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015/2009
Autor: Sidio Rosa de Mesquita Júnior
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
Flávio Dino é um parlamentar que tem conhecimento jurídico razoável, tendo sido Juiz
Federal. Ele foi atuante durante a implantação dos Juizados Especiais Federais e a
Presidência da AJUFE (Associação dos Juizes Federais do Brasil) lhe deu notoriedade.
Também, suas decisões (em processos judiciais) amparadas pela Lei n. 8.742, de
7.12.1993, e legislação previdenciária (em interpretação que leva ao Estado-
Assistencialista) foram importantes para sua projeção pública. Isso deu a Flávio Dino
notoriedade suficiente para ocupar o cargo eletivo de Deputado Federal. Em face desse
histórico, ele tem atuado intensamente na produção legislativa, inclusive, criminal.
Todavia, deve-se destacar, com base em seu currículo lattes, atualizado até dezembro de
2.005, que a matéria criminal não é sua área de especialização. [05]
Na fase em que o Brasil era colônia de Portugal, vigoraram leis portuguesas entre nós
(as denominadas Ordenações do Reino), sendo que a declaração da independência levou
à publicação do Código Criminal do Império, em 1.830. Depois sobreveio a
Proclamação da República, surgindo uma nova lei criminal, agora denominada Código
Penal. Porém, emergiram várias leis criminais esparsas que deram ensejo a uma
consolidação, em 1.932. Esta cedeu lugar ao Código Penal de 1.940, o qual previa pena
de 3 a 8 anos para o estupro e de 2 a 8 anos para o atentado violento ao pudor.
A conclusão de uma CPI presidida pela então Deputada Rita Camata gerou a Lei n.
8.069, de 13.7.1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Esta criou parágrafo único
para cada um dos artigos que se referem aos crimes mencionados (arts. 213 e 214 do
CP). Tal inovação legislativa aumentou o rigor a ser imposto aos condenados por
referidos crimes, os quais passaram a estarem sujeitos às penas de 4 a 10 anos.
O ECA ainda estava em vacatio legis quando foi publicada a Lei n. 8.072, de 25.7.1990.
[06]
Esta não revogou os mencionados parágrafos únicos e estabeleceu penas de 6 a 10
anos para os caput’s do art. 213 e 214 do CP, o que criou grande embate doutrinário.
Surgiu grande controvérsia, em face da incongruência gerada entre o caput e o
parágrafo único de cada artigo. Daí o advento da Lei n. 9.281, de 4.6.1996, que revogou
tais parágrafos.
Observe-se que a Lei n. 8.930, de 6.9.1994, alterou a Lei dos Crimes Hediondos e,
mesmo existindo a discussão em torno da incoerência contida no Código Penal acerca
dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados contra pessoas menores
de 14 anos, deixou-se de adotar qualquer medida para solução do problema, isso porque
a nova lei também decorreu de clamor social momentâneo, em face de crimes de
homicídio que tiveram grande repercussão na mídia. [07]
Prova de que leis criminais mais severas não resolvem o problema da criminalidade é o
incremento dos crimes violentos a partir do ano de 1.990, quando foi editada a lei
hedionda (Lei n. 8.072/1990). Nesse contexto, desde 8.8.2009 o Jornal Correio
Brasiliense vem apresentando o aumento de risco pela fabricação de medicamentos
falsificados, relatando a incidência de graves problemas no ano de 2.003 decorrentes da
falsificação de medicamentos, [08] quando o aumento de rigor legislativo se deu no ano
de 1.998 (a Lei n. 9.677, de 2.7.1998 alterou as penas e modificou os tipos dos crimes
contra a saúde pública, mas pecou por ter a pretensão de transformar alguns em crimes
hediondos sem o fazer, o que exigiu a Lei n. 9.695, de 20.8.1998, para corrigir o defeito
legislativo).
