pouco modernizada em termos de tecnologias, observa-se que há um processo
de modernização pontual, ou seja, impulsos de modernização do campo, cujas formas
se manifestam na organização do espaço urbano em termos de dotação de serviços
em saúde, educação, segurança da fronteira, administração, planejamento e gestão
pública, atendimento jurídico, ademais da centralidade no controle e organização
fundiária rural.
É importante destacar que paralelo à pecuária há o desenvolvimento da indústria
de laticínios e dos frigoríficos, que oferecem trabalho a considerável contingente de
população de imigrantes e nativos, na maioria não qualificados. Parte dessa força de
trabalho pode cair nas malhas da exploração, também porque são fortemente
explorados em suas origens territoriais, vivendo em constante migração à procura de
renda para sobreviver; outra parte considerável está entre os trabalhadores
14 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

especializados para as áreas de saúde, educação, gestão pública ou empresarial,


assistência técnica ou para o planejamento e controle da produção.
Neste item procura-se analisar o trabalho formal na fronteira do Estado de Mato
Grosso com a Bolívia por meio de tabela, no sentido de observar a distribuição das
atividades econômicas e a utilização do trabalho formal, bem como as diferenças de
atividades dos municípios na rede sob a influência polarizadora de Cáceres.
Tabela 1. Evolução do trabalho formal em municípios da fronteira Mato Grosso-
Bolívia (1985-2007)
Ind. Transform. Serviços Comércio Adm. Pública Agropecuária Total
Municípios do Mato Grosso 1985 2007 1985 2007 1985 2007 1985 2007 1985 2007 1985 2007
Araputanga 73 2317 177 385 52 661 126 461 0 341 428 4165
Cáceres 568 1956 1315 3214 801 3963 675 3534 127 3050 3486 15717
Jauru 7 38 61 101 21 265 83 427 11 199 183 1030
Vila Bela da Santíssima Trindade 166 77 84 63 35 206 129 506 284 1511 698 2363
Mirassol D’Oeste 132 3612 310 537 234 1565 0 567 14 454 690 6735
Pontes e Lacerda 39 1789 190 1045 125 2903 114 1040 90 1920 558 8697
Porto Esperidião 0 28 2 59 0 423 0 486 0 640 2 1636
São José dos Quatro Marcos 79 1962 123 582 99 755 148 531 0 267 449 4097
Total 1064 11779 2262 5986 1367 10741 1275 7552 526 8382 6494 44440
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A tabela 1 (um) mostra a evolução do trabalho formal em municípios da fronteira


Mato Grosso-Bolívia, em 1985 e 2007, objetivando comparar o crescimento nesse
período. Na referida tabela observa-se que o crescimento do trabalho formal ocorre em
todos os setores, especialmente nos serviços, na administração pública e na
agropecuária. Na agropecuária, apesar dos impulsos de modernização que a princípio
reduz o número de trabalhadores no campo, o número de trabalhadores passa de 526
em 1985 para 8.382 em 2007, no conjunto dos municípios estudados, significando um
crescimento relativo de 1.494%. Isso ocorre principalmente na agropecuária, em função
da aplicação das leis trabalhistas no campo, antes pouco aplicadas e que significou a
formalização de grande parte dos trabalhadores que antes viviam na informalidade.
Outro fator do incremento da pecuária é a captação de trabalhadores para as fazendas,
visto que ainda não predomina o confinamento e sim a pecuária extensiva e semi-
extensiva, implicando em aumento da mão-de-obra, que é abundante e barata, parte
vinda do nordeste e parte da Bolívia, na faixa de fronteira. Nessa faixa, há propriedades
de brasileiros no lado boliviano, motivo de conflitos em 2006, entre brasileiros
“posseiros” e o atual governo.
Enfim, há problemas de posses da terra, conflitos de limites fronteiriços e entre
etnias, tais como os remanescentes negros que reivindicam os seus direitos à posse da
Nova divisão do trabalho e mudanças nas relações rural-urbano na fronteira Mato 15
Grosso/Bolívia, pp.1-18

