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Elisabete Cruz
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
elcruz@sapo.pt
“uma via privilegiada de acesso à autonomia, levando cada um a comportar-se em sociedade como um
indivíduo livre e esclarecido” (Conselho Nacional de Educação, 1998, p. 10865).
Actualmente, apesar das disparidades existentes no que respeita ao lugar que as TIC ocupam nos curricula do
ensino básico, a maior parte dos países reconhece a sua importância e a sua utilização efectiva (Comissão
Europeia, 2000), podendo dizer-se que, neste momento, existe já um amplo consenso social relativamente ao
reconhecimento da necessidade de dar prioridade ao desenvolvimento de um conjunto de saberes em TIC que
permita aos alunos compreender os fenómenos do mundo em que se inserem e, consequentemente, tomar
decisões democráticas de modo informado, crítico e reflectido (Krumsvik, 2006).
Efectivamente, os últimos anos do século XX e o seu prolongamento para esta primeira década do século XXI
foram férteis em mudanças que transformaram os curricula do ensino básico. No quadro destas mudanças, as
TIC têm agora, mais do que nunca, um espaço alargado de confronto onde se joga, em simultâneo, a
valorização da aquisição e do desenvolvimento de saberes em TIC, numa perspectiva de aprendizagem ao
longo da vida, e o reconhecimento do seu potencial educativo para tornar o ensino e a aprendizagem mais
eficazes em todas as áreas curriculares.
Várias iniciativas levadas a cabo no seio da União Europeia acentuam precisamente a necessidade de
identificação de competências nucleares transversais, face ao ritmo acelerado das mudanças decorrentes da
utilização cada vez maior das TIC nos estabelecimentos de ensino (Conselho "Educação", 2001a; 2001b). No
âmbito do programa Educação e Formação 2010, por exemplo, para além do foco na identificação das
competências básicas necessárias a todos os cidadãos para lidar com os desafios e as exigências da
chamada sociedade da informação e/ou do conhecimento, vários trabalhos têm sido desenvolvidos
procurando equacionar, simultaneamente, como é que essas competências, a par das competências ditas
tradicionais, podem vir a ser mais bem integradas nos curricula, aprendidas e mantidas ao longo da vida.
Neste contexto, a Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre as competências essenciais
para a aprendizagem ao longo da vida (Parlamento Europeu e Conselho, 2006/962/CE; European
Communities, 2007) assume um valor acrescentado considerável, já que fornece uma ferramenta de
referência que define as oito competências consideradas fundamentais e necessárias para todos,
designadamente: a) comunicação na língua materna; b) comunicação em línguas estrangeiras; c) competência
matemática e competências básicas em ciências e tecnologia; d) competência digital; e) aprender a aprender;
f) competências sociais e cívicas; g) espírito de iniciativa e espírito empresarial; e h) sensibilidade e expressão
culturais.
Muitas destas competências sobrepõem-se e estão interligadas, ou seja, aspectos que são essenciais num
determinado domínio favorecem a competência noutro domínio. Por exemplo, “possuir as competências
básicas fundamentais da língua, da literacia, da numeracia e das tecnologias da informação e da comunicação
(TIC) é uma condição essencial para aprender a aprender” (Parlamento Europeu e Conselho, 2006/962/CE,
pp. 13-14).
“A competência digital envolve a utilização segura e crítica das tecnologias da sociedade da informação (TSI)
no trabalho, nos tempos livres e na comunicação. É sustentada pelas competências em TIC: o uso do
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computador para obter, avaliar, armazenar, produzir, apresentar e trocar informações e para comunicar e
participar em redes de cooperação via Internet” (ibidem, p.15).
A aquisição dos saberes requeridos e necessários para a inovação numa sociedade baseada no
conhecimento dependerá naturalmente das faixas etárias. Porém, é recomendável “que o conceito de literacia
digital seja introduzido nos sistemas de ensino logo a partir do ensino pré-primário, em paralelo com as línguas
estrangeiras, com o objectivo de produzir utilizadores experientes o mais cedo possível” (Comissão da Cultura
e da Educação, 2010, p.29).
