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Dezembro de 2006
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SUMÁRIO
Preâmbulo 4
Vontade de Potência. Ativo e Reativo 8
Ressentimento e Má Consciência 19
O Sentido da Cultura 29
Niilismo e Eterno Retorno 35
Epílogo 53
Notas 58
Agradecimentos 66
3
“Minha filosofia traz o pensamento vitorioso com o qual toda outra maneira de
pensar acabará por sucumbir. É o grande pensamento aprimorador: as raças que não o
suportam estão condenadas; as que o sentem como o maior dos benefícios estão
votadas à dominação.” 1
Preâmbulo
“Tanto quanto Wagner, eu sou um filho desse tempo; quer dizer, um décadent: mas eu
compreendi isso, e me defendi. O filósofo em mim se defendeu.”3
4
Ao contrário do plebeu, que necessita desesperadamente de uma identidade para
se defender, Nietzsche defendeu-se da seriedade mórbida do europeu da sua época ao
experimentar intensidades onde a identidade é aniquilada. Grande riqueza de alguém
que aprendeu a não levar o “eu” a sério... Saber dançar, jogar e rir, são provas de uma
vida que singularizou-se por não fixar-se nas identificações sociais. A respeito disso,
Pierre Klossowski diz: “[...] querer ser outro diferente do que se é para se tornar o que
se é.”4 É evidente que a emoção psicológica experimentada nesses estados de dissolução
da identidade não é – ao contrário do que o plebeu pensa – uma enfermidade, mas
expressa uma natureza saudável que conquistou o direito de não se identificar com
formas a priori. A capacidade de mutação é uma grande saúde. Por isso que essa
natureza mutante é incapturável pelos sistemas de poder vigentes; é impossível detê-la
numa classificação “racional” qualquer. O que se costuma dizer como “verdadeiro”,
“eu”, “imóvel”, “ideal”, ou então, “esquizofrênico”, “normal”, “bem”, “mal”, são
mentiras que o homem, já capturado, utiliza como escudos contra a vida... Eis a
denúncia de Nietzsche contra uma moral que está a serviço da covardia.
“A mentira do ideal foi até agora a maldição sobre a realidade, através dela a
humanidade mesma tornou-se mendaz e falsa até seus instintos mais básicos.”5
“Em todos os tempos os grandes sábios sempre fizeram o mesmo juízo sobre a vida: ela
não vale nada... Sempre e por toda parte se escutou o mesmo tom saindo de suas bocas.
Um tom cheio de dúvidas, cheio de melancolia, cheio de cansaço da vida, um tom
plenamente contrafeito frente a ela. O próprio Sócrates disse ao morrer: ‘viver significa
estar há muito doente’ [...] O próprio Sócrates estava enfastiado da vida. O que isso
demonstra? Para onde isso aponta?”6
5
O plebeu, para Nietzsche, é quem não transmuta e, por isso, degenera.7 O nobre,
ao contrário, tem a capacidade de metamorfosear-se. É importante nos atentarmos a isto:
Nietzsche não quer dizer que a nobreza e a plebe são classes sociais; a distinção que ele
faz é muito mais refinada: é de postura de vida, é do elemento que dá valor aos valores,
que pode ser de afirmação ou de negação da vida.8 Ao negar a vida, somente o plebeu
dá um aspecto fúnebre a ela.
Ao lermos Nietzsche é necessário interpretarmos o sentido que ele utilizou para
as palavras: há, de fato, deslocamentos de sentido para as mesmas palavras em um
mesmo texto ou aforismo. Podemos interpretar de várias maneiras, por exemplo, os
sentidos das críticas de Nietzsche com relação aos judeus: como um ataque ao sacerdote
judaico – o caluniador da existência ao criar a forma do ressentimento – que foi
desejado, em determinadas circunstâncias, pelo seu povo; ou, então, como o povo mais
forte existente numa Europa decadente do século XIX.9 Portanto, as críticas de
Nietzsche se dirigem a tudo o que é elevado e baixo, nobre e plebeu, ativo e reativo na
vida humana, sem dirigir-se diretamente a identidades raciais, religiosas, sociais ou
políticas, mas ao modo de vida dominante que está em devir... E o devir da humanidade
é o do ressentimento e da má consciência, percorrendo até aos nossos dias. Podemos,
então, compreender que a civilização moderna foi erigida por instintos vingativos.
“Plebeu”, “escravo”, “Judéia”, podem significar “baixo”, “impotente”, “ressentido”.
“Aristocrata”, “senhor”, “grego”, podem significar “elevado”, “potente”, “trágico”.
“A Judéia conquistou com a Revolução Francesa mais uma vitória sobre o ideal clássico
[...] nunca se ouviu na terra júbilo maior, nem entusiasmo mais estridente!”10
“Não deixemos de notar as quase benévolas nuances que a aristocracia grega, por
exemplo, põe em todas as palavras com que distingue de si mesma o povo baixo [...] ao
ponto de quase todas as palavras que aludem ao homem comum terem enfim
permanecido como expressões para ‘infeliz’, ‘lamentável...’”11
6
“[...] a vida mesma é essencialmente apropriação, ofensa, sujeição do que é estranho e
mais fraco, opressão, dureza, imposição de formas próprias, incorporação e, no mínimo
e mais comedido, exploração – mas por que empregar sempre essas palavras, que há
muito estão marcadas de um intenção difamadora? [...] A exploração não é própria de
uma sociedade corrompida, ou imperfeita e primitiva: faz parte da essência do que vive,
como função orgânica básica, é uma conseqüência da própria vontade de potência, que
é precisamente vontade de vida.”12
7
“Aquilo que eternamente tem de retornar, como um vir-a-ser que não conhece nenhuma
saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço –: esse meu mundo dionisíaco do
eternamente-criar-a-si-próprio, esse mundo secreto da dupla volúpia, esse meu ‘para
além de bem e mal’, sem alvo, se na felicidade do círculo não está um alvo, sem
vontade, se um anel não tem boa vontade consigo mesmo –, quereis um nome para esse
mundo?... – Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso! E também vós
próprios sois essa vontade de potência – e nada além disso!” 14
8
“A vida [...] aspira a um sentimento máximo de potência: ela é, essencialmente, uma
aspiração a maior quantidade de potência: aspirar não é outra coisa senão aspirar à
potência: o que existe de mais subjacente e de mais interior é essa vontade.”16
“[...] de que algo existente, que de algum modo chegou a se realizar, é sempre
reinterpretado para novos fins, requisitado de maneira nova [...] de que todo
acontecimento do mundo orgânico é um subjugar e assenhorear-se, e todo subjugar e
assenhorear-se é uma nova interpretação, um ajuste, no qual o ‘sentido’ e a ‘finalidade’
anteriores são necessariamente obscurecidos ou obliterados [...] Logo, o
‘desenvolvimento’ de uma coisa, um uso, um órgão, é tudo menos o seu progressus em
direção a uma meta [...] Se a forma é ‘fluida’, o sentido é mais ainda...”18
Como toda força existe em relação, até o mais covarde dos homens é,
simultaneamente, produto (ele é afetado) e produtor (afeta outros corpos) de realidade.
Não há como existirmos fora da imanência. O que nunca deixará de existir é sempre o
mais imediato, que está sempre aberto a novas interpretações e avaliações. Por isso a
realidade pode gerar angústias e aflições, mas também pode ser fonte de diferenciação
alegre e prazerosa.
É necessário distinguirmos as duas qualidades da vontade de potência: negação
e afirmação. Dominada pelo aspecto negativo, a vontade de potência nega a imanência.
Dessa negação primeira, a vontade de potência passa a afirmar os valores que já estão
estabelecidos. Mas o que está estabelecido são os valores produzidos por uma postura
de vida negativa, que julga a vida ao necessitar de um artigo de fé – a crença no ideal
ascético. Portanto, somente essa vontade de negar precisa de uma referência moral. A
afirmação, nesse caso, é secundária, tendo apenas a função de afirmar um subterfúgio
que já foi criado pela negação, servindo como um sentido para a vida, mesmo que esse
9
sentido seja direcionado a uma ficção. Antes de cair em um nada de sentido, surge
algum sentido para a vida. Justifica-se a existência através de um modelo separado da
imanência: temos o “bem”, o “belo”, o “justo”, a “verdade”, como “idéias puras”,
transcendentes. A moral define o mundo em que vivemos como inferior, por ser o
mundo das aparências, da falsidade, já que tudo muda, nada é concluído... “É preciso
acreditar em um mundo onde nada mude e, por isso, seja verdadeiro”, assim diz essa
vontade de negação – assim dirigiu-se Platão com sua vontade de idéias puras. Portanto,
esse outro mundo é afirmado. Nesse ponto, é necessário, mais uma vez, que o
genealogista avalie os valores que estão em curso:
Mas a vontade de negação pode ter um outro uso que proporciona a sua própria
transmutação em uma vontade de afirmação plena. Nesse caso, a negação serve apenas
como função da afirmação, precede a afirmação destinada a dominar: não mais os meios
quereres (um querer moral, de utilidade pública 20), mas um querer inteiro... Os
produtos da negação são negados (os subterfúgios que a humanidade afirma para
suportar a existência); o inédito, o que não obedece a nenhuma forma prévia, em suma,
o devir, é afirmado. Eis a diferença fundamental: enquanto o plebeu nega a vida para
afirmar uma ficção, o nobre afirma a vida ao afirmar o devir. O lado “proibido” da vida
(constatação niilista) é considerado inocente ao ser, enfim, desejado.
“Disso faz parte compreender os lados até agora negados da existência, não somente
como necessários, mas como desejáveis: e não somente como desejáveis em vista dos
lados até agora afirmados (eventualmente, como seus complementos ou condições
prévias), mas em função de si próprios, como os mais poderosos, mais fecundos, mais
verdadeiros, lados da existência, nos quais sua vontade se enuncia com maior
clareza.”21
Podemos também fazer a distinção das duas características que constituem uma
relação entre as forças: obedecer e comandar. Entendemos por “obedecer” uma
10
capacidade receptiva da força; por “comandar” uma capacidade de agir (veremos que o
sentido de “obedecer” e de “comandar” difere-se totalmente conforme a qualidade da
vontade dominante). A força reativa é receptiva, reguladora, distributiva, conservadora.
A força ativa é expansiva, agressiva e criativa 22. Para Nietzsche, há uma hierarquia
entre as qualidades das forças: a força ativa é primária. Mas uma força ativa somente
triunfa quando há uma vontade de potência afirmativa dominante. Surge um devir ativo
das forças, caracterizado pelo domínio da força ativa sobre a força reativa. É a noção de
criação como qualidade primária à noção de adaptação:
11
objetivo alcançado – o “projeto” atingiria o seu happy end... Há em Nietzsche um
ataque explícito ao livre-arbítrio:
“[...] a moral do povo discrimina entre a força e as expressões da força, como se por trás
do forte houvesse um substrato indiferente que fosse livre para expressar ou não a força.
Mas não existe um tal substrato: não existe ‘ser’ por trás do fazer, do atuar, do devir; o
‘agente’ é uma ficção acrescentada à ação – a ação é tudo.”25
Ora, se tudo que existe na imanência está em relação, o “sujeito” que antecederia
a ação seria algo separado da realidade, sem relacionar-se com nada, ensimesmado, o
que é um absurdo total! Como poderia algo existir – e ter uma vontade – sem estar na
experimentação, sem afetar e ser afetado? É o mesmo que dizer que o ser está separado
do devir! É o que leva Nietzsche a dizer simplesmente que não existe tal substrato (o
que é, evidentemente, um ataque à filosofia kantiana); portanto, o substrato é uma
ficção. Por isso Nietzsche diz que a ação é tudo.
