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O SIMBOLISMO
PRINCÍPIOS
Origens
Marco inicial
O Simbolismo surge no fim do século XIX, mais precisamente em 1857, quando o
poeta Charles Baudelaire publica sua obra As flores do mal. Essa obra provocou o maior
escândalo na época, porque não só mexeu com temas-tabus em poesia, como também
procurou criar um novo tipo de poesia. Devido ao escândalo, Baudelaire chegou, inclusive, a
ser processado por obscenidade. Por que um título tão estranho para uma obra poética? Num
dos prefácios desse livro, Baudelaire assim o explica:
Com base nessa poesia, Baudelaire compõe um livro cheio de imagens alucinantes.
Tendo como pano de fundo a Paris do século XIX, o poeta fala do tédio que os tempos
modernos lhe inspiram, da solidão existencial do homem, de amores fracassados e, sobretudo,
de coisas sórdidas, repugnantes, como acontece, por exemplo, no poema "Uma carcaça":
Por que essa atração pelo mal, por aquilo que convencionalmente não seria objeto de
interesse para um poeta? Ainda: como extrair beleza do mal? Na realidade, Baudelaire estava
criando uma nova concepção de poesia. No passado, durante as eras clássicas e românticas, a
arte era ligada, de modo geral, ao bem, e a beleza era entendida como algo que fosse
harmonioso, que provocasse sensações agradáveis nos leitores. Baudelaire evidentemente se
insurge contra esse conceito de poesia e, por conseqüência, de belo; daí sua intenção de extrair
beleza também do que é sórdido, do que é feio. Com isso, o poeta francês pretendia causar um
choque no leitor passivo, acostumado com o convencional:
A Revolução Industrial inicia-se nos fins do século XVIII, mas só atinge seu auge no
século seguinte, com a produção em massa de mercadorias e com a crescente automatização
das indústrias. As grandes cidades começam a crescer cada vez mais, e os camponeses
abandonam o campo, em busca de melhores salários nos centros urbanos. A era moderna
parece nascer aí: crescem a produção e o consumo dos bens manufaturados, e o homem cria a
ilusão de que o mundo se tornou menor, graças à velocidade dos meios de locomoção. O
resultado dessa obsessão com o progresso é a intensa euforia, somada à crença na onipotência
do homem, que se deixa guiar quase que exclusivamente pela razão.
O intenso desenvolvimento industrial, por sua vez, está aliado ao científico. Aliás,
jamais poderíamos pensar em Revolução Industrial, se não houvesse nesse período um
desenvolvimento espetacular das ciências, pois elas serão responsáveis pelos inventos que terão
imediata aplicação nas indústrias. Mas a relação entre a Revolução Industrial e as ciências não
se restringe tão-só à invenção por parte destas de um melhor maquinado para o
desenvolvimento das indústrias. O progresso industrial, que trouxe inegáveis benefícios à
humanidade, tem seu paralelo numa concepção científica e materialista das coisas, que
procurava explicar o sentido do universo quase que exclusivamente através da razão.
Durante a vigência da Revolução Industrial surge, portanto, uma geração de
intelectuais que despreza a metafísica, em nome do conhecimento experimental da realidade.
O mais importante deles foi Auguste Comte, criador do Positivismo, teoria científica, baseada
na sociologia, que defendia a aproximação positiva, objetiva da realidade. Seguindo os
postulados de Comte, Taine, com o Determinismo, tenta explicar o universo à luz de
determinantes fixos (a raça, o meio e o momento histórico). Cientistas como Darwin e
Lamarck, por sua vez, buscam conhecer o homem a partir das teorias evolucionistas. Como se
verifica, tanto Comte quanto Taine, Darwin e Lamarck se apóiam num conhecimento
eminentemente racionalista do real.
A euforia provocada pela crença no progresso, pelas grandes descobertas científicas,
paradoxalmente acabaria por levar a séria crise. A Revolução Industrial, ao criar a fantasia do
paraíso material do consumismo, da produção em massa de objetos, em determinado instante,
mostra o outro lado da moeda. Os centros urbanos tornam-se mais agitados, mais ricos,
contudo, expõem, ao mesmo tempo, a miséria dos aglomerados humanos dos bairros de lata.
