Arq Bras Cardiol
Revisão
volume 73, (nº6), 1999
Uso do Sildenafil em Pacientes com Doença Cardiovascular
Armênio Costa Guimarães, Marcus Vinícius Bolívar Malachias, Otávio Rizzi Coelho,
Emílio Cesar Zilli, Rafael Leite Luna
Introdução
Disfunção erétil, antes denominada impotência sexual,
e definida como “a incapacidade em conseguir ou manter ere-
ção peniana suficiente para um desempenho sexual satisfa-
tório” 1 é comum em pacientes com doença cardiovascular ou
seus fatores de risco. Esta disfunção ocorre principalmente
entre os coronarianos, após episódios de síndrome isquêmica
aguda, hipertensos sob tratamento medicamentoso e nos pa-
cientes com insuficiência cardíaca. Em cerca de 85% desses
casos, o temor de um evento cardíaco durante o coito consti-
tui fator importante para a disfunção erétil 2-4.
A descoberta do citrato de sildenafil representou um
grande avanço no tratamento da disfunção erétil, podendo
beneficiar, entre muitos outros, os portadores de doença
cardiovascular ou com seus fatores de risco 5. Embora os es-
tudos clínicos, incluindo mais de 3.700 pacientes com dis-
função erétil, 2.000 deles em estudos controlados com pla-
cebo, tenham demonstrado boa tolerância ao medicamento,
efeitos circulatórios adversos mais intensos podem ocorrer
em portadores de doença cardiovascular, principalmente
nos pacientes em uso de medicações contendo nitratos or-
gânicos 6. Estas circunstâncias exigem recomendações for-
muladas por especialistas para que o sildenafil possa ser
usado com segurança.
Epidemiologia
No Massachussets Male Aging Study (MMAS) a dis-
função erétil se correlacionou, de maneira significativa, com
três grupos de doenças: aterosclerose, hipertensão arterial
e diabete melito 7. O mais importante fator orgânico en-
volvido nesta disfunção é o comprometimento do fluxo
sangüíneo do pênis, comum em pacientes com ateroscle-
rose e diabete, em homens com mais de 50 anos. Estima-se
que 50% (variando de 28 a 59%) dos pacientes diabéticos te-
nham disfunção erétil.
Força-Tarefa para o Uso do Sidenafil e Doenças Cardiovasculares
Correspondência: Armênio Costa Guimarães – Av. Garibaldi, 1555/706 – 40210-070
Salvador, BA
Recebido para publicação em 29/9/99
Aceito em 19/11/99
Guimarães e cols.
Sildenafil em pacientes com doença cardiovascular
Sildenafil
Mecanismo de ação - Sildenafil pertence classe de
agentes inibidores das fosfodiesterases. A ação erétil do sil-
denafil combina o aumento do influxo arterial com a redução
do efluxo venoso do corpo cavernoso. O sildenafil leva ao
relaxamento da musculatura lisa das artérias penianas e das
trabéculas que circundam os espaços sinusoidais, acarre-
tando maior ingurgitamento do corpo cavernoso. As
trabéculas dos espaços sinusoidais ingurgitados compri-
mem, por sua vez, as vênulas penianas contra a túnica albu-
gínea, reduzindo o efluxo venoso, contribuindo para a ma-
nutenção do ingurgitamento do corpo cavernoso 8. O rela-
xamento dessa musculatura lisa resulta da diminuição do
cálcio intracelular mediada pelo acúmulo do segundo men-
sageiro, o monofosfato cíclico de guanosina (GMPc), cuja
produção decorre da ativação da guanil-ciclase pelo óxido
nítrico produzido pelo estímulo das células endoteliais, ge-
rado pelo desejo sexual. O fator limitante deste processo é a
degradação do GMPc pela enzima fosfodiesterase 5 (PDE5),
presente em altas concentrações nessas estruturas penia-
nas. O sildenafil facilita a ereção por sua elevada especifici-
dade e potência como inibidor dessa fosfodiesterase 9,10.