Mas mesmo naquele que precisa acreditar no “sujeito”, essa falsa cria, continua
a ter uma vontade de potência (de volúpia, ambição de domínio e egoísmo), mas sob o
signo da carência. Através da obediência, o homem reativo busca algum prazer – ou
aumento de potência – na sua conservação e, igualmente, espera que através disso
consiga impedir os sentimentos de dor e de tristeza – ou diminuição de potência: daí a
necessidade de buscar uma proteção através da moral. “Você será bom se, no mínimo,
não me causar tristeza; mas será mau se isso acontecer”, é o seu julgamento.
Inevitavelmente, obedecer, ou receber, possui apenas um sentido para ele: carregar.
Carregar valores estabelecidos, tornar-se cada vez mais útil ao modo gregário de viver,
tornar-se cada vez mais competente... O homem reativo conhece apenas a obediência às
leis instituídas – sejam divinas ou humanas –, limitando-se numa “livre” escolha entre o
“bem” e o “mal”, “útil” e “inútil”, “justo” e “injusto”, “falso” e “verdadeiro”.
Já é possível compreendermos o que é o sintoma de degeneração do homem para
Nietzsche. A avaliação dos valores passa a priorizar tudo que é útil à conservação; o
sentido é o da adaptação às forças exteriores. Experimenta-se a vida apenas sob o seu
aspecto utilitário. E somente a partir desse ponto o homem reativo pode esperar duas
coisas para a sua vida: proteção do acaso e doses de prazer.
O homem reativo tem uma grande resistência para receber o novo, o estranho.
Extremamente diligente, ele não sabe mais o que é experimentar. Ele se mantém nessa
12
via sedentária porque encontra vantagens, pequenas felicidades, acreditando ser essa
postura muito mais cômoda do que criar para si as condições de gozo.
“Muito freqüentemente observo que sim, a cega diligência traz riquezas e honras, mas
também priva os órgãos daquela finura que tornaria possível a fruição de riquezas e
honras, e noto, igualmente, que esse grande antídoto para o tédio e as paixões torna
embotados os sentidos e faz o espírito refratário a estímulos novos.”27
Ser ativo, para o homem reativo, é agir em vista de uma finalidade, em busca de
uma premiação, de um reconhecimento. A ação, nesse caso, precisa ser autorizada pelo
poder; justamente por isso, é uma falsa atividade. Trabalha-se demais, não se tem tempo
para nada e, quando há um tempo livre, não sabe o que fazer com ele. Ele sempre tem
necessidade de sentir-se “ativo”:
“Eles são ativos como funcionários, comerciantes, eruditos, isto é, como representantes
de uma espécie, mas não como seres individuais e únicos; neste aspecto são indolentes.
– A infelicidade dos homens ativos é que sua atividade é quase sempre um pouco
irracional. Não se pode perguntar ao banqueiro acumulador de dinheiro, por exemplo,
pelo objetivo de sua atividade incessante: ela é irracional. Os homens ativos rolam tal
como pedra, conforme a estupidez da mecânica.”28
13
com quem lhe “protege”. O engodo de qualquer poder é exatamente a oferta de proteção
e de prazer: isso o poder promete, na medida em que os homens se submetem às suas
leis.
“Aprender a pensar: não se tem mais em nossas escolas nenhuma noção do que isso
significa [...] não há agora a mais remota lembrança de que é necessário ao pensamento
uma técnica, um plano de estudo, uma vontade de domínio – de que o pensar deve ser
aprendido, como o dançar é aprendido, como um tipo de dança...”30
14
prazer e, finalmente, conquistar a felicidade!”, assim imagina esse animal doente.
Comandar, para ele, vira um objetivo a ser conquistado a qualquer preço. “Chega de ser
servo, agora chegou o grande momento de ser senhor!” Ele sente que viver de pequenos
prazeres à custa de sofrimento e obediência não é mais o suficiente para lhe dar a
“grande felicidade”. Dinheiro, prestígio, glória: há em todo servo uma forte tendência
para tornar-se senhor. O poder como algo que lhe falta... E como é fácil dar-lhe um
sinal de que a vida pode ser muito mais interessante! Basta fornecer-lhe o chicote para
que ele sinta-se bem melhor... Momentaneamente, o homem reativo imagina que fez as
pazes com a vida... O seu aumento de potência segue refém da representação: o
deslocamento de servo para senhor não passa de uma grande ilusão! Uma simulação de
comando – é disso que se trata. Pela incapacidade de receber, o homem reativo imagina
que comanda, que pode "dar" (“Você deve ser grato a mim porque eu pago o seu
salário”). Ele está sempre à espera das vantagens, de que o outro se submeta aos seus
interesses mesquinhos. Eis a moral dos escravos, que se merecem: os que procuram
proteção e prazer sob as asas de um poder e os que procuram alcançar o poder para
fruir, o máximo possível, as riquezas e as honras... É importante que isto seja dito: é
impossível que o homem reativo seja dadivoso, pois o seu modo de vida é,
inevitavelmente, parasitário. Por trás de máscaras sociais como “pessoa de bem”,
“trabalhadora”, “justa”, “grande profissional”, “bom marido”, “boa esposa”, existe um
ódio contra todos aqueles que ousam desobedecer as suas regras... Sintoma de
degeneração do homem, perda do sentido da cultura... Nietzsche dizia que o seu saber
vinha das narinas: ele farejava a decomposição. Isto quer dizer: quem não cria,
degenera.
A inversão desse cenário pavoroso acontece quando a força ativa adestra a força
reativa, triunfando na obediência e no comando. A adaptação surge apenas como efeito
desse processo. No trecho seguinte, Nietzsche nos diz sobre a primazia da vontade de
potência afirmativa e das forças ativas:
15
Um homem é ativo porque experimenta a arte de obedecer (ou de receber) e de
comandar (ou de agir), fora da representação. Portanto, a força reativa passa a cumprir,
de fato, a sua função secundária, que é receber e processar fluxos. A função primária é
cumprida pela força ativa e dominadora. Ao contrário da obediência do homem reativo,
o homem ativo, nas relações com as forças do acaso, experimenta as variações da sua
potência – as intensidades – para ter ciência daquilo que ele pode no encontro.
Receptivo ao inédito, pela experiência ele aprende a selecionar os encontros que o
tornam mais forte e a evitar os que o enfraquecem. Note-se bem: “evitar”, aqui, não
quer dizer “negar”, porque não se trata de julgamento moral, mas, sobretudo, de
experimentar os encontros que, na maioria das vezes, não dependem de nós para
acontecer. O ressentimento não o domina... Há excelentes passagens no “Ecce Homo”
sobre o cuidado que Nietzsche tinha com a escolha da alimentação, do clima, dos livros.
Trata-se de um cuidado de si mesmo, que podemos reaprender:
“Aquele ‘fatalismo russo’ de que falei mostrou-se em mim no fato de que durante anos
apeguei-me tenazmente a situações, paragens, moradas, companhias quase
insuportáveis, uma vez que me haviam sido dispostas pelo acaso – era melhor do que
mudá-las, do que senti-las como mutáveis – do que revoltar-se contra elas...”33
“[...] essas pequenas coisas – alimentação, lugar, clima, distração, toda a casuística do
egoísmo – são inconcebivelmente mais importantes do que tudo o que até agora tomou-
se como importante. Nisto exatamente é preciso começar a reaprender.”34
16
a sua metamorfose: daqui a algum tempo, o veremos escrever e falar de modo diferente;
sua postura irá mudar, sua voz estará mais forte, o seu olhar estará mais confiante. 35
Esse espírito livre é sábio porque encontra as idéias mais ousadas, os lugares mais
acolhedores. A arte do encontro é a sua especialidade. Ao contrário do homem reativo,
ele está livre da inveja (afinal, o que há para ele invejar se a sua vontade não é a da
falta?). Portanto, o espírito livre pode admirar e amar aquilo que é grande... Ele sabe
escolher os seus alimentos e por isso ama-os... Zaratustra já dizia que o espírito é um
estômago. Saber selecionar a alimentação é um sintoma de saúde:
“De que aprenderam mal e não o que havia de melhor e tudo cedo demais e demasiado
depressa: de que comeram mal, daí lhes proveio aquele estômago estragado – um
estômago estragado, com efeito, é seu espírito: esse lhes aconselha a morte! Porque na
verdade, meus irmãos, o espírito é um estômago! [...] Conhecer: este é o prazer para
quem tem a vontade do leão!”36
“Tornar-vos vós mesmos oferendas e dádivas, é essa a vossa sede; e, por isso, tendes
sede de acumular, na vossa alma, todas as riquezas. Insaciável, aspira vossa alma a
tesouros e jóias, porque insaciável é a vossa virtude em querer dar presentes. Obrigais
todas as coisas a ir a vós e a estar em vós, para que voltem a fluir do vosso manancial
como dádivas do vosso amor.”37
17
afastar de si toda perspectiva suicida? Inventaram a felicidade como refúgio das
inquietações diárias.
“[...] tudo isso o oposto da felicidade no nível dos impotentes, opressos, achacados por
sentimentos hostis e venenosos, nos quais ela aparece essencialmente como narcose,
entorpecimento, sossego, paz, ‘sabbat’, distensão do ânimo e relaxamento dos
membros, ou, numa palavra, passivamente.”39
Os senhores, ao contrário, vivem felizes porque sabem que a felicidade faz parte
da ação. Para eles, a felicidade é uma superação 40: o aumento de potência cria novos
modos de interpretar e de avaliar.
“[...] sendo homens plenos, repletos de força e portanto necessariamente ativos, não
sabiam separar a felicidade da ação – para eles, ser ativo é parte necessária da
felicidade.”41
18
“E nenhuma chama nos devora tão rapidamente quanto os afetos do
ressentimento. O aborrecimento, a suscetibilidade doentia, a impotência
de vingança, o desejo, a sede de vingança, o revolver venenos em todo
sentido[...] O ressentimento é o proibido em si para o doente – seu mal:
infelizmente também sua mais natural inclinação.” 42
Ressentimento e Má Consciência
“Por hora gostaria apenas de entender como pode ser que tantos homens, tantos burgos,
tantas cidades, tantas nações suportam às vezes um tirano só, que tem apenas o poderio
que eles lhe dão [...] Como diremos que isso se chama? Que infortúnio é esse? Que
vício, ou antes, que vício infeliz ver um número infinito de pessoas não obedecer mas
servir, não serem governadas mas tiranizadas, não tendo nem bens, nem parentes,
mulheres ou crianças, nem sua própria vida que lhes pertença; aturando os roubos, os
deboches, as crueldades, não de um exército [...] mas de um só; não de um Hércules
nem de um Sansão, mas de um só homenzinho [...] No entanto, não é preciso combater
esse único tirano, não é preciso anulá-lo; ele se anula por si mesmo, contanto que o país
não consinta a sua servidão; não se deve tirar-lhe coisa alguma, e sim nada lhe dar [...]
Portanto são os próprios povos que se deixam, ou melhor, se fazem dominar.”44
19
“[...] os homens nascidos sob o jugo, mais tarde educados e criados na servidão, sem
olhar mais longe, contentam-se em viver como nasceram; e como não pensam ter outro
bem nem outro direito que o que encontraram, consideram natural a condição de seu
nascimento”45
La Boétie não chegou a produzir uma crítica radical que nos leve a entender
melhor esse estranho fenômeno de um povo que busca a sua própria servidão. Mas
encontramos essa crítica em Espinosa e Nietzsche: são os pensadores que mais foram a
fundo na crítica da servidão humana. Em Nietzsche, o problema é colocado da seguinte
forma: quem, em nós, é cúmplice do poder? Quem, em nós, quer obedecer ao poder e
almeja, também, ter o poder?...
