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2- “A posição da “fobia” dentro do sistema das neuroses segue indeterminado até
hoje” 6. Se a neurose por excelência é a histeria, tendo a obsessão como seu dialeto7, o
que é da fobia? Refere-se a um tempo lógico, no qual esta aponta como bússola para a
constituição do sujeito dividido. A dúvida freudiana sobre a fobia não deixou de ser
retomada por Lacan no seu seminário “ De um Outro ao outro” ao estabelecer uma
analogia com a plataforma8 giratória das linhas de trem como indicativa deste tempo
fundamental na constituição do sujeito.
No trabalho da análise, o significante “cavalo” percorre o campo das significações. Seu
surgimento amarra-se ao emergir de Hans do acesso de angustia: “ primeiro conteudo
que ele deu à sua angustia, rezava: um cavalo me mordeu” 9. O simbólico vela algo
do real. Com a fobia, diz Freud “ o doente pode ficar liberado da angustia, mas só às
custas de suas inibições”10. Insistência no texto dos significantes inibição, sintoma e
angustia, nomes freudianos para o imaginário, simbólico e real, muito tempo antes do
escrito de 1926 que os terá como titulo.
3- Contra o ‘furor sanandi’ que Freud criticará nos futuros artigos sobre a técnica,
ele já adverte o analista que não só é impossível mas “perigoso em certas
circunstancias, procurar a cura da fobia de modo violento”11. Se tal advertência já é
bem conhecida , não deixa de ser sintomático do espírito de nosso tempo pensar que as
chamadas terapias cognitivo-comportamentais, aquilo que no atual momento se
apresenta como o mais “moderno” tratamento, defende exatamente a referencia oposta.
Calar o sintoma do sujeito :não escutá-lo a não ser para auscultá-lo.
A psicanálise se posiciona noutro lugar que não o meramente terapêutico, um
simples recurso dito psicoterápico de apoio à medicina. Freud reitera: “não aspiramos
ao êxito terapêutico em primeiro lugar”12. Nesta perspectiva, há que se construir o
sintoma analítico. Além e/ou com a angustia,, o sintoma como enigma para o sujeito se
superpõe ao que é da ordem da queixa apresentada pela criança ou seus pais. Uma
observação do texto aponta a direção do tratamento: “não é raro que apenas após um
trecho de trabalho psicanalítico alguém se dê conta do genuíno conteúdo de uma fobia,
do texto correto de um impulso obssessivo (...) [e isto coloca o analista] “na rara
situação de ter que ajudar a doença para conseguir que se lhe preste
atenção”13.Observação que vale para o exercício da análise independentemente da
faixa etária do analisante e marca também uma diferença com os tratamentos
psicoterápicos.
4- A neurose do adulto, diz Freud “se enoda àquela angustia infantil, é sua
continuação”14. A neurose nada mais é que a própria e necessária condição para a
existência do sujeito , isto é, ,se ele não for psicótico. A constatação freudiana de que a
neurose é a mesma, aponta para um além das especificidades da análise com crianças.A
partir desta, se constatamos que ocorrem alterações nas articulações entre inibição,
sintoma e angustia, poderíamos supor que a análise é uma, do sujeito infantil ao sujeito
adulto, mesmo quando já não se tratasse do mesmo analista:é sempre a questão do
sujeito o que conta. De todo modo, não seria razoável supor um final de análise nestes
atendimentos com crianças :se o final implica, pelo menos a experiência da travessia
da fantasia fundamental e a constatação da inexistência do Outro, uma análise
com criança vai na direção de construir esta fantasia fundamental e possibilitar que haja
um Outro que deseja, ilusão necessária e constitutiva em certo tempo lógico.
Freud já problematizava neste escrito o que seria um final de análise embora não
tenha usado os termos que viriam a ser habituais: “ a análise com efeito, não desfaz o
resultado do recalque: as pulsões que foram então sufocadas seguem sendo sufocadas”
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mas acrescenta que ela “substitui o processo de recalque que é automático e
excessivo” 16 por aquilo que denominou “juízo adverso(verurteilung)”.17 De todo
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modo, interessa interrogar se o resultado do recalque não desfeito poderia ser lido não
apenas como o irredutível que resta do sintoma , mas um resto frente ao qual o sujeito
se reposiciona. A euforia de certo tempo inicial da história da psicanálise que acreditava
na eliminação do sintoma aqui já não marca sua presença.
Por fim, dispensando comentários, resta uma fala de Freud a Hans. Em seu único
encontro, Freud se volta ao pequeno sujeito e lhe dirige a palavra. É o relato do que, no
só depois ,se constatará como um ato analítico.Algo de oracular aqui permanece
ressoando : “Essa tarde pai e filho me visitaram (...) lhe revelei que tinha medo de seu
pai justamente por querer tanto sua mãe (...)”Que há muito tempo, antes que ele vi esse
ao mundo, eu já sabia que chegaria um pequeno Hans que ia querer muito sua mãe e
por isso se veria obrigado a ter medo do pai ”18.
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