Querer e aspirar, eis toda sua essência (do homem), estreita-mente igual a
uma sede que nada pode mitigar. Mas a base de cada querer é uma falta, é uma
indigência, é a dor. (Ibidem, p. 80).
(Oceano nox. Apud MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos.
São Paulo, Cultrix, s.d. p. 320.).
Espírito da decadência
Oh não ser capaz disso, sendo tão frágil, de votos tão lentos,
Oh não querer, oh não poder morrer um pouco! Ah! tudo foi bebido!
Dessa maneira, é possível dizer que o homem ativo, amante do progresso, dos
meados do século XIX, cede lugar ao homem de sentidos refinados, um aristocrata, que cultiva
prazeres extravagantes e que manifesta o maior desprezo pela vida social.
O romance de Huysmans fez escola, de tal maneira que Des Esseintes transformou-
se no protótipo do homem do fim do século, aquele que recusa a luta e a ação para se dedicar a
uma vida artificial, produto do delírio ou de uma imaginação exaltada.
Influências românticas
Esse homem típico do fim do século, o decadente, o dandy, na realidade, tinha sido
inventado durante a vigência do Romantismo, em sua fase mais extremada. Como se sabe, a
estética romântica teve um momento em que os escritores procuraram levar às últimas
conseqüências o culto da noite, dos sentimentos, dos prazeres doentios. É o que se
convencionou chamar de "mal do século". Entre o poeta transtornado do "mal do século", que
ama a vida boêmia, que procura a morte para aliviar a dor de viver, e o decadente do
Simbolismo há evidente parentesco. Mas há também diferenças flagrantes. O primeiro é todo
emotivo e, por vezes, procura na mulher, no suicídio, um lenitivo para a existência. Já o
segundo é frio, racional e mesmo cínico: despreza o amor e vive artificialmente.
As semelhanças que encontramos nos anti-heróis dos dois movimentos literários
talvez expliquem as relações mais profundas entre Romantismo e Simbolismo. De fato, a
estética simbolista tem íntima relação com a romântica, ou ainda a estética simbolista tem
raízes dentro do movimento romântico, a começar que aquele movimento recupera o
idealismo, o espiritualismo deste. Não é à toa que muitos simbolistas passam a criticar o
Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo, porque esses movimentos negavam o sentido de
mistério, muito caro aos românticos e aos simbolistas. Jean Moeras, um poeta grego radicado
na França, numa entrevista dada a Geles Bret, assim se manifesta a respeito do assunto:
Pode-se notar com alguma razão que os poetas que nos antecederam
imediatamente, os parnasianos [...], num certo sentido, padeceram da falta de
símbolo: consideraram as idéias, os sentimentos, a História, o mítico, o fato
particular, como existente em si poeticamente. (Entrevista a Geles Bret, lixo de Paris,
1891. Apud Les premières armes du Symbo-lisme. Texte presente et annoté par
Michael Pakenham. University of Exeter, 1973. p. 68.).
Mallarmé também criticará nos parnasianos a mania de falar diretamente das coisas,
de desprezar o senso do mistério:
Ao dizer isso, o poeta alemão acreditava que a prática poética tinha algo a ver com a
prática mística, no sentido de que ajudaria a traduzir o desconhecido, o misterioso, o invisível.
Mas o poeta romântico que exercerá influência fundamental nos simbolistas será sem
dúvida nenhuma Edgar Allan Poe. Ao conceber complexas teorias sobre o verso, através da
manipulação dos efeitos musicais e da criação de sugestivas atmosferas poéticas, capazes de
conduzir ao mundo do mistério, o poeta norte-americano revolucionou a poesia romântica.
Contudo, o que mais interessou os simbolistas na poética de Poe foram a busca da poesia pura,
o culto da música e da beleza e a crença na construção do poema, no controle quase que
absoluto dos meios de expressão. Essas características causaram tanto fascínio sobre
Baudelaire e Mallarmé que ambos procuraram por todos os meios divulgá-lo na França. O
primeiro traduziu-lhe a obra; o segundo dedicou-lhe um soneto "O túmulo de Edgar Allan
Poe".
