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Galileu

Errante
O Evangelho
Segundo Khalil

Lou Mello
Dedicado à Dedé,
minha amada esposa
ea
Carolina, Pedro e Thomas,
meus filhos queridos.

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Conteúdo

Apresentação
1- A Testemunha Trans-secular
2. O meu grande amor
3. Uma Grande Luz
4. Pescadores de Homens
5. Levou sobre si as nossas dores

As Bem Aventuranças
6. A felicidade maltrapilha
7. Lágrimas Valorosas
8. Os famintos
9. Os Misericordiosos
10. Corações purificados
11. Os Pacificadores
12. Perseguidos
13. Recompensados

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Apresentação

Bom, é o seguinte:

Comecei a escrever esse texto em 2006. Desde a leitura de “Minha Vida, Minhas Idéias” de
Albert Schweitzer fiquei traumatizado por nunca ter pensado em escrever a minha versão sobre a
Vida de Jesus Cristo. O Albert leu trocentos livros antes de escrever a dele, e eu li, até aqui, alguns.
Conforme escrevo, faço consultas sobre coisas que lembro vagamente, apenas. Às vezes pego um
comentário ou corro atrás de alguma informação na Internet, mas a maior parte está saindo lá de
dentro, sei lá se da alma, do coração ou algum anjo anda por aqui me ditando esse monte de
palavras e frases. Talvez até, eu seja capaz de escrever sobre o cara que mais tenho lido, pensado e
defendido ao longo de minha vida, ainda que isso seja pouco acreditado.

Por enquanto, não escrevi muito, falta uma parte considerável do Evangelho, a ser coberta. A
propósito, o texto de referência é o Evangelho segundo S. Matheus, que apesar dos pesares, é meu
evangelho preferido.

Acho que há uma boa possibilidade disso vir a se tornar um livro. Se alguma editora se interessar
em publicá-lo, tanto melhor, estou mesmo precisando de uns bons trocados. Caso contrário, farei
como me apraz, ou seja, deixo-o aberto para ser baixado por todos os corajosos que desejarem.

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A testemunha trans-secular

Ao longo da vida, convivi com a sensação de haver algo a cumprir. Dentre as muitas
idéias e dos sonhos recorrentes, havia o constante desejo de empreender viagem pela
Terra Santa. Muitos foram os motivos, pelos quais, esse objetivo foi sendo colocado em
segundo plano. Entretanto, em dado momento, os astros alinharam-se e coloquei-me a
caminho.
Imaginava realizar uma visita particular. Resisti firmemente à idéia de fazer parte de um
grupo com idéias preconcebidas. Queria caminhar e visitar os lugares, segundo meu
próprio roteiro. E foi assim. Desembarquei no aeroporto de Tel-Ave-ive e hospedei-me
em um bom hotel, onde pude preparar-me com um certo cuidado. Comprei mapas da
região, roupas apropriadas e o equipamento básico. Decidi começar a partir da Galiléa.
No meu terceiro dia em solo prometido, fechei minha conta no hotel às cinco horas da
manhã e rumei ao norte, em direção à Galiléa. Lá chegando, parei junto a um lago muito
grande, conhecido como mar da Galiléa. Durante algum tempo, estive observando as
pessoas à margem daquelas águas tranqüilas. Alguns eram pescadores e estavam ali
fazendo seu trabalho. Outros, eram compradores a espera dos barcos chegando com o
carregamento de peixes. Havia bancas para comercialização do pescado e onde era
possível divisar um ajuntamento maior de pessoas, certamente, a oferta era melhor.
Sentei-me em uma pedra grande em formato de banco para descansar. Um barco
navegando longe da pequena praia chamou minha atenção devido ao reflexo do sol em
seu casco. Fiquei olhando seus movimentos durante um longo tempo. Um menino me
ofereceu água e pão por uma moeda e aceitei, de bom grado. Reparei na presença de um
homem, próximo ao local onde eu estava. Devia ter cerca de trinta anos, a minha altura,
era magro, mas forte, vestia túnica comprida com colete, sandálias da região nos pés e
não usava turbante. Seu cabelo escuro estava cortado na altura do pescoço e, na frente,
não cobria seu rosto. Ele estava me observando e resolvi oferecer-lhe o pão e água,
recém adquiridos. Para minha surpresa ele aceitou. Certamente, era a oportunidade para
o início de uma conversa. Mas ele não disse nada. Tomou o pão, levantou-o na direção
do céu e agradeceu. Enquanto mastigava mansamente não consegui desviar o olhar
daquela figura singular. Uma estranha atração crescia em meu interior e pensei, em um
instante, em perguntar-lhe algo, qualquer coisa capaz de iniciar nossa conversa.
Entretanto, antes de qualquer palavra sair de minha boca ele disse. Estou indo na
direção do rio Jordão. Meu primo está lá com um grupo de pessoas. Gostaria que você
viesse comigo. Nesse momento aconteceu algo extraordinário comigo. Um misto de
sentimentos e sensações jamais sentidas, como se estivesse sendo arrebatado a lugares
longínquos jamais conhecidos ou a outros tempos e sem controle da razão, surpreendi-
me dizendo sim ao convite feito pelo estranho e cativante homem.
Caminhamos por longo tempo. Meu companheiro era capaz de caminhar a passos largos
sem perder sua elegância natural, própria de um oriental de fina estirpe. Enquanto
percorríamos a distância até nosso objetivo ele falou sobre o oriente, a Terra Santa e
sobre as pessoas habitantes desses lugares, com uma ternura desconhecida para um
ocidental acostumado a julgar e censurar as pessoas, como eu. Ele mencionou sua
preocupação com a culpa sentida pela maioria. Não entendi muito bem esse ponto, mas
percebi que sua observação me incluía e o povo de onde eu vinha.
Quando chegamos às margens do rio Jordão, caminhamos em direção a um grupo de
pessoas. Alguns estavam dentro da água e muitos os observavam. Pouco antes de os
alcançarmos ele colocou sua mão em meu ombro e disse com um ar muito solene:
“Nesse momento iniciaremos uma missão da qual você será testemunha. Anote tudo que
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puder para relatar ao seu povo. Observe e ouça, não interfira. Sua missão será essa.”
Essas palavras me atingiram como um raio. Não consegui pensar, julgar ou esboçar
qualquer reação. Apenas o segui. Ele aproximou-se do grupo e parou na margem junto
às águas. Um homem, dos que estava dentro da água, com aparência rude discursava
aos demais dizendo:
- “Eu batizo com água para arrependimento. Mas, depois de mim, vem alguém mais
poderoso do que eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas sandálias. Ele os
batizará com o Espírito Santo e com fogo. Ele traz a pá em sua mão e limpará sua eira,
juntando seu trigo no celeiro, mas, queimará a palha com fogo que nunca se apaga.”
Nesse momento, meu companheiro de viagem, descalçou suas sandálias e entrou na
água em direção ao homem que falava. Este, estendendo a mão para que parasse, disse-
lhe:
- “Eu é que preciso ser batizado pelo senhor.”
Tratei de anotar tudo e não tive tempo de refletir, pois aconteceu tudo muito rápido.
Meu amigo respondeu:
- “Batiza-me, por favor, porque eu devo fazer tudo o que é certo”
O homem concordou. A seguir batizou meu amigo. Os fatos seguintes foram
inacreditáveis Eis o que vi e ouvi: Um pombo pousou nele e uma voz estrondosa e ao
mesmo tempo mansa ouviu-se dizendo:
- “Este é o meu Filho amado, em quem tenho toda a alegria.”
Então, saiu da água, calçou as sandálias e me fez sinal para segui-lo. Reparei nos rostos
das pessoas e vi em todos a mesma expressão de perplexidade que devia estar
estampada no meu. Ninguém ousou dizer nada e muito menos eu.
Durante algum tempo seguimos sem dizer nada um ao outro. Aí ele me disse: “Aquele
era meu primo. O nome dele é João. È filho de minha tia Isabel. Ele vive há algum
tempo no deserto, alimenta-se de mel silvestre e veste-se com roupas feitas de pelo de
camelo.” Nesse instante, aproveitei para perguntar sobre o que havia acontecido no
momento do batismo. E ele me disse:
- “Naquele momento o céu se abriu e eu vi o Espírito Santo descendo e pousando, como
um pomba, sobre mim e ouvimos a voz, que você ouviu, também.”
Senti alguns calafrios. Dei-me conta da magnitude da pessoa ao lado de quem estava
caminhando. Só conseguia pensar em como eu não era digno de estar ali. Cheguei a
imaginar em algum engano. Quase cheguei a protestar. Antes disso, ele me olhou com
um olhar indescritivelmente penetrante e, de alguma maneira, entendi sua consciência
sobre minhas preocupações. Aquele olhar acalmou-me e fez-me sentir uma imensa
tranquilidade.
De repente pensei na necessidade de me apresentar. Dizer-lhe meu nome e perguntar o
dele. Mas, antes que pudesse pronunciar uma sílaba ele me disse: “Se você não se
opuser, o chamarei de Khalil ( O nome significa o escolhido, o amigo amado, como
descobri mais tarde) e você pode me chamar de Jesus, o meu nome conhecido.” Outra
vez suas palavras pareceram uma faca afiada cortando-me de cima a abaixo. Mas, gostei
do nome, embora fosse um nome árabe. De fato eu não sou judeu e um nome árabe fez
justiça não só ao fato de eu não ser judeu como também à minha aparência. Tempos
depois, quando descobri o significado do nome que ele me dera, meus olhos encheram-
se de lágrimas e cada vez que ele me chamou a partir daí, não pude deixar de
emocionar-me.
Continuamos a caminhar. Eu não tinha idéia sobre a direção que estávamos seguindo,
então ele falou-me estar sendo guiado pelo Espírito Santo em direção ao deserto para ser
tentado. Chegamos a um pequeno acampamento de viajantes na entrada do deserto da
Judéia. Ali ele recomendou que aquelas pessoas cuidassem de mim providenciando o