...mexemos nos crimes contra os costumes (Lei n. 11.106, de 28.3.2005). Esta última lei
andou mais rápido porque um ex-Prefeito da cidade de Goiás, o nosso conhecido
município de Goiás Velho, estando condenado, em fase de recurso, ter pagado para que
as vítimas de estupro com violência presumida se casassem e assim provocar a extinção
da punibilidade. Corolário lógico foi a revogação dos incs. VII e VIII do art. 107 do
Código Penal. [09]
O Título VI versava sobre os costumes, mas a lei preferiu não mais falar em "crimes
contras os costumes", passando a dispor: "TÍTULO VI: DOS CRIMES CONTRA A
DIGNIDADE SEXUAL".
É necessário entender que aquilo que é socialmente adequado merece análise séria e, às
vezes, poderá excluir a tipicidade criminal dos fatos, uma vez que esta, para corrente
doutrinária sólida, se caracteriza pela soma da tipicidade legal à tipicidade conglobante.
[11]
Ainda que não tratemos da mencionada corrente doutrinária, mister é reconhecer que
as novas perspectivas criminais levam ao tipo de injusto total, à teoria social e ao
funcionalismo, todas com forte valorização da adequação social. [12] Nesse sentido,
Paulo Queiroz sustenta que, a partir de 1.970, surgiu "um novo sistema chamado
funcional ou teleológico, que parece assumir aos poucos o status de dominante". [13]
3.2.1 Estupro
O novo art. 213 do CP uniu os arts. 213, 214 e 225, constantes da redação original do
Código Penal, passando a dispor:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
O tipo permite classificar o estupro como crime comum porque pode ser praticado por
qualquer pessoa. É delito unissubjetivo porque não exige o concurso de pessoas. É,
também, comissivo, visto que exige ação do sujeito ativo, nada impedindo que o crime
seja perpetrado mediante conduta omissiva do garante, quando será comissiva por
omissão.
O estupro é crime material, haja vista que exige a ofensa ao objeto jurídico para se
consumar, por isso, também denominado delito de dano. Pretender dizer que o crime de
estupro será formal, ou seja, de consumação precipitada (antecipada), bastando a
realização de conduta potencialmente capaz de ofender a liberdade sexual para que
ocorra consumação, será equivocado, visto que o dissenso deverá ser demonstrado. A
conduta de perigo poderá até caracterizar a contravenção de importunação ofensiva ao
pudor (LCP, art. 61), mas não será suficiente verificar para o estupro.
Só haverá estupro doloso, visto o CP não prevê a modalidade negligente. [14] Com
efeito, conforme prevê o art. 18, parágrafo único, do CP, a negligência só será punível
se estiver expressamente prevista em lei. Desse modo, ao ser omissa quanto a esse
aspecto, a lei estará enunciando a adoção da regra geral pela qual o crime será doloso.
O estupro exige o dolo específico [15] violação da liberdade sexual, visto que se o dolo
for a simples violação da liberdade para que a pessoa pratique ou deixe com ela praticar
outra conduta, haverá constrangimento ilegal (CP, art. 146). Caso a liberdade afetada
seja a de ir e vir, será sequestro ou cárcere privado (art. 148) e se for para obtenção de
trabalho com redução da vítima à condição análoga à de escravo, aplicar-se-á o crime
do art. 149. Finalmente, se a liberdade for atingida para alcançar vantagem patrimonial,
haverá extorsão mediante sequestro (art. 159).
Ante o novo texto legal, em que a pena do estupro com resultado morte foi equiparada à
do homicídio qualificado, entendo que não mais existe razão para entender que o crime
do art. 213, § 2º, do CP é preterdoloso. Aliás, um dos fundamentos para a interpretação
anterior é que o estupro com resultado morte, na redação original do CP, tinha pena de 8
a 20 anos [17]. Assim, havendo dolo para matar a vítima do estupro, haverá crime
complexo, merecendo a mesma interpretação do art. 157, § 3º, in fine, do CP
(latrocínio).
