Vous êtes sur la page 1sur 17

O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

Gravata: Um mal-estar que nunca nos demos conta que sentimos. Um misticismo que nada tem a ver
com Orixás, mas com os nossos mais profundos pré-conceitos. O que teriam estas coisas a ver com
logística e estratégia? Mais do que podemos a princípio imaginar. Há questões complexas, muitas vezes
longe de nosso dia-a-dia, mas que ainda assim merecem atenção. A exploração nos traz, senão
respostas, ao menos reflexões importantes sobre dificuldades mil, estas sim, bem presentes em nossa
vida profissional.

O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia.

Não haveria melhor maneira de começar este artigo senão por reconhecer que seu título é um tanto
desconfortável. Para começar, vemos o termo “mal-estar” associado à “logística”. Mas o que significa
isso? Estaria o “mal-estar” substituindo a expressão bem brasileira, “saia justa”? Poderíamos dizer “A
saia justa na Logística”? Talvez sim, mas isso nos levaria a outro caminho de investigação,
possivelmente até mais interessante, mas ainda assim, distinto do que iremos explorar. O tal do “mal-
estar” não é uma “saia justa”, mas um desconforto, que segue nos molestando sem nos causar sérias
crises até que um dia nos recorda de sua presença.

“Alto lá! Um momento, por favor, Sr. Articulista! Que mal-estar é este do qual o Sr. fala, mas que eu
não sinto? Trabalho com logística há anos e não tenho absolutamente incômodo nenhum com ela!
Muito pelo contrário! Nos damos maravilhosamente bem. Somos unha e carne. Amo a logística e, em
troca, ela provém meu ganha pão com o qual sustento toda minha família! Não há nenhum ‘mal-estar
na logística’. O Sr. está redondamente enganado!” Não tenho dúvidas que noventa e nove por cento
dos leitores deve pensar assim e isto é perfeitamente compreensível! Afinal, nada citei sobre o “tal do
mal-estar” e muito menos ainda sobre sua origem e suas manifestações. Mas alerto que vamos abordar
o tema brevemente e, portanto, advirto aos que preferem a complacente felicidade da ignorância em
não prosseguir lendo mais nem uma linha.

“Mas espere aí. Ainda não terminei! Não pense que vai escapar de mais uma crítica logo na largada.
Que história é essa de falar em ‘misticismo na estratégia’? O Sr. agora resolveu misturar religião com
ciência? Se é que podemos chamar estratégia de ciência! Não venha se meter com minhas crenças. Era
só o que me faltava; um lunático falando de um Deus estratégico! Ora bolas, não quero nem ouvir falar
deste assunto! Será o Benedito que as pessoas não podem simplesmente falar de logística que é o que
me interessa?” Embora tenha a esperança que menos leitores pensem dessa forma, concedo que o
tema “misticismo na estratégia” pode indubitavelmente suscitar tais questionamentos. Neste caso,
preciso ser enfático e direto. Não falarei sobre Deus, nem de anjos ou de demônios. Eles simplesmente
não cabem na concepção de “estratégia” que utilizaremos. Mas então, o que se quer dizer com
“misticismo na estratégia”? Mistificamos aquilo que não compreendemos; dúvidas criadas por nossa
própria ignorância não podem simplesmente existir, elas precisam de explicações, mesmo que absurdas.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 1 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

E quando as respostas não nos são dadas, nós mesmos as criamos. Isso faz parte do instinto de auto-
preservação da espécie. Assim, o “misticismo” não é nada mais que uma alusão ao conjunto de
elucubrações incoerentes, inconsistentes e equivocadas geradas na intenção de dar algum sentido ao
que as pessoas entendem por estratégia. Não há nada de divino nisso e nosso interesse reside em sua
negação e não em sua prova.

Agora, o mesmo leitor pode nos perguntar, com toda a devida razão, “Mas para que tanto esforço?
Qual o propósito em apontar que temos um mal-estar do qual não nos damos conta? E como se isso
não fosse o suficiente, para que se empenhar em demonstrar a negação de algo que está tão distante de
nossa realidade prática?” Existe uma razão, mas que pouco ou nenhum sentido fará se sintetizada neste
momento. Portanto, ao invés de redigir três ou quatro frases cifradas, prefiro lançar mão de uma breve
analogia. Encare o texto como uma vacina. Ao fim dele, o leitor, ciente das respostas, estará menos
sujeito a cair vítima de alguns males profissionais comuns em nosso meio, estes sim, bem reais e
custosos.

Também devo alertar que este texto não se sustenta por si só. Não há como fazer dele um corpo de
conhecimento fechado em si, mas um tentáculo de exploração, de uma idéia que, ao longo dos últimos
dois anos, vem sendo desenvolvida nesta MundoLogística. Assim, advirto que o ideal seria, ao menos,
que houvesse uma familiarização com meus dois artigos prévios, publicados nas edições 09 e 18, e
intitulados “Estrategística: Maximizando o Sucesso da Logística pela Estratégia” e “O Pensamento
Estrategístico”, respectivamente. A leitura dos breves artigos publicados em minha coluna bimestral
também ajuda na compreensão, mas não se faz, em absoluto, necessária.

A Incompletude e o Gênesis do Mal-Estar:

Devo confessar que começar um tema difícil a partir de outro ainda mais complexo não me é
confortável. Infelizmente, não vejo contorno, já que a Incompletude é o oxigênio que alimenta o fogo.
Mas afinal, o que é isso? O que é a Incompletude e o que é que ela tem a ver com o tema deste artigo?

Incompletude é a “falta”, no sentido de que algo nos falta, que não sabemos exatamente o que é, mas
que nos causa angústia. Também poderíamos entender a Incompletude como ausência. Esta
concepção seria até razoável, já que “ausência” tende a implicar em algo que um dia tivemos e que nos
lembramos que tivemos, mas que nos foi tirado, enquanto “falta” nos aproxima mais do conceito de que
nunca possuímos tal coisa e que, portanto, não conseguimos, com exatidão, descrevê-la. Todavia, daqui
para frente utilizaremos o termo “falta” por razões que logo ficarão claras.

Ao invés de lançarmos a derradeira pergunta, questionando o leitor se ele se sente incompleto, e assim
gerar uma possível reação agressiva por indagar sobre algo tão privado e particular que envolve a
tomada de consciência sobre falhas em sua constituição psíquica que seu próprio narcisismo trabalha
tão arduamente para ocultar, opto por uma abordagem um pouco mais delicada.