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que fosse necessário enquanto ele estivesse no deserto e depois me disse para aguardá-
lo ali. Ele iniciaria um período de jejum e oração a partir daquele momento.
Durante um longo tempo ele ficou naquele deserto jejuando e orando. De onde eu
estava conseguia vê-lo. Durante todo esse tempo, sentado em uma esteira sobre a areia,
procurei não perde-lo de vista. Durante o dia observava cada movimento dele. A noite,
dentro de uma tenda, perdia-o de vista quando adormecia ou quando a noite ficava
escura demais. O pessoal do acampamento respeitando meu interesse, servia-me e
tratava de falar o mínimo comigo. Durante esse tempo pude refletir sobre o que estava
acontecendo, sobre o privilégio e a honra a que fora conduzido, sem qualquer
merecimento ou justificativa. Para um ocidental como eu, nada fazia sentido, mas eu
estava completamente encantado por meu novo amigo, sua origem, sua missão, seus
gestos, enfim, tudo nele me cativara e eu nunca pensei em estar em qualquer outro lugar
naqueles dias. Pensei ainda em toda a minha vida até aquele instante. Não havia
realizado muito. Com exceção de minha família, não possuía mais nada que valesse a
pena qualquer sacrifício. Pensava, antes desses fatos iniciarem, que a vida não tinha
muito sentido e agora começava a perceber a necessidade de olhar além do meu
umbigo. Por outro lado não fizera nada em favor do que estava me acontecendo. Ele
viera ao meu encontro e me escolhera. Minha ida a Terra Santa não tinha esse propósito.
Ele me deu um novo rumo. Na verdade me deu uma vida. Ele estava longe de mim,
fisicamente falando, mas, de alguma forma, continuava conversando comigo. Estava lá
ocupado em uma suprema missão incompreensível para mim e, ainda assim, dedicava-
me atenção suficiente.
Passei tanto tempo olhando-o, durante o dia sob intenso sol e a noite sob frio terrível.
Às vezes minha visão turvava-se e os objetos ficavam disformes. Foi em meio a essas
dificuldades que tive a impressão de ver feras aproximando-se dele, mas guardando
respeitável distância, enquanto homens vestidos de branco o serviam. Entretanto, no
segundo seguinte já não havia nada, só sua silhueta marcante em inabalável e
determinada saga.
No quadragésimo dia, logo após a aurora, ele ergueu-se e iniciou a caminhada de volta e
veio em minha direção. Creio ter visto seu rosto resplandecer durante todo o percurso.
Tal foi a impressão causada por aquela visão que fui incapaz de desviar o olhar dele.
Quando chegou, olhou-me, colocou suas mãos sobre meus ombros e disse: “Khalil,
guarda bem tudo o que viu nesses dias.Haverá momentos em que você deverá lembrar à
humanidade desses acontecimentos.” Ainda era cedo, mas o sol já estava muito quente.
Os viajantes haviam providenciado vestimentas mais apropriadas para eu enfrentar
aquele calor. Uma túnica negra, coberta com um espesso colete claro e um turbante do
mesmo tecido da túnica com presilha de couro tecida à mão. Nos pés eu já adotara as
sandálias. Tudo isso tornava mais suportável o clima implacável do lugar. Também me
deram um recipiente, feito de couro de cabras, cheio de água. Então, depois de abençoar
a todos no acampamento, convidou-me a iniciar viagem de volta à Galiléia.
Seguimos rumo norte, andando sempre próximo às margens do Rio Jordão. Enquanto
caminhávamos, ele descreveu-me os acontecimentos durante os dias em que esteve lá
no deserto. Após ter jejuado quarenta dias e quarenta noites, sentiu fome. De alguma
forma isso deu ocasião à aproximação do tentador com a seguinte sugestão: “Se você
conseguir transformar estas pedras em pães, provará que é o filho de Deus.” Ao que
ele respondeu: “As escrituras nos dizem que o pão não saciará a alma dos homens; o
que nós precisamos é obedecer a todas as palavras de Deus.” Então, o tentador o levou
em espírito a Jerusalém colocando-o sobre o telhado do templo e disse: “Salte daí”,
disse ele, “prove que é o filho de Deus”, pois, as escrituras dizem “Deus enviará anjos
para impedirem que se machuque, eles não deixarão você despedaçar-se nas pedras lá