Nos encontros que experimentamos, há uma tendência do domínio das forças
reativas ao fixarem-se em imagens – em toda imagem há afeto. Podemos querer
encontrar uma causa exterior aos desprazeres ou prazeres que experimentamos, já que a
imagem, em vez de ficar no estado latente – de “digestão”, inconsciente –, fixa-se
temporariamente na consciência. Assim, a imagem torna-se, momentaneamente, um
bloqueio para novos fluxos que o corpo recebe. Ressentir a imagem pode ser uma
experiência prazerosa ou um verdadeiro tormento. Mas isso é apenas o primeiro aspecto
do ressentimento (que pode se tornar venenoso), o que Nietzsche chama de psicologia
animal: um momentâneo deslocamento das forças reativas, caracterizando um estado
bruto. 46 Para quem é ativo, ou seja, quando a força ativa está no comando, o
ressentimento não chega a dominar: a imagem desloca-se da superfície (“consciência é
superfície”47) para a profundidade. Eis o que Nietzsche chama de verdadeira reação, “a
dos atos”48, que acelera o processo: a força ativa adestra a força reativa para receber as
excitações novas, e não para ruminar as imagens do passado que sobem à superfície.
Não há tempo para ficar atolado na lama da conservação das marcas; o homem ativo
passa por esse processo rapidamente. Um excesso de força ativa e um querer inteiro
constituem a sua saúde.
20
aparece, em inúmeros casos em que é inevitável nos impotentes e fracos. Não conseguir
levar a sério por muito tempo seus inimigos, suas desventuras, seus malfeitos inclusive
– eis o indício de naturezas fortes e plenas, em que há um excesso de força plástica,
modeladora, regeneradora, propiciadora do esquecimento.”50
“O homem no qual esse aparelho inibidor é danificado e deixa de funcionar pode ser
comparado (e não só comparado) a um dispéptico – de nada consegue ‘dar conta’...”53
Esse dispéptico precisa de um alívio para o seu sofrimento, de uma causa para o
seu infortúnio, de um antídoto para esse veneno. Já podemos entender melhor o que
acontece: os momentos em que podemos ter uma inclinação a um domínio da vontade
de negação e da força reativa – um niilismo emergente – são quando as marcas alojam-
se na consciência. O envenenamento ocorre quando se perde o devir ativo para entrar
em um devir reativo, ou seja, de ruminação das marcas, tornando a vida pesada... O
ressentido não se abre mais às experimentações inocentes do devir por medo de
aumentar o seu sofrimento, de que se repita o que, antes, deu errado: é o lamuriento.
Então, essa ovelha doente vai precisar de um pastor – e o pastor vai precisar dessas
ovelhas ressentidas para formar o seu rebanho. Nietzsche introduz o agente fundamental
no processo de fomentação de doentes: o sacerdote ascético judaico 54. Em um cenário
propício para que uma moral seja desejada, o sacerdote cumpre aquilo que faltava para
o seu triunfo: ele dá forma ao ressentimento (o segundo aspecto do ressentimento). Isso
quer dizer o seguinte: a fundação do poder sacerdotal judaico surge através da tristeza
das massas, atoladas no ressentimento, utilizando-as como matéria-prima para o
estabelecimento do seu domínio. Através do ideal ascético, “o sofrimento era
interpretado; a monstruosa lacuna parecia preenchida; a porta se fechava para todo
21
niilismo suicida”55. Percebemos que não há poder que não se mantém sem a vida
impotente: quanto maior o número de fracos, melhor. Fórmula básica para a formação
de igrejas, por exemplo... O mundo passa a ser interpretado pelos signos: acredita-se
que no signo abriga toda a explicação do que acontece... O que não pode ser controlado,
o simulacro, passa a ser a causa das injúrias. O sacerdote, que é também um ressentido,
encontra, através do poder, uma maneira de direcionar o desejo dos seus sofredores,
dando um sentido à vida deles. 56
A moral é o lugar do juízo, com valores que interessam somente à vida dos
“malogrados, atrofiados, amargurados, envenenados”57. Ocorre a inversão do “bom e
ruim”, para o “bom e mau”. Ao contrário da distinção que os homens ativos
estabeleceram entre “bom” (o criador, o comandante) e “ruim” (o animal de carga, o
sofredor), o sacerdote inventou a distinção moral entre “bons” (nós, as vítimas) e
“maus” (eles, os culpados). Portanto, através dessa visão invertida, toda ovelha que
segue o seu pastor imagina o seu oposto como “mau”. E quem é o oposto? O animal de
rapina, aquele que age sem pensar nas conseqüências, que não segue o que está
estabelecido e, por isso, é uma ameaça ao rebanho. Por ser obediente ao sacerdote que
lhe “protege” do acaso, o homem do ressentimento se considera “bom” porque, antes de
tudo, o seu oposto é “mau”.
22
“Exigir da força que não se expresse como força, que não seja um querer-dominar, um
querer-vencer, um querer-subjugar, uma sede de inimigos, resistências, triunfos, é tão
absurdo quanto exigir da fraqueza que se expresse como força [...] apenas sob a sedução
da linguagem [...] a qual entende ou mal-entende que todo atuar é determinado por um
atuante, um ‘sujeito’ é que pode parecer diferente.”60
“O homem ativo, violento, excessivo, está sempre bem mais próximo da justiça que o
homem reativo; pois ele não necessita em absoluto avaliar seu objeto de modo falso e
parcial, como faz, como tem que fazer o homem reativo.”62
O forte sempre está em real perigo. Através da acusação dos fracos (que
encontram no forte a causa de algum desprazer sofrido, por não ter respeitado os
sentimentos deles, por não ter pensado na felicidade do rebanho, etc.), há o risco
permanente de entrar em um devir reativo. É o que leva Nietzsche alertar que “os
doentes são o maior perigo para os sãos”63. Nota-se o enorme risco do homem forte ser
contaminado pelo veneno mortal do ressentimento (o que pode transformá-lo também
num morto-vivo), porque ao ser acusado (principalmente por pessoas tão próximas a ele,
que querem apenas o “bem” dele... a instituição familiar, neste ponto, é insuperável...),
corre um gigantesco risco de envergonhar-se da sua ação e sentir-se culpado pelo seu
ato...64 A multiplicação do rebanho e a expansão dos valores nocivos à vida apenas
tornam-se possíveis pela subtração das forças ativas dos fortes. Através de um terrível
23
sistema de aniquilação dos homens ativos, o poder sacerdotal cresce a tal ponto que os
tipos saudáveis tornam-se cada vez mais escassos. É possível constatarmos que o
mundo humano que conhecemos foi constituído por doses cavalares do veneno
rancoroso contra tudo o que é alegre e saudável por si mesmo.
“São para mim desagradáveis as pessoas nas quais todo pendor natural se transforma em
doença, em algo deformante e ignominioso - elas nos induziram a crer que os pendores
e impulsos do ser humano são maus; elas são a causa de nossa grande injustiça para
com a nossa natureza, para com toda natureza! Há pessoas bastantes que podem se
entregar a seus impulsos com graça e despreocupação: mas não o fazem, por medo
dessa imaginária ‘má essência’ da natureza!”65
“Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro – isto é o
que chamo de interiorização do homem [...] A hostilidade, a crueldade, o prazer na
perseguição, no assalto, na mudança, na destruição – tudo isso se voltando contra os
possuidores de tais instintos: esta é a origem da má consciência.”66
“Neles [os fundadores de Estado] não nasceu a má consciência, isto é mais do que claro
– mas sem eles ela não teria nascido, essa planta hedionda, ela não existiria se, sob o
peso dos seus golpes de martelo, da sua violência de artistas, um enorme quantum de
24
liberdade não tivesse sido eliminado do mundo, ou ao menos do campo da visão, e
tornado como que latente. Esse instinto de liberdade tornado latente à força – já
compreendemos –, esse instinto de liberdade reprimido, recuado, encarcerado no
íntimo, por fim capaz de desafogar-se somente em si mesmo: isto, apenas isto, foi em
seus começos a má consciência.”67
“[...] pois todo sofredor busca instintivamente uma causa para seu sofrimento; mais
precisamente, um agente culpado suscetível de sofrimento – em suma, algo vivo, no
qual possa sob algum pretexto descarregar os seus afetos [...] pois a descarga de afeto é
para o sofredor a maior tentativa de alívio, de entorpecimento, seu involuntariamente
ansiado narcótico para tormentos de qualquer espécie.”69
Mas, apesar disso, o sofrimento não vai embora. Por mais que os culpados sejam
punidos, permanecer vivo ainda continua a ser um fardo. Dominado pelas forças
reativas, o sofredor continua a não agir, tornando-se obediente, preocupando-se em
respeitar as regras estabelecidas. É a ovelha que todo pastor gosta porque está sempre
prestativa.
Esse movimento de interiorização das forças ativas é o primeiro aspecto da má
consciência. Enquanto que no homem ativo a interiorização das forças, quando surge,
não chega a dominá-lo, no homem reativo essa interiorização pode se multiplicar a
níveis insuportáveis. Ele acredita que tudo que faz dá errado, que é um frustrado, que
não consegue fazer sozinho muitas coisas. Temos nesse cenário um emergente
sentimento de que a dívida para com o poder cresce, de que “algo de errado acontece
com a vida dessa ovelha”, de que “ela precisa cada vez mais de ajuda”. É aí que o
sacerdote cristão interpretará a dor como uma dívida, um pecado... A dor sob a
perspectiva da culpa... Pois a culpa que, outrora, era da ave de rapina (“sofro, portanto
25
alguém deve ser culpado”), volta-se contra a própria ovelha... Antes mesmo que o ódio
do ressentimento se dirija contra o próprio sacerdote, ele inverte a direção da acusação:
“De fato, ele defende muito bem o seu rebanho enfermo, esse estranho pastor – ele o
defende também de si mesmo [...] ele combate, de modo sagaz, duro e secreto, a
anarquia e a autodissolução que a todo momento ameaçam o rebanho, no qual aquele
mais perigoso dos explosivos, o ressentimento, é continuamente acumulado.
Descarregar este explosivo, de modo que não faça saltar pelos ares o rebanho e o pastor,
é a sua peculiar habilidade, e suprema utilidade; querendo-se resumir numa breve
fórmula o valor da existência sacerdotal, pode-se dizer simplesmente: o sacerdote é
aquele que muda a direção do ressentimento.”70
O sacerdote cristão diz para o sofredor: “Você é o único culpado por estar
sofrendo! Somos todos pecadores, por isso viver na Terra é uma enfermidade!”. Ele deu
um novo sentido para a dor (“Adão”, “pecado original”...); este movimento é o segundo
aspecto da má consciência, que é o aspecto formal. Através dessa fabulação inventada
por Paulo de Tarso 71, o cristianismo, ao contrário do judaísmo, universalizou-se,
espalhando-se por outros cantos do mundo: a interpretação da dor como pecado foi
suficientemente contagiosa para expandir o seu poder.
“Paulo [...] contra Roma, contra o ‘mundo’, o judeu, o judeu errante par excellence... O
que ele adivinhou foi o modo como poderia atear um ‘incêndio universal’ com a ajuda
do pequeno movimento sectário dos cristãos, à parte do judaísmo; como com o símbolo
‘Deus na cruz’ conseguira reunir num poder imenso tudo quanto era inferior.”72
E para manter o seu reino, o sacerdote fere para depois “curar.”73 E qual é a
“cura” que ele oferece? Expiar a culpa, não pelo ódio, mas pela compaixão... O
sacerdote cristão serve-se disso para fundar o seu reino: a fórmula “Jesus morreu pelos
nossos pecados” foi forte o suficiente para reverter o ódio do Deus judaico para o amor
do Deus cristão – “Perdoai-os Pai, pois eles não sabem o que fazem!”. Nietzsche diz
que esse “amor” foi o golpe de gênio do cristianismo:
“[...] o próprio Deus se sacrificando pela culpa dos homens, o próprio Deus pagando a si
mesmo, Deus como o único que pode redimir o homem daquilo que para o próprio
26
homem se tornou irredimível – o credor se sacrificando por seu devedor, por amor (é de
se dar crédito?), por amor a seu devedor!...”74
27
sacerdote (o médico das almas doentes e guia indispensável para “resolver” as
infelicidades da existência), ressentimento e má consciência como aspectos formais (a
culpa é do outro, a culpa é minha) e o ideal ascético (a salvação da alma, a esperança de
alcançar uma vida feliz)... Por isso Nietzsche diz que “o homem é, em termos relativos,
o animal mais falhado, o mais doente, o mais perigosamente desviado dos seus instintos
– sem dúvida também, com tudo isso, o mais interessante!”75 A obediência, o comando,
o amor, a felicidade, o prazer, enfim, tudo é invertido pelas ficções que a vida
impotente, obstinadamente, não cessa de reproduzir.