Caro leitor, invertamos a pergunta. O que seria então, “ser completo”?

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 2 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

É claro que a exploração de um questionamento tão complexo nem de longe cabe neste artigo.
Tampouco tenho a pretensão de, num texto sobre estratégia e logística, tratar de uma pergunta
filosófica que aflige a humanidade há mais de dois mil anos. Seria leviano e até mesmo ridículo. Por
outro lado, acho perfeitamente aceitável se, a partir do óbvio, retomasse brevemente apenas uma única
concepção que nos permitiria dar um importante passo adiante. O que é então óbvio quando
perguntamos o que é “ser completo”? Creio que podemos dizer apenas duas coisas a este respeito.
Primeiro, que há pessoas que buscam uma resposta definitiva para esta pergunta. Segundo, que
certamente há as que não buscam. O resto deriva-se daí. No segundo grupo, com certo grau de certeza
advindo de observações cotidianas, podemos dizer que, pessoas que não perseguem uma resposta, ou
não o fazem por que em sua concepção já a encontraram, ou por que já desistiram de procurar, ou por
que nem sequer começaram – por falta de interesse, preguiça ou mil outras razões.

Indivíduos do primeiro grupo certamente se beneficiarão deste artigo num contexto profissional. As
elucubrações a seguir não extrapolam – e nem buscam extrapolar – este ambiente. Membros do
segundo grupo, que acreditam já terem a resposta, que vivem e constroem suas vidas de acordo com
ela, criando seus filhos, suas relações de trabalho e seus ambientes sociais também com base nela,
pouco se interessarão pelo que tenho a dizer. Não é meu desejo influenciar quem acredita já saber o
que é “ser completo” – e que, portanto, pouco se importa com a Incompletude. Tampouco viso abalar
crenças e sacudir pilares de sustentação sobre os quais indivíduos constroem suas estruturas sociais e
profissionais. Os que se satisfazem com suas próprias Weltanschauungen1, que continuem lendo
apenas por curiosidade, nada mais. Aos que já desistiram de procurar, digo que sempre há uma luz ao
fim do túnel, mas não insisto. Cabe a cada qual encontrá-la. Aos que nem sequer começaram prefiro
calar, provavelmente não há mais nenhum leitor com estas características que tenha chegado até este
ponto.

Baixadas as resistências e definido o público, podemos deixar a cerimônia de lado e abrir mão do
recurso que recém utilizamos. Se escrevo aos que percebem a Incompletude sobre a qual me refiro,
mesmo que de forma ainda um pouco nebulosa, não utilizemos mais desvios; tratemos o assunto de
frente. Já não precisamos mais perguntar se o leitor se sente completo ou incompleto, mas sim sobre
qual a procedência do sentimento de não se sentir completo, que se faz presente. Prossigamos.

Talvez a teoria psicanalítica para a origem da Incompletude seja a mais simples de se explicar, por ter
um cunho mais humanístico e razoavelmente mais intuitivo. Comecemos perguntando: “Um recém-
nascido, sabe onde termina seu corpo e começa o ambiente físico?” Nosso primeiro impulso é dizer
“Claro que sim! Isso é ridículo! É algo que já nascemos sabendo! Veja, qualquer um sabe onde

1
Weltanschauungen é o plural de Weltanschauung, que signfica, em alemão “cosmovisão”, “visão geral do todo”,
ou, mais livremente, visão do significado da vida, que em nosso caso, seria a resposta a pergunta “o que é ser
completo?” Weltanschauung é uma palavra muito utilizada em filosofia para abordar o conjunto de crenças e
explicações que, de forma geral, satisfazem as perguntas mais intrigantes de um grupo de pessoas, ou mesmo de
uma sociedade. Respostas a questionamentos como “de onde viemos?”, “para onde vamos?”, ou até mesmo
“qual o sentido da vida e o que estamos fazendo aqui?” não precisam ser cientificamente comprovadas, apenas
suficientemente convincentes para que as pessoas daquele grupo não se sintam mais compelidas a buscar
diferentes razões em outros lugares. Assim, podemos dizer que há diferentes Weltanschauungen; uma religiosa
para os cristãos, outra para os judeus, uma ideológica para uma comunidade de ascetas e assim por diante.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 3 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

terminam os dedos e onde começa o teclado, onde termina a boca e onde começa o copo!” Mas a
pergunta que segue é, “Como é que sabemos disso? Quem nos ensinou isso?2” É claro que esta
discussão é extremamente longa, assim como qualquer questionamento mais profundo deve ser.
Podemos dizer que “sentimos” os nossos dedos e nossa boca e que, portanto, sabemos que fazem parte
do nosso corpo. Por outro lado, sabemos que nosso cabelo e nossas unhas também fazem parte de
nosso organismo, mas não sentimos, de forma propriamente dita, nem um, nem outro. A teoria
psicanalítica propõe uma solução para esta questão. Imediatamente após o nascimento, somos
acalentados no colo de nossas mães. Será que realmente sabemos, naquele momento, onde finda
nosso corpo, nossa boca, por exemplo, e começa o seio materno? A resposta é não.3 Isso faz parte de
nosso aprendizado, por se assim dizer. Um recém-nascido começa a construir a idéia do mundo externo
quando sente fome e não é – no mesmo exato segundo – aleitado. Obviamente é impossível que a mãe
intua o exato milésimo de segundo em que o bebê sente fome, todas às vezes, sem falha. Assim, as
mães precisam ser avisadas que o infante requer alimento, e o bebê põe-se a chorar. O choro é a
conseqüência do desprazer oriunda da falta de comida. Neste exato momento, constitui-se a primeira
memória de “falta” criada pela criança, que vai se repetir por centenas de vezes, cada uma sendo
marcada indelevelmente em sua psique. É neste momento também que a criança começa a se
organizar, identificando seu corpo e o mundo externo como coisas distintas. A compreensão de que não
somos unos com o mundo define nossos limites físicos, ao mesmo tempo em que configura a existência
do que é externo e do que não nos é acessível de imediato ao nosso mais simples desejo. Esta primeira
sensação de não termos o que desejamos no momento em que desejamos é a origem do sentimento de
Incompletude; uma marca inapagável que nos é imposta desde a mais tenra idade.