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embaixo.” Jesus replicou: “Porém, as escrituras também dizem que não devemos impor
ao Senhor Deus uma prova tão absurda.” Em seguida, o tentador o levou ao alto de
uma montanha muito alta e mostrou-lhe as nações do mundo e toda a glória delas
dizendo: “Eu lhe darei tudo isso se você, apenas, ajoelhar e me adorar .” A isso Jesus
disse: “Saia daqui. “As escrituras ordenam: Adore e obedeça ao Senhor Deus,
somente.” O tentador obedeceu-lhe e foi-se embora.
Foi nesse momento que vi os anjos servindo-o. Ao ouvir esse relato impressionante,
minha sensação era que ele estava tentando me mostrar as sutilezas e os meios do
tentador para arrebatar o ser humano, ao mesmo tempo em que enfatizava o uso da
principal arma contra esse ser abominável, as palavras contidas nas escrituras. Nesse
momento, o sol começava a sumir no horizonte, criando um reflexo extraordinário nas
águas do rio Jordão, iluminando seu leito largo e caudaloso naquele ponto. Assim como
o sol ilumina o rio, Deus ilumina o nosso caminho através de suas palavras. Ele estava a
meu lado e sem dizer nenhuma palavra, naquele instante, me falava profundamente .

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O meu grande amor

Vínhamos de Jerusalém onde estivemos vários dias e o mestre havia realizado a maior
série de ensinamentos de todas, deixando todos nós muito tristes porque falara muito
dos tempos que viriam, do julgamento dos gentios e de sua maior obsessão: seu
martírio. Havia todo um clima ruim. Ouvíamos o povo em burbirinho e corriam boatos
de que o mestre e seus seguidores mais próximos poderiam ser presos pela guarda
pretoriana a qualquer momento. Mas, até ali, eles se mantinham por perto e não fizeram
qualquer gesto nesse sentido.
Chegamos a Bethânia. É a cidade mais próxima de Jerusalém, na direção leste.
Estávamos todos muito cansados, mas Ele parecia ter forças intermináveis. Ousei
perguntar-lhe sobre nosso destino. O sol estava em seu maravilhoso ocaso e meus pés
doíam muito, fora a sujeira acumulada sobre minhas roupas beduínas. Ele respondeu
simplesmente: “para a casa de Simão”
- Senhor, a casa de Simão fica muito longe daqui, lá nas margens do mar da Galiléia.
Respondi.
Estávamos em frente a uma casa. Com ar de bom humor ele me apontou a porta de
entrada. Esta era a casa de outro Simão, conhecido como Simão o leproso. Ninguém,
absolutamente ninguém que não fosse da família entraria ali, mesmo assim, só alguns da
família, mais chegados. A lepra isolava o leproso da sociedade, totalmente. Jesus bateu
na porta e abriu, entrando pela casa a dentro, em seguida. Do meio da sala fez sinal para
entrarmos. Éramos umas vinte pessoas, no total, somando os homens e as mulheres.
Uma mulher saiu por uma porta, que vim a saber era o quarto onde Simão passava a
maior parte de seu tempo, sobre seu leito de morte. Ela era linda. Cabelos longos e
negros, olhos pretos como jaboticabas, nariz pequeno e afinado, boca sensual e uma
pele maravilhosa. Foi amor a primeira vista, de fato, não apenas para mim, mas para
todos os homens solteiros presentes, não que os casados não tenham reparado na beleza
monumental e simples da moça.
As mulheres que nos acompanhavam juntaram-se a essa jovem linda e iniciaram a
dança do banquete. Onde quer que o Senhor entrasse para cear virava festa. Naquela
noite a casa de Simão o leproso se iluminou. Havia dias que Simão não deixava aquela
cama, certo de que só sairia dali para o cemitério. Mas meu Senhor entrou por aquela
porta e adiou por muito tempo os planos de Simão. O moribundo saltou da cama,
banhou-se e vestiu sua melhor roupa. Sentou-se conosco e foi quem mais falou e riu
naquela noite memorável.
O carneiro esteve melhor do que das outras vezes e o vinho era soberbo. Não vi se o
Senhor andou pela cozinha fazendo das dele, mas, até onde posso me lembrar, estava
tudo muito além da conta.
Às tantas, Maria, aquela moça fantástica, adentra à sala com um jarro de alabastro nas
mãos. Segue na direção do Senhor, que estava sentado sobre uma almofada no centro da
sala, e quebra o jarro deixando todo o bálsamo escorrer na cabeça e corpo do Mestre
judeu. Todos nós sabíamos que essa era a maior honra que uma mulher poderia dedicar
ao seu noivo, geralmente era realizada na noite de núpcias e na privacidade do casal.