Atuando na fase final do ciclo bioquímico da ereção, a ação
do sildenafil depende do desejo sexual, não sendo, portan-
to, um afrodisíaco.
Concentrações menos elevadas da PDE5 podem ser
encontradas também na musculatura lisa das artérias em
geral, das vísceras e da traquéia, e nas plaquetas. Já foram
identificados sete tipos de fosfodiesterase (PDE). O
sildenafil tem menor poder inibitório sobre outras isoenzi-
mas da fosfodiesterase em comparação com a PDE5. Tem
fraca seletividade (1.000 vezes menor) para a PDE2 (predo-
minante na córtex adrenal), PDE3 (musculatura lisa, pla-
quetas e miocárdio) e PDE4 (linfócitos do cérebro e pul-
mões); moderada seletividade (80 ou mais vezes menor)
para a PDE1 (predominante no cérebro, rins e músculo liso)
e seletividade apenas 10 vezes menor para a PDE6 (fotorre-
ceptores da retina), provável causa dos distúrbios visuais
que podem ocorrer com o uso do sildenafil. A seletividade
4.000 vezes menor para a PDE3 (envolvida na contratilidade
miocárdica) é importante porque inibidores desta isoenzima
(milrinona, vesnarinone e enoximone), usados no tratamen-
to da insuficiência cardíaca provocam arritmia cardíaca e ou-
tros efeitos adversos 8,10.
515
Guimarães e cols. Arq Bras Cardiol
Sildenafil em pacientes com doença cardiovascular volume 73, (nº 6), 1999

Farmacocinética e metabolismo
O pico de concentração plasmática do sildenafil ocorre
30 a 120min (média de 60min) após ingestão oral, em jejum. No
fígado, o sildenafil é parcialmente convertido num metabólito
que é responsável por cerca de 20% da sua ação farma-
cológica e ambos circulam quase totalmente ligados às pro-
teínas plasmáticas (96%), com meia-vida de cerca de 4h, para
cada. As principais vias de metabolização hepática são o
citocromo P450 3A4 (principal) e P450 2C9 (secundária) 8,11. A
excreção é predominantemente fecal (80%) e apenas 13%
urinária. Para uma mesma dose oral, as concentrações plas-
máticas do sildenafil podem estar 40% mais elevadas em indi-
víduos com mais de 65 anos, 80% na insuficiência hepática e
100% na insuficiência renal grave (depuração de creatinina
<30ml/min). Elevam-se também pelo uso simultâneo de
inibidores potentes do citrocromo P450 3A4, como eritromi-
cina, claritromicina, cimetidina e antifúngicos como cetoco-
nazol e itraconazol. Inibidores da protease, usados no trata-
mento da AIDS, tais como indinavir, ritonavir, nelfinavir e
saquinavir, potentes inibidores do citocromo P450 3A4, em-
bora não testados formalmente, podem interferir de forma
idêntica sobre o metabolismo do sildenafil 11 (quadro I).
Farmacodinâmica
Efeito na tumescência peniana - O sildenafil é eficaz na
disfunção erétil de causas várias, como vascular (diabete),
neurorreflexogênica (lesão medular) e psicogênica, o que foi
constatado em 21 estudos multicêntricos randomizados,
duplo-cegos, controlados com placebo 11,12.
Efeitos cardiovasculares – 1) O sildenafil não altera a
contratilidade miocárdica em voluntários sadios. Não exis-
tem, contudo, estudos em paciente com insuficiência car-
díaca; 2) induz a leve e transitória queda da pressão arterial
sistólica (8 a 10mmHg) e diastólica (4 a 6mmHg), com pico
uma hora após a dose oral, em jejum, e retorno ao nível
basal em 4h. Este efeito é conseqüência da sua ação
vasodilatadora periférica, arterial e venosa, independe da
dose (25 a 100mg) e da idade, e raramente provoca hipoten-
são ortostática; 3) não tem efeito significativo sobre a fre-
qüência cardíaca 11,12.