O estupro qualificado pelo resultado em que o agente tenha dolo para a morte da vítima
e ela resulte viva, caberá a tentativa, sendo que o crime-meio (estupro) se equivalerá à
tortura, devendo a gravidade da conduta ser considerada na aplicação da pena, assim
como no art. 121, § 2º, inc. III. Caso a doutrina e a jurisprudência continuem,
equivocadamente, tratando o estupro qualificado como crime preterdoloso, a tentativa
será impossível, uma vez que o resultado mais grave será negligente.
Caso o resultado mais grave advenha sem dolo ou negligência do agente, não se poderá
vislumbrar a qualificadora, visto que o resultado que aumentará a pena deverá decorrer,
no mínimo, de negligência (CP, art. 19).
O § 1º tem erro de redação que precisa ser corrigido. Ele informa que a qualificará o
crime "Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de
18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos". A parte final do parágrafo deve ser lida
como "...menor de 18 anos e maior de 14 anos", isso porque o estupro de vulnerável na
forma simples (art. 217-A, caput) é mais grave que a forma qualificada do art. 213, § 1º.
As qualificadoras relativas aos crimes praticados contra maiores de 18 anos só se
justificarão se presentes os resultados dos §§ 1º e 2º do art. 213. Obviamente, o
inconstitucional art. 9º da Lei n. 8.072/1990 não se aplica ao crime de estupro, haja vista
que entendimento contrário levará ao bis in idem, uma vez que o art. 224 do CP foi
dissolvido nos arts. 213 e 217-A, gerando pena mais grave no caso de vítima menor de
14 anos.
Os diferentes tipos de estupro são crimes hediondos, isso porque o rol do art. 1º da Lei
n. 8.072/1990 faz referência aos crimes do Código Penal e legislação especial,
mencionando aqueles considerados hediondos. O art. 4º da nova lei considera hediondos
os crimes dos arts. 213 e 217-A perpetrados na forma simples e qualificada.
A inconstitucionalidade do artigo, além das razões que expus alhures, [18] relativas à
individualização da pena, envolve a racionalidade (razoabilidade ou proporcionalidade),
visto que o genocídio (crime que ofende mais profundamente os valores fundamentais)
não está sujeito ao rigor do art. 9º da Lei n. 8.072/1990. Este não teve sua redação
alterada pela nova lei.
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante
fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Observe-se que o art. 215 absorveu a conduta do art. 216, revogado expressamente pela
Lei n. 12.015/2009. Antes era crime de vítima qualificada, exigindo que fosse mulher e
honesta. Com o advento da Lei n. 11.106/2005, o sujeito passivo passou a ser
unicamente a mulher, não se exigindo a qualidade de ser honesta.
É crime comum de tipo de núcleo composto alternativo, assim como o art. 213 do CP.
Composto porque há mais de um núcleo no tipo, mas basta a realização de qualquer
deles para que o crime se realize e o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. É, também,
delito unissubjetivo, ou seja, pode ser praticado por uma única pessoa.
O crime exige a violação ao objeto jurídico para sua consumação, o que o transforma
em material (de dano). Outrossim, é doloso, inexistindo a modalidade negligente.
Entender que a surpresa levará ao crime do art. 215 evitará a manutenção daquela velha
cultura de que é possível aplicar a lei friamente, independentemente da sua incoerência
e irracionalidade. Destarte, toda perfídia ou outro meio que impossibilite a defesa da
vítima que puder ser equiparado à fraude, deve levar ao art. 215 do CP não ao 213.
O assédio sexual foi instituido no Código Penal pela Lei n. 10.224, de 15.5.2001,
dispondo:
Parágrafo único.
É um constrangimento ilegal especial, visto que o crime do art. 246 é comum e seu dolo
é genérico, enquanto o assédio sexual é crime próprio (o sujeito ativo deve ser superior
hierárquico ou ter ascendência em emprego, cargo ou função) e exige o dolo específico
"intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual".