28
“Como gostaríamos de aplicar à sociedade e a seus fins um ensinamento que
pudesse ser extraído da consideração de todas as espécies do reino animal e vegetal –
para elas, somente importa o exemplar individual superior, o mais incomum, o mais
poderoso, o mais complexo, o mais fecundo –, que prazer não haveria aí, se os
preconceitos enraizados pela educação quanto à finalidade da sociedade não
oferecessem uma pertinaz resistência!” 76
O Sentido da Cultura
29
a sua dívida, e não para que a má consciência seja inoculada nele. Por isso diz
Nietzsche que:
Nesse caso, o castigo, como ritual de crueldade, serve para equivaler a dor ao
dano causado para a comunidade. Com isso, consegue-se produzir no torturado uma
outra memória, que é a memória de que há sempre um trabalho – o maior de todos – a
ser realizado: o da produção ética do futuro. Produzir um tipo forte, para uma sociedade
forte, é o que deseja a justiça primitiva.
“‘Como fazer do bicho-homem uma memória? Como gravar algo indelével nessa
inteligência voltada para o instante, meio obtusa, meio leviana, nessa encarnação do
esquecimento?’... Esse antiqüíssimo problema, pode-se imaginar, não foi resolvido
exatamente com meios e respostas suaves; talvez nada exista de mais terrível e
inquietante na pré-história do homem do que sua mnemotécnica.”80
“Com que olhos pensam vocês que os deuses homéricos olhavam os destinos dos
homens? Que sentido tinham no fundo as guerras de Tróia e semelhantes trágicos
horrores? Não há como duvidar: eram festivais para os deuses.”81
30
“Por muito e muito tempo, esses gregos se utilizaram dos seus deuses precisamente para
manter afastada a ‘má consciência’, para poder continuar gozando a liberdade da alma:
uso contrário, portanto, ao que o cristianismo fez do seu Deus.”82
“De uma tribo a outra, de uma a outra região, diferem as técnicas, os meios, os objetivos
explicitamente afirmados da crueldade; mas a meta é sempre a mesma: provocar o
sofrimento.” 84
31
“[...] eis a utilidade do esquecimento, ativo, como disse, espécie de guardião da porta,
zelador da ordem psíquica, da paz, da etiqueta: com o que logo se vê que não poderia
haver felicidade, jovialidade, esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento [...]
Precisamente esse animal que necessita esquecer [...] desenvolveu em si uma faculdade
oposta, uma memória [...] uma memória da vontade.”86
“Mas coloquemo-nos no fim do imenso processo, ali onde a árvore finalmente sazona
seus frutos, onde a sociedade e sua moralidade do costume finalmente trazem à luz
aquilo para o qual eram apenas o meio: encontramos então, como o fruto mais maduro
da sua árvore, o indivíduo soberano, igual apenas a si mesmo, novamente liberado da
moralidade do costume, indivíduo autônomo supramoral [...] o que pode fazer
promessas – e nele encontramos, vibrante em cada músculo [...] uma verdadeira
consciência de poder e liberdade, um sentimento de realização [...] O orgulhoso
conhecimento do privilégio extraordinário da responsabilidade, a consciência dessa rara
liberdade, desse poder sobre si mesmo e o destino, desceu nele até sua mais íntima
profundeza e tornou-se instinto, instinto dominante.” 88
“[...] posto que a humanidade pode tomar consciência da sua finalidade, ela tem de
buscar e instaurar as circunstâncias favoráveis que permitiriam o nascimento destes
grandes homens redentores [...] pois esta [a cultura] é a filha do conhecimento de si, e
da insatisfação de si, de todo indivíduo. Aquele que apela para ela exprime isto dizendo:
‘Vejo acima de mim algo de mais elevado e mais humano do que eu; ajudem-me todos
a chegar aí, assim como ajudarei a qualquer um que reconheça a mesma coisa e sofra
com ela, para que, enfim, renasça o homem que se sentirá completo e infinito no
conhecimento e no amor [...] se agarrará à natureza e se inscreverá nela como juiz e
medida do valor das coisas’.”89
32
Ao contrário do socialismo da sua época, Nietzsche via na luta por igualdade de
direitos um sintoma de decadência. Ele não se preocupou em fazer meras distinções
sócio-econômicas entre classes sociais; não perdeu tempo com isso. O que lhe
interessava era a distinção do tipo fisiológico – aquele que tem excesso ou diminuição
de forças, ou seja, quem pode dominar e quem pode ser dominado.
“Em toda sociedade sã, distinguem-se três tipos fisiológicos que entre si se
condicionam, mas são de diversa gravitação, dos quais cada um tem a sua própria
higiene, o seu próprio domínio de trabalho e a sua própria espécie de sentimento de
perfeição e mestria [...] A casta superior – a quem chamo os poucos – como a mais
perfeita, tem também os privilégios do menor número: cabe-lhe representar sobre a
Terra a felicidade, a beleza e a bondade [...] Os homens mais espirituais, por serem os
mais fortes, encontram a sua felicidade onde os outros deparariam com a sua ruína [...]
A tarefa difícil surge-lhes como privilégio; brincar com pesos que oprimem os outros é
para eles recreação... [...] Dominam, não porque queiram dominar, mas porque são [...]
Os segundos: estes são as sentinelas do direito, os guardiães da ordem e da segurança,
os nobres guerreiros [...] são os executivos dos espirituais [...] a desigualdade dos
direitos é a primeira condição para que em geral haja direitos. Um direito é um
privilégio.”90
“É virtuoso que uma célula se transforme numa função de outra célula mais forte? Ela
tem de fazê-lo. E é mau que a mais forte a assimile? Ela tem de fazê-lo também; é
necessário que o faça, pois procura abundante substituição e quer regenerar-se. Alegria
e desejo coexistem no mais forte, que quer transformar algo em função sua; alegria e
vontade de ser desejado, no mais fraco, que gostaria de tornar-se função.”91
33
Dizer que não há igualdade na natureza é o mesmo que dizer que não há um
equilíbrio das forças. O desequilíbrio é absolutamente necessário. Um suposto
equilíbrio seria a conclusão do universo, o que é um absurdo. O que se coloca, então, é
o problema ético da dominação: é para o poder ou para a potência? É a dominação do
homem ativo ou do reativo? Conhecemos o mundo sob a dominação do niilismo, que é
o domínio do ressentimento, da má consciência e do ideal ascético. O triunfo do devir
reativo é o triunfo da moral judaica-cristã, do sacerdote que fez dos sentimentos de ódio
da vida impotente a oportunidade para expandir o seu poder. Ele acolheu todos os
excluídos do privilégio da vida nobre – os do terceiro tipo fisiológico – para adoecê-los
ainda mais. A multiplicação dos rebanhos, os valores de negação da vida passaram a
dominar a vida humana. Mas já vimos do que se trata esse domínio: uma simulação de
comando, nada mais além disso. É o rancor presente nos discursos humanistas dos
falsos ídolos da nossa época, desses homens pequenos que precisam do poder para ter
alguma credibilidade. Querem tudo tirar, porque nada podem dar. O sentido da cultura
se perdeu: no lugar da atividade genérica, veio a história, os Estados, as igrejas e todas
as formas parasitárias inventadas pelo homem reativo para se proteger do acaso.
Numa comunidade sã, não há espaço para o déspota. O poder é constantemente
esconjurado 92. Os homens saudáveis são desejados, e não amaldiçoados. Por isso
existem “as sentinelas do direito”, os “nobres guerreiros” (os do segundo tipo
fisiológico), que servem como funções dos homens dominadores, a “casta superior” (os
do primeiro tipo fisiológico), dos que podem criar valores ainda mais interessantes para
uma comunidade, porque potencializam a vida... Os dominadores podem amar a si
mesmos, por isso são dadivosos, por isso são verdadeiramente bons, por isso
conquistaram o direito de serem responsáveis...
34
“Quais são os que se demonstrarão os mais fortes? Os mais comedidos. Aqueles que
não necessitam de artigos de fé extremados. Aqueles que não somente admitem mas
amam uma boa parte de acaso, de insensatez, aqueles que podem pensar no homem
com um significativo comedimento de seu valor, sem com isso tornarem-se pequenos e
fracos: os mais ricos de saúde, os que estão à altura do maior dos malheurs e por isso
não têm medo dos malheurs – seres humanos que estão seguros de sua potência e que
representam, com consciente orgulho, a força alcançada do homem.
Para o niilista, viver na Terra apenas passa a ter algum sentido somente enquanto
o seu olhar segue dirigindo-se para longe, para o alto, para o além. Ele quer acreditar
que vive neste mundo apenas como uma passagem, para que uma vida melhor, perfeita,
feliz, seja realizada no “mundo ideal”.
35
“Mas apesar de tudo – o homem estava salvo, ele possuía um sentido, a partir de então
não era mais uma folha ao vento, um brinquedo do absurdo, do sem-sentido, ele podia
querer algo – não importando no momento para que direção, com que fim, com que
meio ele queria: a vontade mesma estava salva [...] tudo isso significa, ousemos
compreendê-lo, uma vontade de nada, uma aversão à vida, uma revolta contra os mais
fundamentais pressupostos da vida, mas é e continua sendo uma vontade!...”95
36
de um Deus todo poderoso, onisciente, eterno, lá no alto, diminuiu a vida humana,
dando-lhe um aspecto de mera aparência.
Podemos dizer que isso é loucura: os fracos e oprimidos iniciam a sua jornada
rumo ao absurdo, partindo da realidade das sensações corpóreas que experimentam a
todo instante – julgando-as como apenas “efeitos de um mundo falso” –, para afirmar a
existência de um mundo “verdadeiro”, porém, não experimentado...
“Os motivos que fizeram com que se designasse ‘este’ mundo como aparente
fundamentam muito mais sua realidade. – Um outro tipo de realidade é absolutamente
indemonstrável.”98
37
que se orgulha não precisar mais de Deus. Diz o “homem louco”, no mercado, à procura
de Deus:
“Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para
onde nos movemos nós? [...] Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não
sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está
morto! Deus continua morto! E nós o matamos! E como nos consolar, a nós, assassinos
entre os assassinos?”100
“Também do ponto de vista fisiológico a ciência pisa no mesmo chão que o ideal
ascético: um certo empobrecimento da vida é o pressuposto, em um caso como no outro
– as emoções tornadas frias, o ritmo tornado lento, a dialética no lugar do instinto,
seriedade impressa nos rostos e gestos [...] Esta ‘ciência moderna’ – abram os olhos! é
no momento a melhor aliada do ideal ascético, precisamente por ser a mais involuntária,
38
inconsciente, secreta, subterrânea! [...] o ideal ascético não foi de maneira alguma
vencido, tornou-se ainda mais forte, ou seja, mais inapreensível, espiritual, insidioso
[...] É certo que, desde Kant, os transcendentalistas de toda espécie ganharam
novamente a partida – eles se emanciparam dos teólogos: que felicidade! – Kant lhes
mostrou o caminho secreto através do qual podem, por iniciativa própria e com o maior
decoro científico, perseguir doravante os ‘desejos do seu coração’.”102
39
dizer que o desejo é incestuoso e parricida (que disparate!), e que, por isso, devemos
nos conformar com a repressão, pois a vida é assim mesmo, não podemos ter tudo que
desejamos... Como saída para evitarmos o caminho do nada, devemos direcionar o
nosso desejo na produção social através de uma profissão, da conjugalidade, da fruição
dos bens de consumo, para experimentarmos os prazeres que a vida proporciona... Que
maravilha! Nada melhor para o capitalismo do que o falso discurso de um desejo
sempre carente de um objeto, pois, afinal, o que seria do consumismo sem essa
convicção?