Efeito sobre as plaquetas - Não foram observados epi-
sódios de sangramento e aumento dos tempos de sangra-
mento e de protrombina, mesmo em pacientes em uso de
ácido acetilsalicílico ou warfarina. Contudo, não existe ava-
liação com o uso simultâneo de outros antiagregantes pla-
quetários (ticlopidina, clopidogrel e dipiridamol), ou em
pacientes com discrasias sangüíneas, recomendando-se
precaução, nessas circunstâncias 11,12.
Efeitos sobre a visão - Podem ocorrer aumento da sen-
sibilidade à luz e visão azul-esverdeada ou turva devido
ação inibidora do sildenafil sobre a fosfodiesterase 6, pre-
sente nos fotorreceptores da retina. Pacientes nos quais
estes distúrbios visuais possam dificultar o exercício de al-
guma de suas atividades, como condução de veículos auto-
motores e pilotagem de aeronaves, devem ser especialmen-
te alertados quanto aos mesmos. Recomenda-se cautela no
uso do sildenafil em presença de retinite pigmentosa 11,12.
Efeitos adversos – 1) Vasodilatadores: cefaléia (16%),
rubor (10%) e rinite (4%). Tontura (2%), hipotensão comum e
hipotensão postural (2% cada) ocorreram com freqüência
idêntica nos grupos sildenafil e placebo; 2) gastrointestinais:
dispepsia por refluxo (7%); 3) visuais: aumento da sensibili-
dade à luz ou visão azul-esverdeada ou turva (3%), principal-
mente com doses de 100mg; 4) músculoesqueléticos:
mialgias, principalmente com múltiplas doses, sem alteraç es
na concentração da creatinofosfoquinase e no eletromiogra-
ma; 5) priapismo: têm sido descritos relatos ocasionais 11,12.

Quadro I - Substâncias que são metabolizadas por ou que inibem o citocromo P450 3A4

Antibióticos/antifúngicos Ação cardiovascular Hipolipemiantes Sistema nervoso central Outros

Claritromicina Amiodarona Atorvastatina Alprazolam Acetaminofem

Clotrimazol Amlodipina Cerivastatina Carbamazepina Astemizole
Eritromicina Digitoxina Lovastatina Fluoxetina Cimetidina
Fluconazol Diltiazem Sinvastatina Imipramina Cisapride
Itraconazol Disopiramida Nefazodone Ciclosporina
Cetoconazol Felodipina Fenobarbital Dexametasona
Miconazol Isradipina Fenitoina Etinil estradiol
Norfloxacino Losartan Sertralina Omeprazol
Nifedipina Triazolan Rifampicina
Quinidina Terfenadina
Verapamil Teofilina
Troglitazone
Sildenafil
Inibidores da protease:
Indinavir
Ritonavir
Nelfinavir
Saquinavir
“Grapefruit”

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Arq Bras Cardiol
volume 73, (nº6), 1999
Interações medicamentosas
Nitratros - Sildenafil amplifica a ação vasodilatadora
dos nitratos, podendo acarretar hipotensão grave, poten-
cialmente fatal. Com base no perfil farmacocinético do sil-
denafil não se devem utilizar nitratos nas 24h que se se-
guem ao seu uso. Este período de tempo deve ser ampliado
nas situações que prolongam a ação do sildenafil (vide
farmacocinética e metabolismo). Por outro lado, está con-
tra-indicado o uso de sildenafil se o nitrato houver sido
usado nas 24h precedentes, mesmo por via sublingual. No
caso da via oral, esta precaução se justifica por não se sa-
ber ainda qual o efeito potencial de traços residuais de ni-
tratos no organismo. No caso da via sublingual, a duração
da ação é curta, mas o seu uso pode presumir que haja ne-
cessidade de sua repetição durante ou após o coito facili-
tado pelo sildenafil. O quadro II contém os medicamentos
à base de nitratos orgânicos existentes no mercado nacio-
nal. O agente anestésico protóxido de nitrogênio não
interage com o sildenafil 11.