É crime formal, visto que o núcleo do tipo é "constranger", não exigindo a vantagem ou
favorecimento sexual para consumação. Com isso, o simples constranger com a
finalidade de obter vantagem ou favorecimento sexual é suficiente para consumar o
delito.
Devo esclarecer que concordo com Cezar Roberto Bitencourt, no sentido que o assédio
sexual de professor a(o) aluno(a) não constituirá conduta atípica, sendo que "pensar
diferente, seria dar interpretação extensiva à norma penal incriminadora, inadmissível
na seara penal". [19]
3.3.1 Título
A lei considera vulnerável a pessoa menor de 14 anos, enferma ou por qualquer situação
análoga não possa oferecer resistência. O problema é que eleva a pena quando há forte
corrente doutrinária e jurisprudencial que vem considerando inadmissível estabelecer
um critério puramente biológico para a presunção de inocência. De qualquer modo, é
mister uma análise razoável do preceito que simplesmente eleva a pena, sem observar os
avanços sociais que permeiam o assunto.
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos:
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o Vetado,
O tipo remete a "qualquer outra causa" que impeça à vítima a resistência. Esta causa,
decorrente da analogia dentro da lei, deve ser concebida como aquela análoga à
"enfermidade ou doença mental" que retire o discernimento da vítima para o ato
libidinoso.
O crime de estupro contra vulnerável é hediondo porque o art. 4º da nova lei alterou o
art. 1º da Lei n. 8.072/1990, inserindo o estudo de vulnerável no inc. VI. Porém o art. 9º
da lei hedionda não foi alterado. Consequentemente, não se aplica ao estupro contra
vulnerável o art. 9º da Lei n. 8.072/1990.
O art. 226 é aplicável somente aos crimes dos Cap. I-IV do Tit. VI do CP. Essa é a
vontade legislativa, tanto é que foi instituido o art. 232, a fim de declarar a incidência do
art. 224 aos demais crimes do Tit. VI. Agora, como houve o deslocamento de alguns
tipos, o art. 232 foi expressamente revogado. Todavia, ad fortiori, os arts. 225 e 226
devem ficar adstridos exclusivamente aos Cap. I e II do Título VI da Parte Especial do
CP.
O que se constata é que a lei pretende inverter a evolução social, sendo que o STJ,
recentemente, emitiu seu informativo n. 400, de 22 a 26.6.2009, do qual se extrai:
O ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 8 anos e 7 meses de reclusão
pela prática de estupro contra menor de 14 anos de idade. O TJ deu provimento à
apelação da defesa, reduzindo a pena a 6 anos e 9 meses de reclusão a ser cumprida
integralmente no regime fechado, considerado o caráter de hediondez desse delito, ainda
que na forma de violência presumida. No HC, alega-se não existirem elementos de
convicção para condenação do paciente e ainda se sustenta, subsidiariamente, falta de
fundamentação à exasperação da pena acima do mínimo legal; assim, pede-se sua
absolvição. Para o Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), um
aspecto que merece destaque prende-se a que, para boa interpretação da lei, é necessário
levar em consideração todo o arcabouço normativo, todo o ordenamento jurídico do
País. A interpretação da lei não prescinde do conhecimento de todos os ramos do
Direito. Mas uma visão abrangente desse arcabouço facilita, e muito, o entendimento,
bem como sua interpretação. Em tal linha de raciocínio, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) precisa ser analisado para enfrentar essa questão, qual seja, a de se
saber se o estupro e o atentado violento ao pudor por violência presumida se qualificam
como crimes e, mais, como crimes hediondos. Conforme o art. 2º daquele Estatuto, o
menor é considerado adolescente dos 12 aos 18 anos de idade, podendo até sofrer
medidas socioeducativas. Assim, se o menor, a partir de 12 anos, pode sofrer tais
medidas por ser considerado pelo legislador capaz de discernir a ilicitude de um ato
infracional, tido como delituoso, não se concebe, nos dias atuais, quando os meios de
comunicação em massa adentram todos os locais, em especial os lares, com matérias
alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14 anos não tenha capacidade de consentir
validamente um ato sexual. Desse modo, nesse caso, o CP, ao presumir a violência por
não dispor a vítima menor de 14 anos de vontade válida, está equiparando-a a uma
pessoa portadora de alienação mental, o que não é razoável, isso em pleno século XXI.