Reafirmando a importância de dotar os cidadãos da União Europeia de saberes em TIC, a Agenda Digital para
a Europa, recentemente apresentada pela Comissão Europeia, vem sublinhar o importante papel da instituição
escolar na concretização dessa finalidade, referindo explicitamente a necessidade de:
Este estudo foi realizado a partir da análise de todos os textos correspondentes a todas as áreas curriculares
constantes do CNEB [Língua Portuguesa (LP), Línguas Estrangeiras (LE), Matemática (M), Estudo do Meio
(EM), História (H), Geografia (G), Ciências Físicas e Naturais (CFN), Educação Artística (Ed.A), Educação
Tecnológica (Ed.T) e Educação Física (Ed.F)].
Equacionados os objectivos e a natureza do objecto de análise, pareceu-nos útil e adequado seguir uma
metodologia assente nos princípios da referencialização - abordagem proposta Gérard Figari, que se
caracteriza, na sua essência, como um método de delimitação fundamentada de “um corpo de referências
relativo a um objecto (ou a uma situação), em relação ao qual poderão ser estabelecidos diagnósticos,
projectos de formação e avaliações” (Figari, 1996, p. 52).
Deste modo, em consonância com esta opção, recorreu-se a um conjunto de procedimentos e técnicas
racionais para construir um sistema de referências sufientemente robusto e capaz de facilitar o tratamento dos
dados recolhidos e, em última instância, proporcionar uma leitura compreensiva e detalhada da realidade em
apreço. Tal sistema de referências consubstanciou-se num modelo de leitura organizado por categorias,
critérios e indicadores, conforme se ilustra seguidamente (QUADRO 1).
Do ponto de vista operatório, os procedimentos seguidos para chegarmos ao modelo de leitura, como
facilmente se compreenderá, incluíram um processo de desenvolvimento gradual que passou, nomeadamente,
pela identificação de categorias, critérios e indicadores de análise, cujos traços gerais se apresentam nas
linhas seguintes.
aprendizagem ao longo da vida (Parlamento Europeu e Conselho, 2006/962/CE), que define as oito
competências consideradas fundamentais, necessárias e transversais para alcançar uma literacia universal,
entre elas a competência digital.
Efectivamente, a sua utilização enquanto referente pareceu-nos útil e adequada aos objectivos do presente
estudo uma vez que, como já tivemos oportunidade de referir, trata-se de uma proposta que relativiza a
aprendizagem sobre computadores, valorizando antes o potencial das TIC para estimular e facilitar o
pensamento crítico e criativo (Jonassen, 2007). De modo a tornar mais explícita a funcionalidade dessa
proposta, apresenta-se seguidamente a operacionalização das categorias de análise consideradas neste
estudo (QUADRO 2).
Concluídas as diferentes operações respeitantes à elaboração do modelo de leitura, seguiu-se uma fase de
organização, tratamento e análise dos dados, que se consubstanciou basicamente na administração
sistemática das decisões tomadas anteriormente. Esta fase, longa e fastidiosa, consistiu na exploração do
corpus documental previamente definido, tendo em vista a construção de uma base de dados que nos
permitisse categorizar as referências expressas no CNEB de acordo com os objectivos visados.
Começámos, então, por localizar e transcrever todos os excertos presentes nos documentos seleccionados
associados às seguintes palavras-chave: TIC; Tecnologia(s); Informático(a)(s); Internet; CD-ROM; Media;
Multimédia (Multimedia); Audiovisual(ais)/áudio; Computador; Electrónico(a)(s); e Software.
