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Nem sempre é fácil compreender os textos dos filósofos. Por um lado, tais textos
não são, em geral, introdutórios. Ou seja, não foram escritos tendo em mente os
estudantes que dão os primeiros passos na disciplina; pelo contrário, foram
escritos tendo em mente os seus colegas, os outros filósofos. Por outro lado,
quando uma ideia surge pela primeira vez, aparece com complexidades e
dificuldades de expressão desnecessárias. Depois de uma ideia ter sido
amplamente discutida e estudada é muito mais fácil simplificá-la e clarificá-la,
distinguindo o importante do acessório; o papel do professor é precisamente
fazer este trabalho de simplificação e clarificação.
Assim, para compreender correctamente um texto filosófico é necessário ter
a ajuda de livros introdutórios, dicionários de filosofia, manuais escolares e
professores. Com essa ajuda, podem dar-se os primeiros passos na compreensão
dos textos filosóficos. Este livro oferece vários tipos de ajudas para compreender
os textos dos filósofos:
1. Os problemas a que os textos respondem são clara e previamente formulados;
2. As ideias centrais de cada texto são destacadas e explicadas brevemente;
3. As tarefas de Contextualização permitem encontrar informação relevante
complementar para a compreensão cabal do texto;
4. As tarefas de Interpretação permitem testar a cabal compreensão do texto;
5. As Leituras complementares e os Recursos na Internet indicam leituras
introdutórias esclarecedoras.
Uma boa maneira de usar este livro é ler cada texto olhando a par e passo para as
tarefas de interpretação. Desse modo, os aspectos mais importantes do texto
tornam-se mais salientes, o que facilita a leitura.
Para compreender correctamente um texto de um filósofo é necessário ter a
experiência de pensar directamente nos problemas que tal texto procura
resolver. Ao fazê-lo, compreendemos a que tipo de intuições o filósofo está a
tentar dar voz. Quando os problemas da filosofia se tornam vivos para nós,
compreendemos subitamente como um texto filosófico com mais de mil anos
pode ser vivo e actual. Para ajudar a pensar directamente sobre os problemas da
filosofia, este livro inclui questões de
desenvolvimento: Discussão e Problemas. No primeiro caso, trata-se de
discutir as ideias de cada um dos textos estudados; no segundo, trata-se de
discutir o próprio problema a que os diferentes textos de cada secção
respondem. Sobretudo no segundo caso, as respostas devem consistir em
pequenos ensaios de cerca de setecentas palavras (cerca de página e meia), com
base no estudo dos textos, leituras complementares e recursos na Internet
indicados.
As questões de desenvolvimento são de resposta aberta, diferindo das
tarefas deInterpretação nos seguintes aspectos:
1. As respostas às tarefas de Interpretação estão quase na sua totalidade nos próprios
textos. Para lhes responder pouco mais é necessário do que compreender cabalmente o
que se leu. Isto não acontece no caso da Discussão nem dos Problemas. Nestes
últimos casos, é necessário pensar por si e tomar posição; não basta estudar com
atenção os textos.
2. As respostas correctas às tarefas de Interpretação não permitem grandes variações;
há apenas um conjunto muito restrito de variações aceitáveis nas respostas. O mesmo
não acontece no caso daDiscussão nem dos Problemas; nestes casos, é possível
responder correctamente de inúmeras maneiras — o importante é o modo como se
argumenta a favor da resposta.
3. As respostas correctas às tarefas de Interpretação quase não exigem qualquer tipo
de capacidade discursiva: basta dizer mais ou menos pelas mesmas palavras o que se
acabou de ler. O mesmo não acontece no caso da Discussão nem dos Problemas,
que exigem alguma capacidade discursiva. Isto é, exigem a capacidade para articular um
pequeníssimo ensaio que responda ao problema.
Problemas
Para discutir correctamente as ideias dos filósofos é necessário compreender
correctamente o problema que está em causa. Se não compreendemos que
problema está o filósofo a tentar resolver num dado texto, não compreendemos
muito bem o próprio texto. Neste livro, os textos são precedidos por breves
explicações dos problemas em causa.
Uma boa maneira de testar a compreensão dos problemas é procurar
formulá-los de forma muito directa e clara numa única pergunta. É por isso que
cada secção deste livro começa precisamente com uma pergunta; por exemplo:
1. O que é uma acção?
2. É o livre-arbítrio compatível com o determinismo?
3. Será que a diversidade cultural implica o relativismo cultural?
Teorias
Para discutir correctamente as ideias dos filósofos é necessário compreender
cabalmente a teoria que o filósofo está a defender no texto em causa. Usam-se
indiferentemente os termos "teoria", "tese" ou até "ideia" para referir o que os
filósofos defendem. Em termos mais rigorosos, umateoria é um complexo
organizado de afirmações (uma teoria pode conter várias teses), ao passo que as
teses ou ideias são apenas as posições dos filósofos, podendo não ter o grau
necessário de complexidade organizada para serem verdadeiras teorias. Mas esta
distinção não é relevante nesta fase do estudo.
