NAZZARI, Rosana Kátia (Org.). Partidos, Representação e
Comportamento Eleitoral no Brasil. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. 195p.
Patrícia Rodrigues Chaves da Cunha
Rosana Kátia Nazzari reúne nesta obra autores com diversas
abordagens teóricas, para examinar o comportamento político brasileiro. A identificação de desafios a serem enfrentados pelo regime democrático no Brasil é a principal contribuição do livro, que busca investigar a maneira pela qual o comportamento político brasileiro tem se relacionado com as formas de representação política. Os capítulos do livro se vinculam através da constatação dos limites que a herança autoritária impõe às formas de representação política. No capítulo inicial, Rosana Kátia Nazzari & Mirian Terezinha Nazzari investigam a relação entre Estado e sociedade, a partir da obra Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro (1989), examinando a constituição de uma ordem política patrimonialista-autoritária e a transição para democracia no país. O objetivo das autoras é analisar a trajetória política brasileira desde o Império até o período do Estado Novo. Para esse fim, elas estabelecem um dialógo frutífero com autores como Holanda (1969), Leal (1976), Uricoechea (1978), Baquero (2001) e Bosi (2004), entre outros especialistas da literatura. As autoras, ao investigarem o desempenho dos atores sociais, as disputas de poder, as crises e os conflitos existentes nos diferentes períodos da história política brasileira, demonstram a prevalecência de um estamento burocrático, entendido como uma categoria fechada em si mesma, que desempenhou o papel de principal agente político, e que nunca reconheceu na sociedade a capacidade para tomada de decisões importantes. Esse padrão autoritário, que se mantém ininterrupto na passagem da relação Metrópole-Colônia para a de Estado-Nação, chega ao Estado Novo para promover uma modernização conservadora que segue a lógica do autoritarismo instrumental. Essa tradição configurou para as autoras, "uma sociedade amorfa, passiva e moldável combinada a uma burocracia patrimonial, sem racionalidade, sem ética e voltada
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aos jogos de interesses" (p. 54). Dessa forma, é estabelecida uma
cultura política que. para se transformar, exige um projeto democrático que incorpore a população excluída no processo de tomada de decisões, estabelecendo uma nova forma de representação política efetiva. Seguindo nessa linha de análise o trabalho realizado no primeiro capítulo do livro, Rosana Kátia Nazzari & Elizabeth Maria Lazzarotto destacam a importância de recuperar a memória para o processo de aprendizado humano para evitar a repetição de equívocos pelas sociedades. Tal esforço passa pela promoção da análise da imbricada relação entre o autoritarismo, o desenvolvimento e a internacionalização do capital no Brasil. Nesse sentido, as autoras destacam o papel do Estado como mediador dos interesses da Nação e do povo, e sua transformação em representante dos interesses do capital ao monopolizar o poder. A investigação sobre esse processo, suas relações e contradições, leva à conclusão de que "a crise atual do Estado patrimonial brasileiro se dá pela sua incapacidade de atender às demandas, levando à ingovernabilidade e até ao colapso do Estado neopatrimonial" (p. 89). A constatação é de que a cultura política brasileira gerou um comportamento de dependência da sociedade civil em relação ao Estado, e que o mesmo não pode mais sustentar essa relação. Essa conformação histórica, apontada pelas autoras, demonstra a possibilidade de países serem levados ao desgoveno sem maiores convulsões sociais, na medida em que não estabelece, nem cultiva, regras claras de relacionamento e negociação na sociedade. O panorama sócio-histórico traçado nos dois primeiros capítulos desta obra se constitui em importante suporte para as análises do comportamento eleitoral efetuadas no restante do livro. Dessa forma, Julian Borba relaciona os conceitos de cultura política, ideologia e comportamento eleitoral com o objetivo de estabelecer padrões de comportamento político do eleitor brasileiro. O autor utiliza o conceito de cultura política (ALMOND e VERBA, 1963) com o objetivo de "explicar o comportamento político dos indivíduos, destacando a forma como os valores culturais são
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componentes endógenos da tomada de decisão" (p. 98). Abordagem