Obviamente não temos memórias conscientes deste nosso período e, portanto, não podemos
devidamente atestar este fato a partir de observações pessoais e diretas. Porém, é possível ver – mesmo
que não se concorde de imediato – que existe a possibilidade de a raiz do sentimento de Incompletude
reverter aos primeiros segundos de nossas vidas. A teoria psicanalítica vai bem mais longe, explorando
cada etapa da vida infantil onde o sentimento de falta é um dos eixos fundamentais de nossa
constituição.4 Mas não nos cabe explorar detalhes, apenas entender como a Incompletude que nos
acompanha desde nossos primeiros momentos se manifesta na vida adulta profissional.

É fato que enquanto crescemos, criamos defesas contra os problemas psíquicos que nos molestam. No
dia-a-dia evitamos dar demonstrações explícitas de desejos e de ansiedade. Não choramos quando
perdemos um cliente e nem esperneamos quando algo que esperávamos não se realiza. Mas ainda
assim, emitimos sinais. Há quem roa as unhas esperando pela resposta de uma concorrência e quem se
sinta frustrado quando um projeto pensado e planejado por longos meses apresenta furos. Embora não
possamos atestar que todas estas pequenas manifestações tenham a mesma origem, é possível
perceber como muitas delas advêm de reações negativas a desejos não realizados (ou ainda por

2
Se é que um dia “alguém” nos ensinou isso. Será que poderíamos ter nascido sabendo disso?
3
Na teoria Freudiana. Já a teoria de Melanie Klein reforma um pouco esta idéia.
4
Agora entende-se o porquê da escolha da palavra “falta” – algo que um dia tivemos, mas que não nos lembramos
que tivemos.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 4 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

realizar), que claramente remetem ao vazio dentro de nós5 que necessita ser ocupado – em outras
palavras, a tal da Incompletude – que é, em boa parte, uma enorme fonte de angústia.

Sobre qualquer outra explicação além desta, prefiro não entrar em detalhes.6 Acredito já ter
apresentado suficientemente bem o tema introdutório que servirá de fundação para todo o resto deste
artigo.

A Incompletude que se Oculta e nos Engana:

Não podemos dizer que o mal-estar na logística está na Incompletude, mas sim que é a Incompletude,
ao menos em parte, no sentido de que a frustração de nos sentirmos incompletos, nos compele a
preencher esta falta psíquica em todos os âmbitos de nossas vidas; sendo a profissional apenas mais
uma delas.

A situação piora significativamente quando não temos uma resposta única para nossos
questionamentos. “Como assim, não dá para dizer nem ‘sim’, nem ‘não’? Esta é a pergunta mais
simples de todas!” ou “Sem saber as variáveis que controlam este sistema, como é que podemos
modelá-lo? Não dá nem para começar a pensar em fazer este negócio!” ou ainda “Preciso de mais
informações para tomar esta decisão! Sem elas podemos ir para qualquer lado e darmos em qualquer
lugar!”. Todos estes são pensamentos corriqueiros em profissionais “neuroticamente normais”.7

5
Tecnicamente não poderia generalizar e dizer “em todos nós”. A Incompletude é essencialmente uma
característica da constituição neurótica, que representa a vasta maioria das pessoas. Porém, existem também os
psicóticos e os perversos que não tratam propriamente com a Incompletude, mas com outros conceitos. Não há
como indicar um texto único sobre o assunto, mas a obra de Freud é, indubitavelmente, a melhor referência.
6
Para os mais curiosos, posso sugerir algumas outras origens. Sinto que os dois teoremas da Incompletude de
Godel, quando aplicados num contexto sociológico ou mesmo mecanicista da existência humana, ou o Princípio de
Incerteza de Heisenberg, num contexto de instanciação da alma, conforme explorado por Amit Goswani, poderiam
prover outras respostas razoavelmente satisfatórias. Infelizmente não disponho do conhecimento necessário que
me dê conforto para prosseguir além destas parcas percepções.
7
Existe toda uma outra vertente que caberia aqui. Percebam que, no sentido “psicanalítico da coisa”, estou
falando de “pessoas normais”, ou seja, as que no curso de suas atividades diárias, riem com os companheiros,
discutem os problemas, frustram-se de vez em quando, irritam-se com os colegas, mas que depois esquecem,
fazem as pazes, voltam pra casa, cuidam de seus filhos e seguem suas vidas. Neste caso, a Incompletude é
parcialmente sublimada, ou seja, toda a força da angústia que ela causa é direcionada para resolver problemas,
buscar soluções para situações difíceis e “fazer com que as coisas andem para frente”, como se diz
coloquialmente. O oposto disso seria uma Incompletude que levasse à culpa, aquela sensação que corrói a psique
e massacra o sujeito, que se sente culpado por nunca atingir a perfeição, ou a imagem do que ele acredita ser a
perfeição. Neste momento o leitor poderia argumentar que não existe ser humano que não sinta culpa. É claro
que sentimos culpa em diversos momentos de nossas vidas, inclusive em nossas vidas profissionais. A “culpa
profissional” pode ocorrer em diversas situações; quando nos acidentamos no trabalho e prejudicamos a nós
mesmos ou a um colega, quando nossos projetos fracassam por condições que poderíamos ter contornado caso
nos portássemos de maneira diferente, quando uma solução que implementamos não apresenta os resultados
esperados e assim por diante. Mas este tipo de culpa é sadia. Aprendemos com ela e muito rápido a esquecemos.
Poderíamos até dizer que este tipo de culpa desaparece por completo de nossa vida em muito pouco tempo. A
culpa patológica, por outro lado, que se aninha em neuróticos obsessivos, e que previne com que o sentimento de
Incompletude seja sublimado em ações positivas, tem impactos muito mais profundos e complexos e, claramente,

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 5 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

Agimos assim em quase tudo o que fazemos sem sequer notarmos. Nossa constituição psíquica nos
compele a procurar limites, definir fronteiras para que consigamos estabelecer com o que de fato
estamos lidando. Aí então, dentro de um ambiente relativamente composto e, portanto, minimante
seguro, conseguimos tomar decisões.