Medicamentos anti-hipertensivos - Efeitos hipotenso-
res adversos não têm sido observados com os antagonistas
dos canais de cálcio, inibidores da enzima de conversão da
angiotensina, tiazídicos, diuréticos de alça, poupadores de
potássio e alfa-beta-bloqueadores. Num estudo específico
com amlodipina, a resposta ao sildenafil não diferiu da do
placebo. Contudo, deve haver cautela quando, no esquema
terapêutico, estiver presente um medicamento que seja
utilizador ou inibidor do citrocomo P450 3 A 4 (quadro I) 6,11.
Outros medicamentos - O sildenafil não interage
com aspirina e warfarina e não existem dados em relação a
antiagregantes como ticlopidina, clopidogrel e dipi-
ridamol. Com relação à cimetidina e eritromicina, ambos
inibidores do citocromo P450 3A4, é prudente começar
com menores doses de sildenafil (25mg). Outros medica-
mentos são também metabolizados por esta via, podendo
haver inibição competitiva, mas os efeitos de sua
interação com o sildenafil ainda não foram devidamente
testados 11 (quadro I).
Outras condições associadas – Insuficiência renal -
reduções leves da depuração de creatinina (80 a 50ml/min) e
moderadas (49 a 30ml/min) não afetam significativamente o
metabolismo do sildenafil. Em casos de insuficiência renal
grave (depuração<30ml/min), ocorre duplicação da concen-
tração plasmática de sildenafil, intensificando e prolongan-
do os seus efeitos, sendo aconselhável a dose inicial de
Quadro II - Lista de medicamentos contendo nitratos orgânicos comercializados no Brasil
Dinitrato de isossorbida Mononitrato de isossorbida
Isocord (Asta Médica) Monocordil (Baldacci)
Isordil (Wyeth) Cincordil (Wyeth)
Isossorbida (Cazi)
Isossorbida (Sanval)
Guimarães e cols.
Sildenafil em pacientes com doença cardiovascular
25mg. Maior cautela deve ser observada quando houver ad-
ministração concomitante de medicação que reduza a pres-
são arterial 11; idosos - cuidado semelhante deve ser tomado
no idoso, no qual a concentração plasmática de creatinina,
na presença de diminuição da massa muscular, superestima
o valor da depuração de creatinina; insuficiência hepática
nessa condição, devem ser observados os mesmos cuida-
dos da insuficiência renal.
Sildenafil no paciente com doença
cardiovascular
Efeitos circulatórios do coito - a) Em indivíduos sa-
dios - a sobrecarga cardíaca e o gasto metabólico são variá-
veis. No laboratório, homens sadios com sua parceira habi-
tual atingem freqüência cardíaca em torno de 110bpm, quan-
do a parceira se posiciona por cima, e em torno de 127bpm,
quando esta se posiciona por baixo, correspondendo a um
exercício de 2,5 a 3,3 METs 11; b) em pacientes com doença
arterial coronariana - em pacientes sem medicação antian-
ginosa e classe funcional I e II da NYHA, ocorreu isquemia
durante o coito em 1/3 dos casos, sendo silenciosa em 2/3
das vezes. Todos estes pacientes tinham isquemia no teste
de esforço. A freqüência cardíaca média oscilou em torno de
118bpm., mas, em alguns chegou a 185bpm, no orgasmo.