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O ritual foi maravilhoso, mas ousado e deixou todos os presentes perplexos. Ninguém
desconfiara que Maria faria aquilo. Os discípulos escolhidos, há muito haviam assumido
ares de sensores em relação a tudo que acontecia com o Mestre. Nesse caso não foi
diferente e trataram de desmanchar o prazer daquele momento, rapidinho. Um a um,
recriminaram a moça. Judas foi o mais incisivo, sempre preocupado com as questões
financeiras, disse: Para que esse desperdício? Pois este perfume poderia ser vendido por
muito dinheiro e dado aos pobres.
Olha, meu papel ali era muito menos importante. Apenas uma testemunha dos fatos.
Creio ter conseguido avaliar tudo com muito mais isenção. O que eu vi naqueles
homens foi o bom e velho ciúmes. Maria se portara como noiva, ela acabara de declarar
a Jesus todo o maior amor que uma mulher é capaz de sentir por um homem e, em sua
consciência, percebera que ele não teria tempo para as delícias do casamento e tratou de
aproveitar o que, intuitivamente, seria sua derradeira oportunidade. Seu amor total não
dependeria de casamento, sexo e vida familiar. Ela perdera ali toda a sua riqueza, todo
seu melhor com quem mais amava e amaria nesse mundo. Seu amor era puro, cheio de
gratidão e completamente desprendido
Meu Senhor ouviu todas as bobagens ditas imprudentemente, como de praxe,
silenciosamente e aguardando até que o último falasse. Tinha um leve sorriso nos lábios
e um ar de grande satisfação. Então disse:
- Por que molestais esta mulher? Ela praticou boa ação para comigo. Porque os pobres
sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tereis. Derramando esse
perfume sobre o meu corpo, ela o fez para o meu sepultamento.
Assim tentou desfazer a idéia de sensualidade e conquista que se estabelecera no
recinto, menos no coração do Mestre, cuja agenda não incluía a menor possibilidade
para um casamento, mas incluía sua morte vicária.
Depois disso, lançou um olhar em minha direção e declarou a todos:
- Em verdade vos digo: Onde for pregado em todo o mundo este evangelho, será
também contado o que ela fez, para memória sua.
Quando deixamos aquela casa inesquecível, Simão ficara totalmente livre da lepra.

ω
Assim resolvi narrar esses acontecimentos como me foi informado por Khalil, em
cumprimento estrito à vontade de nosso Senhor Jesus de Nazaré. Muito se acham
nobres e presunçosamente portam-se como heróis, assumindo ares de salvadores por
estarem dando migalhas aos pobres. Na melhor das hipóteses, não entenderam nada do
evangelho. Ninguém faz nada demais quando ampara o aflito, o endividado, o
entristecido ou o esfomeado. Mas o grande barato é dar seu melhor amor ao Mestre.
Você já quebrou seu vaso de alabastro, apaixonadamente e despejou o bálsamo sobre
seu grande e eterno amor? Teria coragem de fazê-lo?

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Uma grande luz

Jesus queria continuar rumo norte, mas algumas caravanas trouxeram mas notícias de
Jesrusalém sobre seu primo João, aprisionado por Herodes e nosso Mestre preferiu
voltar para a Galiléa. Não sei como posso descrever meu sentimento, cada vez que
voltávamos a essa região que sinto como o berço do menino Jesus. Desde Nazaré à
Bethsaida o ar transpira o amor do Nazareno. Mas, depois dois dias, Ele decidiu não
ficar em Nazaré, sua terra, preferiu Cafarnaum, perto do mar.
No caminho, ao passarmos por uma Sinagoga, o rabi resolveu entrar. Nós o seguimos
em silêncio obsequioso. Havia ali uns poucos devotos, pois era meio de semana. Foi até
o púlpito e abriu o livro sagrado. Folheou-o e leu um trecho em voz alta:
Terra de Zebulom e terra de Naftali,
Caminho do mar além do Jordão
Galiléa das Nações
O povo que vivia nas trevas
Viu uma grande luz
Sobre os que viviam na terra na sombra da morte
Raiou a luz.
Fechou o livro e me olhou profundamente. Corei. Então disse:
- Eis a sua resposta Khalil, disse brandamente. Desceu e caminhou em direção à porta.
Eu não havia perguntado nada a Ele, mas quando me disse que não ficaríamos em
Nazaré, não entendi, sobretudo porque sua mãe e irmãos ficaram desolados, como das
outras vezes em que anunciara sua partida. Cheguei a pensar algo como, aqui é tão bom.
Mas seu propósito era infinitamente maior que o meu e o de seus familiares: Iluminar o
mar de trevas onde vivem os homens da terra. O lugar certo para isso era a Galiléa.
Isaias havia profetizado isso a milhares de anos antes. O mestre, filho de Deus, Senhor
dos senhores, obedeceu e seguiu sua sina, com humildade. Galiléa era um lugar como
qualquer outro, mas era peculiar em uma coisa, havia sido escolhido por Deus.
Saí da sinagoga cabisbaixo e pensativo. Não por ter sido flagrado duvidando dele, mas
por vergonha de nunca ter entendido a nossa missão. Sempre desejei lutar por uma
igreja consciente e amorosa, onde houvesse comunhão e boa vontade. Mas estava errado
e acabara de entender.Quando acertarmos a nossa missão, então o que era trevas verá a
luz e diremos: Raiou a luz.
Então Jesus Galileu começou a ligar a chave:
- “Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo”
Quando aceitamos nossa condição de pecadores, de todo o nosso coração, fazemo-nos
luz e essa grande luz será vista por todos os que estão no vale da sombra da morte e ela
se tornará mais intensa, a cada nova vida que se iluminar com Ele.
Seguimos na direção do mar.

