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Maio de 2008
Efeitos Mecânicos do Ciclo Térmico
1. Introdução:
A soldagem por fusão é caracterizada pelo aquecimento de regiões localizadas das peças,
permanecendo o restante destas em temperaturas muito inferiores. As regiões aquecidas
tendem a se dilatar, mas esta dilatação é dificultada pelas partes adjacentes submetidas a
temperaturas menores, o que resulta no desenvolvimento de deformações elásticas e
plásticas no material aquecido. Como conseqüência, ao final do processo de soldagem,
tensões internas (tensões residuais) e mudanças permanentes de forma e de dimensões
(distorções) ocorrem na peça. Tanto as tensões residuais como as distorções podem afetar
de modo importante a utilidade e o desempenho da estrutura soldada, sendo fundamental o
conhecimento de suas características e de medidas para a sua prevenção e controle.
Tensões residuais são aquelas que permanecem na peça quando todas as suas solicitações
externas são removidas. Essas tensões aparecem freqüentemente em peças submetidas a
diferentes processamentos térmicos ou mecânicos (fundição, soldagem, laminação,
forjamento, usinagem, dobramento, têmpera, etc.). Uma das principais causas de seu
aparecimento é a ocorrência, ao longo de uma seção da peça, de deformações plásticas não
uniformes, o que pode ser causado por efeitos mecânicos ou térmicos. Um exemplo
simples é o aparecimento de tensões residuais próximo da superfície de uma peça
submetida a processos como o esmerilhamento ou jateamento com granalhas que causam o
escoamento plástico do material próximo da superfície (figura 1). Neste caso, as tensões
compressivas formadas junto à superfície da peça têm um efeito benéfico na sua resistência
à fadiga.
Em sistemas compostos por vários componentes, tensões residuais podem também resultar
de forças de reação que se desenvolvem quando os componentes são colocados em
posição. Por exemplo, em uma estrutura parafusada, quando os parafusos são apertados,
tensões se formam nos parafusos e nos componentes presos por eles. Estas tensões
independem de solicitações externas, podendo ser, portanto, consideradas como tensões
residuais.
Compressão Tração
Uma vez que as tensões residuais existem na ausência uma solicitação externa, pode-se
afirmar que o sistema é auto-equilibrado e a força e o momento (M) resultantes destas
tensões, em uma dada seção da peça, devem ser nulos, isto é:
r r
∫ ⋅ dA = 0 , e
σ
A
(1)
∫ dM = 0
A
(2)
2.1. Origem:
Devido à sua importância para a soldagem, serão aqui consideradas as tensões residuais
associadas com a ocorrência de deformação plástica não uniforme por efeitos térmicos.
Material α (10-6/K)
Alumínio 23
Aço carbono 13
Aço inoxidável (AISI 304) 17,3
Cobre 17
Níquel 13
Tugstênio 4,5
Se um objeto for aquecido e resfriado de modo uniforme e não existirem restrições às suas
variações dimensionais, estas não resultam em efeitos mecânicos importantes no objeto,
isto é, após o ciclo térmico, o objeto não deverá apresentar nem tensões residuais nem
distorções. Contudo, se a variação de temperatura não for uniforme ao longo da peça ou se
Como um exemplo inicial, considere três barras de um aço de baixo carbono de mesmo
comprimento e seção e unidas em suas extremidades por duas bases, de forma que
nenhuma pode se alongar ou contrair independentemente das outras (figura 2). Se a barra
central (barra 2) for aquecida enquanto as externas forem mantidas a temperatura ambiente,
essa tenderá a se dilatar, mas será impedida pelas outras através das bases. Assim, tensões
de compressão se desenvolverão na barra central e, nas barras externas, tensões de tração
de magnitude igual à metade do valor na barra central, pois, pela equação 1, tem-se:
σ 1 A1 + σ 2 A2 + σ 3 A3 = 0 (4a)
Base Base
Barra 1
Barra 2 Maçarico
Barra 3
Base Base
(a) (b)
Figura 2 - (a) Conjunto de barras presas nas extremidades. (b) Barra central sendo
aquecida.