Mas por que tais características exercerão tanta influencia nos dois principais poetas
do Simbolismo francês? Em primeiro lugar, vale a pena discutir a questão da poesia pura. Num
tempo voltado para o progresso, para o utilitarismo, Poe difundirá a idéia de que a poesia tem
um fim em si mesma, e que ela não visa a nenhum fim moral, como vem expresso no seguinte
fragmento:
Se a poesia, segundo Poe, não visa traduzir valor moral algum, qual seria
mais propriamente seu fim? Segundo ele, seria atingir a suprema beleza:
É na música, talvez, que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual
luta, quando inspirada pelo Sentimento Poético — a criação da suprema beleza.
(Ibidem, p. 89.)
O desprezo da paixão faz com que Poe leve às últimas conseqüências o sistemático
planejamento do poema. No ensaio "Filosofia da composição", por exemplo, ele nos mostra
rigorosamente como concebeu seu famoso poema "O corvo", desde a escolha do tema, do
metro, do refrão, etc. Talvez por isso é que Poe tenha causado tanta admiração entre os
simbolistas. Seu romantismo sui generis, além de conter certos característicos fundamentais do
Simbolismo — como a sugestão do mistério, o culto da musicalidade e da poesia pura —, além
disso, evitou o exagero sentimental, o passionalismo.
Com base no que vimos até agora, verifica-se que o Simbolismo aproveita do
Romantismo algumas características fundamentais, como o senso do mistério, o espiritualismo,
mas rejeita o sentimentalismo, as manifestações subjetivas exageradas e, sobretudo, as
manifestações poéticas grandiloqüentes. Devido a isso, o Simbolismo implicará uma revolução
poética em relação ao movimento romântico, na medida em que aprofundará alguns aspectos
desse movimento e, por conseqüência, não cairá nas armadilhas das emoções superficiais. Mas,
para tanto, será necessário que reinvente a metáfora poética, através da prática do que se
convencionou chamar de "símbolo".
dá a entender, contudo, que esse espírito está agregado às coisas e pertence ao plano
de experiência do homem, que precisa desenvolver sua capacidade de vidência para apreen-dê-
lo. Assim, enquanto o romântico deseja abandonar a Terra para encobrir Deus, o simbolista
almeja encontrar a unidade do material e do espiritual aqui na Terra mesmo, de modo a
recuperar uma tonalidade perdida.
Cabe, portanto, ao homem decifrar os símbolos da realidade terrena, para que possa
descobrir as "correspondências" entre as coisas, a perfeita unidade entre tudo o que existe.
Charles Baudelaire poetizou esse tema, com um soneto sintomaticamente intitulado
"Correspondências":
Eu quero dizer que é preciso ser vidente, fazer-se vidente. O Poeta se faz
vidente através de um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos.
Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura a si próprio,
extrai de si todos os venenos para guardar apenas as quintessências. Inefável
tortura, contra a qual necessita de toda a fé, de toda a força sobre-humana, através
da qual se torna, dentre todos, o grande enfermo, o grande criminoso, o grande
mal-dito — e o supremo Sábio! — Pois atinge o desconhecido! (OEuvres complètes.
Paris, Gallimard, 1951. p. 254-5.).
É isso que leva os poetas simbolistas a rejeitar o mundo dos fenômenos, mero
apêndice do da essência, ou a utilizar o mundo dos fenômenos como um meio de chegar ao
espírito, ao mistério.
anciens Et je pleure;
Et je m'en vais Au
m'emporte Deçà,
delà, Pareil à Ia
Feuille morte.