No mundo moderno, é comum encontramos discursos entusiasmados dos
especialistas da felicidade sobre a “importância das experiências”, “de construir a si
mesmo”, “de ter consciência daquilo que desejamos”, “de que estamos sempre numa
relação com o outro”, etc. No período mais estéril da história humana – a nossa época –
o homem moderno ainda busca agüentar a si mesmo através das receitas enlatadas dos
gurus do sexo, dos livros de auto-ajuda, das técnicas de rejuvenescimento, das inúmeras
opções de entretenimento, das dietas saudáveis, da malhação, das viagens, enfim, tudo
que sirva como um alívio para que ele não entre em colapso... Mas, gradualmente, o
ânimo diminui, o cansaço da busca por felicidade começa a se tornar cada vez maior...
Ceticismo... Afinal, desejar para quê?...
Assim como os deuses apodrecem, os valores modernos também. Um espectro
ronda a civilização – o espectro da depressão... Decomposição acelerada dos modos de
vida reativos. Grito de desespero dos homens de negócio. Os valores humanos
começam a exalar um mau-cheiro insuportável... Eis o terceiro estado psicológico do
niilismo:
“O niilismo como estado psicológico tem ainda uma terceira e última forma [...] O
sentimento da ausência de valor foi alvejado, quando se compreendeu que nem com o
conceito ‘fim’, nem com o conceito ‘unidade’, nem com o conceito ‘verdade’ se pode
interpretar o caráter global da existência. Com isso, nada é alvejado e alcançado; falta a
unidade abrangente na pluralidade do acontecer [...] Em suma: as categorias ‘fim’,
‘unidade’, ‘ser’, com as quais tínhamos imposto ao mundo um valor, foram outra vez
retiradas por nós – e agora o mundo parece sem valor...”104
40
“em vão”, que caminha à ausência total de sentido... Neste sentido, Schopenhauer é um
pensador interessante, pois quis levar até ao fim a sua filosofia niilista, que é a
destruição da vontade:
“[...] da mesma forma que se nega e que se sacrifica a Vontade, todos os fenômenos têm
igualmente que ser suprimidos [...] suprimidas, enfim, as formas gerais do fenômeno, o
tempo e o espaço; suprimida a forma suprema e fundamental da representação, a de
sujeito e objeto. Já não existe nem vontade, nem representação, nem universo.” 105
“Daqui para frente, resta diante de nós apenas o nada [...] consideremos aqueles que se
elevaram acima do mundo e em quem a vontade, chegada à mais alta consciência de si
mesma, se reconheceu em tudo que existe, para se negar, em seguida, a si mesma
livremente: agora já só esperam uma coisa, ver a última marca dessa vontade aniquilar-
se com o próprio corpo que ela anima; então, em vez da impulsão e da evolução sem
fim, em vez da passagem eterna do desejo ao receio, da alegria à dor, em vez da
esperança nunca farta, nunca extinta [...] nós percebemos essa paz mais preciosa que
todos os bens da razão, esse oceano de quietude, esse repouso profundo da alma [...] Já
só existe o conhecimento, a vontade dissipou-se [...] No entanto, esta contemplação é a
única coisa que nos pode consolar de uma maneira durável, uma vez que reconhecemos
que o fenômeno da Vontade, o universo, é apenas dor irremediável em miséria infinita,
e que, por outro lado, vemos o mundo dissipar-se com a vontade, só o nada subsistir
diante de nós.”106
41
“Vou, portanto, falar-lhes do que há de mais desprezível: ou seja, o último homem [...]
Ai de nós! Aproxima-se o tempo em que o homem não mais arremessará a flecha do seu
anseio para além do homem e que a corda do seu arco terá desaprendido a vibrar! [...]
Ai de nós! Aproxima-se o tempo do mais desprezível dos homens, que nem sequer
saberá mais desprezar-se a si mesmo.”107
42
derrubar valores para poder criar outros. Isso quer dizer o seguinte: o sentido é para ser
criado... E para ser criado, é necessária a efetuação de uma destruição radical. Ora, o
terceiro estado psicológico do niilismo torna evidente a posição extrema que o niilismo
alcança: um nada de vontade. A destruição ativa implica uma outra posição extrema,
que é inversa a esse terceiro estado psicológico. Trata-se da posição extrema inversa do
niilismo ativo.
“Posições extremas não são revezadas por posições comedidas, mas outra vez por
extremas, mas inversas. E assim a crença na absoluta imoralidade da natureza, na
ausência de fim e de sentido, é a emoção psicologicamente necessária, quando a crença
em Deus e em uma ordenação essencialmente moral não pode ser mais mantida.” 110
“[...] cada conquista do conhecimento decorre do ânimo, da dureza contra si, do anseio
para consigo [...] Uma filosofia experimental, tal como eu a vivo, antecipa
experimentalmente até mesmo as possibilidades do niilismo radical; sem querer com
isso que ela se detenha em uma negação, no não, em uma vontade de não. Ela quer, em
vez disso, atravessar até ao inverso – até a um dionisíaco dizer-sim ao mundo, tal como
é, sem desconto, exceção e seleção -, quer o eterno curso circular -: as mesmas coisas, a
mesma lógica e ilógica do encadeamento. Supremo estado que um filósofo pode
alcançar: estar dionisiacamente diante da existência – minha fórmula para isso é amor
fati.”112
43
Nas “três metamorfoses do espírito” 113, Nietzsche nos diz sobre o espírito que
se transforma em camelo e que, ao caminhar pelo deserto, suporta as cargas mais
pesadas. Esses fardos são os valores morais, divinos e humanos. Constituem os dois
primeiros estados psicológicos do niilismo. Assim, o camelo caminha para o seu próprio
deserto: podemos entender que esse momento constitui o terceiro estado psicológico do
niilismo, que é a vontade de cair no nada. A realidade é um imenso e terrível deserto – o
mais ermo dos desertos. Nele, o camelo metamorfoseia-se em leão. É aqui que
Nietzsche nos mostra a inversão de uma negação que constitui o niilismo dos três
estados anteriores para a negação ativa que opera a segunda metamorfose do espírito.
Mesmo no deserto do nada, há ainda uma vontade. É por isso que Zaratustra diz:
“Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela
dançante. Eu vos digo: há ainda caos dentro de vós”114.
44
“Pois a ‘aparência’ significa aqui uma vez mais a realidade; só que sob a forma de uma
seleção, de uma intensificação, de uma correção... O artista trágico não é nenhum
pessimista. Ele diz justamente sim a tudo que é digno de questão e passível mesmo de
produzir terror, ele é dionisíaco...”115
“Criar novos valores – isso também o leão ainda não pode fazer; mas criar para si a
liberdade de novas criações – isso a pujança do leão pode fazer.”116
“Sim, meus irmãos, para o jogo da criação é preciso dizer um sagrado ‘sim’: o espírito,
agora, quer a sua vontade, aquele que está perdido para o mundo conquista o seu
mundo.”117
“Pensemos esse pensamento em sua forma mais terrível: a existência, assim como é,
sem sentido e alvo, mas inevitavelmente retornando, sem um final no nada: ‘o eterno
retorno’. Essa é a mais extrema forma do niilismo: o nada (o ‘sem sentido’) eterno!”118
O eterno retorno é o pensamento seletivo, porque ele retorna apenas para aquele
que encontra no eterno retorno do “sem sentido” a sua capacidade singular de criar
sentido para a sua existência. Dominado por um pensamento que é, segundo Nietzsche,
“a mais elevada forma de afirmação que se pode em absoluto alcançar”119, podemos
dizer: “Que presente maravilhoso que a vida nos deu: ela não tem sentido! Pois se ela
45
tivesse um, não haveria nada para se criar no mundo! Estar vivo, aí sim, seria um
terrível fardo!”
O pensamento do eterno retorno expulsa qualquer pensamento do negativo: estar
livre dos valores morais – os sentidos ascéticos estabelecidos – e também de uma
vontade de cair no nada, é a liberdade alcançada para criar novos valores. Mas também
podemos dizer que “sim, a vida tem um sentido eterno!”, quando pensamos que o único
sentido que é eterno é o do “sem-sentido”! Esse pensamento, sem dúvida, pode ser
terrível para os moribundos, a ponto de esmagá-los, mas pode ser uma dádiva para os
saudáveis. Por isso Nietzsche diz que o pensamento do eterno retorno é o “mais
poderoso dos pensamentos”120. O eterno retorno é a lei cosmológica seletiva e, por isso,
absolutamente necessária.
“‘A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela,
partícula de poeira!’ [...] Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é,
ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, ‘Você quer
isso mais uma vez e por incontáveis vezes?’, pesaria sobre os seus atos como o maior
dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não
desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?”121
“A mais insalubre espécie de homens na Europa [...] sentirá a crença no eterno retorno
como uma maldição, e sentirá que quem é atingido por ela não recua mais diante de
nenhuma ação.”122
“O valor de uma tal crise é que ela purifica, que ela condensa os elementos aparentados
e os faz corromperem-se uns aos outros, que ela encaminha os homens de maneiras de
pensar opostas a tarefas comuns – trazendo também à luz, entre eles, os mais fracos,
46
mais inseguros, e assim põe em marcha uma ordenação hierárquica das forças, do
ponto de vista da saúde: reconhecendo mandantes como mandantes, obedientes como
obedientes. Naturalmente, à margem de todas as ordenações vigentes.”123
“Pois quando a verdade sair em luta contra a mentira de milênios, teremos comoções,
um espasmo de terremotos, um deslocamento de montes e vales como jamais foi
sonhado. A noção de política estará então completamente dissolvida em uma guerra dos
espíritos, todas as formações de poder da velha sociedade terão explodido pelos ares –
todas se baseiam inteiramente na mentira: haverá guerras como ainda não houve sobre a
Terra. Somente a partir de mim haverá grande política na Terra.”125
“Não há nada na vida que tenha valor, a não ser o grau de potência – suposto,
justamente, que a vida mesma é vontade de potência.”126
Já que nós somos um grau de potência, o que pode a nossa potência? Não
sabemos, pois não existe modelo a seguir, não existe “objetivo”, “ideal”. Então, o que
nos resta? Criar sentido para a nossa vida! E como somos um grau de potência singular,
criar sentido é singularizar-se. Ao afirmar a nossa diferença, modificamo-nos para devir
47
ainda mais. Não querer conservar-se numa identidade é o princípio básico para ocorrer
uma expansão da potência, ou seja, um grau de potência expande-se por não seguir
modelos universais; como não há formas a priori, a singularização acontece na
experimentação, naquilo que apenas a vida singular percebe com o que se passa com a
sua potência – se ela diminui ou aumenta. A vida singular dá o valor para si mesma. Ela
é feliz porque ousa criar sentido para si, não precisa imitar outro estilo de vida ao
construir o seu caminho. E como ela se alegra com as suas próprias obras!... Portanto,
não há comparação possível a ser feita entre graus de potência singulares... Para ser
fértil, a vida singular não precisa de qualquer tipo de reconhecimento, e por isso passa
quase despercebida num mundo infestado de subjetivação e de significação.
Ao conquistar o seu mundo, a vida singular deseja o seu eterno retorno – e nada
além disso. É importante pensarmos sobre isto: o eterno retorno do “sem sentido” da
existência coage a criarmos sentido e valor. Ou criamos ou perecemos, não há outro
caminho. Se o artista vivesse num mundo acabado, não teria o que criar... De fato, como
poderia haver criação se, anteriormente, não fossem destruídos os mais pesados fardos?