Mas esta forma de ser nos traz outras complicações. Desenvolvemos enormes dificuldades para lidar
com problemas que apresentem a possibilidade de mais do que apenas uma resposta. Esta frustração é
tão imponente e poderosa que, num ímpeto de nos defendermos de suas implicações mais maléficas,
resolvemos escondê-la de nós mesmos. Ao invés de tratarmos do problema em si, como algo intrínseco,
inerente e inevitável de nossa profissão, optamos por lidar com os sintomas e passamos, como crianças,
a desejar que seu desaparecimento se torne sinônimo cura. Ora, mal comparando, isso seria como
acreditar que a cura de uma doença hepática grave que gere transtornos na pele, se dê com a aplicação
de uma pomada tópica que alivie temporariamente os sintomas que afligem o paciente. Ainda assim,
sem o conhecimento sobre a origem da doença, não haveria porque acreditar que a pomada não fosse o
suficiente, afinal, na ignorância, o sintoma bem que poderia ser decorrente de uma irritação superficial
da epiderme.

Os que leram meu primeiro artigo, sobre a complexidade dos problemas logísticos, conseguem agora
finalmente compreender onde estamos chegando. Grande parte deles tem inúmeras soluções
plausíveis; muitas das quais, indubitavelmente, são superiores a outras, mas que não podem ser
comparadas à realidade simplesmente por que nunca foram implementadas. Ainda assim, a
constituição neurótica que nos caracteriza, força milhares de imposições sobre nossa consciência:
“Precisamos melhorar um pouquinho aqui para resolver este problema...”, “Se criarmos um processo
novo ali, melhoraremos ainda mais a solução...”, “Se acertamos os parâmetros desta equação
reduziremos um pouco mais as perdas...” Todas estas atitudes são nobres e necessárias a qualquer
empresa, mas elas apenas corroboram com o ponto principal. Ao realizarmos alterações no que havia
sido projetado e implementado, mudamos de uma solução para outra, que acreditamos ser melhor que
a original.

Todavia, estas alterações nos aproximam da possibilidade de outras Falhas8, que gerarão outras
soluções e que nos aproximarão ainda de outras Falhas – isso quando não temos uma falha estrutural de
concepção que, para ser consertada, reverteria todas as pequenas construções incrementais.

Assim, nossos profissionais padecem de um mal-estar crônico na profissão que exercem, pois
desconhecem, que ao se esforçarem loucamente para consertarem suas falhas operacionais, apenas
aplicam um bálsamo local, que alivia os sintomas, mas que não cura a origem dos problemas; o
sentimento de Incompletude permanecerá como uma eterna insatisfação – sem contar que a falha
ressurgirá em algum outro local da operação, mesmo que algum tempo depois, e mesmo que
disfarçada.

reside em outra área de conhecimento. É por esta razão que excluo a culpa como uma possível razão para o mal-
estar na logística. Se não o fizesse, estaria dando um caráter patológico e pessoal ao mal-estar, algo que vai em
direção completamente oposta ao meu intuito.
8
Em ambos os sentidos da palavra “Falha”. Ver o artigo “Pensamento Estrategístico”.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 6 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

Mas então, o que devemos fazer? Há como curarmos este mal-estar atacando a essência do problema e
não os sintomas? Há como resolvermos nossa Incompletude existencial ou ao menos a Incompletude
das soluções dos problemas logísticos que tanto nos aflige por nos fazer lembrar de nossas próprias
angústias?

Infelizmente não. Tampouco queremos fazer isso! E nem este é o propósito deste artigo!

“Mas então, porque diabos estou lendo esta joça, Sr. Articulista? Apenas para descobrir que tenho um
mal-estar que antes mal sabia que tinha? Que o propósito do artigo não é tratar o tal do mal-estar? E
pior, que este mal-estar, além de inevitável, agora é necessário? Meu Deus! Isto é o mesmo que o Sr.
apontar para minha careca, dizer que ela é brilhante e feia, e que não tem cura! Eu lá quero me lembrar
que sou careca? E ainda assim, na horrível hipótese de ter que me lembrar dela, quero mais é saber
como voltar a ter cabelo!”.

Certamente não discordo da frustração do leitor, mas infelizmente não há nada que possa fazer “pela
sua careca”, apenas dizer que não tem muito jeito se está em sua constituição orgânica. Porém, há algo
que posso proporcionar além do conforto nos pares implicando que, na realidade, “todos somos
carecas”. Isto é, a explicação de como a Incompletude interage com a logística e a estratégia dentro das
empresas. Na intenção de que a compreensão deste mecanismo razoavelmente complexo e oculto de
nossa consciência nos proporcione uma ferramenta, que embora subjetiva, seja providencial para
separar o joio do trigo; bons projetos e boas iniciativas, de “bálsamos mirabolantes” oferecidos por
mascates de sonhos que fazem de presa fácil os desavisados.

Para que possamos entender esta proposição, devemos primeiro explorar a forma genérica de como as
organizações contribuem para incitar e alimentar a Incompletude.

O Ambiente Acolhedor para a Incompletude:

Exploraremos esta idéia a partir do conjunto de axiomas proposto a seguir, que reflete bem o que
podemos perceber em nossa realidade profissional.9

i) As atividades internas das empresas tendem a serem executadas para atingir um objetivo;
ii) Nem todas estas atividades são absolutamente necessárias;
iii) Nem todas estas atividades são inequivocamente objetivas (uma vez que parte delas existe
para contornar obstáculos impostos por regras da própria empresa, do governo, de
mercado, etc.);
iv) Dentro destas atividades, existem as que são contra-producentes (mesmo que não sejam
imediatamente identificadas como tal);

9
Denomino propositalmente de axiomas as supostas premissas, pois não desejo, e tampouco vejo a necessidade,
de desenvolvê-las. Acredito que sejam óbvias o suficiente para não necessitarem de exploração mais
aprofundada, justamente por serem derivadas de situações extremamente corriqueiras que qualquer um nós pode
observar em seu ambiente de trabalho.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 7 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

v) Os objetivos que não tem um fim em si geram novas atividades.

Agora representemos graficamente, passo a passo, cada um destes axiomas. Converter a forma escrita
em linguagem visual facilitará enormemente a compreensão das conclusões posteriores. A figura 1
demonstra os axiomas i) e ii); para atingir o objetivo (ponto vermelho), são executadas um número
arbitrário de atividades (neste caso são nove). As atividades em preto são necessárias, enquanto a em
vermelho deve ser encarada como desnecessária. A definição das cores e da quantidade e orientação
das setas é completamente arbitrária. Obviamente, a única premissa é que os axiomas mantenham-se
verdadeiros também nesta representação.