Efetivamente, não se pode admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição tão
manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato infracional, e
aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um alienado mental, quando
pratique ato libidinoso ou conjunção carnal. Ademais, não se entende hediondas essas
modalidades de crime em que milita contra o sujeito ativo presunção de violência. Isso
porque a Lei de Crimes Hediondos não contempla tais modalidades, ali se encontra,
como crimes sexuais hediondos, tão-só o estupro e o atentado violento ao pudor, nas
formas qualificadas. A presunção de violência está prevista apenas no art. 224, a, do
CP, e a ela a referida lei não faz a mínima referência. E, sem previsão legal, obviamente
não existe fato típico, proibida a analogia contra o réu. Com esses argumentos, entre
outros, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem para
desconstituir a decisão que condenou o paciente como incurso nas penas do art. 213 do
CP, absolvendo-o sob o fundamento de que os fatos a ele imputados não configuram, na
espécie, crime de estupro com violência presumida. O Min. Og Fernandes, o relator
originário, ficou vencido em parte por entender, de acordo com julgado da Terceira
Seção do STJ, o reconhecimento da violência presumida no caso, presunção essa tida
por absoluta, só concedendo a ordem para efeito de progressão de regime. HC 88.664-
GO, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para o acórdão Min. Celso Limongi
(Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 23/6/2009. [20]
Menor de 18 anos pode dispor de sua vontade sexual. A adolescente pode casar, mas a
violência sexual praticada contra ela qualifica o crime em razão da idade da vítima (CP,
art. 213, § 1º). Quanto a isso até pode ser razoável porque a violência sexual pode
deixar seqüelas psíquicas sérias, as quais serão potencialmente mais graves se a vítima
não tiver maturidade para enfrentá-las.
Ocorre que, ao lado do Código Penal, o qual vem andando na contra-mão da evolução
dos costumes sexuais dos brasileiros, há a péssima Lei n. 11.829, de 25.11.2008
(pedofilia). As pesquisas variam, mas é certo que a maioria das brasileiras deixa de ser
virgem com menos de 18 anos de idade. Então, na maioria dos casos, não será crime o
ato livre da adolescente, mas se o rapaz mantiver arquivada em seu computador
fotografia da parceira nua, haverá grave crime de pedofilia.
O interessante é notar que a instigação de prostituta menor de 14 anos tem pena maior
que o induzimento ao sexo de pessoa da mesma idade. Sobre o rigor à pedofilia, escrevi
alhures:
Violou-se a teoria do crime ao estabelecer o tipo do art. 218 do CP, até porque foi
esquecida a possibilidade de casamento da menor de 14 anos que esteja grávida (Código
Civil, art. 1.520).
O dever de manter vida em comum, imposto aos casados, envolve a atividade sexual.
Assim, para o adolescente casado, a atividade sexual é mais que um ato juridicamente
possível. Ele é um ato jurídico obrigatório. Não obstante isso, a Lei n. 11.829/2008
alterou a ECA (ou melhor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais "eca", em
função de novas alterações), Lei n. 8.069, de 13.7.1990, dispõe:
"Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer
meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
§ 1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer
modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput
deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.
Induzir ao sexo se transformou em conduta menos grave que filmar o ato sexual, ainda
que a vítima da filmagem seja maior de 14 anos. Assim, há evidente contra-senso ao
tratar a conduta de perigo de forma mais grave que a de dano.
Observe-se que o crime do art. 218 admite tentativa, visto que a consumação, para a
posição doutrinária que se pacificou (embora eu a entenda equivocada), dependerá da
ocorrência do ato sexual, não bastando induzir (criar o animus) à satisfação da lascívia
para que o delito se complete.