Como critério de segmentação, privilegiámos o significado de um dado excerto, inclusive nas situações em se
encontrava mais do que uma palavra-chave num mesmo excerto. Seguidamente, e de forma a cuidar da
representatividade, da homogeneidade e da pertinência dos dados face ao objectivo suscitado pela análise,
procedeu-se a uma redução pensada dos dados (Bardin, 2004), tendo-se constituído e delimitado a amostra a
partir dos excertos directamente relacionados com a definição de competências no âmbito do CNEB.
Reunimos, no total, 78 excertos/unidades de análise.
Como instrumento de registo de dados utilizou-se uma folha Excel para cada área curricular, elaborando-se
uma tabela que nos possibilitou categorizar as unidades de análise segundo o nível de ensino a que as
referências se dirigiam e segundo a categoria respectiva (conhecimentos, capacidades, atitudes).
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Num momento posterior, elaborámos quadros gerais cujos procedimentos incluíram operações estatísticas
simples, baseadas na contagem do número de ocorrências/observações obtidas em cada categoria de
análise, por área curricular e por nível de ensino. Com base naqueles quadros, foram elaborados gráficos que
condensam e põem em relevo as informações fornecidas pela análise, tais como os que utilizaremos no ponto
seguinte para facilitar a leitura e a apresentação dos principais resultados.
Equilíbrio
Considerando a distribuição percentual das referências por conhecimentos, capacidades e atitudes em TIC
(GRÁFICO 1), verifica-se que a ênfase do CNEB recai no desenvolvimento de conteúdos procedimentais, uma
vez que a maioria das referências analisadas se reporta ao desenvolvimento de capacidades em TIC
(51,28%).
Progressão
Quando se considera a distribuição percentual das referências por conhecimentos, capacidades e atitudes e
por níveis de ensino (GRÁFICO 2), observa-se que uma grande parte (44,86%) situa o desenvolvimento de
saberes em TIC ao longo do ensino básico (“geral”). Apenas 19,23% das referências se reporta ao 3.º ciclo;
17,94% ao 2.º ciclo e, ao nível do 1.º ciclo de escolaridade, somente 10,26% do total das referências
examinadas.
Gráfico 2: Distribuição percentual das referências por conhecimentos, capacidades e atitudes em TIC e por
níveis de ensino
À primeira vista, em termos gerais, estes resultados sugerem uma tendência de progressão gradual ao longo
dos três ciclos. Contudo, se examinarmos a evolução de modo mais particular verifica-se que essa tendência
progressiva só se manifesta ao nível das capacidades. Note-se, pois, que ao nível dos conhecimentos, os
resultados indiciam uma ruptura na passagem do 2.º para o 3.º ciclo, verificando-se concretamente que as
referências dirigidas ao 2.º ciclo (8,97%) são percentualmente mais elevadas do que as dirigidas ao 3.º ciclo
(5,13%). Para além disso, estes resultados também evidenciam uma certa negligência relativamente ao
desenvolvimento de atitudes em TIC, que é particularmente notória nos dois primeiros níveis de escolaridade
do ensino básico. Efectivamente, tanto no 1.º como no 2.º ciclo de escolaridade não existe qualquer referência
relacionada com a aquisição e o desenvolvimento de atitudes favoráveis ao trabalho com as TIC.
Amplitude
Considerando a distribuição percentual das referências por categorias de análise e por áreas curriculares
(GRÁFICO 3), constata-se que 30% das áreas curriculares (LP, H, Ed.F) não reconhece a importância do
desenvolvimento de saberes em TIC ao longo do ensino básico. Paralelamente, a presença simultânea de
conhecimentos, capacidade e atitudes apenas se regista em Ed.T – área, note-se, que engloba cerca de 36%
da totalidade das referências analisadas. Para além deste facto, e nesta área particular, ao valorizar-se o
desenvolvimento de conhecimentos (26,92%) em detrimento das capacidades (5,13%), verifica-se um desvio
daquela que nos pareceu a tendência privilegiada em termos globais, ou seja, o enfoque nas capacidades.