Mas seja qual for a imagem do fim último da poesia simbolista, o seu mistério, parece
que, nos mais diferentes poetas, se traduz como algo que não pode ser expresso por si mesmo,
sob pena de perder sua contingência de mistério. A conseqüência disso é que esse algo nunca
deverá ser dito ou revelado, mas apenas sugerido, evocado. É o que Mallarmé expõe no
seguinte fragmento:
Creio [...] que, no fundo, os jovens estão mais próximos do ideal poético
do que os parnasianos, que ainda tratam seus temas à maneira dos velhos filósofos
e dos velhos retóricos, apresentando os objetos diretamente. Penso ser preciso, ao
contrário, que haja somente alusão. A contemplação dos objetos, a imagem alçando
vôo dos sonhos por eles mesmos suscitados, são o canto; já os parnasianos tomam
a coisa e mostram-na inteiramente: com isso, carecem de mistério; tiram dos
espíritos essa alegria deliciosa de acreditar que estão criando. Nomear um objeto é
suprimir três quartos do prazer do poema, que consiste em ir adivinhando pouco a
pouco: sugerir, eis o sonho. É a perfeita utilização desse mistério que constitui o
símbolo: evocar pouco a pouco um objeto pra mostrar um estado de alma, ou
inversamente, escolher um objeto e extrair dele um estado de alma, através de uma
série de adivinhas.
{OEuvres complètes, p. 868.)
Fazer poesia implica, assim, aludir, sugerir e não mostrar os objetos diretamente
como era o costume dos parnasianos, que eram pobres em mistério. Com isso, Mallarmé dá a
entender que a pobreza da poesia sem mistério corres-ponde a uma limitação do trabalho do
leitor que, num poema altamente sugestivo, cria a ilusão de que também participa do processo
criativo. Para os simbolistas, portanto, fazer poesia implica a tentativa de expressar a sensação
fugidia, que merece necessariamente uma forma de expressão condizente com ela, também
vaga, indecisa. É por isso que eles provocam uma revolução na linguagem poética. Traduzir as
sensações absolutamente originais, recuperar a essência do poético, recusar o anedótico, a
descrição dos objetos, a clareza, os estados de espírito perfeitamente identificáveis, as paixões
excessivas e as formas banais do lirismo amoroso foram os traços marcantes da geração
simbolista.
A capacidade de sugerir, por sua vez, está diretamente ligada à capacidade de evocar,
ou seja, os seres e objetos do mundo sensível, como constituem apenas a vestimenta da idéia
ou do mistério, não interessam à poesia senão como elementos que servem para trazer à mente
a imagem do mistério ou da idéia. Dessa perspectiva, os seres e objetos devem permanecer à
distância, de maneira que se extraia deles a essência, algo abstrato, velado, que não seria jamais
enunciado, sob pena de perder sua condição de coisa misteriosa. Esse tipo de evocação é bem
evidente num poeta como Antônio Nobre:
— Ó poentes verde-mar! ó pôr-do-sol de azeite! Ó longe de trovoadas! ó céu dos
ventos suis! Vaca no ar, a mugir crepúsculos de leite E roxos cardeais e amarelos e
azuis!
(Poentes de França. In Só. Lisboa, Tavares
Martins, 1968. p. 107.)
O símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele
não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o
significado. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um
objeto qualquer, um carro por exemplo. (Curso de lingüística geral. São Paulo,
Cultrix, 1969. p. 82.)
O Simbolismo e a música
Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivos, vãos, vulcanizadas.
O acúmulo da vibrante "vê" junto à sibilante e a alternância das vogais "a" e "o"
criam a ilusão de uma continuidade sonora, de maneira que ao leitor interessa mais o som que
o sentido. O poeta imita o som de um violão ou de um conjunto de notas musicais, como se o
poema devesse se dirigir mais aos ouvidos que à mente. Conseqüentemente, o poema atinge
um grau máximo de subjetividade, não no sentido de que o poema precisa provocar, como na
música, em cada ouvinte/leitor, sensações diferentes, a partir dos estímulos sonoros.
É possível dizer, portanto, que o Simbolismo foi um movimento literário em que os
poetas sonharam em elevar a poesia à condição de música. Mas por que tal aproximação entre
artes aparentemente tão distintas? A música, na realidade, é a mais subjetiva das artes, porque
não visa jamais representar imitativamente os objetos; a música visa sempre atingir o espírito.
Daí sua universalidade. Explica-se assim a grande obsessão dos simbolistas com a música,
tanto na referência explícita a instrumentos musicais — a flauta, o violino, o violoncelo, a viola
— como também na apropriação de recursos tipicamente musicais.