Quando a tensão na barra central (σc) atinge o limite de escoamento, esta barra passa a se
deformar plasticamente (ponto B, figura 3). Considerando um aço com um limite de
escoamento de 250 MPa, E = Et = 210 GPa e α = 1,3x10-5m/(m oC), a temperatura na barra
central para o início de sua deformação plástica pode ser estimada, com a equação 6, em
cerca de 175oC (considerando T0 = 25oC).
Figura 3 - Variação da tensão (σc) com a temperatura na barra central (figura 2).
Nesta temperatura, a tensão na barra central atinge o seu limite de escoamento e, acima
desta temperatura, ela passa a se deforma plasticamente, isto é, de forma irreversível.
Como o limite de escoamento tende a diminuir com a temperatura, o valor da tensão na
barra central tende a cair à medida que a sua temperatura aumenta e a barra sobre uma
maior deformação plástica (curva BC, figura 3). Se o aquecimento é interrompido no ponto
Uma situação similar pode ser considerada para uma junta soldada, associando-se a região
da solda com a barra central e as regiões mais afastadas do metal de base, com as barras
externas. Por este raciocínio, pode-se esperar, como conseqüência da operação de
soldagem, o desenvolvimento de tensões residuais de tração na região da solda e de tensões
de compressão no metal de base. A figura 4 compara, esquematicamente, a distribuição de
tensões residuais na montagem das barras com a esperada em uma solda.
x x
y y
σx σx
y y
(a) (b)
Figura 4 - Comparação entre as tensões residuais desenvolvidas na montagem de três
barras (a) e as tensões residuais longitudinais formadas ao longo da direção transversal (y)
a uma solda de topo (b).
C C'
CC'
Tensão
Solda ∆ T=0 Residual
D D' DD'
Temperatura Tensão
2.2. Distribuição:
As tensões residuais, presentes em uma estrutura soldada durante a sua fabricação e seu
uso, são de dois tipos:
1. Tensões residuais produzidas na soldagem de seus membros sem restrição (item 2.1).
2. Tensões de reação resultantes da ligação entre os diversos membros da estrutura e entre
estes e outras estruturas.
σX = σ m 1 − e 2 (7)
b
onde b, a largura do pico de tensões de tração, depende das condições de soldagem e do
material e σm é a tensão máxima (no centro da solda) cujo valor é, em geral, próximo do
limite de escoamento do material.
σy
Solda
x x
σx
(a)
y
y
Compressão Tração
σy
(b)
y
Tração
σy
x x
Compressão
(c)
Figura 6 - Distribuição típica de tensões residuais em uma solda de topo. (a) Sistema de
coordenadas e tensões. (b) Tensões longitudinais. (c) Tensões transversais (linha tracejada:
distribuição de tensões quando a solda faz parte de uma estrutura e está sujeita a tensões de
reação).
r
Remendo
θ
σr
r
σθ
1400
1200 Aços
1000
Tensão (MPa)
800 σ y= 1 4 0 0 M P a
600
400
200 σ y= 2 5 0 M P a
0 10 20 30 40 50 60 70 80
D is tâ n c ia (m m )
Diversas técnicas podem ser utilizadas para a determinação de tensões residuais em soldas
(tabela II).
2.4. Consequências:
1
4
y y
0
A análise anterior permite destacar os seguintes aspectos relevantes relativos ao efeito das
tensões residuais em um dado componente:
• A presença de tensões residuais é mais importante para fenômenos que ocorrem com
baixos níveis de tensão (inferiores ao limite do escoamento do material) como a fratura
frágil, a fragilização pelo hidrogênio e a corrosão sob tensão.
• Em estruturas de materiais dúcteis submetidas a um carregamento, quanto maior for o
nível das tensões aplicadas, menor será o efeito das tensões residuais. Quando o nível de
carregamento for suficientemente elevado, parte da peça pode escoar e, como resultado,
as tensões residuais são reduzidas.
• Em estruturas de materiais frágeis submetidas a um carregamento, tensões residuais de
tração podem precipitar a ocorrência da falha por fratura frágil.
• Se a estrutura é carregada além de seu limite de escoamento, as suas tensões residuais se
tornam desprezíveis.
• Métodos que utilizam alguma forma de solicitação mecânica podem ser usados para
diminuir as tensões residuais de um componente soldado.
