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20 Mensou ni Onegai!!

Um Prólogo para o Infinito

Os pés chapinhavam na água fria, enquanto os calções novos de um azul


doentio inflavam-se lentamente à medida que entrava na piscina.

A bola de plástico vermelha flutuava ali por perto, mas ele não sentiu-se nem
um pouco inclinado a arrastar-se pela água até lá para apanhá-la. Não havia sequer
motivos para isso, então ficou onde estava. Encarou-a por um momento e não tardou
a virar o rosto.

Estava com frio, ainda que o sol surgisse impetuoso sobre Ikebukuro, afligindo
as centenas de milhares de pessoas que ali viviam com o calor, a queda de pressão e
a sensação de sufocamento. Mesmo assim, Akira sentia frio. Tanto que podia sentir
seus ossos congelando, fraquejando sobre o tecido fino da pele. A piscina era o
último lugar onde ele deveria estar agora, mas ignorando qualquer senso de perigo
ele continuava a afundar-se cada vez mais nela.

Submergiu o queixo, a boca, o nariz, os olhos e só então desapareceu por


completo na imensidão azul-celeste.

Enquanto sentava-se sobre os ladrilhos, chegando finalmente ao fundo,


acompanhou de olhos abertos seu cabelo ser conduzido lentamente para cima,
trilhando o mesmo caminho das bolhas de ar que desprendiam-se do seu nariz. Ali,
sentado na piscina, Akira perguntou-se quanto tempo era preciso para um ser
humano morrer afogado em condições como aquelas. Era uma besteira, é claro, já
que era óbvio que qualquer um voltaria à superfície assim que o ar lhe faltasse.

Akira claramente não conseguiria suicidar-se daquele jeito.

Após dois minutos de força de vontade, impulsionou o corpo de volta para


cima, agarrando-se à beirada como um náufrago se agarra aos destroços de um
navio.

Encarou longamente a figura mórbida que sua casa era agora, pairando em
tons de cinza e branco como uma fantasma; um fantasma assustadoramente vazio,
já que todas as coisas ou estavam encaixotadas ou dentro de um caminhão prontas a
serem despachadas para algum lugar – qualquer lugar – que certamente não seria
sua nova residência. O que ainda pertenceria a eles era menor, relativamente menor
e havia sido encaixotado e posto em um caminhão separado. Certamente tudo o que
ainda lhes restava não seria o suficiente para encher uma única sala da mansão.

Chapinhou pela água como um cachorrinho, para segurar-se à bola de plástico


como se pudesse mantê-la ainda consigo. A bola afundou com o peso do seu corpo
sobre ela, escapou de seus braços e tornou a emergir, acertando-o com a impulsão
bem no queixo. Akira não pôde deixar de pensar que, por mais óbvio que isso fosse
acontecer, era como se ele não pudesse segurar nada. Nada. Agora tudo que ele
tinha simplesmente o abandonava.

Incapaz de conter-se por muito mais, o garoto agarrou-se à beirada e subiu,


trilhando pela calçada da casa (que logo não seria mais sua) um caminho molhado e
escorregadio, enquanto as lágrimas pareciam entaladas na sua garganta, queimando
os seus olhos com sal. Pisou em falso, escorregando por alguns metros e então caiu,
batendo dolorosamente as costas contra o calçamento.
Os dedos pálidos buscaram apoio na calçada molhada, enquanto o choro
corria por seu rosto assim como o sangue.

Porque seu pai fez isso com eles?

Capítulo Um

Akira pestanejou uma terceira vez e então acordou.

Suas costas doíam horrivelmente e sua cabeça parecia a ponto de explodir,


então ele percebeu que não, dormir meio dobrado, meio esticado no banco de trás
de um carro certamente não fazia nenhum bem à sua coluna. Já sua dor de cabeça
provavelmente tinha a ver com o desconforto.

Percorreu com as mãos demoradamente a própria nuca, enquanto endireitava


a coluna com um estalo.