Contudo, é preciso refletir sobre o seguinte: assim como o símbolo, em que houve
variedade de interpretações quanto a seu conceito, de modo idêntico, as relações entre a
poesia.e a música mereceram diferentes interpretações. Reduzindo o problema a seus
denominadores mais comuns, distinguem-se duas linhas fundamentais dentro do move-mento
simbolista. A primeira delas, explorada por Verlaine e seguidores, é a que revela uma
aproximação entre poesia e música de modo mais literal, como foi possível verificar tanto no
poema de Eugênio de Castro quanto no de Cruz e Sousa. Os fonemas imitam sons musicais; a
agrupação de fonemas, frases musicais; o poema todo, uma melodia. Para tanto, além de
recorrerem ao uso da aliteração, do eco, da assonância, etc, os poetas dessa corrente simbolista
fazem da repetição um recurso estilístico dos mais eficazes.
Essa relação entre a poesia e a música, ou seja, a busca da pura sonoridade, tornou-se
quase um lugar-comum entre os simbolistas, o que levou um poeta como Mallarmé a pensar
numa relação mais complexa entre ambos. Desprezando a sonoridade pura, ele procurou
organizar os fonemas como as notas numa pauta, dispondo as palavras de acordo com a lógica
das sensações ou da idéia motriz de todo o poema. Com isso, conseguiu maior liberdade para
os teremos que se libertam dos nexos lógicos e sintáticos. Em seu experimento mais radical,
"Um lance de dados jamais eliminará o acaso", o poeta encontra similaridade entre a estrutura
do poema e uma sinfonia. Dispondo o verso "Un coup de dés n'abolira jamais l'hasard" em
fragmentos ao longo de todo o texto, o poeta o concebe como um núcleo, ou um tema
musical, de onde surgirão as variações, palavras soltas, que se dispõem na folha de modo
idêntico aos segmentos musicais, como no fragmento abaixo, em que a variação gráfica, a
disposição das palavras e o espaço em branco adquirem também sentido:
SOIT
que
1'Abime blanchi étale
furieux
sons une inclinaison
plane désespérément
d'aile
Cronologia e expansão
Verlaine também publica, em 1884, Poetes maudits, ensaios que divulgam os poetas
Tristan Corbière e Mallarmé. Por sua vez J.-K. Huysmans publica A rebours [Às avessas],
romance poético em que esboça o perfil do decadente, Floressas Des Esseintes, que
influenciará toda uma geração. Neste mesmo ano, aparece na Bélgica a revista La Wallonie, que
divulga os principais escritores do Simbolismo desse país.
Mas o iniciado apaixonado pela boa canção azul e cinza, de um cinza tão azul e
de um azul tão cinza, tão vagamente obscura e no entanto tão clara, o melífluo
decadente cuja íntima perversidade, como uma virgem enterrada na lama confina
ao milagre, aquele saberá bem, supõe-se, onde refrescar o ouro imaculado de suas
Dolências. (Apud CORNELL, Kenneth. The symbolist movement. New Haven, Yale
University Press, 1951. p. 37.)
No mesmo ano, Paul Bourde, inspirado pela sátira de Vicaire e Beauclair, publica
"Les décadents", utilizando-se do termo "decadentes" para nomear os poetas dessa geração.
Em resposta a Paul Bourde, Jean Moréas, contestando-o, propõe a designação "simbolistas"
em vez de "decadentes", para evitar, entre outras coisas, que se confundissem os poetas com
simples neuróticos ou excêntricos.
Em 1886, as polêmicas em torno do Simbolismo chegam ao auge. O poeta René Ghil
publica o seu Tratado do verbo, em que propõe para a poesia a curiosa relação entre os sons dos
fonemas, o som de instrumentos musicais, as cores e os sentimentos, criando a subescola
instrumenta-lista. Observe-se o seguinte exemplo:
Monotonia,
dúvida,
simplicidade,
— Instinto
de ser,
de viver.
(Traité du verbe; états sucessifs. Textos apresentados, anotados e
comentados por Tiziana Gorupi. Paris, Nizet, 1978. p. 172.)