Razão do veto
A conduta de induzir menor de catorze anos a satisfazer a lascívia de outrem, com o fim
de obter vantagem econômica já está abrangida pelo tipo penal previsto no art. 218-B, §
1o, acrescido ao Código Penal pelo projeto de lei em comento.
A falta de especialização do legislador levou a prever duas penas, repetindo o tipo com
sanções diversas no projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional. Não se pode
confundir o proxeneta, que não tem fim de lucro, com o rufião. Destarte o parágrafo
único do art. 218 cedeu lugar ao art. 218-B, § 1º do CP, embora os dois dispositivos
constassem do mesmo projeto de lei.
A nova lei passou a prever novos tipos e deslocou alguns de outrora, passando a dispor:
O art. 218-A surgiu para dar resposta a uma velha crítica doutrinária, visto que a
corrupção de menor de 14 anos pelo ato de levá-lo a assistir ato libidinoso não era
crime, eis que havia lacuna no art. 218 do CP. Agora, em face do referido artigo, a
conduta constitui crime formal, comissivo, instantâneo, comum e doloso. Caso o menor
pratique ato libidinoso com o agente, haverá estupro contra vulnerável (art. 217-A).
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18
(dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
Toda ação que é exercida perante o Estado-Juiz é pública, visto que a jurisdição (poder,
função e atividade de dizer o direito aplicável ao caso concreto) é do Poder Judiciário,
órgão do Estado. Porém, a propositura da ação poderá ser deferida aos particulares, o
que transformará a iniciativa em privada.
Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante
ação penal pública condicionada à representação.
Aumento de pena
Devo dizer que a causa de aumento incide na terceira fase da dosimetria da pena (CP,
art. 68, caput), enquanto a qualificadora, por criar novos limites (mínimo e máximo),
estará presente no primeiro momento da dosimetria da pena, ou seja, na fase de fixação
da pena base. Tal perspectiva é fundamental, visto que gera efeitos práticos.
O crime do art. 217-A na forma simples terá pena base de 8 a 15 anos, enquanto a forma
qualificada do § 3º terá pena de 10 a 20 anos. Fixadas as penas bases dos crimes e
analisadas as circunstâncias legais (agravantes e atenuantes genéricas), na terceira fase,
sobre a pena de cada um deles poderá incidir a causa de aumento de pena decorrente do
concurso de pessoas, isso na terceira fase.
Aqui, peço vênia para ser ainda mais sucinto, a fim de não me tornar cansativo. O
enfoque principal reside nos capítulos I, II e IV do Título VI da Parte Especial do CP.
A revogação do Cap. III do título mencionado, o que se deu por força da Lei n.
11.106/2005, torna desnecessário falar do crime de rapto, sendo inadequado discutir
aqui o sequestro para fins libidinosos. Destarte, creio que posso apenas noticiar as
inovações trazidas pela nova lei.
A Lei n. 11.106/2005 tinha alterado o título do Cap. V. Agora ele foi novamente
modificando, passando a dispor o CP: "CAPÍTULO V: DO LENOCÍNIO E DO
TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE
EXPLORAÇÃO SEXUAL".
Já dissemos que os arts. 214, 216, 223 e 224 do CP foram revogados pela Lei n.
12.015/2009. De outro modo, a Lei n. 11.106/2005 já tinha se encarregado de revogar
os arts. 217, 219, 220, 221 e 222 do codex. Disse, ainda, que houve revogação tácita do
seu art. 227, § 1º, uma vez que a conduta constituirá crime contra vulnerável.
O § 1º do art. 228 do CP não tinha mais razão de ser, uma vez que a conduta foi
deslocada para o Cap. II. Desse modo, a Lei n. 12.015/2009 deu nova redação ao
dispositivo, passando a dispor o CP:
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual,
facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone:
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra
exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou
gerente:
Prova de que o art. 226 só é aplicável aos crimes dos Cap. I e II está no próprio sistema
legislativo. O art. 230 foi alterado, mas para alterar a qualificadora decorrência da idade
da vítima, in verbis:
Rufianismo
§ 2o Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que
impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele
venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de
alguém que vá exercê-la no estrangeiro.