Seus pés postaram-se no chão do carro e seus olhos semicerrados


perscrutaram ao redor. Encarou a silhueta de sua mãe e o caminho que os olhos
desfocados dela faziam lá para fora, encarando a paisagem veloz que passava por
eles em um lampejo e viu também a figura de seu antigo motorista, o Senhor
Mitsukage, que provavelmente estava fazendo sua última viagem com eles como
uma mostra de amizade por tantos anos de serviço à família Ijyuin. E também porque
era uma crueldade sem tamanho negar um favor a uma mulher viúva e a uma
criança órfã.

– Ainda falta muito, Mitsukage-san? – A voz de sua mãe soou alta e


ressonante, um tanto imperiosa, mas carregada de cansaço.

Ela estava cansada. Cansada de tudo aquilo. Cansada de viver, inclusive. Ela
estava cansada e seu cansaço era quase uma presença, materializando-se ao lado
dela e recobrindo os presentes com uma angústia desigual, como se dela emanasse
uma espécie de névoa venenosa e espessa.

Seu rosto pálido e marcado por profundas olheiras estava carregado de


maquiagem para disfarçá-las e, mesmo assim, ela usava óculos escuros a despeito
do tempo fechado lá de fora.

Akira sentiu pena da figura que sua mãe era agora e quis demais ter uma boa
piada na ponta da língua para fazer aquela tristeza afastar-se com um sorriso e a
angústia ser substituída por leveza, tornando o ar respirável outra vez.

Mas a verdade é que ele também estava cansado.

Tanto ou até mesmo mais do que sua mãe, já que em seus ombros pairava o
peso de ser a única coisa que a mantinha ali e que a impedia de seguir o caminho do
marido em renegar a própria vida. Ela estava viva porque Akira estava vivo e isso, de
algum jeito, não o deixava melhor. Ela não podia dar um fim rápido a toda aquela
tristeza, porque ele existia. Porque ele precisava dela.
Acabou sem piada nenhuma, sem fala nenhuma, só um bufar cansado
enquanto encolhia-se no canto contra a janela.

– Só uns quinze minutos agora – Ele respondeu depois de um tempo, os olhos


muito apertados como de um falcão velho perscrutando a estrada – Só pegar aquela
rodovia principal e estaremos lá – Ele indicou com o nariz arqueado em gancho,
mesmo sabendo que nem a Sra. Ijyuin, nem seu único filho deram a menor atenção à
sua explicação, já que haviam voltado os olhos para suas respectivas janelas muito
antes que ele começasse a falar.

“Coitados”, foi tudo o que Yamashi Mitsukage pensou ao encarar o rosto da


mulher ao seu lado e o da criança, pelo retrovisor. “Perderam tudo, esses pobres
diabos”.

E dirigiu pela estrada cinzenta até o seu destino.

A casa era pequena, para se dizer o mínimo, já que minúscula condiria muito
mais com a real condição do imóvel.

Intimamente Akira desejou que, por dentro, ela fosse maior do que
aparentava ser por fora e até mesmo cogitou a hipótese de perguntar isso à mãe,
mas se viu sem palavras ao vê-la reunir o máximo de dignidade que conseguiu
encontrar, cumprimentar os novos vizinhos e retirar do bagageiro do carro as poucas
malas que haviam trazido ali mesmo.

Ao invés de abrir a boca e dizer alguma idiotice, Akira foi ao encontro da mãe
e a ajudou como pôde, carregando nos braços três das seis malas. Seis. E ali
estavam todas as roupas dos dois. E pertences pessoais também. Tudo o que
escapou do penhor veio parar ali. Nenhuma jóia, nenhum retrato, nenhum relógio ou
objeto de valor. Aquelas seis malas estavam cheias de roupas e estavam leves.