Figura 1. Atividades que convergem para um objetivo.

Podemos agora dar mais um passo explorando a liberdade visual que temos à nossa disposição. Ao
introduzirmos ao modelo o axioma vi), reformulamos graficamente o diagrama da figura 1.

Figura 2. Atividades originais fragmentadas em atividades menores.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 8 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

Ao quebrarmos cada uma das nove atividades originais em quatro ou cinco pequenas atividades, não
violamos nenhuma regra do conjunto axiomático, apenas interpretamos a sexta regra: atividades que
não tem um fim em si, geram novas atividades. Perceba como isso é verdadeiro dentro de cada
seqüência. As pontas das setas que terminam na base de outra seta podem ser vistas como pequenas
atividades intermediárias. Por exemplo, imagine que o objetivo (representado pelo ponto vermelho)
seja expedir um caminhão carregado de produtos que serão enviados do armazém para um pequeno
mercado. Na figura 1, uma das atividades seria o preenchimento da nota fiscal, contendo todas as
informações dos produtos carregados no caminhão. Com a quebra das atividades em sub-atividades,
poderíamos dizer que uma delas seria o preenchimento do endereço de recebimento, outra seria a
digitação de cada um dos produtos e ainda outra seria a inserção do peso e das dimensões dos pacotes
na própria nota fiscal. Estas atividades seriam lineares no tempo, sendo os campos preenchidos um após
o outro. Um exemplo de atividade desnecessária poderia ser a pesagem do caminhão. Digamos que os
produtos a serem transportados fossem ursos de pelúcia. Neste caso, o que se faria necessário seria a
contagem dos itens antes de lacrar o caminhão e não a pesagem do veículo com a carga, uma vez que o
fator limitante seria somente a cubagem do baú e não o peso da remessa. Ainda assim, executaria-se o
procedimento de pesagem por mera formalidade.

Agora, mais acostumados com a tradução da linguagem escrita para a visual, podemos introduzir o
axioma iii). As dificuldades são representadas graficamente por estrelas azuis. Neste caso há uma
liberdade de expressão; o grau da dificuldade é proporcional ao tamanho da estrela. Perceba que as
atividades precisam contornar as estrelas. Esta é a própria representação gráfica do axioma iii); nem
todas as atividades são inequivocamente objetivas. As setas que não apontam diretamente para o
objetivo representam, essencialmente, esta não-objetividade.

10
Figura 3. Atividades contornando problemas.

Ao introduzirmos o axioma iv) (o último faltante), vemos como a figura 3 pode ser tornada
significativamente mais complexa. As setas em laranja representam o que podemos chamar de sub-
atividades contra-producentes (por serem não-convergentes). Graficamente apresentadas num ângulo
10
As pontas das setas foram propositalmente diminuídas por questões estéticas.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 9 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

superior a 90 graus (em relação a uma linha reta imaginária traçada da atividade anterior ao ponto
vermelho), elas explicitamente nos levam para mais longe do objetivo.

Figura 4. Introdução de atividades contra-producentes.

De posse de ferramentas que apropriadamente representam o conjunto axiomático, podemos construir


um modelo maior (figura 5), na intenção de visualmente demonstrar uma pequena rede de objetivos
interconectados. Perceba que cada objetivo tem ao menos um input e um output.

Figura 5. Rede de objetivos e atividades.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 10 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

Devemos agora realizar três operações na rede da figura 5. Primeiro, retirar todas as estrelas que não se
encontram imediatamente na frente de uma seta. Segundo, criar linhas (em cinza) que ligam cada um
dos pontos já conectados pelas setas. Terceiro, excluir todas as setas que não conectam dois objetivos –
estas setas são representações de conexões com objetivos externos que não aparecem no diagrama. O
resultado destas três operações aparece na figura 6.

Figura 6. Rede de objetivos e atividades pós operações.

A partir dos diagramas expostos nas figuras 5 e 6 tracemos algumas conclusões:

a) A figura 5 propositadamente apresenta uma “constelação” de dificuldades (cada uma


representada por uma estrela) na intenção de simular uma situação psicológica corriqueira em
nossa vida profissional cotidiana. Mesmo que as dificuldades não se materializem, ou mesmo
que nem existam, resta ainda a percepção de que elas são reais e de que, dadas as
circunstâncias propícias, poderão vir a se materializar. Quando construímos processos logísticos
no exercício de nossa profissão, navegamos não somente ao redor de problemas explícitos, mas
também ao redor das imagens fantasmáticas de um sem número de dificuldades, criadas pelas
pessoas envolvidas. Assim, todo nosso planejamento busca evitar não somente os problemas
declarados, mas também os que antevemos, mesmo que eles só existam em nossa imaginação.
Isso é muito mais comum do que imaginamos; damos-nos conta deste fenômeno quase todos os

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 11 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

dias, como por exemplo, em reuniões de trabalho, quando ao ouvir um companheiro expor uma
potencial dificuldade, pensamos “lá vem esse cara de novo, criando problema onde não existe...
que sujeito mais chato...”. Pensamentos assim não são nada mais que manifestações de nosso
incômodo com as imagens fantasmáticas do outro, também envolvido no processo, mas que
passam muito longe de nossa própria realidade psíquica (que não vê como problema o que o
outro vê como problema). Quando retiramos as dificuldades (estrelas) que não estão em linha
direta de colisão com as atividades (setas), percebemos como são poucas as verdadeiras
dificuldades das quais precisamos conscientemente nos desviar, se comparadas à quantidade de
dificuldades reais e fantasmáticas pelas quais navegamos de passagem ao longo do caminho.11
Neste momento, um leitor mais crítico poderia dizer: “Mas seu argumento tem um problema de
lógica circular! Foi o Sr. mesmo quem colocou aquela imensidão de estrelas no diagrama para
início de conversa! As setas obviamente se desviavam das estrelas presentes, mesmo que não
necessariamente por estarem em óbvio curso de colisão com elas! Se as estrelas retiradas da
figura seguinte estivessem em posições diferentes na figura anterior, para início de conversa, as
rotas das atividades então estabelecidas teriam sido outras!” A própria crítica, porém, oferece a
resolução desta aparente, mas equivocada, circularidade de raciocínio. É óbvio que se as
estrelas na figura 5 tivessem uma distribuição diferente, as setas também teriam uma trajetória
diferente. A julgar pelo número de estrelas presentes, as combinações possíveis seriam quase
infinitas. Ainda assim, independentemente do curso que traçamos para chegar de um objetivo
a outro e, também independentemente de nosso planejamento antever o desvio objetivo ou a
navegação de passagem por uma dificuldade real ou fantasmática, um fato ainda persiste: Nem
nosso planejamento, nem nossa execução, são lineares.12