O sentido da existência que é criado nos mostra o ineditismo de um estilo, pois somente
uma vida pode experimentar as intensidades da sua potência – ela é a única testemunha
daquilo que sente e pensa...
“Cada traço característico fundamental que está no fundamento de cada acontecer, que
se exprime em cada acontecer, se fosse sentido por um indivíduo como seu traço
característico fundamental, teria de impelir esse indivíduo a achar bom, triunfante, cada
instante da existência universal. Isso dependeria, justamente, de sentir em si esse traço
característico fundamental como bom, valioso, com prazer.”128
Tornamo-nos o que somos no devir. Isso nos força a pensarmos o devir. Mas a
dificuldade que podemos encontrar para pensá-lo surge do hábito moral de que em todo
acontecimento há sempre alguma explicação exterior a ele 129. Mas podemos também
criar o hábito inverso: pensar o devir e o acontecimento sem origem e finalidade.
48
Pensar o devir é um problema que Nietzsche já encontrava, por exemplo, em
Anaximandro. Segundo Anaximandro, havia a dualidade de dois mundos totalmente
antagônicos: o do ser eterno e o do devir; o da unidade eterna e o da multiplicidade.
Portanto, o devir seria conseqüência do ser, caindo numa realidade de “injustiças”130. É
evidente que Nietzsche descarta essa hipótese de Anaximandro, como também descarta
uma outra hipótese bastante comum (cristã, inclusive) de que o devir, em algum
momento, concluir-se-á no “ser”:
“Se o mundo tivesse um alvo, teria de estar alcançado. Se houvesse para ele um estado
terminal não intencional, teria igualmente de estar alcançado. Se fosse em geral apto a
um perseverar, tornar-se rígido, apto a um ‘ser’, se em todo o seu vir-a-ser tivesse
apenas por um único instante essa aptidão ao ‘ser’, mais uma vez, há muito teria
terminado todo vir-a-ser, e portanto também todo pensar, todo ‘espírito’. O fato do
‘espírito’ como um vir-a-ser prova que o mundo não tem nenhum alvo, nenhum estado
terminal, e é inepto a ser.”131
49
Nietzsche dizer que quem é atingido por esse pensamento não recua mais diante de
nenhuma ação... Por isso que o ser pode ser afirmado por todas as singularidades. E
através da multiplicidade o uno é afirmado. E em todo acaso (inclusive a morte),
afirma-se a sua necessidade, já que não há negação no ser. É a dupla afirmação de
Ariadne 133. “Suprema constelação do ser!”
Símbolo da necessidade!
Mesa das visões eternas!
– Mas tu sabe-lo bem:
o que todos odeiam,
o que eu sou o único a amar,
sabes bem que és eterna!
que és necessária!
50
para ele importa é a intensidade, apenas isso. Ela é o seu “guia espiritual”. O homem
trágico sabe que a sua vontade o liberta das prisões morais 136.
“Meu ensinamento diz: viver de tal modo que tenhas de desejar viver outra vez, é a
tarefa – pois assim será em todo caso! Quem encontra no esforço o mais alto
sentimento, que se esforce; quem encontra no repouso o mais alto sentimento, que
repouse; quem encontra em subordinar-se, seguir, obedecer, o mais alto sentimento, que
obedeça. Mas que tome consciência do que é que lhe dá o mais alto sentimento, e não
receie nenhum meio! Isso vale a eternidade!” 137
Ser trágico é viver perigosamente. O homem trágico “afirma ainda o mais acerbo
sofrer: ele é forte, pleno, divinizante o bastante para isso”138... Ao contrário do homem
reativo, que desperdiça o seu tempo ao falar de coisas inúteis, que vive atolado na lama
do ressentimento e da má consciência, o homem trágico sabe que as outras tarefas são
secundárias diante da tarefa, são apenas auxiliares da tarefa, servem como meios
fomentadores da tarefa... E qual é essa tarefa? Tornar-se o que se é... Ele também tem
seus momentos de angústias e aflições, mas a dor, para ele, não é uma oposição à vida
139; vive a realidade do afeto, balança, processa o golpe, e resgata as suas energias
focando novamente nos alimentos que ele encontra no devir, ultrapassando rapidamente
o terrível estágio da acusação. Saúde de uma vida que sabe esquecer, de uma
consciência lisa, aberta ao frescor das novidades. O homem trágico ama o eterno
ineditismo dos afetos que experimenta.
“Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: -
assim me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas. Amor fati [amor ao destino]:
seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero
acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que a minha única negação seja
desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que
diz Sim!”140
Ele desvia o olhar para tudo o que lhe torna mais fraco, para não envenená-lo: a
negação serve apenas como efeito de uma afirmação primeira, dominante, que não leva
a sério os espinhos, que aprendeu a rir... O riso liberta 141. Essa postura de vida não se
importa com o resultado do lance de dados, porque todos os resultados são necessários.
51
Por isso o homem trágico aprende o tempo necessário para processar o que lhe atinge. É
a virtude da paciência.
“Eu sou Zaratustra, o ímpio. Cozinho na minha panela todo e qualquer acaso; e somente
quando está bem cozido, dou-lhes as boas-vindas como meu alimento. E, na verdade,
mais de um acaso veio a mim com modos imperiosos; mas, com modos ainda mais
imperiosos, expressei-lhe a minha vontade – e já lá estava ele de joelhos, implorando –
implorando que lhe desse pousada e benévola acolhida e acrescentando, em tom
bajulador: ‘Vê, Zaratustra, somente um amigo vem ter assim com um amigo!’”142
52
“Filosofia, como até agora a entendi e vivi, é a voluntária procura também dos lados
execrados e infames da existência. Da longa experiência, que me deu uma tal andança
através de gelo e deserto, aprendi a encarar de outro modo tudo o que se filosofou até
agora: - a história escondida da filosofia, a psicologia de seus grandes nomes, veio à
luz para mim. ‘Quanto de verdade suporta, quanto de verdade ousa um espírito?’ – isso
se tornou para mim o autêntico medidor de valor.” 143
Epílogo
“Foi então que atinei também pela primeira vez a relação entre uma atividade escolhida
contra o próprio instinto, uma assim chamada ‘profissão’, que é o que menos
professamos – e aquela necessidade de entorpecimento da sensação de vazio e de fome
através de uma arte narcótica – por exemplo, através da arte de Wagner. Olhando em
torno com maior cuidado, descobri que existe o mesmo infortúnio para um grande
número de jovens: uma contranatureza provoca formalmente uma segunda.”144
“Naquela época, meu instinto decidiu-se inflexível pelo fim daquele ceder, seguir,
confundir-se com outros. Qualquer espécie de vida, as condições mais desfavoráveis,
doença, pobreza – tudo me pareceu preferível àquela indigna ‘falta de si’, na qual havia
53
caído por ignorância, por juventude, e na qual havia depois permanecido por letargia,
pelo chamado ‘sentimento do dever’ [...] A doença libertou-me lentamente: poupou-me
qualquer ruptura, qualquer passo violento e chocante [...] A doença deu-me igualmente
o direito a uma completa inversão de meus hábitos; ela permitiu, ela me ordenou
esquecer; ela me presenteou com a obrigação à quietude, ao ócio, ao esperar e ser
paciente... Mas isto significa pensar!”145
“Valor da doença - O homem que jaz doente na cama talvez perceba que em geral está
doente de seu ofício, de seus negócios ou de sua sociedade, e que por causa dessas
coisas perdeu a capacidade de reflexão sobre si mesmo: ele obtém esta sabedoria a
partir do ócio a que sua doença o obriga.”146
O ato criativo não tem hora e lugar certo para surgir. É o contrário do que
acontece com as exigências que uma profissão obriga: carga horária, normas de
conduta, prazos, obrigações que impedem que o pensamento se desenvolva. O
capitalista exige competência, qualificações absurdas, compromissos inadiáveis, para
pagar um salário ao seu funcionário – e esse mesmo salário serve para que este tenha
acesso aos narcóticos... Uma contranatureza (realizar uma tarefa que não dá prazer)
gera uma outra contranatureza (as inúmeras válvulas de escape oferecidas; a cultura da
falta, em suma). Uma atividade contra o próprio instinto diminui a potência de existir:
as forças ativas são interiorizadas, há um sentimento de desprazer e de abatimento
fisiológico. Um indivíduo dedicado a uma tarefa irracional, chega ao nível do
insuportável, deseja instantes de respiro, pois ainda quer agarrar-se à vida...
“Contranatureza” quer dizer contra a natureza de uma vida singular... A vida, agora
“amputada”, experimenta doses de aumento de potência nas relações que (bingo!)
também vão contra a sua natureza! Nessas experiências, a vida amputada sente que
pode mais, e torna-se cada vez mais dependente das relações que lhe dão prazer,
mantendo-a em um permanente estado de carência.
Durante o nosso percurso existencial, a maior de todas as tarefas, “tornar-se o
que se é”, é invertida pela moral através do “tornar-se o que os outros querem”. Tornar-
se o que a moral quer é tornar-se uma ovelha obediente, que abandona a si mesma para
honrar os seus compromissos com o social. E qual social? O dos parasitas. Diz
Nietzsche: “Olhando em torno com maior cuidado, descobri que existe o mesmo
infortúnio para um grande número de jovens”. Jovens que nem se deram conta de que
54
não há caminho a seguir, a não ser o caminho construído pela vida singular. Estão
distantes, distantes, cada vez mais distantes do Não do leão. E quando, em raros
momentos, essa vida atinge um certo grau de regeneração (o que é perigoso para os
moralistas), ela é novamente amputada...
É importante salientarmos o que Nietzsche diz a respeito do valor da sua doença:
ela o libertou lentamente... Ter paciência, conhecer o nosso próprio tempo – assim
podemos romper lentamente com o processo de obediência ao poder para obedecermos
à potência. Nesse processo de crescimento espiritual, o que antes era considerado
extremamente indispensável, perde o encanto – tornou-se inteiramente dispensável
diante da tarefa... A vontade de potência expande-se para além daquilo que
anteriormente tinha alguma função. É assim também com o organismo:
Insistir em manter alguma coisa que já está seca e que não pode dar mais nada é
um evidente sintoma de definhamento do conjunto de uma vida (uma sociedade assim
corrompe-se...). Saber desprezar é um ato de amor... Manter-se em devir ativo é o lema
nietzscheano. Por isso é importante recordarmos a seguinte frase de Nietzsche: “Mas
que tome consciência do que é que lhe dá o mais alto sentimento, e não receie nenhum
meio! Isso vale a eternidade!” Podemos, então, começar pelas seguintes questões: o que
nos faz sentir? Onde é que está a intensidade? Quais são os alimentos que nos torna
mais aptos a desenvolvermos uma atividade que nos dá prazer? Qual é o melhor
ambiente para essa ou aquela atividade? Quais as companhias que não são mais úteis
para o nosso crescimento?... Ao ativar a nossa sensibilidade para o que é estranho e
desprezado por todos, pode ser um princípio básico para o cultivo da nossa
singularidade.