Em estudo com 19 pacientes, a angina durante o coito foi
abolida pelo uso de betabloqueador, paralelamente redu-
ção da freqüência cardíaca máxima média de 125bpm para
82bpm. Outros pequenos estudos mostraram que o coito
pode provocar extra-sistolia ventricular não deflagrada por
outros estímulos 12; c) morte de pacientes com doença ar-
terial coronariana durante o coito - a morte durante o coito
é rara (0,6% dos casos de morte súbita). Embora o coito
possa deflagrar um infarto agudo do miocárdio, o risco rela-
tivo nas 2h seguintes à atividade sexual é baixo (2,5, IC 95%,
1,7 a 3,7). Assim mesmo, a contribuição direta do coito pare-
ce ter ocorrido em apenas 0,9% das vezes. Exercício físico
regular parece diminuir o risco de infarto agudo do miocár-
dio durante o coito 12. É importante considerar que esses
dados encorajadores não se aplicam a pacientes que, em
uso ou não de sildenafil, aumentem a sobrecarga circulató-
ria e metabólica acima de seus limites habituais, como pode
acontecer no coito extra-conjugal ou no coito após consu-
mo excessivo de alimentos e bebidas alcoólicas; d) previ-
são de risco - o teste ergométrico pode avaliar o risco poten-
cial de um coito normal, em um paciente com doença arterial
coronariana. O risco de desenvolver isquemia miocárdica
durante o coito é baixo se uma carga de 5 a 6 METS puder
Nitroglicerina Propatilnitrato
Nitradisc (Searle) Sustrate (Bristol-Myers
Nitroderm TTS (Novartis) Squibb)
Tridil (Cristália)
517
Guimarães e cols.
Sildenafil em pacientes com doença cardiovascular
ser alcançada sem o desenvolvimento de isquemia ou arrit-
mia induzidas pelo esforço 11.
Efeitos do sildenafil em pacientes com doença
arterialcoronariana
Em estudos randomizados, duplo-cegos e controla-
dos por placebo, 70% dos pacientes isquêmicos usando
sildenafil referiram melhora na disfunção erétil versus 20%
no grupo placebo. O medicamento foi bem tolerado, com
incidência de efeitos colaterais cardiovasculares de 5% no
grupo sildenafil e 3% no grupo placebo. Problemas mais
graves como infarto agudo do miocárdio e angina instável
ocorreram em 3 e 2% dos pacientes, nos grupos sildenafil
e placebo, respectivamente. Por outro lado, em pacientes
sem doença arterial coronariana, a incidência desses even-
tos mais graves foi menor que 1%, tanto no grupo silde-
nafil como no placebo.12
Morteesildenafil
Entre abril e novembro de 1998, o Food and Drug Ad-
minitration (FDA) dos Estados Unidos da América confir-
mou 130 casos de pacientes que morreram após prescrição
de sildenafil. Desses, 80 (61,5%) apresentaram um evento
cardiovascular (infarto agudo do miocárdio em 41, parada
cardíaca em 27, acidente vascular encefálico em 3, sintomas
cardíacos em 6 e doença arterial coronariana em outros 3); 2
morreram por homicídio ou afogamento e 48 por causa des-
conhecida. Em 106 pacientes com idade conhecida, a média
foi 64 anos (29 a 87 anos). A dose do sildenafil variou entre
25 e 100mg e um paciente ingeriu “dose excessiva”.
Dezesseis pacientes tomaram nitrato e um usava medica-
mento à base de nitrato, não tendo sido confirmada a sua
utilização. Quarenta (34%) pacientes morreram nas primei-
ras 4 e 5h após o uso do sildenafil, 27 deles faleceram duran-
te ou logo após o coito. Nos demais, os períodos em relação
ao coito foram crescentes: 6 pacientes morreram após 6h, 8
no dia seguinte, 5 após 2 dias e 4, após 3 a 4 dias. Em 61 paci-
entes esses períodos foram desconhecidos. Em que pese a
relação temporal com o uso do sildenafil, essa mortalidade é
bem inferior àquela esperada na população masculina ame-
ricana com média de idade semelhante. Assim consideran-
do-se que as mortes ocorreram num período de 8 meses,
coincidindo com 6,4 milhões de prescrições de sildenafil, a
mortalidade foi de 4 mortes por semana, bem inferior à mor-
talidade cardiovascular total esperada, de 150 mortes por
semana para cada 1 milhão de homens 12.
Recomendações para o uso de sildenafil em
pacientes com doença cardiovascular
1) Sildenafil é absolutamente contra-indicado em pacientes
em uso de nitratos de longa e curta duração, devido à possibilida-
de de desenvolverem hipotensão grave, potencialmente fatal.