b) A primeira conclusão nos leva à segunda. Da mesma forma como carreguei a rede da figura 5
com uma miríade de estrelas, poderia, de modo minimalista, não ter colocado nenhuma.
Obviamente isso seria um equívoco prático – seria o mesmo que dizer que, por mais que
tentássemos, não conseguiríamos antever nem ao menos uma única dificuldade e que também
não haveria nem um único problema fantasmático apresentado por qualquer das pessoas
envolvidas na criação da rede. Ainda assim, este exercício é válido. A partir dele podemos criar
uma rede perfeita (sugerida pelas linhas cinza) e compará-la com a anterior. Observe que
algumas das rotas originais são apenas um pouco mais longas do que a linha reta que une dois
objetivos na segunda rede, como pode ser observado nos pares I/i e G/g – quantitativamente,
podemos arriscar dizer que as seqüências de atividades reais (indicadas pelas letras maiúsculas),
em ambos os casos, não perdem nem 10% de eficiência em relação às atividades perfeitas

11
Infelizmente, no estágio atual de desenvolvimento desta teoria, nosso diagrama não distingue uma da outra
(real da fantasmática). Pretendo retomar este assunto em breve.
12
A fundamentação sobre a qual esta proposição se desenvolve é tratada na filosofia há muito tempo. Falamos
aqui da ‘coisa em si’ Kantiana oposta a um conceito bem fundamentado na psicanálise, mas também presente em
diversas outras áreas: o “que é real” não existe isoladamente “lá fora”, mas sim dentro de nós. É claro que na
prática vemos que não é exatamente nem preto, nem branco. O que melhor caracteriza esta passagem é o velho
clichê corporativo que diz algo como: “Toda história tem sempre ao menos três lados, o da primeira parte, o da
segunda parte e um terceiro que ninguém nunca saberá direito como é.”

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 12 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

(indicadas pelas letras minúsculas). Em outros casos, porém, há pares de “Sequencias Reais /
Atividades Perfeitas” (SR/AP) que apresentam uma enorme perda, como se pode observar no
caso dos pares A/a, B/b, D/d e K/k, que coincidentemente nestes casos, possuem um maior
número de atividades contra-producentes. Não tenho a intenção de seguir com uma prova
matemática – seria um preciosismo tolo. Acredito já ter exposto suficiente evidência para
concluirmos o seguinte; em redes reais, pouquíssimos serão os pares SR/AP não sujeitos a perda
de eficiência. Conseqüentemente, raríssimas serão as redes 100% eficientes.

c) Por conseguinte, não podemos nos abster de uma breve conclusão sobre atividades
desnecessárias. Percebam que distingo claramente estas atividades das que são explicitamente
contra-producentes (que levam a uma direção não-convergente com o objetivo). É claro que
atividades desnecessárias são intrinsecamente contra-producentes, mas o propósito da
distinção que se faz aqui presente é outro. Enquanto atividades contra-producentes atrapalham
uma seqüência de atividades necessárias, há atividades cujas próprias concepções são
desnecessárias, mesmo que elas tendam ao objetivo. Infelizmente, embora a solução deste
problema seja aparentemente simples – basta eliminar a seqüência desnecessária –, o que torna
estas atividades relativamente comuns nas empresas é sua difícil percepção; elas se camuflam e
“somem” em meio a centenas de outras atividades normais. Por exemplo, na empresa onde
trabalho, havia um procedimento terrível e detestado por quem o praticava: a contagem diária
dos cadernos encartados no jornal. O trabalho era exercido há mais de sete anos, desde a
criação da empresa e geralmente era feito pelo estagiário ou, na falta deste, por um auxiliar de
escritório. O número de cadernos contado era imputado no sistema. O processo
aparentemente se fazia necessário para realizar o pagamento das empresas que distribuíam os
jornais, que eram pagas somente por milheiros de encartes realizados. Por exemplo, se fossem
distribuídos cem mil exemplares num dia e cada exemplar tivesse cinco cadernos encartados, a
empresa era paga por 100.000*5/1000, ou seja, 500 milheiros. Não havia nada de contra-
producente na seqüência de atividades de contagem de cadernos e de digitação da quantidade
no sistema; o procedimento todo era muito linear. O problema estava justamente na completa
falta de necessidade de executar o próprio procedimento! Explico melhor: Três anos antes, a
equipe de TI integrara os sistemas de impressão dos jornais, de distribuição e de pagamento das
empresas terceirizadas. Assim, o sistema não buscava mais o número de cadernos digitado pelo
estagiário, ele simplesmente utilizava o número que vinha automaticamente da impressão. Ou
seja, havia mais de três anos que aquela seqüência de atividades era completamente inútil!
Acreditem, é incrível a quantidade de atividades desnecessárias que desempenhamos
diariamente no exercício de nossas funções, o problema é que elas se travestem – ou melhor,
inconscientemente nós as travestimos – de todos os artifícios imagináveis para se fazerem
aparentar importantes. Atividades assim oneram as redes e fazem com que elas se tornem
ainda mais ineficientes e custosas. Para se ter uma idéia, a rede da figura 6 tem uma ineficiência
de aproximadamente 42%, quando calculamos pela fórmula “(SR/AP -1)*100%”.

A derradeira conclusão à qual inexoravelmente chegamos é muito simples; nosso conjunto axiomático
gera redes ineficientes. Extrapolando este conceito, ao expandirmos a rede para abranger

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 13 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

absolutamente todas as atividades de uma empresa, e fundamentados na observação de que, portanto,


nada mais referente à empresa pode existir no conjunto vazio fora desta rede, torna-se possível afirmar
que a empresa nada mais pode ser que esta própria rede aumentada. Assim, por equivalência,
concluímos que toda empresa é ineficiente, mesmo que, a princípio, não saibamos quantitativamente
aferir o grau em que isso se passa.