Sua mãe foi quem primeiro entrou na casa, carregando duas malas e um
nécessaire, abrindo caminho por entre as caixas e os móveis dispostos no espaço
ínfimo que mal os acomodava. Akira entrou em seguida, saltando por cima do
papelão, driblando a disposição das coisas sem deixar de levar inúmeros tropeços,
sentindo-se entorpecido pelo cheiro nauseante de tinta fresca. Havia fitas adesivas
nos rodapés e jornais no chão, então sim, sua mãe se encarregara de dar ao menos
uma demão de tinta para fazer a pequena casa parecer um pouco mais nova. Ou
mais bonita. Talvez mais agradável, Akira não sabia, mas achava que a tentativa
dela não era falha de todo, já que aquele tom de creme nas paredes fazia a casa
parecer um pouco mais com um lar.

As malas a mulher deixou em algum canto de qualquer jeito, dispensando à


sala um último olhar, antes de levar as mãos à cintura e suspirar.

Ia ter muito trabalho para organizar tudo aquilo, logo se via, mas o problema
não era exatamente esse. O problema era que ela não tinha mais presença de
espírito para lidar com uma mudança. Estava cansada. Tudo o que queria era deitar
no primeiro lugar que a acolhesse – o que não precisava significar exatamente uma
cama – e dormir. Talvez para sempre. Mas ela sabia que uma hora teria que acordar
e, se acordasse e se deparasse com toda aquela bagunça, sua paciência toda se
diluiria no mesmo instante.

Arrumar agora, dormir depois.

Arrancou o casaco e pendurou-o na maçaneta, arregaçando as mangas de


leve enquanto se dirigia a uma das mesas onde as cadeiras jaziam empilhadas e ela
se lembrou – só por um instante, vejam bem, porque ela não queria ficar
relembrando aquele tipo de coisa – que aquela mesa e aquelas cadeiras ficavam na
varanda do seu quarto e que ela tomava chá ali com seu marido, rindo de alguma
coisa qualquer que depois não viria a ter a menor relevância. Então ela erguia uma
xícara de porcelana francesa e o chá corria deliciosamente pela sua garganta.

Ela se lembrou disso e teve ganas de queimar aquela mesa e aquelas


cadeiras, mas iriam precisar delas. Então só abaixou as cadeiras com um suspiro de
pesar, vendo-se incapacitada diante de seus próprios móveis.

Akira seguiu a mãe como pôde. Deixou as malas num canto, ajudou-a a
abaixar as cadeiras, depois pegou todas (ou grande parte das) caixas que continham
os avisos de “Frágil” e colocou-as sobre a mesa, empurrando o resto para o quarto
desocupado. Não havia móveis lá. Tudo o que tinham estava comprimido de um jeito
horroroso na sala.

Mesmo assim eles fizeram um bom trabalho.

Duas pessoas exaustas das próprias vidas trabalharam muito bem juntas e
organizaram a maior parte de tudo. Não num curto espaço de tempo, é claro, mas
organizaram. Levaram várias horas naquela empreitada, mas agora os móveis
pareciam pelo menos estar nos lugares certos, mesmo que as coisas das caixas
permanecessem, bem, nas caixas. Eles ainda teriam muito trabalho pela manhã, mas
tudo o que conseguiam pensar agora era que aquela cama – aquela única cama –
agora parecia tão convidativa e aquele colchão devia estar mesmo tão macio que
desabarem os dois sobre ela foi só uma questão de tempo.

Organizar suas vidas tomaria deles muito mais do que um único dia.

Para Akira, aquela primeira semana valeu por toda uma vida.

Sua mãe não o deixou sair de casa até o final de semana. Ela alegava que
precisavam organizar ainda o resto das coisas, arrumar seus guarda-roupas, definir
algumas coisas básicas e aproveitar a companhia um do outro. E também, porque os
vizinhos precisavam acostumar-se com suas presenças antes que eles resolvessem
sair com mais frequência, ou poderiam ser taxados de uma centena de coisas, como
patrícios esnobes e, em um bairro como aquele, seriam facilmente vítimas de
assaltos ou outras coisas da mesma natureza. Sua mãe prezava sua segurança,
portanto todas as vezes que precisou sair o fez sozinha.

Akira não reclamou disso, afinal.