Esta mesma tendência poderá observar-se igualmente em CFN, uma vez que também nesta área se regista
um valor percentual mais elevado ao nível dos conhecimentos (7,69%) do que ao nível das capacidades
(2,56%).
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Gráfico 3: Distribuição percentual das referências por conhecimentos, capacidades e atitudes em TIC e por
áreas curriculares.
Poderemos ainda verificar que quando nos centramos na análise da distribuição das referências em cada área
curricular, os resultados ilustrados no GRÁFICO 3 também evidenciam um desequilíbrio entre os diversos
conteúdos integrantes dos saberes em TIC, que naturalmente se poderá explicar não apenas pela já referida
ausência de referências em três áreas curriculares (LP, H, Ed.F), mas também pela excessiva valorização do
desenvolvimento de conhecimentos que se observa em Ed.T (26,92%). Importa, no entanto, reconhecer que
apesar do aparente enfoque ao nível dos conhecimentos, as referências que se reportam a esta categoria só
têm expressão em 30% das áreas curriculares (EM, CFN, Ed.T). Efectivamente, a maioria das áreas
curriculares (70%) reconhece e privilegia essencialmente o desenvolvimento de capacidades em TIC.
Profundidade
Quando se considera com maior detalhe a distribuição de frequências absolutas das referências relativas aos
conhecimentos em TIC, por áreas curriculares (QUADRO 3), regista-se um predomínio de referências
orientadas para a valorização do desenvolvimento da compreensão da natureza, do papel e das
oportunidades que as tecnologias oferecem às actividades do quotidiano na vida pessoal e social e no
trabalho – orientação, note-se, particularmente evidente em Ed.T (n=16). Com menor expressão, tanto em
termos de frequências absolutas (n=8) como de áreas curriculares abrangidas (somente CFN e Ed.T),
encontram-se referências relacionadas com a compreensão do potencial das tecnologias para apoiar a
criatividade e a inovação.
Quadro 3. Distribuição de frequências absolutas das referências relativas aos conhecimentos em TIC, por
áreas curriculares.
Áreas curriculares
CONHECIMENTOS
EM CNF Ed.T Total(n)
Compreensão da natureza, do papel e das oportunidades que as
tecnologias oferecem às actividades do quotidiano (na vida pessoal e social 1 3 16 20
e no trabalho).
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Ainda no que concerne aos conhecimentos em TIC considerados essenciais para reagir aos desafios que se
colocam às nossas sociedades, importa sublinhar a ausência de referências explicitamente relacionadas com
o conhecimento: das principais aplicações informáticas (e.g. processadores de texto, folhas de cálculo, bases
de dados, armazenamento e gestão de informação); dos riscos e das oportunidades da Internet e da
comunicação por meios electrónicos (correio electrónico, ferramentas de rede) para os tempos livres, a
partilha de informação e a colaboração em rede, a aprendizagem e a investigação; e, não menos importante,
das questões ligadas à validade e à fiabilidade da informação disponível, bem como dos princípios legais e
éticos que devem nortear o uso das tecnologias.
Como vimos anteriormente, a maioria das áreas curriculares (70%) reconhece e privilegia o desenvolvimento
de capacidades em TIC. Porém, quando analisamos com maior detalhe e profundidade as orientações
expressas em cada uma daquelas áreas, verifica-se que nem todas valorizam do mesmo modo todos os
elementos integrantes das capacidades consideradas neste estudo. Embora à primeira vista se possa
observar um predomínio de referências relacionadas com a capacidade para utilizar as ferramentas para
produzir, apresentar e compreender informações [complexas] (QUADRO 4), a análise empreendida revelou que
tal tendência é apenas aparente. Por um lado, deverá referir-se que praticamente metade das referências
analisadas está incluída numa só área curricular (Ed.A) e, por outro lado, importa notar que grande parte
daquelas referências não nos permitiu concluir que a utilização de ferramentas está efectivamente relacionada
e orientada para o desenvolvimento da compreensão de informações complexas.
