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1.1. O código visigótico – permaneceu como fonte do direito português durante todo o
século XIII. O código visigótico é o produto do cruzamento de influências romanas,
germânicas e canónicas, mas o contributo mais importante foi o romano. O direito
romano que influenciou o código visigótico foi o ante justinianeu, ou seja, o
anterior ao Corpus Iuris Civilis.
1.2. Leis emanadas das cúrias e concílios reunidos em Lião, Coiança ou Oviedo.
Mantiveram-se vigentes no território português as leis gerais saídas de algumas
cúrias e concílios que se realizaram antes da fundação da nacionalidade em Lião,
Coiança e Oviedo. A cúria era um órgão auxiliar do rei que tinha carácter
eminentemente político. Já os concílios tinham natureza eclesiástica. Como altos
dignitários da igreja participavam em reuniões da cúria. Os concílios eram por
vezes convocados pelo rei e neles participavam leigos. As duas instituições tendiam
a confundir-se. Parece que se pode falar da cúria de Lião e dos concílios de Coiança
e Oviedo.
1.3. Forais de terras portuguesas anteriores à independência. Foral – diploma
concedido pelo rei ou por um senhorio laico ou eclesiástico a uma determinada
terra e que continham normas disciplinadoras das relações dos habitantes entre si e
destes com a entidade outorgante. O foral era a espécie mais importante das
chamadas cartas de privilégio, que eram diplomas que criavam para certa
comunidade uma disciplina jurídica específica mais favorável do que a geral. Numa
primeira fase verificaram-se instrumentos muito rudimentares denominados Cartas
de Povoação, através dos quais a entidade outorgante, a respeito do seu domínio
fundiário (terra), dirigia-se aos que quisessem fixar uma determinada localidade,
mediante a adesão às cláusulas do diploma. Não existiu quebra de continuidade
entre Carta de Povoação e Foral. Matérias tratadas nos forais: liberdades e
garantias das pessoas e bens dos habitantes; impostos e tributos; composições e
multas devidas por delitos; serviço militar. Portanto, incluem-se essencialmente
normas de direito público.
1.4. Costumes – Nesta época o conceito de costume era usado em sentido amplo,
abrangendo as fontes de direito tradicional sem carácter legislativo. Aí se incluíam
sentenças da Cúria régia, sentenças de juízes municipais e de juízes arbitrais e ainda
pareceres de juristas consagrados.
2.1. Leis gerais dos primeiros monarcas – embora pouco, alguma coisa se legislava.
2.2. Forais – Sobretudo durante os primeiros reinados concederam-se muitos Forais e
Cartas de Povoação.
2.3. Concórdias e concordatas – Acordos efectuados entre o rei e as autoridades
eclesiásticas, reconhecendo direitos e obrigações mútuos relativos ao Estado e à
Igreja. Os acordos entre o rei e as autoridades eclesiásticas nacionais denominavam-
se concórdias. Já, se neles interviesse o papa, denominavam-se concordatas.
Contratos de crédito: refiram-se agora dois outros contratos, que tendo a terra por
objectivo, desempenharam relevante função financeira ou de crédito:
- compra e venda de rendas (censo consignativo) – o proprietário de um prédio, carecido
de capitais, cedia a outra pessoa, em compensação de uma soma para sempre recebida, o
direito a uma prestação monetária anual e imposta como encargo sobre o prédio. A
quantia para sempre recebida não tem que ser devolvida, pois quem fica devedor da
renda é quem for proprietário do prédio. Se este for vendido, é o novo proprietário quem
tem a obrigação de pagar a renda. A função deste negócio era semelhante à do
empréstimo a juros mas sem que fosse abrangido pela proibição da usura (cobrança de
juros por empréstimo de dinheiro).
- penhor imobiliário – aqui a transmissão do prédio pelo proprietário devedor podia ser
feita com diferentes objectivos como garantir o crédito e compensar a cedência do
capital ou ainda proporcionar o reembolso progressivo da dívida que se ia amortizando
com o desfrute do prédio.
Período do Direito Português de inspiração romano-canónica
Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado ou
direito comum
O direito romano justinianeu, desde o séc. VI até ao séc. XI – Entramos num ciclo da
história jurídica portuguesa marcada por uma revitalização intensa do direito romano
justinianeu, o que se inicia em Itália durante o século XI mas que se desenvolve a partir
do séc. XII e que é marcado por um novo interesse teórico e prático nas colectâneas do
Corpus Iuris Civilis na Europa Ocidental. È o fenómeno do chamado Renascimento do
direito romano – é certo que jamais se verificou uma absoluta falta de conhecimento
do direito romano justinianeu na Europa Ocidental entre os sécs. VI e XI, mas a
qualificação de renascimento de direito romano justifica-se para assinalar o contrato
entre uma difusão modesta ou indiferença nesse período e o interesse decisivo que o seu
estudo, já com antecedentes do séc. XI, assumirá do séc. XII em diante.
Factores determinantes do renascimento do direito romano:
Factores políticos – a restauração do império do ocidente, o chamado sagrado império
sacro-germânico, que encontrava no direito romano o seu sistema jurídico. Procurava-se
no direito justinianeu apoio para o robustecimento da posição imperial
Factores religiosos – o universalismo decorrente da fé e do espírito de cruzada unifica
os homens acima das fronteiras da raça e da história, permitindo o surgimento de uma
base jurídica comum
Factores culturais – assistiu-se a um progresso geral de cultura
Factores económicos – a expansão económica que se verificou nesta época, com o
aumento da população, o êxodo rural e as potencialidades da nascente economia
citadina fez com que se colocassem ao direito problemas de maior complexidade e se
recorresse a um corpo jurídico mais perfeito
Na Europa em geral:
- estudantes estrangeiros em Bolonha: Bolonha tornou-se o centro para onde convergia
um número avultado de estudantes de outros países da Europa, que no regresso traziam
consigo a nova ordem jurídica
- fundação de universidades: assiste-se durante os sécs. XII e XIII à criação progressiva
de universidades, onde se cultivavam os ramos do saber. Entre estes figurava, ao lado
do direito canónico, o direito romano das colectâneas justinianeias professado segundo
o método das escolas italianas
Na Península Ibérica (especialmente em Portugal):
O direito romano renascido, apesar de não desconhecido anteriormente, só entrou nas
práticas dos tribunais e do tablionato nos começos do séc. XIII, sendo principalmente a
partir dos seus meados que se desenvolve a recepção do direito romano justinianeu.