δ
Componente
falhado
Uma vez que as tensões residuais são de compressão em regiões mais afastadas da solda (e
de tração próximo desta), as tensões residuais nessas regiões podem reduzir a resistência à
flambagem de estruturas soldadas. Como estruturas soldadas tendem a apresentar também
distorções (seção 3) e como a flambagem está associada com deformações perpendiculares
ao eixo ou plano do componente (figura 12) e à aplicação de cargas fora de centro,
distorções causadas por soldagem ou outros processos podem comprometer seriamente a
resistência à flambagem. Em juntas soldadas feitas em chapas ou outros componentes de
pequena espessura, a distorção por flambagem resultante das tensões térmicas e residuais
pode também ocorrer dando à junta um aspecto irregular ou “enrugado” (ver seção 3.1).
Falhas por fratura frágil podem ocorrer em componentes metálicos em situações em que a
deformação plástica (associada com o desenvolvimento de uma ruptura dúctil) é inibida. A
fratura frágil é favorecida pela presença de concentradores de tensão como, por exemplo,
trincas. Ela pode ocorrer para níveis de tensão relativamente baixos, inferiores ao limite de
escoamento do material e de forma súbita, inesperada e rápida.
Estruturas soldadas são particularmente propensas à falha por fratura frágil devido a
diversos fatores, destacando-se:
• Uma estrutura soldada é monolítica, não apresentando interfaces (como em uma
estrutura rebitada ou aparafusada) que possam interromper (“arrest”) a propagação de
uma trinca de fratura frágil.
Fratura frágil é favorecida por baixa temperatura, elevada taxa de deformação, elevada
espessura do componente ou a presença de concentradores de tensão e por uma
microestrutura de baixa tenacidade (por exemplo, de elevada dureza, com granulação
grosseira ou com precipitados e inclusões grandes). Diversos destes fatores podem estar
presentes em uma estrutura soldada. Durante a fratura frágil, uma ou mais trincas podem se
propagar sob tensões inferiores ao limite de escoamento, em velocidades muito elevadas
(limitadas pela velocidade do som no material) e praticamente sem deformação plástica.
Nestas situações, as tensões residuais associadas com a junta soldada podem ser
suficientemente elevadas ou podem se adicionar às tensões externas para causar a fratura
frágil. Devido a este risco, em diversas situações, componentes soldados devem ser
tratados termicamente para alívio de tensões residuais e/ou refino da estrutura na região da
solda.
Existem diversos exemplos de falha por fratura frágil de componentes soldados, muitos
com grande perda material e de vidas humanas.
Trincas são frequentemente formadas em soldas. Estas trincas podem ser associadas
basicamente a dois fatores: (a) uma solicitação, isto é tensões mecânicas de tração e (b)
uma incapacidade (fragilização), muitas vezes momentânea, do material de acomodar esta
solicitação deformando-se plasticamente. Fragilização da região da solda e de regiões
adjacentes à solda pode acorrer por diversos motivos (formação de filmes de líquido em
contornos de grão a alta temperatura, crescimento de grão, presença de hidrogênio
dissolvido no material, precipitação, etc) durante e após a soldagem.
O nível de tensões residuais em uma junta soldada pode ser diminuído reduzindo-se a
quantidade de calor fornecido à junta ou o peso de metal depositado. Na prática, isto pode
ser feito otimizando-se o desenho do chanfro (reduzindo-se o ângulo do chanfro ou usando-
se preparações simétricas, por exemplo) e evitando-se depositar material em excesso
(evitando-se reforço excessivo em soldas de topo ou minimizando-se o tamanho de soldas
de filete). A seleção de processos de maior eficiência térmica (fonte de maior intensidade)
é uma possível alternativa de controle, mas difícil de ser justificável economicamente na
Após a soldagem, as tensões residuais podem ser aliviadas por métodos térmicos ou
mecânicos (tabela III).
Tabela III - Métodos para aliviar tensões residuais (Okimura & Taniguchi, 1982).
Procedimento Descrição Características Limitações
Martelamento Martelamento do metal Método simples, pode Inadequado para
depositado e de suas causar refino de grão. materiais de baixa
adjacências durante ou ductilidade.
após a soldagem.
Encruamento A junta soldada é Bastante eficiente para Inadequado para
deformada plasticamente tanques esféricos e estruturas complicadas
pela aplicação de cargas tubulações. pela dificuldade de
(a) de tração. aplicar tensões
uniformes.