Quadro 4. Distribuição de frequências absolutas das referências relativas às capacidades em TIC, por áreas
curriculares.
Áreas curriculares
Total (n)
CAPACIDADES
Ed.A
Ed.T
CNF
EM
LE
Paralelamente, a orientação que se manifesta quanto à valorização da capacidade para usar informação (…),
que circunscreve 30% das áreas curriculares (LE, G, Ed.A), conforme se observa no QUADRO 4, implica
também uma chamada de atenção relativamente à forma de usar a informação. Na verdade, nem sempre é
evidente que o que se pretende é que essa informação seja utilizada de maneira crítica e sistemática, como se
observou, por exemplo, em LE (área em que se registou um maior número de referências relacionadas com a
capacidade em apreço). Nesta área particular, todas as referências analisadas apontam, em termos
cognitivos, para níveis de conhecimento mais elementares, apelando mais à memorização do que ao
desenvolvimento de processos cognitivos superiores.
Deste modo, em rigor, os resultados apenas nos permitem concluir que há uma orientação que se aproxima
do desenvolvimento da capacidade para usar informação mas que, simultaneamente, se afasta do seu
objectivo elementar, ou seja, uma utilização da informação de maneira crítica e sistemática, avaliando a sua
pertinência, distinguindo o real do virtual e reconhecendo as suas ligações. Sublinhe-se ainda que a
valorização da capacidade para pesquisar, recolher e processar informação apenas se manifesta em três
áreas curriculares (M, G, CFN). Por fim, mas não menos importante, será de destacar uma total ausência
relativamente ao reconhecimento da importância (crescente) do desenvolvimento da capacidade para usar as
tecnologias no apoio ao pensamento crítico, à criatividade e à inovação.
Quando se considera a distribuição de frequências absolutas das referências relativas às atitudes em TIC, por
áreas curriculares (QUADRO 5), verifica-se que no CNEB não existe nenhuma referência relacionada quer com
o desenvolvimento de atitudes que promovam o uso responsável dos meios interactivos, quer com o
desenvolvimento de atitudes que favoreçam o interesse em participar em comunidades e redes de
aprendizagem (culturais, sociais e/ou profissionais). Para além destas ausências, também se regista uma clara
desvalorização do desenvolvimento de uma postura crítica e reflectida face à informação disponível,
atendendo a que apenas uma área curricular (G) se manifesta explicitamente nesse sentido nos seguintes
termos: predisposição para estar informado geograficamente e ter uma atitude crítica face à informação
veiculada pelos mass media.
Quadro 5. Distribuição de frequências absolutas das referências relativas às atitudes em TIC, por áreas
curriculares.
Áreas curriculares
ATITUDES
G Ed.T Total (n)
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Para terminarmos, e ainda de acordo com os resultados apresentados no QUADRO 5, importa referir que foram
associadas à preocupação do desenvolvimento de atitudes em TIC três referências que não se enquadravam
claramente no modelo que serviu de base a esta análise (“outras”), mas que nos pareceram relevantes por
reforçarem o reconhecimento da necessidade de dotar os alunos das competências essenciais para que estes
se possam adaptar e ajustar a situações de mudanças ao longo da vida. Essas referências, presentes em
Ed.T, estão expressas nos seguintes termos: a) Adaptar-se à utilização das novas tecnologias ao longo da
vida; b) Ajustar-se às mudanças produzidas no meio pelas tecnologias; e c) Predispor-se a intervir na melhoria
dos efeitos nefastos da tecnologia no ambiente.
4. CONCLUSÕES E REFLEXÕES
O principal propósito desta comunicação era o de contribuir para a construção de um quadro interpretativo e
crítico sobre o modo como o currículo nacional do ensino básico equaciona o desenvolvimento da
competência digital no quadro das políticas educativas da União Europeia. Para além da ilustração de uma
metodologia exequível para fazer o balanço sobre o tipo de orientação que o CNEB expressa relativamente à
aquisição e ao desenvolvimento de saberes em TIC, este estudo contribuiu também para assinalar os
diferentes posicionamentos assumidos pelas diversas áreas curriculares em relação a esta matéria.