Em 1888, logo após a efervescência dos anos anteriores, notam-se os primeiros sinais
de desgaste do movimento. O crítico Brunetière escreve uma série de artigos comentando a
notória influência de Baudelaire nos novos poetas. Jean Moréas, que tanto batalhara pela
instauração do Simbolismo, publica o panfleto Les premières armes du Symbo-lisme, em que reavalia
os princípios do Simbolismo, chegando, inclusive, a descrer de "muitas das coisas que pregava
três anos antes". Em 1891, os simbolistas se reúnem, para homenagear Mallarmé. Se, de um
lado, o encontro serviu para referendar o triunfo definitivo do movimento, do outro, algumas
deserções apontam para a exaustão da escola simbolista. Neste mesmo ano, Jean Moréas, seu
maior batalhador, declara encerrado o Simbolismo e propõe a fundação da "Escola Romana".
U, ciclos, vibrações divinas dos mares viridentes, Paz dos pastos semeados de
animais, paz das rugas Que a alquimia imprime a grandes frontes eruditas;
O, supremo Clarão pleno de insólitas estridências, Silêncios atravessados dos
Mundos e dos Anjos — O, Ômega, raio violeta de Seus Olhos!
O Simbolismo inicia-se na Itália por volta de 1889, com o romance poético Il piacere,
de Gabriele D'Annunzio. Seu autor tenta resgatar a poesia italiana do Classicismo, através da
importação de novidades decadentistas, criando um mundo aristocrático, onde se manifestam
sensações mórbidas e sensuais. Herdeiros de D'Annunzio, mas já dentro do século XX, os
"crepuscolari" (Sergio Corazzini, Guido Gozzano, etc.) expressam, em tons verlainianos, a dor
de viver e a melancolia frente à existência.
Na Espanha, verifica-se uma revolução espiritual e poética que se funde à renovação
política, no protesto da geração de 1898. Revelando, através da temática simbolista, a
decadência da pátria, Unamuno e Valle-Inclán viriam, de um lado, manifestar a angústia frente
à morte e, de outro, um misticismo anarquista, sob influência dos decadentistas franceses.
Acima destes dois está Antonio Machado, uma das maiores vozes líricas do pré-modernismo
espanhol.
O Simbolismo acontece na Rússia somente no início do século XX e termina
abruptamente com a Revolução Comunista de 1917. Sua figura mais importante é Alexander
Blok, cuja simbologia mágica, transformando-se mais tarde em arte revolucionária, nos dá a
exata medida do caminho percorrido pelos simbolistas russos.
A rigor, não houve um movimento simbolista perfeitamente caracterizado na
Inglaterra. Por volta de 1884, surge o grupo dos "pré-rafaelistas", formado por Rossetti,
Ruskin e Morris, que se apegaram ao misticismo medieval, ao visionarismo utópico e ao culto
da beleza. Fortemente influenciado pelo Decadentismo francês, Oscar Wilde escreve uma obra
em que valoriza, sobretudo, o trabalho artístico em detrimento da existência, considerada vazia,
sem sentido. Sua obra mais famosa é o romance The picture of Dorian Gray [O retrato de Dorian
Gray] (1891), em que o autor cria uma personagem decadente, inspirada com certeza no Des
Esseintes, de Huysmans.
A figura mais representativa do Simbolismo alemão é Stefan George, seguidor da
sutileza musical de Verlaine. Responsável pela divulgação do Simbolismo na Alemanha,
escreverá uma poesia rica de nuanças. Já no início do Modernismo, surge Rilke, autor de Elegias
de Duíno (1923), que explora as relações íntimas entre o sonho e o sentimento de morte. Na
Áustria, que sempre sofreu forte influência alemã, salienta-se Hofmannsthal, cuja imensa obra
se prende à tentativa de recuperar o passado, criando um clima de decadência e morte.
Também nos Estados Unidos não houve um movimento simbolista, embora
tenhamos visto que Poe foi um dos precursores da estética. Quando muito, pode-se falar na
geração dos "transcendentalistas", formada por escritores como Emerson, Melville,
Hawthorne, que receberam notória influência de Swedenborg. Nos países da América Latina,
diferentemente, o Simbolismo criou raízes e se expandiu. Sua figura mais representativa talvez
seja o nicaragüense Rubén Darío. Além dele, há outros nomes dignos de nota: o cubano José
Martí, o argentino Leopoldo Lugones, o uruguaio Herrera y Reissig e a chilena Gabriela
Mistral.