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Pescadores de Homens

Naquela tarde, andávamos a beira do mar da Galiléa. Descalços, sandálias na mão,


deixávamos as pequenas ondas molhar nossos pés. Jesus falava sobre seus pais e sua
vida doméstica, seu aprendizado na sinagoga e até rimos a valer com o relato bem
humorado que ele fez da vez em que se perdeu no templo em Jerusalém, para desespero
de seus pais.
Quando chegamos ao lugar onde os irmãos André e Simão estavam limpando seu barco
da pescaria daquele dia, aliás, todas as tardes nas últimas duas semanas nós havíamos
caminhado até aquele ponto, Jesus parou e saudou os trabalhadores. Também eu
cumprimentei os homens. Nas tardes anteriores, o Mestre perguntara-lhes sobre a pesca
do dia e conversara com eles sobre assuntos triviais, mas dessa vez ele disse-lhes algo
surpreendente:
- “Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens”.
Ficamos todos perplexos, sem saber o que dizer. Muito mais do que eu, os pescadores
conheciam a Jesus, desde menino e o admiravam. Fariam por ele qualquer coisa. Não
foram poucas às vezes em que se envolveram em brigas para defendê-lo dos outros
meninos que não compreendiam sua espiritualidade, sensibilidade e inteligência. A
pesca era uma atividade de sustento, para eles e suas famílias, o barco fora do pai deles
e havia todo um esquema de produção envolvido.
Naquele instante, reparei em André, ele permaneceu segurando uma das pontas da rede
por longos minutos, com olhar perdido. Enquanto isso Simão moveu-se rápido,
empurrando tudo porão abaixo sem o cuidado habitual, até que André se uniu a ele na
arrumação das coisas. Enquanto isso, Jesus dirigiu-se a mim, lentamente. Ele tinha uma
estrela do mar na mão e estendeu-a a mim. Senti que aquilo significava um sinal. Tomei
a estrela e guardei na minha mochila de pele de camelo. A seguir ele repetiu olhando
para mim:
- “Pescadores de homens”!
Com a companhia de Simão e André, continuamos a caminhada pela orla do mar,
quando o filho do carpinteiro José viu Thiago, filho de Zebedeu e João seu irmão. Eles
estavam no barco com o pai, cuidando das redes e Jesus os chamou, fazendo-lhes a
mesma proposta:
_ “Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens”.
Eles largaram as redes e o barco, no mesmo instante, com um leve aceno para o pai e
seguiram ao mestre. Nesse ato, eles estavam deixando para trás toda uma vida. Seu
sustento, o lugar no negócio do pai, um dos pescadores mais respeitados da região, todo
conforto e segurança que isso lhes proporcionava. Agora seguiam sem saber seu destino
ao certo, mas confiantes naquele que tinha a palavra da verdade. Senti que havia
orgulho em seus semblantes por terem sido escolhidos por Jesus.
Pude, ainda, reparar no olhar paterno e amoroso de Zebedeu vendo seus filhos partirem
para o inevitável, mas ele nem sequer esboçou qualquer palavra ou tentativa em

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demovê-los. Sabia que essa era a coisa certa a fazer. Então acenou de volta, dando a sua
benção aos filhos.

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Levou sobre si as nossas dores
Jesus resolveu cobrir todas as sinagogas da região da Galiléa. Ele sabia que essa seria
uma estratégia adequada aos seus propósitos de anunciar sua mensagem, ao maior
número possível de pessoas, pois a grande maioria do povo poderia ser encontrado nas
sinagogas. Desde a primeira que visitamos, a palavra lhe foi franqueada livremente
pelos rabinos e ele anunciou as boas novas do Reino. Ele dizia ao povo que seu Reino
não era desse mundo e convidava a todos para segui-lo vindo morar com ele e o Pai.
Falava por cerca de uma hora, em estilo coloquial e sempre bem humorado, brincando
com as ambiguidades das pessoas.
A fama de que sua presença era capaz de curar as doenças de quem estivesse próximo
correu se espalhando por toda a Síria. A cada nova parada, mais e mais gente se
apresentava. As reuniões passaram a ser realizadas do lado de fora das sinagogas,
devido a isso. Não havia um formato rígido. Algumas vezes ele se assentava em algum
objeto, o povo se acomodava no chão, em torno dele, e iniciava sua prédica. De repente,
ficava mudo por alguns instantes. Então levantava-se e caminhava até um enfermo,
tocava sua cabeça com as duas mãos e depois o local da doença, sem prévia informação,
depois outro e outro até que não restassem mais doentes. Muitos se viam curados
mesmo sem seu toque, bastava sua sombra ou o som de sua voz para livrá-los da
enfermidade. Até os insanos eram curados, tidos como endemoninhados. O Mestre me
disse que era melhor tratá-los assim para que pudessem entender os acontecimentos. Era
mais didático, em suma.
Certa vez, ousei perguntar ao Nazareno sobre as curas. Ele me disse:
- Khalil anote aí (Ele vivia me dizendo essa frase), vocês não leram no livro de Isaias, o
profeta: “Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores
levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido”? * É tudo
que faço ao curar, tomo as doenças e as dores para mim e quem me seguir fará o mesmo
em meu nome, se puder suportar.
A partir daí, grandes multidões seguiam-nos. Até onde essas notícias chegaram naqueles
dias, não sabemos, mas vieram pessoas de toda a região e de ambos os lados do Rio
Jordão, de norte a sul. Ninguém voltou para casa sem sua cura. Os que tinham outros
problemas, foram igualmente libertos.

* – Isaias: 53:4

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As Bem Aventuranças

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A felicidade maltrapilha
Impressionante a quantidade de pessoas que juntou-se a nós, naqueles dias. Vieram de
toda a Galiléa, Decápolis, Jerusalém, Judéia e da região além do Jordão. Havia um
pequeno monte e Jesus caminhou na direção dele. Subiu ao topo e sentou na relva. Os
discípulos, algumas mulheres e eu sentamos ao redor dele. Então ele começou a
ensinar o povo, dizendo

(Mateus 5:3):- “Bem aventurados os maltrapilhos de espírito, pois deles é o reino dos
céus.”