A verdade é que ele não tinha tanta vontade assim de sair de casa. Não era
como se ele fosse um garoto metido que não se misturava com pessoas de situação
econômica mais baixa do que a sua – se bem que agora isso já não era mais tão
verdade –, ou se sentisse ameaçado pela nova vizinhança. Não era isso. Na verdade,
eram as perguntas que rondavam sua mente que não o permitiam sair lá fora; ou
pelo menos ter vontade de fazê-lo.

A primeira pergunta de todas era: todas as pessoas têm vícios?

Geralmente Akira se fazia essa pergunta ao se lembrar do pai. Do modo como


ele jogou até não poder mais voltar para casa, já que havia perdido o carro no
pôquer. Ou do dia em que o garoto havia arrumado todas as malas, separado todas
as coisas, feito todos os planos e, de última hora, ver que a viagem em família para a
casa no campo havia sido cancelada, porque ela agora já não os pertencia. Seu pai
havia deixado sua escritura em um cassino, vendo seus cartões bloqueados e as
contas nos bancos cada vez mais vazias.

Mas Akira sempre se fazia essa pergunta quando se lembrava do dia em que
tudo ruíra de vez. Do dia em que seu pai perdera a empresa.

A segunda pergunta era: ele não podia ter aguentado as coisas um pouco
mais?

Porque seu pai não precisava mesmo ter dado um tiro em sua própria cabeça
para escapar daquelas dívidas.

Sua mãe e ele não o estavam fazendo agora, então porque seu pai não podia
ter aguentado um pouco mais?

Para essa pergunta Akira tinha várias respostas. Às vezes ele pensava que,
vendendo tudo para arcar com uma quebra daquela proporção, seu pai não teria
mais com o que jogar. Às vezes, pensava que havia sido só o cansaço. Ou a pressão.
Ou a falta de fé, em não conseguir enxergar mais motivos para continuar vivendo
depois dessa sorte de catástrofes. Talvez porque seu pai pensasse que ele era um
lixo humano, que não merecia ter o amor de uma mulher carinhosa e nem de um
filho atencioso. Não quando ele não conseguira refrear-se frente àquele vício, não
quando ele os fizera perder tudo o que haviam conquistado juntos.

Se havia sido isso, Akira gostaria de dizer ao pai que não se preocupasse,
porque o dinheiro não faria nenhuma diferença se pudessem continuar juntos.
Dinheiro não faria a menor diferença, desde que seu pai continuasse ali.

A terceira e, por agora, última pergunta era: nós vamos conseguir?

Akira se fez muito essa pergunta após a morte do pai, mas no começo ela era
feita no singular. Ele iria conseguir se reerguer, após ver o corpo do homem caído em
meio ao próprio sangue em seu escritório? Ele iria conseguir sorrir de novo, depois de
ouvir aquelas palavras mórbidas desprendendo-se lentas dos lábios de um padre
enquanto o caixão se deitava sobre a terra lentamente? Ele iria conseguir?

Quando os cobradores caíram em cima deles como abutres sobre a carniça, a


pergunta passou para o plural. Vamos conseguir quitar essas dívidas? Vamos
conseguir nos reencontrar como uma família? Vamos conseguir reconstruir nossas
vidas?
Akira ainda não tinha essas respostas e, dia após dia, ele se encerrava cada
vez mais nessas perguntas.

Na manhã do sétimo dia, foi sua mãe quem insistiu para que ele fosse lá para
fora, tomar um ar.

Por quê? Porque ele estava visivelmente muito abatido. Se continuasse


daquele modo, ela lhe disse, talvez não se recuperasse nunca mais. Precisava ver
pessoas novas, conversar com alguém da sua idade, andar pelas ruas um pouco e
respirar ar fresco. O cheiro dos móveis e dos livros empoeirados e também a falta de
sol, não pareciam estar lhe fazendo muito bem agora, passada uma semana
completa. Era muito tempo para um garoto de doze anos trancafiado em casa. Era
justo que ele saísse agora. Sozinho, se assim o desejasse.

E Akira foi. Sozinho, porque assim o desejou.

E se arrependeu.

Porque o que ele viu do lado de fora era pior do que tudo o que ele tinha
imaginado.

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