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada,
assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
Análise anterior permitiu vislumbrar o acréscimo dos arts. 217-A, 218-A e 218-B ao
Cap. II. No entanto, foi inserido o ""CAPÍTULO VII: DISPOSIÇÕES GERAIS" e
foram criados novos artigos para referido título, in verbis:
Aumento de pena
I – (VETADO);
II – (VETADO);
Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em
segredo de justiça.
O veto ao art. 234-C é plenamente justificável, eis que a Mensagem n. 640 de 7.8.2009,
expõe:
Art. 234-C do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, acrescido pelo art.
3º do projeto de lei
Art. 234-C. Para os fins deste Título, ocorre exploração sexual sempre que alguém é
vítima dos crimes nele tipificados.
Razões do veto
Ao prever que ocorrerá exploração sexual sempre que alguém for vítima dos crimes
contra os costumes, o dispositivo confunde os conceitos de ‘violência sexual’ e de
‘exploração sexual’, uma vez que pode haver violência sem a exploração. Diante disso,
o dispositivo estabelece modalidade de punição que se aplica independentemente de
verificada a efetiva prática de atos de exploração sexual.
Os crimes do art. 213 e 217-A são hediondos, conforme previsão do art. 4º da nova lei.
Este alterou os incs. V e VI do art. 1º da Lei n. 8.072/1990, já o disse.
Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele
praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:
§ 1o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali
tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da
internet.
Não vejo maiores problemas no tipo. Porém, corromper é modificar a natureza, sendo
inconcebível a posição do STJ, construida no sentido que como há crime formal, ainda
que o menor já esteja corrompido o crime continuará existindo. Tal entendimento leva à
violação da literalidade da lei.
5. À GUISA DE PROVOCAÇÃO
É lamentável que se pretenda ver a panacéia de todo mal social em leis criminais mais
severas. Transformar a iniciativa da ação em pública gerará graves problemas e afetará
as vítimas.
A lei foi publicada e entrou em vigor no dia 10.8.2009, sendo que foram várias as
publicações e exposições televisivas, nos dias 16 e 17.8.2009 que trataram de casos
concretos de atos de pedofilia.
O Presidente do Senado Federal, em discurso proferido no dia 17.8.2009, disse que o
processo que condena de forma infame, sem o respeito a qualquer garantia
constitucional se assemelha ao narrado por Kafka em seu livro O Processo. Vejo aquele
homem idoso sendo atacado de todas as maneiras, com ampla divulgação na mídia,
como se ele, por ser pessoa pública, não fosse titular da garantia de proteção à sua
dignidade.
Sem pretender inocentar o parlamentar, bem como os carcereiros do Estado do Pará que
estão sendo acusados de deixar menina de 14 anos ter encontros íntimos com
"assassino", isso "dentro do cárcere" e, também, sem pretender defender secretário
municipal que teria sido flagrado com adolescentes em motel de Sorocaba, Estado de
São Paulo, só posso dizer que o art. 234-B do CP determina o segredo de justiça.
A norma é processual e deveria ter sido inserida no CPP, não no Cap. VII do Tít. VI da
Parte Especial do CP. Todavia, mesmo errada em sua colocação legislativa, ela visa a
assegurar a dignidade da vítima, sendo que não poderia estar ocorrendo tamanha
divulgação de tais fatos como estamos presenciando nestes dias.
A mesma lei que seria protetora está servindo para a inoportuna exposição de
adolescentes. O segredo desejado gera efeito contrário e a lei criminal tende a fomentar
outra espécie de crime, caracterizado pela exposição da vítima, o qual produz efeitos tão
danosos quanto aqueles que a se procura coibir, o que me faz ficar em conflito sobre a
utilidade e oportunidade da nova lei.
Notas