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ISBN: 978-857164-590-5
! A Ferro e Fogo é uma obra densa, profunda e que serve de referência sobre
qualquer trabalho relativo à questão ambiental no Brasil, bem como sobre a História
Econômica e Política Brasileira.
! Em relação a esta última, a queimada, o livro curiosamente nos mostra quão antiga
e malditamente tradicional é esta prática. A princípio usada pelos povos caçadores-
coletadores, os primeiros habitantes do nosso território, como forma de cercar e expulsar
a caça de dentro da mata cerrada e encorpada, logo foi assimilada pelos primeiro colonos
e seus descendentes mestiços, perpetuando-se ao longo dos séculos como uma ʻtécnicaʻ
enraizada na cultura popular de tal forma que ainda hoje podemos assistir ao seu
emprego sistemático, mesmo no contexto do pretensioso agro-negócio atual.
! Fica claro que a questão ligada às florestas, matas e rios - durante séculos - nunca
passou de uma mera e simples curiosidade (se é que podemos chegar a usar o termo)
de alguns poucos visionários, quase lunáticos. Mesmos os mais afamados naturalistas
que por aqui andaram, olharam para as nossas matas e florestas com um olhar
preconceituoso e antes de tudo eurocêntrico, sendo incapazes de tentar entender
profunda a relação dos indígenas e depois caboclos com as milhares de espécies da flora
usadas no cotidiano para as mais diversas finalidades. Poucos foram os que
compreenderam a sua complexidade e potencial científico.
! Ao longo de livro muito nomes são citados como exemplos negativos e somente
uns poucos lembrados de maneira positiva, destacando-se dois: Auguste de Saint-Hilaire
como um dos primeiros naturistas realmente interessado em compreender a Mata
Atlântica que deixou um legado importante e Augusto Ruschi que para o autor
desempenhou um papel muito mais de militante ambientalista do que de cientista
propriamente dito, tendo sido vital nas ações que garantiram a preservação de partes de
florestas nativas da Mata Atlântica, localizadas no Estado do Espírito Santo. Curioso
também o tratamento que Dean dispensa a Chico Mendes:
! Dean deixa evidente que - desde o nosso primeiro Código Floresta, datado de
1934, passando pelas edições subseqüentes - o que tivemos foi uma sucessão de textos
propositadamente dúbios, imprecisos, cheios de ʻbrechasʼ que permitiam a destruição das
florestas e matas em nome de um desenvolvimentismo irracional, comprometendo as
futuras gerações e aniquilando irremediavelmente grande parte da nossa flora e fauna.
! O quadro fica ainda mais apocalíptico quando se verifica que a lenha proveniente
das árvores nativas da Mata Atlântica foi durante muito tempo o nosso único combustível,
já que tradicionalmente sempre fomos um país carente de hidrocarbonetos. E o que é
mais preocupante, parte significativa da nossa siderurgia até hoje depende do carvão
vegetal para alimentar sua coquelarias, comprometendo de forma irremediável o que
ainda resta da Mata Atlântica, principalmente em Minas Gerais.
! Dean deixa claro para o leitor que “para o homem a coexistência com as floresta
tropical sempre foi problemática”, incluindo neste caso também os povos caçadores-
coletores que ocuparam as Américas durante de milhares de anos até a chegada dos
europeus. Ou seja, Warren Dean derruba a tese - muito popular - que estes povos viviam
sem interferir no meio-ambiente tropical. Apesar de uma ação mais harmoniosa, até
mesmo devido às limitações tecnológicas, estes povos nativos se desenvolveram e se
multiplicaram avançando sobre as florestas, causando um certo grau de impacto, ainda
que muito menos devastador que o provocado pelos europeus.
! No livro Dean não se detém somente numa disciplina, no caso a História. Muito
pelo contrário, ʻA Ferro e Fogoʼ é um exemplo de como em certos temas a História -
quanto disciplina - necessita se aproximar da Geografia e também lançar mão de outros
saberes (no caso específico o autor apoiou-se na Botânica e Geologia dando provas de
expressivo grau de erudição).
! Para Warren Dean, a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica formavam juntas “uma
zona biogeográfica diferente e mais rica em espécies que as outras florestas tropicais do
planeta, situadas na África ou Sudeste da Asiático”.
! O que o autor tenta nos mostrar (e pelo menos para mim consegue de modo
extremamente convincente) é que a Mata Atlântica “era em si mesmo de uma diversidade
extraordinária, levando-se em conta seu tamanho relativamente modesto”. E, que fique
uma lição, pois quanto à primeira, já passamos a conjugar o verbo no passado. Espera-se
que em relação a segunda, ie, a Floresta Amazônia ainda possamos empregar o verbo no
futuro.
! Outro ponto que fica óbvio é que a História da Mata Atlântica é também a história
da visão preconceituosa do europeu (e de toda uma visão eurocêntrica, que ainda hoje
mantém-se presente) em relação ao nativo e o esplendor do seu ʻhabitatʼ, como afirma
Dean, na página 721:
! Dean deixa bem claro que a história da destruição da Mata Atlântica, antes de tudo,
também é a história da ʻplantationʼ escravagista. Um modo de produção cruel, desumano
que em parte explica a fúria com os colonizadores e seus herdeiros avançaram sobre as
matas. Warren Dean é direto e inciso na sua constatação deste fato quando afirma, na
página 75:
! Para mim, ao final da leitura, ficou o sentimento de que Dean estrutura sua na
narrativa inspirando-se no Capítulo 26 do Capital (onde Marx descreve como se dá o
processo de acumulação primitiva) quando na página final, ele conclui: