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izutsu: a dama das bordas do poço

a peça izutsu, de zeami, foi inspirada em duas obras do séc. X: o capítulo XXIII do ise
monogatari (contos de ise) e o volume XV do kokinshu (coletânea de ontem e de hoje.
no teatro ocidental, os papéis dos atores são conhecidos pelos nomes de personagens; mas
no teatro nô, existe uma hierarquia das figuras de palco, onde os papéis dos atores são
conhecidos pela categoria do papel: shite, waki, tsure, tomo e ai-kyôgen.
no topo, o shite, o protagonista, a personagem principal, que quase sempre usa máscara, e
é centro da atenção de toda a peça. em seguida, o waki, o coadjuvante, que descreve a cena,
introduz a personagem principal na peça e que, na realidade, representa o espectador, pois
de seu questionamento é que nasce a ação dramática, levando o shite a revelar sua
verdadeira identidade. o waki sempre representa um ser humano vivo, , homem , e nunca
mulher, personificando o lado realista da peça, portanto nunca usa máscara. depois, vêm os
tsure ou tomo, acompanhantes do protagonista ou do coadjuvante; e na base, os ai-kyôgen,
personagens dos interlúdios.
o vestuário do nô possui todo um código específico de cores, formas e maneiras de se
vestir. portanto, na peça izutsu, o espectador experimentado, ao ver aparecer o homem sem
máscara, com capuz pontudo, trajando kimono simples e casaco de mangas largas, sabe de
antemão a identidade da personagem. trata-se de um monge budista, na categoria de waki,
coadjuvante.
a concepção de espaço no teatro nô é de uma liberdade ilimitável; num único passo, o
impossível é realizado: o percorrer de uma enorme distância, centenas ou milhares de
milhas. assim, quando o monge surge através da passarela, avançando até a entrada do
palco, sugere a realização de toda uma longa viagem, a peregrinação pelos principais
templos de nara.
em seguida, quando dá alguns passos até o centro do palco, frente a uma armação de
madeira, simbolizando um poço, representa a chegada ao velho templo ariwara na província
de yanato, construído no local onde vivera um famoso casal de poetas do século IX: a
figura lendária do aristocrata narihara ariwara, um dos seis gênios da poesia japonesa do
início do período heian (794-930), e a filha de ki-no-aritsune, poetisa, e mais tarde,
conhecida como a “dama das bordas do poço”.
a concepção de tempo no teatro nô, geralmente abordando um passado longínquo, é de
uma liberdade ainda mais espantosa. a única indicação precisa é a estação do ano; nenhum
esclarecimento quanto ao ano, se há muito ou pouco tempo. na peça izutsu, simplesmente
uma noite enluarada de outono. a contração extrema de um longo tempo para alguns
instantes; ou o prolongamento quase indefinido de um único momento. o desdém pelo
tempo cronológico,o tempo do relógio, que é apagado quando nada de importante ocorre, e
a valorização do tempo psicológico, que tem relação com os momentos de vivência intensa,
que marcam para sempre.
a progressão jo-há-kyu, introdução-desenvolvimento-final, de origem chinesa, é um dos
conceitos estéticos essenciais do nô; um padrão de ritmo dramático, o ritmo da natureza e
da vida. a onda que se eleva, atinge o máximo e quebra, para em seguida tornar a repetir os
mesmos movimentos; o nascimento da criança, o seu crescimento e o ápice com a
maturidade, e depois, a morte, e o ciclo novamente se refaz, com o nascimento de outras
crianças.
assim, na peça izutsu, a introdução é feita em ritmo lento, simples e digno. tarde da noite,
ao começar a orar pelo repouso das almas gêmeas, nesse ermo templo ariwara, o monge
fica intrigado com a súbita aparição de uma jovem e atraente mulher que, após orar
fervorosamente, retira água do velho poço e rega as flores depositadas no túmulo de
narihira. o uso da máscara de mulher jovem, cabeleira, kimono de brocado e a sua posição
no lugar do shite indicam que trata-se da personagem principal,que no primeiro ato recebe
o nome de protagonista anterior.
indagada sobre sua identidade, a mulher diz ser uma habitante das vizinhanças. do
contraste abrupto entre a aparência da jovem mulher, acentuadamente feminina, e a sua
voz, nitidamente masculina, uma vez que todos os atores de nô são homens, a produção
dos efeitos de estranhamento e de distanciamento, isto é, a criação do teatro enquanto teatro
e não enquanto uma ilusão da realidade.
o desenvolvimento da peça, a exposição é feita em ritmo modrado, mas complexo. a
pedido do monge, a mulher conta-lhe a estória de amor entre narihira e a filha de ki-no-
aritsune. quando crianças, vizinhas, inclinavam-se nas bordas do poço e divertiam-se,
comparando suas alturas e vendo seus rostos sorridentes e cabelos flutuantes, refletidos na
água límpida. a própria imagem da felicidade inocente e pura. ao relatar essa passagem, a
mulher olha para cima, fazendo com que os lábios da máscara pareçam estar entreabertos,
sorrindo; recurso de iluminar a máscara, expressando a alegria.
crescem e, após uma troca de correspondência amorosa em forma de poemas, casam-se,
mas não foram felizes para sempre. com dificuldades financeiras, narihira, epítome da
beleza masculina da época e de forte temperamento passional, apaixona-se por outra
mulher. para mitigar a sua dor de mulher traída, a filha de ki-no-aritsune extravasa-a em
forma de poemas, “uma vez que somente a poesia pode expressar os nossos mais profundos
sentimentos”, como afirma a misteriosa mulher. usando o recurso de nublar a máscara, a
mulher olha para baixo, o que faz com que os lábios pareçam estar cerrados; a máscara
adquire um semblante pesaroso e melancólico, sugerindo a tristeza.
ao descobrir que sua esposa chegava até mesmo a orar pela sua segurança, na passagem
traiçoeira da montanha tatsuta, a caminho de suas visitas noturnas à amante, comovido
narihira regressa ao lar.
Insistentemente questionada pelo monge, a mulher afinal confessa ser o espírito da filha
de ki-no-aritsune que retornara à antiga morada movida por profundas saudades. Em
seguida, desaparece atrás do poço.
durante o interlúdio, o habitante da aldeia, interpretado pelo ai-kyôgen, narra ao monge a
lenda da filha de ki-no-aritsune, em linguagem bem mais clara e simples.
no segundo ato, desejando saber mais coisas a respeito do passado, o monge dorme com a
roupa virada do avesso. de acordo com uma velha crença, dormir dessa maneira
possibilitava o sonho com as coisas do passado ou com o ser amado.e no sonho do monge,
a mulher reaparece, agora como protagonista posterior, sofrendo uma transformação
profunda, refletida na mudança real do vestuário e da voz. trajando a roupa principesca do
marido, casaco com motivos de losangos florais e uma espada cingida à cintura, a bela
mulher participa suas reminiscências, em forma de canto e dança simbólicos.
chegamos assim ao clímax da peça. com o leque aberto na mão, a filha de ki-no-artsune
baila o utsuri-mai, dança de personificação do marido. O vestuário, a dança, as saudades
intensas, produzindo a identificação total da mulher com a figura do marido morto. a tal
ponto que, ao aproximar-se do poço, representado por uma armação de madeira natural,
com as bases envoltas em branco, tendo uma delas um pé de capim dos campos floridos, a
filha de ki-no-aritsune olha para seu reflexo na água e vê não a sua própria figura, mas a de
narihira. o masculino e o feminino fundidos numa só imagem.
com o soar do sino do templo ariwara, saudando o alvorecer, o fantasma da filha de ki-no-
aritsune, com um suspiro de saudade pelo passado, vai lentamente desaparecendo, como o
aroma das flores ao fenecerem. tudo não passou de um simples sonho do monge.
izutsu, como todas as peças do teatro nô, não apresenta envolvimento intelectual, uma
construção lógica. peça sintética, com um enredo bastante tênue, uma quase ausência de
ações e conflitos exteriores e enfatiza a experiência interior da filha de ki-no-aritsune,
reduzindo-se à sua essência, um estado de emoção pura: as lembranças, às vezes amargas,
mas sobretudo as intensas saudades dos tempos felizes.
a intensificação de uma única emoção, que constituiria a possível “unidade da peça”, visa
expressão de um plano de emoções que transcenda o individual e atinja o universal. o
tempo e o espaço convencionais perdem as suas arestas, resultando na abolição das
distinções entre sonho e realidade, mundo dos vivos e mundo dos mortos, restando apenas a
sensação de um vivido intemporal e a-espacial.
a captação da atmosfera desse momento de pungente vivência emocional é feita através de
gestos e movimentos de dança que, libertos das noções de tempo e espaço convencionais,
resultam, do ponto de vista ocidental, em uma lentidão enorme, como se as peças de nô se
passag(ss)em em câmera lenta. mas até certo ponto, uma lentidão exigida pelo público
japonês, a possibilidade não apenas da contemplação dos fatos, mas também da
participação na atmosfera criada.
as peças de nô são classificadas, de acordo com a natureza do shite, em cinco
categorias:divina, masculina, feminina, diversas e de demônio. as características de peça
essencialmente lírica, de pungente poesia, a obsessão do amor, com uma fragrância doce-
amarga, tendo no shite uma personagem feminina, o espírito de uma bela e terna mulher,
expressão do yûgen, inserem izutsu na categoria de peça feminina.
como a música que encanta a serpente fazendo-a dançar, é preciso despojarmo-nos de
todo questionamento racional, e simplesmente deixarmo-nos envolver pela música, dança e
gritos da peça izutsu, fazendo com que nossas emoções e sensibilidade aflorem e nos
transportem, magicamente, a um outro tempo e a um outro espaço. esse mundo poético, que
canta a eternidade de uma amor, que sobrevive até mesmo à morte.

um ritual de comunhão cósmica


o teatro nô. hoje.
chega até a nós.
como uma arte refinada. aristocrática. elitizada.
privilégio de poucos. intelectuais e ricos.

portanto. quando no futuro.


um grupo de teatro japonês. vier a são paulo.
o que por si só. já será um acontecimento raro.
esperamos que o façam.
não mais no recinto. de um teatro municipal.
por excelência. teatro da hierarquia do olhar.
e por extensão. da hierarquia social.
mas que volte. ao seu palco de origem.
a natureza. a praça pública. talvez. o parque do ibirapuera.
onde a multidão possa.
juntamente com os atores.
nivelando-se. todas as classes sociais.
e destruindo-se. a separação palco/platéia.
experienciar. na apenas contemplando.
mas participando.
como no carnaval de olinda.
desse ritual de redescoberta. do sentido mágico
da vida.
a comuna cósmica.

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