Válvula de Escape para a Incompletude:

Novamente imagino-me sendo questionado pelo mesmo inquieto leitor: “Muito bem Sr. Articulista,
digamos até que eu aceite sua teoria de que esta ‘quase imperceptível sensação de mal-estar
profissional’, que o Sr. chama de ‘mal-estar na logística’, seja a tensão de nossa Incompletude psíquica
que não consegue se descarregar na completude dos problemas logísticos, simplesmente por que a
maioria destes não tem uma resposta única e que, portanto, podem gerar ainda mais dúvidas do que
respostas. Digamos também que eu até aceite seu conjunto de axiomas, que o Sr. diz ser comum a
qualquer empresa, e que concorde com sua prova de que este conjunto só é capaz de gerar empresas
ineficientes... Mesmo assim ainda resta a questão do misticismo na estratégia! Não faço a menor idéia
do que fazer dele! Além do mais, também não entendi o que estas coisas tem a ver uma com a outra!
Onde vamos chegar com tudo isso?”

O leitor está coberto de razão! Ainda não falamos sobre uma questão importante e nem tampouco
juntamos as partes! Portanto, é natural que ainda haja dúvidas! Vamos então ao próximo tópico: o
misticismo na estratégia.

Tenho a intenção de tratar este assunto em um artigo à parte, recheado de exemplos. Infelizmente não
nos é possível fazer isso aqui, uma vez que tal atitude tornaria esse texto demasiado longo. Dessa
forma, peço licença para pular as fases intermediárias da construção do argumento e partir diretamente
à conclusão.

O misticismo decorre do desconhecimento sobre o próprio assunto, que rouba a estratégia de sua
simplicidade, e que, ao lhe atribuir características obscuras, provenientes substancialmente, mas não
unicamente, de nossos próprios preconceitos, gera um obstáculo psicológico que lhe dá ares de
inacessibilidade. Carl Von Clausewitz, grande estadista Prussiano, escreveu em seu famoso “Da Guerra”,
que o ódio é uma brutal força primordial impossível de ser ignorada. Freud, pai da psicanálise, em “O
mal-estar na civilização”13 pergunta-se por que somos forçados a seguir, ou até mesmo a acreditar, na
imperativa religiosa “ame ao próximo como a si mesmo”. Ele prossegue teorizando que esta ordem é
absurdamente anti-natural, mas que ainda assim, faz parte de toda (ou quase toda) criação religiosa.
Essas são apenas duas maneiras de se dizer a mesma coisa, mas com estilos diferentes! Enquanto
Clausewitz fala do fato em si, Freud trata da negação do fato oposto. O exemplo serve apenas para
ilustrar o ponto; diferentes mestres de diferentes áreas tratando de uma mesma faceta humana, que
por sua vez é insumo para as mais diversas estratégias, instanciadas em distintas áreas e sob variadas

13
Também traduzido como “O mal-estar na cultura”. Inegável que, em parte, o título do artigo deriva daí.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 14 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

pressões14, mas que compartilham raízes comuns. Todavia há uma diferença. Enquanto o que torna a
mensagem de Clausewitz obscura é a complexidade de sua escrita, a mensagem de Freud é de difícil
assimilação por atacar os sustentáculos de nossas crenças mais íntimas. Psicologicamente, é
complicadíssimo lidar com a transgressão de um (pré)conceito religioso-cultural, que nos é imposto
desde nossos mais tenros anos, – de que a todos devemos amar ao próximo e de que o ser humano é
feito à imagem de Deus e inclinado para o bem – mesmo que construído sobre uma bela e sólida
argüição. No entanto, uma vez ultrapassada estas barreiras, vemos como é simples e linear a
composição de estratégias que derivam desta característica.15 Claramente, o ódio neste sentido é
apenas um exemplo. Há vários outros que serão posteriormente explorados.

O misticismo na estratégia não é então nada mais que uma válvula de escape onde a Incompletude
busca refúgio para assim continuar inconsciente.16 Da mesma forma que a maioria das pessoas reza em
momentos de grande dor, necessidade ou agonia, buscando abrigo na bondade de um ser superior, os
logísticos recorrem à “estratégia” como forma de tentar aquietar sua Incompletude. Digo “estratégia”
entre aspas, pois ela não é a “verdadeira estratégia”, mas um fantasma daquilo que deveria ser; uma
corruptela semântica – para tudo que não se sabe ao certo como resolver, busca-se uma
(pseudo)estratégia numa desesperada tentativa de se encontrar uma solução.17 Todavia, é falsa a
percepção de que estas “estratégias” trarão algum conforto para a angústia gerada pela Incompletude.
Elas apenas acentuarão ainda mais a agonia.

Novamente surge o inquieto leitor: “Muito bem, Sr. Articulista! Começo agora a entender o que o Sr.
quer dizer com toda esta ladainha! As empresas, como as conhecemos hoje, são na verdade campos
férteis para nossa Incompletude! Dentro delas, vemos e lidamos com problemas à torta e à direita que
constantemente nos empenhamos em consertar. Por mais que estejam apenas em nossas cabeças, eles
ainda dão trabalho e causam enorme ansiedade. Por um lado construímos processos ineficientes e por
outro, ficamos angustiados por o estarmos fazendo! Pior! Se juntarmos isso ao fato de que a grande
maioria das soluções que aplicamos tem inúmeras outras alternativas, visto que boa parte dos
problemas logísticos realmente tem mais que uma solução, e Voilà! A angústia dobra! Ela nos ataca em
duas frentes! Pela quantidade de problemas e pela multiplicidade de soluções que não sabemos ao
certo dizer quais são as melhores. Ficamos sobrecarregados! Mil questões e dez mil respostas! Não é à
toa que isso nos gere transtorno. Em algum momento é inevitável nos perguntarmos se não teria sido
melhor fazer ‘isso ou aquilo’ de outra maneira. E quantas vezes será que nos perguntamos isso?
Quantas vezes será que nos questionamos, esquecemos e voltamos a nos questionar a mesmíssima
coisa de forma um pouquinho diferente? O quanto será que isso não vai somando em nossas cabeças
sem nos darmos conta, alimentando esta sensação de mal-estar... Muito bem! Pra mim, o resto se

14
Ver meu artigo anterior.
15
Por exemplo, a estratégia Americana e a dos Talibãs, no aspecto de levar dois grupos sociais diferentes a apoiar
uma guerra um contra o outro, por razões aparentemente distintas, mas que tem raízes profundas no ódio.
16
Se não fosse este refúgio ou se este refúgio falhasse, ela se condensaria e se tornaria um Complexo, vindo então
à consciência. Veremos isso mais adiante.
17
Uma manifestação disso são frases do tipo: “Qual a estratégia para resolver este problema?”, no sentido de “se
consertar um processo falho”. A pergunta que o leitor deveria se fazer neste caso é: “Mas o que é que ‘estratégia’
tem a ver com isso?”