2) Em pacientes com doença arterial coronariana está-
vel, tratados com nitratos de ação prolongada, a possibilida-
518
Arq Bras Cardiol
volume 73, (nº 6), 1999
de de suspensão do nitrato pode ser considerada, de comum
acordo com o paciente, para que o sildenafil possa ser usado.
3) Pacientes que não usam nitratos de ação prolongada,
mas requerem nitratos de curta duração para o tratamento de cri-
ses de angina, devem ser informados da impossibilidade do uso
do sildenafil, a não ser que o nitrato possa ser substituído por
medicação alternativa, sem interação de risco com sildenafil.
4) O uso eventual de qualquer tipo de nitrato está con-
tra-indicado nas 24h que se seguem ao uso do sildenafil.
Também está contra-indicado o uso do sildenafil se um ni-
trato tiver sido usado nas 24h precedentes.
5) Pacientes de alto risco cardiovascular, incluindo
portadores de doença aterosclerótica, cardiopatas nas clas-
ses funcionais II e III da NYHA, indivíduos acima de 65
anos, hipertensos, diabéticos, fumantes, portadores de dis-
lipidemia moderada a grave e obesos, mesmo que não te-
nham solicitado o uso do sildenafil, devem ser informados
do sério risco potencial da interação sildenafil-nitratos. Isto
porque, eventualmente, podem obter o sildenafil por outros
meios, sem as necessárias recomendações para o seu uso.
6)Pacientes de alto risco cardiovascular devem ser
avaliados previamente por um teste ergométrico. O risco de
isquemia durante o coito é baixo se não desenvolverem si-
nais clínicos e/ou eletrocardiográficos de isquemia e/ou
arritmia até uma carga equivalente a 5 a 6 METS. Estes limi-
tes de carga são válidos para o coito realizado com a parcei-
ra habitual, em ambiente familiar e sem sobrecarga adicional
de consumo excessivo de alimentos e bebidas alcoólicas.
Pacientes sem atividade sexual por longo tempo devem ser
orientados no sentido de moderarem a sua atividade física e
ansiedade durante o retorno à atividade sexual.
7) Em pacientes sem isquemia e/ou arritmia em teste er-
gométrico, com carga máxima inferior a 5 a 6 METs, a libera-
ção para o uso do sildenafil deve ser condicionada à sua
condição clínica.
8) É conveniente que pacientes em uso simultâneo de
vasodilatadores e diuréticos sejam observados em relação
resposta hipotensiva ao sildenafil.
9) Os médicos e enfermeiros de serviços de emergência
devem ser instruídos a indagarem rotineiramente sobre o
uso do sildenafil.
10) Os pacientes em uso de sildenafil devem ser instruí-
dos a informarem sobre o mesmo, no caso de atendimento em
urgências.
11) Recomendar dose inicial de 25mg, em todas as con-
dições que possam aumentar a concentração plasmática do
sildenafil ou potencializar seu efeito vasodilatador e que não
constituam contra-indicação formal para seu uso.
Arq Bras Cardiol
volume 73, (nº6), 1999
Tratamento das síndromes isquêmicas agu-
das em pacientes usando sildenafil
Tratamento inicial da dor precordial suspeita de angina
- Identificar com segurança o tempo da última dose de sildena-
fil. Não usar nenhum tipo de nitrato se o sildenafil tiver sido to-
mado nas 24h precedentes. Entre 24 e 48h após o uso de
sildenafil, pode-se administrar um nitrato se não existirem con-
dições associadas que aumentem a concentração plasmática
ou retardem a metabolização do sildenafil, tais como idade su-
perior a 65 anos, insuficiência renal ou hepática grave ou uso
simultâneo de inibidores do citrocomo P450 3A4. Nestas cir-
cunstâncias, só usá-lo se houver condições de tratamento de
uma eventual crise hipotensiva grave. Para o tratamento da dor
precordial não existem dados de interação medicamentosa que
impeçam o uso do sildenafil com aspirina, betabloqueadores,
antagonistas dos canais de cálcio ou narcóticos.