Certa vez, estava sentado na praia enquanto Jesus tratava com os pescadores. De
repente, ele caminhou em minha direção e fazendo sinal para que eu permanecesse ali,
sentou-se ao meu lado. Olhou para o horizonte, na direção do mar, respirou fundo e
voltou seu olhar para mim. Então disse:
- Khalil, preste atenção nas pessoas. Não no aspecto delas, seja qual for, mas olhe até
ver a alma e o espírito de cada um dos que se achegarem a você. Você perceberá uma
grande maioria desses empobrecidos espiritualmente. Gente cansada de ouvir dizer,
das falácias sacerdotais e das palavras vazias dos falsos mestres. Ensine-os sobre a
bem aventurança maltrapilha , pois meu Pai os conhece e os recebe em seu reino, ainda
que não percebam.

Fez-se silêncio entre nós dois. Não consegui evitar de pensar que ele acabara de
constatar a minha condição de maltrapilho espiritual. O que ele estava me enviando a
fazer, acabará de fazer por mim. Foi impossível conter as lágrimas naquele instante,
um pouco pela minha pobre condição espiritual e muito por todos ou outros que eu
viria a ensinar com as mesmas palavras que o Mestre Galileu me ensinou.
Sonhei um dia abrigar todos os de espírito abatido em algum lugar, uma gruta talvez.

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Lágrimas valorosas
Quando o Mestre ensinou dizendo (Jesus ensinava através da palavra falada) que os
chorões seriam consolados, senti várias sensações correndo por meu corpo e indo e
vindo de e para a minha alma. Sorri, chorei, alegrei-me e entristeci-me, tudo ao mesmo
tempo. Ele disse essas palavras pausadamente. Entre uma bem aventurança e outra
houve intervalos bem acentuados. Ele falava uma e silenciava. O povo perplexo
aguardava e, enquanto isso, experimentava essas sensações malucas correndo
freneticamente pelas veias e artérias, como eu. O mundo não convive bem com os que
choram. Geralmente são considerados sujeira a ser empurrada para baixo do tapete.
Junto com os humildes de espírito seu futuro será glorioso. Serão consolados e
habitarão o Reino dos Céus como proprietários (mudar o estado vivente). Não se trata
aqui de algo a ser dicotomizado entre essa vida e aquela vida. Garanto-lhes que o
Homem de Nazaré não via a divisão entre vida eterna e vida limitada. Segundo ele, na
criação, Deus considerou só a possibilidade de vida eterna. Essa enigmática passagem
pela terra é fruto do pecado e deve ser interpretada metafisicamente como um estado de
rebeldia pós erro de alvo. O pecado não nos permite ver a realidade. Não é um ato ou a
soma de atos pecaminosos, é um estado alcançado depois da burrada adâmica, presente
em todos nós por solidariedade e co-participação.

Sei que em tempos futuros, o ditado: Não adianta chorar o leite derramado: será muito
popular. Mas eis um exemplo em que esse ditado está furado. Chorar por nossa
condição nesse estado humano, nessa passagem triste que equivocadamente
denominamos vida, é muito bem vindo por Jesus e sua turma celeste. Aliado à
humildade, o choro (desde que sincero e motivado por nossa condição espiritual) traduz
o sentimento capaz de nos transportar de volta ao estado real, como se fosse um
antídoto anulador do veneno inoculado pelo pecado.
Diante dos revezes da vida que temos diante de nossos olhos, choramos por várias
razões, mas quando nosso choro alcança e traduz a nossa miséria espiritual (os tais
pobres) alcançamos a graça da consolação e nos tornamos seres iluminados capazes de
sermos vistos pelos habitantes do Reino de Deus. Nesse caso é mesmo bom não chorar
pelo leite perdido, chore ao constatar sua condição. Se não está bom aqui, nessa tal de
vida, não há nisso nenhuma novidade. Esse estado não é nada bom mesmo. Aqui só
teremos aflições, pois esse mundo jaz no maligno. Todos esses acontecimentos
desconfortáveis estão dizendo-lhe uma coisa só: você está no lugar errado e fez por
onde.
Jesus venceu o mundo, saiu desse estado para o real e planejado estado, por seu pai,
para todos nós. Não se iluda, esse é o único caminho de volta. “Eu sou o caminho, a
verdade e a vida.”
O choro, quando é fruto dessa constatação, é bom. Diante da morte, das dívidas, do
desamor, ou qualquer uma das milhares de desgraças possíveis, podemos ver e constatar
esse estado equivocado de vida. Se chorarmos só aquela perda pontual, em si, não
haverá valor nisso. Mas chorar nossa condição é libertador. Bom choro a todos.

17
Os famintos

Mateus 5:6

“Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos”

Aprendi com nosso Rabi Galileu a ler o pensamento das pessoas. Não se trata de
telepatia ou algo místico. Ele nos mostrou como o pensamento estava sempre
estampado na cara das pessoas, tudo que precisávamos fazer (ou precisamos fazer) é
aprender a ler essa mensagem.
Nessa ocasião, estávamos sendo acompanhados por milhares de pessoas. Incrível como
um monte pode abrigar tanta gente. Para todos os lados que olhávamos, nossos olhos
não conseguiam ver onde terminava aquele multidão. Com a ajuda dos ventos, o som
da voz mansa e firme de Jesus chegava clara a todos os ouvidos. Ele havia lido
naqueles rostos sedentos o clamor por justiça.
Claro que todos nós ficamos cheios de interrogações. Afinal ele usou as palavras fome
e sede antes de justiça. Para aquela gente faminta e sedenta, talvez fosse melhor dar
pão e água. De fato ele fez isso, em uma das maiores e mais espetaculares situações
vividas por seus discípulos junto a esses milhares de mendigos. Mas nesse momento, ele
estava fazendo uma revelação grandiosa, muito mais importante do que eliminar a
fome com qualquer programinha tipo Fome Zero ou PAC, ele estava declarando o
poder do sofrimento advindo da ância por justiça.
Você sente que o chão está querendo sair debaixo dos seus pés? Acorda todo dia com
medo de viver? É a fome de justiça meu amigo ou minha amiga. Você será satisfeito e
não precisará pagar nem um centavo a mais de imposto.
Depois disso, tive oportunidade de perguntar-lhe sobre o significado de justiça e ele me
respondeu: Khalil, lave os pés daqueles que lhe seguem e você ama, deixe que eles
sirvam-se antes de você, no jantar, faça a eles tudo que você gostaria que eles lhe
fizessem e eles serão satisfeitos. Fiquei imaginando que ele estava profetizando alguma
atividade política em meu futuro, afinal os políticos são os maiores ladrões de justiça
do povo.
Por outro lado, a promessa de satisfação de justiça é eterna. Sua fome é libertadora
e os famintos os protagonistas dessa história.