Globalmente, os resultados aqui apresentados mostram claramente o predomínio de uma lógica informacional,
que se manifesta numa orientação que privilegia a aquisição e o desenvolvimento de capacidades em TIC
com enfoque na utilização de ferramentas para produzir e apresentar informações, com particular expressão
na área de Educação Artística. Embora esta orientação não coloque em causa o potencial das TIC para tornar
os alunos mais produtivos e mais eficientes, parece-nos ser relevante notar que, do ponto de vista da
aprendizagem, mais importante ainda é fomentar e promover o uso das tecnologias no apoio ao pensamento
crítico, à criatividade e à inovação, e no que isso implica em termos de desenvolvimento de processos
cognitivos superiores (e.g. analisar, sintetizar, avaliar). Contudo, os resultados evidenciam uma total ausência
relativamente a esta preocupação.
Para além disso, apesar de haver uma aproximação aos conhecimentos em TIC que se consideram
fundamentais para reagir aos desafios da sociedade, será importante frisar a inexistência de referências no
CNEB relacionadas com o conhecimento das principais aplicações informáticas, dos riscos e das
oportunidades da comunicação por meios electrónicos, das questões ligadas à validade e à fiabilidade da
informação disponível, bem como dos princípios legais e éticos que devem nortear o uso das tecnologias.
Não menos importante, outro aspecto crítico, resultante do trabalho de análise, aponta para a necessidade de
se prestar uma maior atenção relativamente ao desenvolvimento de atitudes favoráveis ao trabalho com as
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TIC, que promovam nomeadamente o uso responsável dos meios interactivos e o interesse em participar em
comunidades e redes de aprendizagem.
Partindo destas considerações, e em jeito de síntese, o que parece poder afirmar-se é que, apesar do
reconhecimento da necessidade de desenvolver um conjunto de saberes em TIC, no CNEB não existem
orientações claras e consistentes relativamente a conhecimentos, capacidades e atitudes em TIC a adquirir e
a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico, tendo em vista, entre outros princípios, a coerência e
sequencialidade entre os três ciclos de escolaridade, bem como a articulação e a contextualização desses
saberes em cada área curricular.
Não havendo uma visão solidamente fundamentada, a questão que se coloca é a de saber quais são
efectivamente as competências básicas em TIC que os alunos devem adquirir, no final da escolaridade
obrigatória, para que possam receber, como preconizado, uma certificação da aquisição das competências
básicas neste domínio (Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, Art.º 6º).
Há ainda outras perguntas importantes e fundamentais que é necessário colocar como sejam, por exemplo:
Qual a justificação para integrar as TIC no currículo do ensino básico como área de formação transdisciplinar?
Será por razões pedagógicas, políticas, sociais ou éticas? O mesmo currículo responderá satisfatoriamente a
perspectivas e posicionamentos distintos? Será viável a busca de zonas de intersubjectividades que nos
permitam formular entendimentos consensuais relativamente aquela finalidade?
Parece-nos, pois, que o enfrentar destes e de outros problemas relativos à integração das TIC no currículo do
ensino básico requer, antes de mais, uma clarificação de natureza teórica à luz dos fundamentos
epistemológicos, ontológicos e axiológicos que estão subjacentes a uma abordagem de utilização das TIC de
natureza transdisciplinar, como consagrado, desde 2001, no âmbito da reorganização curricular do ensino
básico. Assim, e considerando que recentemente o Ministério da Educação (ME) deu início ao processo de
definição de metas de aprendizagem para cada ciclo de escolaridade, tendo em conta o seu desenvolvimento
por área curricular, estas questões parecem justificar por si só o interesse e a pertinência do desenvolvimento
de futuras investigações que permitam conhecer melhor os contornos desta problemática.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Currículo e Tecnologias | 4544
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