Vibração Vibrações são aplicadas Operação simples. Inadequado para chapas
na estrutura causando grossas ou grandes
uma ressonância de baixa estruturas. Alívio de
frequência o que ocasiona tensões não é uniforme.
deformação plástica
parcial da estrutura e
alívio de tensões.
Recozimento Aquecimento a 600- Muito utilizado e Inaplicável para grandes
para alívio de 700oC (aços ferríticos) ou bastante eficiente. estruturas e difícil de ser
tensões 900oC (aços austeníticos) executado no campo.
seguido de resfriamento Custo elevado.
lento. Pode ser local ou
total.
(b) Recozimento Aquecimento a 900- Podem eliminar Inaplicável para grandes
a alta 950oC (aços ferríticos) completamente as estruturas e difícil de ser
temperatura seguido de resfriamento tensões residuais. executado no campo.
lento. Pode ser local ou Custo muito elevado.
total.
Alívio de tensões Aquecimento do local da Adequado para O alívio de tensões é
a baixas solda a 150-200 oC em grandes estruturas. baixo.
temperaturas uma largura total de 60 a
130mm.
(a) Processos mecânicos (b) Processos térmicos
3.1. Tipos:
Distorção são alterações de forma e dimensões que componentes soldados sofrem como
resultado do movimento de material (deformação plástica) que ocorre em função das
tensões térmicas desenvolvidas durante o processo de soldagem. A distorção final de um
componente soldado é sempre oposta e, em geral, da mesma ordem de grandeza do
movimento de material que ocorre durante a soldagem (figura 13).
Em juntas simples, três tipos básicos de distorção podem ocorrer: (1) contração transversal
(perpendicular à linha da solda), (2) contração longitudinal (paralela à linha da solda) e (3)
distorção angular (rotação em torno da linha da solda), figura 14. Estas distorções básicas
causam distorções mais complexas em juntas reais de solda como, por exemplo, o
dobramento (figura 15a) e a torção de vigas e a distorção por flambagem em juntas de
peças de pequena espessura (figura 15b). Durante a soldagem de componentes livres (isto
é, que não estejam presos por soldas de ponteamento ou por algum dispositivo de fixação),
estes podem sofrer distorção rotacional (figura 16), o que pode dificultar as condições de
soldagem e modificar o padrão final da distorção da junta soldada.
Deflexão, δ
Soldagem
Tempo
δt
δt
(c)
(a) (b)
Figura 15 - (a) Dobramento de uma viga T e (b) flambagem em chapas finas.
(a) (b)
Figura 16 - Rotação durante a soldagem para (a) baixo e (b) alto aporte térmico.
O dobramento de uma viga de aço soldada ao longo de todo o seu comprimento (L) pode se
estimado por (figura 18):
AW d L2
∆ = 0,005 (9)
I
onde AW é a área da seção transversal da solda ou soldas, d é a distância do centro de
gravidade da(s) solda(s) à linha neutra da viga e I é o momento de inércia do membro.
3 Peso de metal
depositado (g/cm)
2 Aw Aw
10,0 t θ
1 6,3
4,0
2,5
0 t - espessura
5 10 15 20 25 30
Espessura (mm)
d ∆
Materiais com um maior coeficiente de expansão térmica sofrem uma maior expansão e
contração durante o ciclo térmico e, desta forma, tendem a apresentar uma maior distorção.
Metal E σYS α k
Aço carbono 1,0 1,0 1,0 1,0
Aço inoxidável 1,0 1,2 1,4 0,3
Ligas de alumínio 0,3 0,5 1,7 4,2
Ligas de cobre 0,5 0,3 1,3 7,5
(b) Na fabricação:
• Estimar a distorção que ocorrerá na estrutura e posicionar as peças de forma a
compensar esta distorção. (Difícil de aplicar em estruturas complexas)
4. Bibliografia:
Andrews, J.B. e outros, (1970) Analysis of Thermal Stress and Metal Movement During
Welding, NASA Contractor Report NASA CR-61351.
Gunnert, R. (1958) Method for Measuring tri-axial residual stresses, Doc. IIW X-184-57-
OE, Commission X of the International Institute of Welding.
Masubuchi, K. (1980) Analysis of Welded Structures, Pergamon Press.
Okimura, T. & Taniguchi, C. (1982) Engenharia de Soldagem e Aplicações, LTC, capítulo
5.