18
Os misericordiosos
Mateus 5:7�
“Bem – Aventurados os misericordiosos pois obterão misericórdia”.

O mestre disse essa bem – aventurança olhando para mim. Naquele instante lembrei de
uma passagem em nossas vidas, engraçado ter lembrado disso assim, fiquei com a
sensação dele ter consciência dessa minha experiência e estar me confortando, enquanto
confortava todo aquele povo à nossa volta.
Nós, descendentes dos povos do oriente médio, temos a fama de ser zelosos quando o
assunto é dinheiro. Talvez nosso zelo seja até exagerado, às vezes. Havia um homem
em nossa vila muito simpático, mas tinha fama de ser pouco regrado em suas finanças.
Era bom marido para sua bela esposa e um bom pai para seus filhos, pois os amava sem
limites e por eles daria a vida sem pestanejar.
Ele me procurou, certa vez, estava endividado e aflito, não queria preocupar a família,
mas corriam sério risco de serem despejados da casa onde moravam e não tinha idéia
para onde levar a família, caso isso viesse a acontecer. Perguntei-lhe o montante da
dívida e a resposta me assustou, pois ele devia mais de dois anos de aluguéis.

Incentivado por meu pai, vinha poupando dinheiro desde menino e tinha uma boa
quantia guardada. O valor necessário para ajudar meu amigo era quase igual ao total em
meu poder. Pedi um tempo para pensar, sem dizer a ele se tinha ou não condições de
ajudá-lo. Não busquei conselho com meu pai e meus irmãos, pois sabia previamente a
opinião deles sobre isso. Então tomei a decisão difícil e procurei o homem e neguei o
empréstimo. Surpreendemente, ele me agradeceu e beijou minha face, antes de ir
embora.
Passado algum tempo, aquele homem e sua família foram despejados da casa. Ele foi
cuidadoso e procurou, de todas as formas não expor a família à vergonha e humilhação,
se isso era possível. Não sei para onde foram, nem o que aconteceu com eles.

Eu tinha o dinheiro necessário para salvá-lo e tive a oportunidade. Considerei minha


poupança e segurança importantes e neguei-lhe ajuda. Era um direito meu e eu não tinha
nada a ver com a vida daquele irresponsável. Ele e sua família não valiam metade do
meu dinheirinho querido.
O nome do homem em questão era Pasquim, José Pasquim. Belo dia, um domingo,
depois do grande almoço da nossa família, ocasião reservada a grandes papos, meu pai
começou a contar uma história desconhecida por mim. Filho mais novo, perdi boa parte
das experiências mais duras de nossa história, sob as asas protetoras de meu bom pai.

Segundo ele, nossa casa foi desapropriada pelo governo autoritário sob a promessa de
uma compensação qualquer, sabidamente não confiável. Da noite para o dia, meu pai
recebeu a ordem para deixarmos o imóvel. Não tínhamos para onde ir e muito menos,
dinheiro para resolver a situação.

19
Naquela época, um cliente de nossa loja, um homem simpático, mas sempre atrasado
com suas prestações, apareceu para pagar a conta e foi logo dizendo: Hoje eu pagarei
tudo, pois ganhei um bom dinheiro de uma herança deixada por um parente distante. Ele
estava radiante, mas notou o semblante triste de meu pai. Perguntou a razão e o velho
expôs nosso problema terrível.
José Pasquim não hesitou nem um segundo e disse para papai. Olha, tome meu dinheiro,
vá e compre uma casa na vila para sua família. Não dá para pagar o valor total, mas é a
entrada necessária para fechar o negócio. Não sobrou dinheiro para quitar a dívida dele
na loja, pois ele deu tudo para meu pai.
Deixei a sala e fui para meu quarto e chorei muitas horas. Nada poderia me consolar.
Quando o Senhor Jesus disse essas palavras olhando em minha direção, pela primeira
vez em minha vida, senti o completo consolo. Percebi o perdão de Deus entrando por
minhas veias e artérias, chegando até meu coração. Chorei de novo, compulsivamente.
Acabara de entender quem são os misericordiosos, e porque receberão misericórdia.

20
Corações purificados
Mateus 5.8:
Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus.

Nessa ocasião, o senhor Jesus chegou para mim e disse: Khalil, em que você está
pensando? Hesitei um instante e depois balbuciei algumas palavras desconexas. Então
ele emendou: O Pai e eu somos um, assim como eu e você somos um, através do meu
espírito. Você precisa me dar liberdade de agir através de você para as pessoas poderem
sentir a minha presença, a minha paz e o meu amor.
A partir daí passei a perceber as duas faces da mesma moeda, manter o coração puro é o
caminho mais curto para a presença do Senhor em nossas vidas e a possibilidade real
para permitir, a todos os outros à nossa volta, o mágico perfume de nosso Mestre
exalando por nossos poros, olhares e gestos.