Pacientes com infarto agudo do miocárdio - Observar os
mesmos cuidados anteriores. Até o momento, não há impe-
dimento para o uso de heparina, cumarínicos e trombolíticos.
Se houver hipotensão, a restauração de níveis pressóricos
adequados pode impedir a progressão da lesão miocárdica.
Angina instável - Mesmas orientações e cuidados re-
lativos ao uso de nitratos e outras medicações comumente
usadas no tratamento desta condição.
Tratamento da hipotensão resultante da
interaçãodosildenafilcomnitratos
As seguintes medidas devem ser empregadas em se-
qüência: 1) colocar o paciente na posição de Trendelenburg;
2) administração intravenosa rápida de fluidos; 3) uso
intravenoso de agonistas alfa-adrenérgicos, como fenilefri-
na, etilefrina ou metaraminol; 4) se necessário usar um alfa e
beta agonista, como norepinefrina, para suporte da pressão
arterial, devendo-se estar consciente do risco de piora ou
indução de isquemia miocárdica; 5) instalar suporte auxiliar
através de balão intra-aórtico.
Limitações das recomendações
As recomendações aqui expressas são fruto de uma
experiência ainda limitada em relação a algumas das múlti-
plas situações clínicas de pacientes com doença cardio-
Guimarães e cols.
Sildenafil em pacientes com doença cardiovascular
vascular que pretendem usar sildenafil. Isto faz com que o
risco frente a essas variadas situações ainda não testadas
seja presumido com base no que se conhece da farma-
cocinética e farmacodinâmica do medicamento, o que se
aplica a situações como insuficiência cardíaca, os primei-
ros seis meses após um infarto agudo do miocárdio ou
após um acidente vascular encefálico e na hipertensão
não controlada, condições estas ausentes dos estudos
publicados. Além disso, uma série de outras quest es
pendentes merecem ser relembradas por sua importância e
melhor clareza deste documento: a) interação com outros
antiagregantes plaquetários que não a aspirina; b) inte-
ração com outros inibidores da fosfodiesterase, incluindo
inibidores específicos (p. ex., milrinone, vesnarinone e
enoximone) e inespecíficos (teofilina, dipiridamol,
papaverina e pentoxifilina); c) efeitos do sidenafil sobre o
sistema nervoso central (a PDE5 está presente no cére-
bro); d) efeito hipotensor isolado do sildenafil em car-
díacos de alto risco (insuficiência cardíaca grave); e) efei-
tos nos músculos esqueléticos (mialgias torácicas, con-
fundindo com angina); f) uso simultâneo de bebidas alcoó-
licas, principalmente na presença de anti-hipertensivos.
Consideraçõesfinais
O sildenafil tem se revelado medicação eficiente e bem
tolerada, propriedades estas extensivas aos pacientes com
cardiopatia isquêmica. Por isso, é crescente o número de
portadores de doença cardiovascular que desejam usá-lo.
Estes pacientes, todavia, apresentam dois riscos potenciais
em relação ao uso do sildenafil que requerem avaliação. O
primeiro, indireto, diz respeito à capacidade funcional para
realizar o coito, atividade esta associada a um aumento do
consumo energético e a graus variados de estresse psicoló-
gico. O segundo, de grave hipotensão, diretamente ligado a
interação sildenafil–nitrato. Nestas circunstâncias, cabe ao
cardiologista a decisão e orientação quanto ao uso do sil-
denafil, com segurança.
O presente documento, baseado nos dados científicos
existentes, em recomendações emitidas por um grupo de tra-
balho conjunto do American College of Cardiology e
American Heart Association e em nossa experiência inicial,
visa fornecer, aos médicos em geral e especialmente aos car-
diologistas, as informações necessárias para que o uso do
sildenafil em pacientes com doença cardiovascular se faça
com a maior segurança possível.
519
Guimarães e cols.
Sildenafil em pacientes com doença cardiovascular
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Arq Bras Cardiol
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