terra, como a comunidade “Mata Cavalo” e chiquitanos nas imediações de Vila Bela da
Santíssima Trindade.
Deve-se considerar, atualmente na agropecuária, a existência de um processo de
ocupação de terras na região, parcialmente sob o controle do INCRA. Alguns dessas
ocupações se constituíram em assentamentos parcialmente modernizados a exemplo
do assentamento Sadia, às margens da BR-070, o qual conta com cerca de mil
famílias, infra-estrutura interna e relações intensas com o núcleo urbano de Cáceres,
na prestação de serviços, compra de insumos e venda de produtos.
Pode-se dizer que o rural aí existente vive engessado ao urbano. As relações de
trabalho em sua maioria são informais e, portanto, não constam nos registros do
Ministério do Trabalho e do IBGE.
À medida que o capital também é mais flexível espacialmente, também a
população trabalhadora torna-se mais móvel nos espaços de reprodução do capital.
Torna-se, portanto, mais complexa a compreensão de sua mobilidade territorial. A sua
condição de sujeito de suas ações é cada vez mais abstrata. E a sua condição de
sujeito, nos princípios básicos do capitalismo e, portanto, da modernidade, está
relacionada à sua inserção na economia, no trabalho e na geração de renda.
A atual fase de modernização exige dos agentes espaciais condições de
competitividade e elevada produtividade, com articulações entre os territórios e as
classes sociais. Os processos de mudanças nos quadros demográficos, na evolução
da população natural e migrante, na reestruturação produtiva e espacial implicam em
novas estruturas que servem às novas funções locais ou regionais, que também por
sua vez alimentam os movimentos de reprodução do capital em outras escalas,
nacional ou global, também articuladas com as escalas de reprodução ao nível dos
blocos regionais, prioritários do modo de produção e circulação na fase atual de
globalização.
As hierarquias urbanas ou rurais regionais são parte de um macro sistema que
reproduz sub-sistemas locais ou microrregionais, cujos espaços necessitam também de
organização das funções em formas de hierarquias, horizontalidades e verticalidades,
na vida econômica, política e social que implicam na existência de pólos intermediários
de comando dos processos de produção e circulação.
Entretanto, na outra face do desenvolvimento regional, o jornal “A Gazeta”
Caderno Economia, 16 de julho de 2006, diz que “Cáceres lidera alta na faixa mais
pobre”. Cáceres lidera o número de famílias na classe E. Isolada pela crise da
16 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

pecuária, concentra este ano 923 famílias na classe E contra 464 famílias no ano
passado. Um incremento de 989,92%, muito acima da média regional de aumento de
6,01%, diz o artigo. Por outro lado, a alta mais virtuosa é verificada na outra ponta do
poder de consumo, com o crescimento de mais de 600% no numero de famílias na
classe A1 em Cáceres. A elite do consumo e renda na cidade é composta hoje por 163
domicílios contra apenas 23 famílias no ano anterior. A classe A1, segundo os critérios
do Instituto Target é a que possui renda familiar superior a R$11.070,00 por mês. O
estudo aponta a existência de 4.699 famílias na elite do consumo regional contra 3.407
famílias na mesma posição social em 2005, aumento de 37,92% ante o índice de alta
de 27,88% no país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foi possível verificar alguns aspectos das relações entre o rural e
o urbano na região estudada. No campo teórico, sabe-se que há evidentes
divergências quanto à dicotomia rural-urbano. Essas servem para ocultar a essência
classista da formação do espaço urbano como matriz de poder e de gestão do capital,
sem considerar a essência das múltiplas relações que ocorrem na totalidade espacial.
As classes hegemônicas agem de acordo com as possibilidades dadas nos contextos
temporais e espaciais.
Neste sentido, observa-se que há singularidades nas questões urbanas e
regionais da área de estudo. Entretanto, as singularidades manifestadas servem como
oxigênio nas disputas entre os territórios e as classes, complementando-se nas suas
formas de acumulação. O nível de articulação entre o rural e o urbano, na fase atual,
depende do nível de desenvolvimento das forças sociais, tecnológicos e da
organização da produção no lugar.
As informações empíricas, confrontadas com o campo teórico conceitual sobre a
questão urbana e rural nos fazem compreender que numa região na qual o capital está
avançando e se consolidando enquanto forma produtiva moderna, aumentando o nível
de produtividade do espaço e sendo pólos logísticos de transportes, também aponta
para crises e, por sua vez, deslumbram-se novas alternativas de produtos de acordo
com as demandas do mercado mundial ou macro-regional.
Nos municípios da fronteira Mato Grosso-Bolívia, a atual reorganização do
espaço se insere na nova divisão territorial do trabalho, na qual o rural se moderniza,
Nova divisão do trabalho e mudanças nas relações rural-urbano na fronteira Mato 17
Grosso/Bolívia, pp.1-18

articula o território e possui certa hegemonia econômica das as atividades urbanas


regionais. Portanto, há hibridismo e simbiose entre as atividades econômicas, políticas,
culturais e sociais, urbanas e rurais, no atual contexto de expansão e acumulação do
capital, presentes no espaço estudado. Nesse sentido, as relações rural-urbanas se
configuram como dialéticas e dependentes entre si, fazendo parte das relações sociais
e de produção de excedente, comandados pelo global, mas realizando-se a partir do
local ou do regional, configurando-se em diferentes formas de organização territorial
que articulam os diversos níveis escalares e de classes sociais, para a efetiva
realização do projeto sob hegemonia dos interesses do modelo de acumulação vigente,
com base na nova divisão territorial do trabalho.
18 XIX ENGA, São Paulo, 2009 BRANDÃO FILHO, J. B.

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