21
Os Pacificadores
Mateus 5: 9.
“Bem – aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.”

Nosso Senhor, mestre em todos os momentos, conseguia destacar-se ainda mais quando
era provocado ou diante de alguma contenda entre as pessoas com as quais cruzava. Sua
competência em gerar paz onde havia guerra, amor ao invés de ódio, tranqüilidade na
adversidade e serenidade aos espíritos agitados, acontecia de forma inigualável. A
perfeição era tanto que ele chegava a abafar o fogo de uma contenda com um único
olhar todo amoroso.
Estávamos em Moçambique, o país em guerra civil, quando chegamos ao aeroporto de
Beira, Haroldo, Lou e eu, e experimentamos um momento terrível. Em poucos minutos,
todas as pessoas desapareceram, as luzes foram apagadas logo que o avião com o qual
viéramos levantou vôo seguindo sua viagem. Tentamos telefonar para a Valnice, mas os
telefones da cidade sob bombardeios não estavam funcionando. Sem encontrá-la não
teríamos onde ficar ou o que fazer. Ficamos os três com cara de paspalhos animados
com o som de baterias anti aéreas ao fundo. Foi pavoroso. Estávamos com medo, mas o
Haroldo estava mais agitado e vociferou: E agora, estamos ferrados! O Lou disse a ele:
Vamos orar, Deus nos dará uma saída. O homem perdeu a paciência de vez e gritando
respondeu: Isso não é hora para brincadeiras. Estamos correndo risco de morte. O
Lou abaixou a cabeça e orou em voz alta: “Senhor, somos teus filhos e estamos aqui
cumprindo a missão ordenada por ti. Nesse momento não sabemos o que fazer. Por
favor, providencie uma saída imediata e acalme os nossos corações agitados”.
Por um momento, olhando perplexo para o Lou, vi o Mestre em pessoa. O Haroldo deve
ter tido a mesma visão, pois agora corriam lágrimas abundantes em suas faces. Muitas
vezes o Senhor apaziguou seus seguidores assim, até a voz soou igual. Então meu
amigo voltou à cabine telefônica, Haroldo e eu não entendemos nada. Quando retornou,
com aquele seu maravilhoso sorriso estampado na cara, disse: “Liguei para a Valnice,
outra vez. O telefone tocou duas vezes e ela atendeu, neste momento está a caminho
para nos buscar”.
Ela não estava em casa, mas, não sabe por que, lembrou de algo que esquecera e voltou
para buscar, quando abriu a porta do apartamento o telefone tocou e era o Lou do outro
lado. No dia seguinte, fomos informados pela Valnice que os telefones da cidade não
funcionavam há meses.
Os pacificadores não alimentam contendas, nem mesmo as interiores, pacificam-nas e
serão chamados por toda a gente de Filhos de Deus.

22
Perseguidos
Mateus 5: 10

“Bem – aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos
céus.”

Quando o Senhor pronunciou esse aforismo, estremeci. Não sabia por que, mas senti um
arrepio dos pés à cabeça. Mais tarde, andava pela praia, observando a pesca vespertina
quando ouvi a voz do Mestre: Khalil! Venha cá, veja isto. Ele tinha um espeto com
peixe fresco assado na mão direita. Aproximei-me e ele me entregou o peixe. Sentamos
na areia, ao lado dos outros comilões, para saborear o alimento. Durante uns dez
minutos, ninguém disse palavra. Então resolvi quebrar o silêncio e lancei a pergunta ao
mestre: O que é a justiça, Senhor? Meu pai é a justiça e todos os que viverem
piedosamente segundo as palavras de meu pai, padecerão perseguições. Falou com
firmeza e doçura.

O Lou repetiu muitas vezes que o Irmão André, da Open Doors Mission, tinha especial
atenção para com o versículo bíblico que está em II Timóteo 3:12, onde o apóstolo
Paulo repetiu exatamente as mesmas palavras. O holandês lia esse versículo nas
reuniões e depois perguntava aos cristãos se eles estavam sendo perseguidos. Afinal, as
perseguições acabam sendo nossa marca registrada. Não há cristão vivendo
piedosamente em Cristo Jesus que não padeça perseguições.

Muitos dizem que Deus é justo. Deus não é justo, ele é a justiça. Isso faz toda a
diferença. Andar com ele em nossos corações nos leva a viver sob perseguições porque
o mundo odeia a justiça e seus seguidores. Jesus Cristo encarnou e se fez justiça por
todos nós.
E você? Está padecendo perseguições?

23
Recompensados

Mateus 5:11 e 12.


“Bem aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, os
perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. Alegrem-se e regozijem-se,
porque grande é a sua recompensa nos céus, pois da mesma forma perseguiram os
profetas que viveram antes de vocês.

Então o Senhor fez essa síntese sobre as bem-aventuranças, sobretudo enfatizando não
haver dor, sofrimento ou angústia por causa dele que não venha a ser recompensada.
Fez mais, deixou claro que essas recompensas estariam depositadas no banco celestial
em nossos nomes. Elas são pessoais e intransferíveis.
Certa vez, o Lou foi vitima de uma grande perseguição. Aconteceu no tempo em que foi
diretor de creches na prefeitura de São Paulo e a razão era sua opção cristã. Ele nunca
foi do tipo proselitista. Incansavelmente nos ensinava que deveríamos deixar o
evangelho do Senhor Jesus ser anunciado através de nossa generosidade, de nossas
ações em favor do próximo, de nossa gentileza e cavalheirismo. Nisso se esforça,
pessoalmente, o que muito lhe tem custado. Nada poderia ter irritado mais aquela gente
e, pouco a pouco, o ódio se transformou em ações persecutórias até a completa
exoneração de meu melhor amigo daquele trabalho, que ele fazia com total empenho,
sempre honrando o nome do Senhor.
Sei que novas dores têm sobrevindo sobre ele, ultimamente, mas seu saldo no banco
celeste deve estar altíssimo, em compensação. Não pense você que ele vive pelos cantos
chorando sua miséria. Continua o mesmo gozador de sempre. Uma de suas frases
favoritas em meio ao sofrimento sempre foi: “Oba! Meu crédito no céu ficou maior
hoje” ou “Acabo de ganhar mais uma medalha de ouro, está bem aqui em meu peito…
do lado de dentro”.
Não importa o que pensa a justiça humana. Sofreu por causa de Jesus, mesmo que seja
uma simples vergonha aqui ou ali, plim plim, sua conta foi creditada lá em cima, sem
qualquer burocracia, nem mesmo um carimbinho básico de algum oficial calhorda. Tem
mais, não pense que o Mestre estava falando só das grandes ações ministeriais ou
missionárias, ele considera cada lágrima em seu rosto como um sofrer em nome dele,
afinal ele pensa em você como sendo dele, acredite.

Está doendo? Plim, plim, seu crédito acaba de crescer no Banco gerenciado por nosso
Senhor Jesus Cristo, fora o novo troféu na prateleira.

24

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