55
Certamente por não existir esse cultivo idiossincrático, observamos o
pensamento de Nietzsche ser cada vez mais adaptado a interesses suspeitos. Surge um
“Nietzsche pop”, presente na mídia e nas artes. Salvo raras exceções, é comum
observarmos tentativas de transformar Nietzsche em um produto “digerível” para um
grande público – com explícito apelo mercadológico. O resultado dessa adaptação é um
Nietzsche insosso, sem vigor. Não é nem sombra do grande Nietzsche, com toda a sua
agressividade destruidora de todos os valores vigentes – os mesmos valores que, hoje,
tentam amansá-lo... Nietzsche na mídia é uma coisa medonha... O homem reativo não
suporta a agressividade do autêntico pensamento e por isso tenta – através de todos os
meios que ele consegue encontrar – transformar o que lhe é estranho em um objeto
consumível e, portanto, útil à vida impotente... Não nos opomos à divulgação do
pensamento nietzscheano, mas o critério que invocamos já foi fornecido no preâmbulo
deste trabalho: quem fala sobre Nietzsche?... E o uso das suas idéias é para o poder ou
para a potência?... Observamos freqüentemente a filosofia de Nietzsche ser comentada
através de uma linguagem institucional gregária, que torna a assimilação mais fácil,
atendendo perfeitamente aos interesses vulgares de um público enfermo, que exige uma
transmissão de idéias sem complicações... Trata-se de um atentado contra o pensamento
de Nietzsche... Por covardia de perderem os “benefícios” que um “eu” lhes oferece,
muitos comentadores não vivem aquilo que Nietzsche nos convida (a vida autônoma);
por conseqüência, contentam-se em esmiuçar detalhes menos importantes no contexto
do seu pensamento, deixando de lado as idéias que mais lhes incomodam...
Conciliar Nietzsche com os mais diversos interesses egoístas e mercadológicos,
é uma postura profundamente asquerosa, que não pode deixar de ser denunciada.
Portanto, para não nos contaminar pelos modismos intelectuais que, através da roda do
eterno retorno, perecerão inevitavelmente, encerramos este trabalho com um convite à
construção ética do mundo:
“Homens preparatórios. – Eu saúdo todos os sinais de que se aproxima uma época mais
viril, guerreira, que voltará a honrar acima de tudo a valentia! Ela deve abrir caminho
para uma época ainda superior e juntar as forças de que esta precisará – a época que
levará heroísmo para o conhecimento e travará guerras em nome dos pensamentos e das
conseqüências deles. Para isto são agora necessários muitos homens preparatórios
valentes, que certamente não podem surgir do nada – muito menos da areia e do lodo da
atual civilização e educação citadina; homens que, silenciosos, solitários, resolutos,
56
saibam estar satisfeitos e ser constantes na atividade invisível; homens interiormente
inclinados a buscar, em todas as coisas, o que nelas deve ser superado; homens cuja
animação, paciência, singeleza e desprezo das grandes vaidades seja tão característica
quanto a generosidade na vitória e a indulgência para com as pequenas vaidades dos
vencidos; homens de juízo agudo e livre acerca dos vencedores e do quinhão de acaso
que há em toda vitória e toda glória; homens com suas próprias festas, dias de trabalho e
momentos de luto, habituados e seguros no comandar e também prontos a obedecer,
quando for o caso, igualmente orgulhosos nas duas situações, igualmente servindo a
própria causa; homens mais ameaçados, mais fecundos e felizes! Pois, creiam-me! – o
segredo para colher da vida a maior fecundidade e a maior fruição é: viver
perigosamente! Construam suas cidades próximo ao Vesúvio! Mandem seus navios por
mares inexplorados! Vivam em guerra com seus pares e consigo mesmos! Sejam
salteadores e conquistadores enquanto não puderem ser governantes e possuidores,
vocês, homens do conhecimento! Logo passará o tempo em que podiam se contentar de
viver ocultos nas florestas, como cervos amedrontados! Enfim o conhecimento
estenderá a mão para o que lhe é devido: – ele quererá dominar e possuir, e vocês
juntamente com ele!” 148
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NOTAS
1. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 447. Nova Cultural.
2. O Anticristo, Prólogo. Edições 70: “Ouvidos novos para uma nova música.”
3. O Caso Wagner, Prólogo. Companhia das Letras.
4. KLOSSOWSKI, Pierre. Nietzsche e o Círculo Vicioso, Tentativa de uma explicação científica do
eterno retorno, pág. 120. Pazulin. No mesmo livro, Klossowski cita uma carta de Nietzsche a Jacob
Burckhardt, de 5 de Janeiro de 1889: “Eu sou Prado, sou o pai de Prado, ouso dizer que sou também
Lesseps [...] O que é desagradável e incomoda minha modéstia é que, no fundo, cada nome da história sou
eu.” (pág. 266)
5. Ecce Homo, Prólogo, 2. Companhia das Letras.
6. Crepúsculo dos Ídolos, O problema de Sócrates, 1, Relume Dumará.
7. Idem, 3: “Sócrates era plebe.”
8. Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 10: “A rebelião escrava na moral começa quando o
próprio ressentimento se torna criador e gera valores.”
9. Além do Bem e do Mal, 251. Companhia das Letras: “Mas os judeus são, sem qualquer dúvida, a raça
mais forte, mais tenaz e mais pura que atualmente vive na Europa.”
10. Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 16.
11. Idem, Primeira dissertação, 10.
12. Além do Bem e do Mal, 259.
13. DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia, Conclusão. Rés.
14. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores” – Nietzsche”, pág. 450. O tradutor, Rubens
Rodrigues Torres Filho, preferiu utilizar a palavra “vir-a-ser”, em vez de “devir”. Embora tenha utilizado
durante todo o trabalho a palavra “devir”, mantive a expressão utilizada pelo tradutor por entender que
não há maiores problemas na apreensão do conceito.
15. DELEUZE, Gilles. Nietzsche, pág. 18. Edições 70.
16. Trecho de um fragmento póstumo de Nietzsche extraído de Nietzsche e o Círculo Vicioso, de Pierre
Klossowski, pág. 134.
17. Assim Falou Zaratustra, Dos três males. Círculo do Livro.
18. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 12.
19. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 445.
58
20. Trata-se de um “querer-agradar-aos-outros”, com enorme prejuízo para o diligente, conforme A Gaia
Ciência, 21. Companhia das Letras.
21. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 445.
22. No livro Nietzsche e a Filosofia, Deleuze faz uma profunda exposição sobre as duas qualidades das
forças, no capítulo 2, “Activo e Reativo”.
23. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 12.
24. Idem, Segunda dissertação, 12.
25. Idem, Primeira dissertação, 13.
26. A Gaia Ciência, 21.
27. Idem, 21.
28. Humano, Demasiado Humano, 283. Companhia das Letras.
29. 3º Consideração Intempestiva: Schopenhauer Educador, 1. Edições Loyola
30. Crepúsculo dos Ídolos, O que falta aos alemães, 7. Ainda sobre a crítica do ensino, no mesmo texto,
seção 5: “E por toda parte reina uma pressa indecente, como se fosse um falta grave para o homem jovem
ainda não estar ‘pronto’ aos 23 anos, ainda não saber responder à ‘pergunta principal’: que profissão
escolher? – Um tipo superior de homem, seja dito com vossa permissão, não ama ‘profissões’,
exatamente pelo fato de se saber diante de um chamamento... Ele tem tempo, ele toma o tempo para si, -
ele não pensa de modo algum em ficar ‘pronto’. Com trinta anos se é, no sentido da cultura superior, um
principiante, uma criança.”
31. Estamira, filme-documentário de Marcos Prado, 2005. É interessante como Estamira desconstrói o
discurso do poder, seja divino (“Deus e sua quadrilha”) ou humano (o ataque à Psiquiatria, aos cientistas
“trocadilos”). Ela tocou no problema da cumplicidade que alimenta as relações de poder ao dizer que não
há mais “inocentes” e, sim, “espertos ao contrário”. Sem cair nas distinções vulgares das relações entre
classes sociais, ela diz que o “homem inventou Deus”, mostrando que os homens não são vítimas, mas
cúmplices ao colocarem-se como penhor.
32. Além do Bem e do Mal, 13. Na tradução brasileira utilizada, de Paulo César de Souza, está escrito
“vontade de poder”. Alguns tradutores brasileiros (como Rubens Rodrigues Torres Filho) deram
preferência para “vontade de potência”, já que a palavra “poder” pode levar o leitor a remeter ao poder
que Nietzsche tanto atacou. O “poder”, no sentido afirmativo, refere-se a um aumento da capacidade de
existir, uma espécie de “poder mais” do que se podia num estado anterior (embora isso também aconteça
no sentido da impotência, ou seja, o poder da representação também fornece essa sensação, efêmera, de
“poder mais”, que pode ser definida como “vontade de ter o poder” pela representação). Como eu utilizei
a palavra “potência” durante todo este trabalho, tomei a liberdade de alterar a tradução apenas nessa
expressão.
33. Ecce Homo, Por que sou tão sábio, 6.
34. Idem, Por que sou tão inteligente, 10.
35. Ecce Homo, Sobre “Humano, demasiado humano”, 1. “Humano, demasiado humano é o monumento
de uma crise. Ele se proclama um livro para espíritos livres: quase cada frase, ali, expressa uma vitória –
com ele me libertei do que não pertencia à minha natureza [...] um espírito tornado livre, que de si
mesmo de novo tomou posse. O tom, o timbre da voz mudou inteiramente...”
59
36. Assim Falou Zaratustra, De velhas e novas tábuas, 16.
37. Idem, Da virtude dadivosa, 1.
38. 2º Consideração Intempestiva, 1. Relume Dumará: “Quem não pode se instalar no limiar do instante,
esquecendo todo passado, quem não consegue firmar pé em um ponto como uma divindade da vitória sem
vertigem e sem medo, nunca saberá o que é felicidade, e ainda pior: nunca fará algo que torne os outros
felizes.”
39. Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 10.
40. O Anticristo, 2. Edições 70: “O que é a felicidade? – O sentimento de que a potência cresce, de que
uma resistência foi vencida”. Na tradução de Artur Morão está escrito “sentimento de que o poder
cresce”. Troquei a palavra “poder” por “potência” pelo mesmo motivo da nota 32.
41. Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 10.
42. Ecce Homo, Por que sou tão sábio, 6.
43. DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia, Conclusão.
44. LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da Servidão Voluntária, pág. 12, 13 e 14. Editora Brasiliense.
45. Idem, pág. 20.
46. Deleuze vai chamar esse estado bruto de aspecto topológico. O aspecto tipológico é quando o
ressentimento toma forma (conforme Nietzsche e a Filosofia, Do ressentimento à má consciência, pág.
186). Veremos que esses dois aspectos também existem na má consciência.
47. Ecce Homo, Por que sou tão inteligente, 9.
48. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 1.
49. Idem, Segunda dissertação, 1. O oposto dessa reação, a reativa, é o não esquecimento das imagens,
re-agindo às imagens alojadas na consciência.
50. Idem, Primeira dissertação, 10.
51. Assim Falou Zaratustra, Da virtude amesquinhadora, 3
52 Ecce Homo, Por que sou tão sábio, 6.
53. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 1.
54. Idem, Terceira dissertação, 28: “A falta de sentido do sofrer, não o sofrer, era a maldição que até
então se estendia sobre a humanidade – e o ideal ascético lhe ofereceu um sentido!”
55. Idem, Terceira dissertação, 28.
56. Idem, Terceira dissertação, 15.
57. Idem, Primeira dissertação, 11.
58. Idem, Primeira dissertação, 10. Aqui, Nietzsche utiliza a expressão “moral nobre” (como modo de
vida ativo) apenas para contrapor à “moral dos escravos”, já que é evidente o que significa a “moral” na
filosofia de Nietzsche: o lugar do “bem” e do “mal”.
59. Idem, Primeira dissertação, 10. Neste outro trecho (Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 13),
Nietzsche nos diz sobre como a vingativa astúcia da impotência imagina: “‘[...] sejamos outra coisa que
não os maus, sejamos bons! E bom é todo aquele que não ultraja, que a ninguém fere, que não ataca, que
não acerta contas, que remete a Deus a vingança, que se mantém na sombra como nós, os pacientes,
humildes, justos’.”
60. Idem, Primeira dissertação, 13.
60
61. Idem, Primeira dissertação, 13.
62. Idem, Segunda dissertação, 11.
63. Idem, Terceira dissertação, 14.
64. A Gaia Ciência, 273. Causar vergonha como meio para diminuir as forças ativas do outro: “A quem
você chama de ruim? – Àquele que quer sempre envergonhar”. No aforismo seguinte, 274, do mesmo
livro, Nietzsche nos mostra que o homem nobre age de modo oposto: “Qual a coisa mais humana para
você? – Poupar alguém da vergonha.”