O importante é saber que, para compreender cabalmente uma teoria ou
ideia de um filósofo, é necessário saber o seguinte:
1. Como se articulam os diferentes aspectos da teoria?
2. Como responde tal teoria ao problema filosófico que se propõe resolver?
3. A teoria é plausível?
4. A teoria é mais plausível do que as teorias alternativas?
Argumentos
É necessário procurar os argumentos ou razões que os filósofos apresentam a
favor das suas ideias. Um argumento é muito diferente de uma simples
afirmação. Uma afirmação ou proposição não nos dá qualquer razão para a
aceitarmos; limita-se a declarar algo que pode ser verdadeiro ou falso (ainda que
ninguém saiba se é verdadeiro ou falso). Eis alguns exemplos de afirmações:
• O livre-arbítrio é uma ilusão.
• A ética é relativa à sociedade.
• Não é possível definir a arte.
Um argumento sólido não pode ter conclusão falsa. Isto significa que, se estamos
perante um argumento sólido, temos de aceitar a sua conclusão.
Não basta, contudo, que um argumento seja sólido para ser bom. É preciso
que, além de sólido, tenha premissas mais plausíveis do que a sua
conclusão.
Assim, para argumentar correctamente, é necessário usar argumentos
sólidos com premissas mais plausíveis do que a conclusão. Quando as premissas
não são mais plausíveis do que a conclusão, quem não concorda com a conclusão
também não irá concordar com as premissas. É por isso que alguns argumentos
sólidos não são bons. Por exemplo, o seguinte argumento não é bom, mesmo que
seja sólido, porque as suas premissas não são mais plausíveis do que a sua
conclusão:
Se Deus existe, a vida faz sentido.
Deus existe.
Logo, a vida faz sentido.
Neste caso, as premissas não oferecem boas razões para aceitar a conclusão, pois
aquelas são, no mínimo, tão discutíveis como esta. Assim, é difícil fazer alguém
aceitar a conclusão com base em premissas que suscitam tão grande discussão. A
força de um argumento nunca é superior à força da mais discutível das suas
premissas.
• Um argumento bom ou forte obedece a três condições:
1. É válido;
2. É sólido;
3. Tem premissas mais plausíveis do que a conclusão.
Tomar posição
Diz-se que a filosofia é "o lugar crítico da razão", uma expressão algo pomposa.
Mas que quer isto dizer? Quer dizer que em filosofia, como começámos por
explicar, se exige aos estudantes que tomem uma posição crítica — e não apenas
que compreendam o que dizem os especialistas, como é comum ao estudar
matemática ou história.
Imaginemos que vamos ao médico porque temos um problema muito
complicado. Tão complicado que exige um estudo muito atento da parte do
médico — e talvez diferentes médicos tenham diferentes opiniões sobre o nosso
problema. Há dois tipos de reacções do médico que não desejamos. Não
queremos que o médico se limite a dizer o que vem nas enciclopédias e livros de
medicina; isso poderíamos nós fazer calmamente em casa. Queremos que o
médico tome uma posição pessoal: que faça um diagnóstico. Mas também não
queremos que tal diagnóstico seja feito na mais completa ignorância da ciência
médica e sem qualquer reflexão por parte do médico: para ter palpites desses
não iríamos ao médico, pois até o padeiro nos pode dar palpites desse género.
Em suma, não queremos que o médico recite enciclopédias nem que dê palpites
de amador. Queremos uma opinião pessoal, certamente, mas uma opinião
profissional. Ou seja, uma opinião baseada 1) num conhecimento sólido da
medicina e 2) numa reflexão sistemática do médico.
Alguns estudantes ficam surpreendidos quando descobrem que em filosofia
têm de dar a sua opinião, não se tratando apenas de compreender e explicar o
que pensam os filósofos. Só que os estudantes têm muitas vezes uma ideia
errada do tipo de opinião que lhes é exigida. O tipo de opinião que se pede em
filosofia é o mesmo tipo de opinião que pedimos ao médico: uma opinião
profissional. No nosso caso, uma opinião é profissional quando se baseia num
conhecimento amplo dos problemas, teorias e argumentos da filosofia relevantes
para o tema em causa, e quando resulta de uma reflexão sistemática. Isto não
significa que não se possa concordar com um dado filósofo em relação a certo
aspecto. Significa apenas que, se concordamos com ele, temos de dar razões para
isso. E essas razões não podem consistir na mera repetição das razões do
filósofo; ao invés, têm de resultar de uma opinião reflectida e têm de ser as
nossas razões.
Isto significa que as opiniões "filosóficas" que temos antes de estudar
filosofia não são opiniões profissionais, precisamente porque antes de estudar
filosofia não temos um conhecimento mínimo dos conteúdos centrais da
disciplina; não sabemos o que pensam os grandes filósofos do passado e do
presente; e não se reflectiu de forma sistemática sobre o tema em causa. Só
quando se faz tudo isto podemos ter uma opinião profissional sobre os temas da
filosofia. Ajudar a dar os primeiros passos nesta direcção é o que este livro
procura fazer.
Desidério Murcho
Aires Almeida
Obras de consulta
• Almeida, Aires (org.) (2003) Dicionário Escolar de Filosofia. Lisboa: Plátano.
• Kenny, Anthony (1998) História Concisa da Filosofia Ocidental. Lisboa: Temas &
Debates, 1999.
Leitura complementar
• Kolak, Daniel e Martin, Raymond (2002) Sabedoria sem Respostas: Uma Breve
Introdução à Filosofia. Lisboa: Temas e Debates, 2004.
• Warburton, Nigel (1995) Elementos Básicos de Filosofia. Lisboa: Gradiva, 1998.
• Nagel, Thomas (1987) Que Quer Dizer Tudo Isto? Uma Iniciação à Filosofia. Lisboa:
Gradiva, 1995.