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 15 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

resolve de forma similar e faz todo sentido. É óbvio que se desconhecermos como funciona este
mecanismo, não há como erguermos defesas e nos tornamos presas fáceis de nossa própria agonia. E é
justamente o ‘conhecimento deste mecanismo’ que o Sr. chama de estratégia! Pelo menos sabendo
como funcionam as coisas vou conseguir conviver de forma mais harmônica com esse mal-estar que
agora realmente percebo que tenho. Só me resta uma questão, como distinguir uma ‘verdadeira
estratégia’ de algo que poderia ser visto como a tal da ‘corruptela’?”

A Incompletude de Nossas Próprias Perguntas e Respostas:

Agora é minha vez de dizer “muito bem Sr. Leitor!” “Saber como funcionam as coisas” é um dos pontos
mais importantes deste texto. É a meta-logística em sua forma mais pura; a compreensão de como
trabalham os processos mentais ocultos de nossa consciência. Sem saber que nossa Incompletude nos
causa tremenda angústia e que muito dificilmente conseguiremos aliviá-la em nosso ambiente de
trabalho, não teremos como apropriadamente nos defender da “fome de respostas” que nos atiça a
comer qualquer coisa para saciá-la – inclusive soluções precárias e/ou milagrosas que surgem por todos
os lados.

O leitor também sugere que o conhecimento deste mecanismo é o que chamo de estratégia. Refletindo
sobre o assunto, digo que é uma bela observação, mas um pouco incompleta. O que chamo de
“estratégia”, como se pode perceber em meu último artigo, é a instanciação do raciocínio lógico-
filosófico sob a pressão do pragmatismo de um tema. Não se pode dizer genericamente que “isso ou
aquilo é estratégia”. É preciso olhar caso a caso e perceber que aqui se observa uma “estratégia
narcísica” – de defesa/proteção contra os vendedores de soluções perfeitas – instanciada pelo
pragmatismo profissional sob o tema de “solucionar um problema logístico qualquer” 18. Presenciamos
então, neste caso, a instanciação de uma estratégia (em indivíduos) que resolve seu próprio ar de
misticismo.

18
Aqui cabe uma explicação mais detalhada que desenvolverei num próximo artigo sobre misticismo na estratégia.
Todavia, de forma sucinta, quando digo “estratégia narcísica” refiro-me a idéia de uma estratégia voltada a
proteção do próprio ego; no sentido de um indivíduo, neste caso, criando defesas contra algo que poderia afetá-lo
posteriormente. Embarcar num projeto tolo seria um exemplo disso. A expressão “Meu Deus! Será que você não
viu que este projeto era uma porcaria antes de mergulhar de cabeça nele?”, dita por um superior, manifesta um
possível efeito deste tipo. O “pragmatismo profissional” advém do que muitas vezes chamamos de “experiência”,
mas que não é necessariamente apenas isso. Inegável que experiência ajuda neste pragmatismo. Uma pessoa
experiente tem maior chance de ‘saber’ o que pode dar certo e o que pode dar errado. Porém, encontramos
pragmatismo profissional em pessoas extremamente jovens, com pouca ou nenhuma experiência. Em minha
opinião, este pragmatismo é mais oriundo da estrutura psíquica inerente a cada pessoa do que propriamente e
unicamente de sua experiência prática. Simplesmente há pessoas mais pragmáticas e outras mais ‘confusas’. A
exploração deste tema não cabe aqui.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 16 Versão 1.0


O Mal-Estar na Logística e o Misticismo na Estratégia 14/05/2011

Resta-nos agora um último grande desafio: Como diferenciar os bons projetos dos ruins, que existem19
apenas como tapa-buracos para nossa própria Incompletude? Infelizmente a Estrategística ainda não
nos dá esta resposta e muito provavelmente nunca nos dará, ao menos não da forma prática e
abrangente – one size fits all – como nossa Incompletude gostaria de tê-la. Não é a isso que ela se
propõe. O que fizemos até então foi explorar o mal-estar na logística e descobrir, por se assim dizer,
como funciona seu mecanismo de atuação, que por si só, já nos proporciona uma poderosa ferramenta
de auto-análise. Será a partir do aprofundamento deste mecanismo que futuramente exploraremos o
impacto da formação e resolução de Complexos, daí oriundos, na constituição das empresas20, na
intenção de um dia conseguirmos desenhar contra-mecanismos que possibilitarão um melhor
desempenho organizacional e uma mais satisfatória existência profissional.

Nota Bibliográfica: Aos interessados, sugiro a leitura das obras dos autores mencionados.

19
“que existem” no sentido de que nós mesmos criamos ou de que nos é apresentado e que aceitamos por
acreditarmos serem bons – partindo do princípio que pessoas normais não se envolveriam de espontânea vontade
em algo que acreditassem ser ruim.
20
Primariamente estudaremos cases que ilustram o comportamento das pessoas perante graves problemas reais
de duas diferentes empresas (que deram origem a Complexos de Mal-Estar Logístico), as soluções dadas a estes
problemas, a conseqüente forma de resolução dos Complexos, e o profundo impacto em suas constituições. Breve
nota: É somente neste último parágrafo que introduzo o termo Complexo, como abreviação da expressão
“Complexo de Mal-Estar Logístico”. Não há como explorarmos mais profundamente esta questão neste espaço.
Por hora, basta entender que um Complexo de Mal-Estar Logístico nada mais é que uma intensa condensação, ao
redor de um problema específico, do que extensivamente exploramos neste artigo, ou seja, do mal-estar na
logística. Dessa forma, o Complexo deixa de ser uma angústia flutuante inconsciente tal como é o mal-estar na
logística e torna-se conscientemente, precisando assim ser tratado.

Autor: Rodrigo C Guerra Sá 17 Versão 1.0

Vous aimerez peut-être aussi