que, para escapar do determinismo culturalista, será relacionada ao conceito de ideologia (THOMPSOM,1995) para refletir de que forma as contruções ideológicas têm produzido impactos na cultura política, e se é possível uma ideologia se materializar nessa cultura. Com essas questões em mente, Julian Borba utiliza a diferenciação realizada por Debrun (1983; 1989) entre ideologia primária e secundária para estabelecer uma aproximação com a interpretação que Zizek (1996) faz do pensamento de Hegel. De acordo com o autor, referindo-se a Zizek (1996), a distinção da religião em três grandes momentos, doutrina, crença e ritual, permite distribuir a operação da ideologia em: "(1) ideologia como um complexo de idéias (teorias, convicções, crenças, métodos de argumentação); (2) a ideologia em seu aspecto externo, ou seja a materialidade da ideologia, os aparelhos ideológicos de Estado; (3) e, por fim, o campo mais fugidio, a ideologia “espontânea” que atua no cerne da própria "realidade" social" (p. 102). Ao estabelecer essa relação, Borba procura um referencial explicativo para o comportamento eleitoral brasileiro, caracterizado por ter um baixo grau de informação, além de um grau difuso e pouco estruturado das opiniões públicas da maioria do eleitorado. A argumentação conclui que os eleitores brasileiros têm atribuido um grande peso às imagens, ou atributos dos candidatos, como competência ou honestidade, apresentando historicamente um comportamento de personalização da política, que só começa a aparecer recentemente em democracias avançadas. Esse fênomeno seria decorrente da "conjugação de cidadãos pouco sofisticados com a constante difusão de ideologias antidemocráticas" (p. 118), constituíndo o elemento central da cultura e comportamento político brasileiro. Os dois últimos capítulos direcionam suas análises para os partidos políticos paranaenses. Rosana K. Nazzari procura reconstruir a memória de fatos que marcaram a história e a situação dos partidos na transição política brasileira, e em particular no Paraná. Enquanto Emerson Urizzi Cervi encerra o livro chamando atenção para as
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desigualdades regionais existentes no país. Diferenças que, por sua vez,
geram organizações políticas quase autônomas em relação às outras regiões. O exame histórico da conformação e do comportamento político dos principais partidos no Paraná, realizado por Rosana Nazzari, conclui que poucos deles obtiveram algum grau de representatividade no estado. No período de 1945 a 1985, os partidos que se destacaram foram a UDN, o PTB, o PSP, o PDS e o PMDB. A aproximação com o Executivo se deu, sobretudo, com o PTB e com o PMDB, sendo que esse último se mantém até os dias atuais. A análise de Nazzari contribui com o capítulo de Emerson Urizzi Cervi, centrado na institucionalização partidária no Paraná, entre 1987 e 2002. De acordo com o autor, a observação dos comportamentos partidários locais são importantes para perceber o fortalecimento, ou não, dos partidos e suas implicações no combate ao personalismo político. Dessa forma, o PDT, que nacionalmente é visto como um partido disciplinado, coeso ideologicamente e estável, é o objeto da investigação de Cervi no Paraná. Ele verifica se houve um processo de institucionalização do PDT por meio das seguintes variáveis: índice de permanência média dos parlamentares na Assembléia Legislativa, índice de permanência média dos parlamentares na bancada, existência, ou não, de uma grande liderança regional no partido, e presença, ou ausência, do partido no governo do Estado. O autor atesta que, nos anos 1990, o PDT do Paraná cresceu apenas quando tinha uma forte liderança regional à frente de sua legenda. Isso ocorre independente de estar no governo ou na oposição. Ele constata que em 2000, sem a presença forte de um líder, o partido não conseguiu se fortalecer. A maior institucionalização do PDT só veio a acontecer em 2002, quando o partido volta a ter uma forte liderança regional. A análise desses fatos permite ao autor concluir que o fênomeno vivido pelo PDT pode ser atribuído a outros partidos no estado, como o PFL. O dado novo e curioso trazido pelo artigo é que o PTB, que
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demonstra uma ausência de fortes lideranças regionais e nunca
apresentou candidatos ao governo do Estado, foi o único a apresentar uma tendência positiva de institucionalização. Dessa maneira, Cervi fortalece os argumentos apresentados durante o livro sobre a cultura política brasileira, enquanto autoritária, e de um comportamento político marcado pelo clientelismo e personalismo. A obra segue a trajetória percorrida por autores como Moisés (1995), Baquero (1997), Fausto (2006) e Weffort (2006), entre outros, que através de abordagens diversas, investigam a formação e as instituições do país na busca de compreender o pensamento político brasileiro. O diferencial dos artigos apresentados está na valorização da análise histórica e cultural para compreender a conformação particular que caracteriza o Brasil. Dessa forma, o livro quebra visões ortodoxas ao buscar na formação, nos valores e comportamentos brasileiros as explicações para o funcionamento de nossas instituições políticas.
Patrícia Rodrigues Chaves da Cunha é Doutoranda do Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bolsista do CNPq e Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa sobre a América Latina– NUPESAL/UFRGS. E-mail: pattyycunha@yahoo.com.br
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