O Simbolismo nos países de língua portuguesa
Mas de todos os poetas simbolistas do período o mais importante foi mesmo Camilo
Pessanha, que, com sua única obra poética Clepsidra (1920), chegou até a influenciar Fernando
Pessoa. Isso porque, ao contrário de Eugênio de Castro, por exemplo, soube como levar às
últimas conseqüências a revolução simbolista em Portugal. Assim, de um lado, Pessanha é o
legítimo herdeiro de Verlaine, com seus versos musicais que exploram as íntimas relações entre
as sonoridades e os estados de alma mais íntimos, como vem expresso em seu poema
"Violoncelo":
Chorai, arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro...
Trêmulos astros...
Solidões lacustres...
— Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
— Chorai, arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.
Mas o que marcou de maneira definitiva a poesia de Cruz e Sousa, fazendo com que
ele se transformasse no mais representativo poeta simbolista brasileiro, foi a mescla de altos
anseios espirituais ("as virgens vaporosas") com uma forte sensualidade (presente numa
imagem como "tinhorão lascivo"). Essa mescla representará uma adaptação do estilo, da
temática do Simbolismo europeu às condições da realidade brasileira. O curioso contraste entre
a alta espiritualidade e a forte sensualidade nos versos de Cruz e Sousa é responsável pela
novidade desse poeta que, dessa maneira, criou um simbolismo todo seu, atento às pulsações
da natureza tropical e quem sabe mesmo às da própria raça.
Ainda importantes dentro do Simbolismo brasileiro são Alphonsus de
Guimaraens (pseudônimo de Afonso Henriques da Costa Guimarães), Augusto dos Anjos
e Pedro Kilkerry. O primeiro deles procurou instalar ou mesmo transferir o Simbolismo
europeu para a realidade brasileira, o que fica bem patente com seu livro Pauvre lire, total-
mente escrito em francês e nos versos de poemas como "Primeira dor de Nossa Senhora",
em que a alta espiritualidade, os anseios religiosos lhe dão um cunho eminente-mente
universal:
Em teu louvor, Senhora, estes meus versos
Já Kilkerry escreveu muito pouco, mas seus estranhos versos prenunciam a vinda do
Modernismo, com suas bruscas rupturas sintáticas.
Inconsciente: parte da mente humana não controlada pela consciência e que, por isso
mesmo, segundo alguns simbolistas, como Rimbaud, por exemplo, deveria ser a fonte da
criação poética. Num sentido mais restrito (e acrescido do adjetivo "imortal"), o termo está
direta-mente relacionado com a entidade que governa o universo e que é inacessível ao
homem, segundo a teoria filosófica de Hartmann.
Outono: a estação predileta dos simbolistas, por sua indefinição, por seu caráter
vago.
Signo: uma coisa que representa a outra, o resultado de uma convenção instituída
pelo homem (a palavra "cadeira" que representa um determinado objeto). Quando naturais,
os signos são conhecidos como "índices" (por exemplo, a fumaça é índice do fogo).
Signo motivado: diz-se do signo em que a relação entre o significante e o significado
não é totalmente arbitrária, na medida em que existe algum tipo de motivação entre ambos.
Simbolismo: movimento literário do fim do século XIX, que se originou na França e
cujas raízes se encontram no Romantismo. O Simbolismo tem como princípio, entre outras
coisas, o uso do símbolo, da expressão indireta dos estados de espírito e das
correspondências, para expressar complexas intuições de uma realidade oculta, inacessível.
Sugestão: como a evocação, a sugestão foi bastante praticada pelos simbolistas, que
procuravam, através dela, uma forma indireta de dizer as coisas. É o que Mallarmé propõe,
ao fazer referência ao procedimento alusivo, neste fragmento: "penso ser preciso [...] que
haja somente alusão".
Teorias evolucionistas: teorias científicas em voga no século XIX, fruto das
especulações de Darwin e Lamarck. Tais teorias tinham como pressuposto que o homem era
o resultado de longa evolução desde os primórdios de sua existência na Terra.