65. Idem, 294.
66. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 16.
67. Idem, Segunda dissertação, 16.
68. Idem, Segunda dissertação, 22. Sobre a espiritualização da dor, como dívida para com Deus: “[...]
essa vontade de torturar, essa crueldade reprimida do bicho-homem interiorizado, acuado, dentro de si
mesmo, aprisionado no ‘Estado’ para fins de domesticação, que inventou a má consciência para se fazer
mal, depois que a saída mais natural para esse querer-fazer-mal fora bloqueada – esse homem da má
consciência se apoderou da suposição religiosa para levar seu automartírio à mais horrenda culminância.
Uma dívida para com Deus: este pensamento tornou-se para ele um instrumento de suplício.”
69. Idem, Terceira dissertação, 15.
70. Idem, Terceira dissertação, 15.
71. O Anticristo, 42: “[...] com Paulo, o sacerdote quis mais uma vez o poder – e só podia utilizar
conceitos, doutrinas, símbolos, por meio dos quais se tiranizam as multidões e se formam rebanhos”.
72. Idem, 58.
73. Genealogia da Moral, Terceira dissertação, 15. “Ele traz ungüento e bálsamo, sem dúvida: mas
necessita primeiro ferir, para ser médico; e quando acalma a dor que a ferida produz, envenena no mesmo
ato a ferida.”
74. Idem, Segunda dissertação, 21.
75. O Anticristo, 14.
76. 3º Consideração Intempestiva: Schopenhauer Educador, 6.
77. DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia, pág. 204.
78. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 12.
79. Idem, Segunda dissertação, 14.
80. Idem, Segunda dissertação, 3.
81. Idem, Segunda dissertação, 7.
82. Idem, Segunda dissertação, 23.
83. Idem, Segunda dissertação, 15.
84. CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado. Da tortura nas sociedades primitivas. Cosac &
Naify, pág. 199. Na mesma edição da Cosac & Naify (2003), há uma entrevista de Pierre Clastres que,
entre outros assuntos, fala sobre a influência de Nietzsche no texto “Da tortura nas sociedades
primitivas”: “Posso reconhecer e afirmar claramente a influência de Nietzsche, sobretudo da Genealogia
da Moral [...] A gente percebe que alguém como Nietzsche, que provavelmente desconhecia e era
61
indiferente (com razão) à etnologia de sua época, via com clareza infinitamente maior que todos em sua
época a questão da memória, da marca...” (pág. 265).
85. Idem, Da tortura nas sociedades primitivas, pág. 201.
86. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 1.
87. Idem, Segunda dissertação, 10.
88. Idem, Segunda dissertação, 2.
89. 3º Consideração Intempestiva, 6.
90. O Anticristo, 57.
91. A Gaia Ciência, 118.
92. Na obra Sociedade Contra o Estado, Pierre Clastres nos mostra os diversos mecanismos que as
sociedades primitivas utilizam para esconjurar o Estado. O principal mecanismo é fazer com que o chefe
da tribo não se torne um déspota, ao obrigá-lo a executar tarefas que o impedem de exercer um poder
central.
93. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 436.
94. O Anticristo, 7.
95. Genealogia da Moral, Terceira dissertação, 28.
96. Ou “categorias da razão”, conforme Vontade de Potência, Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág.
431: “A crença nas categorias da razão é a causa do niilismo – medimos o valor do mundo por
categorias, que se referem a um mundo puramente fictício”.
97. Idem, pág. 430.
98. Crepúsculo dos Ídolos, A “razão” na filosofia, 6.
99. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 430. Também em Crepúsculo dos
Ídolos, Como o “mundo verdadeiro” acabou por se tornar fábula: “O mundo verdadeiro – inatingível? De
qualquer modo não atingido. E, enquanto não atingido, também desconhecido. Conseqüentemente
tampouco consolador, redentor, obrigatório: Ao que é que algo de desconhecido poderia nos obrigar?...”
100. A Gaia Ciência, 125.
101. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 432.
102. Genealogia da Moral, Terceira dissertação, 25.
103. O que é hoje, por exemplo, a história? Apenas uma “objetividade” que serve para subjugar o
passado, conforme a 2º Consideração Intempestiva, 6, pág. 51: “Aqueles historiadores ingênuos chamam
‘objetividade’ à mensuração de opiniões e feitos passados a partir das opiniões mais disparatadas do
momento; aqui eles encontram o cânone de todas as verdades; seu trabalho é adequar o passado à
trivialidade contemporânea.”
104. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 431.
105. SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação, livro IV, pág. 430.
Contraponto.
106. Idem, pág. 430.
107. Assim Falou Zaratustra, Livro I: O prólogo de Zaratustra, 5.
108. O budismo, para Nietzsche, “é cem vezes mais realista do que o cristianismo” (O Anticristo, 20),
embora também seja uma religião niilista. Livrar-se dos afetos nocivos do ressentimento, respeitar as
62
outras doutrinas religiosas, por exemplo, fazem do budismo uma espécie de “higiene” (Ecce Homo, Por
que sou tão sábio, 6).
109. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 435: “O sucumbir se apresenta
como um se-fazer-sucumbir, como uma instintiva seleção daquilo que destrói necessariamente. Sintomas
dessa autodestruição dos enjeitados: a autovivissecção, o envenenamento, embriaguez, romantismo [...] a
vontade de destruição como vontade de um instinto ainda mais profundo, o instinto de autodestruição, a
vontade de cair no nada.”
110. Idem, pág. 433. Nietzsche diz isso no contexto do terceiro estado psicológico do niilismo. A posição
extrema inversa desse niilismo refere-se à descrença nos valores divinos e humanos, mas ainda de modo
passivo. Utilizei este fragmento póstumo para entendermos que podemos pensar numa outra posição
extrema inversa ativa, que é a do niilismo ativo, ou seja, um niilismo radical. Podemos dizer também que
a “emoção psicológica” do niilista passivo (o “nada” eterno), difere-se radicalmente da “emoção
psicológica” experimentada pelo niilista ativo.
111. Idem, pág. 435.
112. Idem, pág. 445.
113. Assim Falou Zaratustra, Livro I: Das três metamorfoses.
114. Idem, O prólogo de Zaratustra, 5. Mas isso não quer dizer que, necessariamente, ocorrerá esta
reversão (embora ela ocorra no discurso das “Três Metamorfoses”). Daí o alerta de Zaratustra: “Ai de
nós! Aproxima-se o tempo em que o homem não dará mais à luz nenhuma estrela.” (O prólogo de
Zaratustra, 5). Portanto, a superação do homem apenas se dará pelo niilismo ativo. O problema que
levantamos aqui é a importância do homem em alcançar este estado de suprema negação.
115. Crepúsculo dos Ídolos, A “razão” na filosofia, 6.
116. Assim Falou Zaratustra, Livro I: Das três metamorfoses. Outro trecho sobre a importância do Não
do leão: “Conquistar o direito de criar novos valores – essa é a mais terrível conquista para o espírito de
suportação e de respeito. Constitui para ele, na verdade, um ato de rapina e tarefa de animal rapinante”.
117. Idem, Livro I: Das três metamorfoses.
118. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 433.
119. Ecce Homo. Sobre Assim Falou Zaratustra, 1.
120. Fragmentos Póstumos (1881). Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 442: “Guardemo-nos de
ensinar um tal ensinamento como um súbita religião! Ele tem de embeber lentamente, gerações inteiras
têm de edificar nele e nele tornar-se fecundas –, para que ele se torne uma grande árvore, que dê sombra a
toda a humanidade que virá! O que são alguns milênios, nos quais o cristianismo se conservou! Para o
mais poderoso dos pensamentos é preciso muitos milênios –, por muito, muito tempo ele tem de ser
pequeno e impotente.”
121. A Gaia Ciência, 341.
122. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 435.
123. Idem, pág. 436.
124. KLOSSOWSKI, Pierre. Nietzsche e o Círculo Vicioso. O círculo vicioso como doutrina seletiva.
pág. 148.
125. Ecce Homo. Por que sou um destino, 1.
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126. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 434.
127. Ecce Homo, Prólogo.
128. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 434.
129. Idem, pág. 447: “O velho hábito, porém, de pensar alvos em todo acontecer e um deus criador e
dirigente no mundo é tão poderoso que o próprio pensador tem dificuldade para não pensar a ausência de
alvo no mundo, mais uma vez como intenção”.
130. A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos, IV: “Primeiro [Anaximandro], pergunta a si mesmo: ‘Se
há, em geral uma unidade eterna, como é que a multiplicidade é possível?’ E recebe a resposta do caráter
contraditório desta multiplicidade que a si se devora e se nega. A existência desta multiplicidade torna-se
para ele um fenômeno moral; não se justifica, mas expia-se incessantemente pelo declínio. Mas então
ocorre-lhe a questão: ‘Porque é que tudo o que entrou no devir não pereceu já há muito, uma vez que já
se passou uma eternidade de tempo? De onde provém a torrente sempre renovada do devir?’ Ele só sabe
livrar-se desta questão mediante novas hipóteses místicas: o devir eterno só pode ter a sua origem no ser
eterno, as condições que levam o ser a cair num devir em injustiça são sempre as mesmas, a constelação
das coisas é feita de maneira a não se poder prever termo algum para esta agressão do ser individual do
seio do ‘indefinido’. Anaximandro ficou por aqui: quer dizer, ficou nas sombras profundas que cobriam
como fantasmas gigantescos o cume de uma tal contemplação do mundo.”
131. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 447.
132. Idem, pág. 450.
133. A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos, V. Sobre Heráclito, diz Nietzsche: “[...] já não distingue
um mundo físico e um mundo metafísico, um domínio de qualidades definidas e um domínio da
indeterminação indefinível. Após este primeiro passo, também já não pôde coibir-se de uma maior
audácia da negação: negou o ser em geral [...] Heráclito exclamou mais alto do que Anaximandro: ‘Só
vejo o devir. Não vos deixeis enganar! É à vossa vista curta e não à essência das coisas que deve o fato de
julgardes encontrar terra firme no mar do devir e da evanescência.Usais os nomes das coisas como se
tivessem uma duração fixa; mas até o próprio rio, no qual entrais pela segunda vez, já não é o mesmo que
era da primeira vez’.”
134. DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. O Mistério de Ariadne Segundo Nietzsche. Editora 34.
135. Ditirambos Dionisíacos, extraído do livro Nietzsche, de Gilles Deleuze, pág. 79.
136. Assim Falou Zaratustra, Nas ilhas bem-aventuradas: “Tudo aquilo que em mim sente, sofre de estar
numa prisão; mas a minha vontade chega sempre como libertadora e portadora de alegria.”
137. Fragmentos Póstumos (1881). Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 442.
138. Idem, pág. 447.
139. Crepúsculo dos Ídolos, Sentenças e setas, 8: “O que não me mata torna-me mais forte.”
140. A Gaia Ciência, 276.
141. Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 10: “Um homem tal sacode de si, com um movimento,
muitos vermes que em outros se enterrariam.”
142. Assim Falou Zaratustra, Da virtude amesquinhadora, 3.
143. Vontade de Potência. Coleção “Os Pensadores – Nietzsche”, pág. 444 e 445.
144. Ecce Homo, Sobre “Humano, demasiado humano”, 3.
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145. Idem, Sobre “Humano, demasiado humano”, 4.
146. Humano, Demasiado Humano, 289.
147. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 12.
148. A Gaia Ciência, 283.
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AGRADECIMENTOS
Valter A. Rodrigues
Luiz Fuganti
Valéria Bernardes Ferreira
Amigos da Escola Nômade e do L’arco Baleno
Com afeto,
Amaurévski Ferreiravich
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