Além dos 2 elementos já indicados que permitiram a difusão da romanística na Europa
em geral, quanto à Península Ibérica acrescentam-se outros:
- estudantes peninsulares em escolas jurídicas italianas e francesas e presença de
jurisconsultos estrangeiros na Península: desde os começos do séc. XIII existem
testemunhos de uma presença significativa de estudantes peninsulares, especialmente
eclesiásticos, em centros italianos e franceses de ensino do direito. As preferências
favoreciam a universidade de Bolonha. Alguns juristas peninsulares chegaram mesmo a
ocupar cátedras de direito romano e direito canónico. Normalmente regressavam ao país
após concluir os estudos, ascendendo a postos cimeiros na carreira eclesiástica política
ou do ensino e tornando-se mensageiros da difusão do direito romano. Resultado
análogo decorria da vinda de jurisconsultos estrangeiros para a península,
desempenhando importantes funções junto dos monarcas ou exercendo a docência
universitária.
- difusão do Corpus Iuris Civilis e da Glosa: os referidos juristas traziam do estrangeiro,
além da especialização, textos relativos à disciplina que cultivavam.
- o ensino do direito romano nas universidades – no nosso país o estudo geral surgiu no
reinado de D. Dinis, assinalando-se tradicionalmente a data de 1 de Março de 1290. A
____ confirmatória do papa Nicolau IV faz referência expressa à obtenção dos graus de
licenciados em direito canónico e direito civil.
- legislação e prática de inspiração romanística – na lei e no tablionato sentiu-se também
a influência do direito romano renascido.
- obras doutrinais e legislativas de conteúdo romano:
Obras doutrinais – salientam-se as Flores de Derecho e os Nuevos Tiemplos de
los Pleitos (discussão em Tribunal), que eram compêndios relativos ao processo civil de
inspiração romano-canónica que tendia a substituir o sistema consuetudinário e foraleiro
vigente de raiz germânica
Obras legislativas – decorreram da política do rei castelhano Afonso X, o Sábio,
que procurou reivindicar para o monarca a criação jurídica assim como a uniformização
e a renovação do direito dos seus reinos. Destacam-se o fuero real (compilação de
normas municipais destinada às cidades sem fuero ou às que o tivessem mas quisessem
substituí-lo por um mais perfeito e actualizado; era constituído por preceitos do código
visigótico e por costumes territoriais castelhanos, mas nele existem importantes reflexos
romanísticos e canonísticos, sobretudo através da recepção de soluções jurídicas
concretas) e as Siete Partidas (exposição jurídica de carácter enciclopédico
essencialmente inspirada no sistema do direito comum romano canónico; desempenhou
relevante papel na formação dos juristas e receberia em meados do séc. XIV
consagração legal de fonte de direito subsidiário.
Ordenações Afonsinas
Elaboração e início de vigência
Pedidos insistentes foram sendo formulados nas cortes no sentido de ser
elaborada uma colectânea do direito vigente que evitasse a incerteza derivada da grande
dispersão e confusão de normas. Neste sentido, D. João I encarregou João Mendes de
preparar a obra pretendida. Depois da morte de ambos, D. Duarte confiou a continuação
dos trabalhos preparatórios a Rui Fernandes. Falecido D. Duarte, o Infante D. Pedro,
regente na menoridade de Afonso V, incitou aquele compilador a dedicar-se à tarefa.
Rui Fernandes viria a considera-la concluída em 28 de Junho de 1446. Após ter
recebido alguns retoques, procedeu-se à sua publicação com o título de “Ordenações”
em nome de D. Afonso V. Os anos 1446/47 foram presumivelmente o da entrega do
projecto concluído e o da publicação. Mostra-se difícil a determinação da data de
entrada em vigor, mas a efectiva generalização deve ter-se operado depois de dobrada a
primeira metade do séc. XV. Facilitou a divulgação o facto de não apresentar inovações
profundas.
Sistematização e conteúdo
Encontravam-se divididas em 5 livros precedidos de um proémio, livros esses divididos
em títulos e os títulos em parágrafos.
Livro I – tem um conteúdo jurídico-administrativo com matérias relativas a governo,
justiça, fazenda e exército
Livro II – continha providências de natureza política ou constitucional como os bens e
privilégios da igreja, direitos do rei e sua cobrança, prerrogativas da nobreza e estatuto
dos judeus e mouros
Livro III – trata do processo civil
Livro IV – direito civil substantivo → direito das obrigações, direito das coisas, direito
da família e direito das sucessões
Livro V – contém normas de direito e processo criminal
Importância da obra
Foram a síntese de consolidação da autonomia do sistema jurídico nacional no conjunto
peninsular, representando o suporte da posterior evolução do direito português. Por
outro lado, acentua-se a independência do direito próprio do reino em face do direito
comum, subalternizado, como veremos, no posto de fonte subsidiária.
Ordenações Manuelinas
Elaboração
Em 1505, D. Manuel encarregou uma comissão de juristas de proceder à actualização
das ordenações do reino. Motivos de tal reforma:
- Introdução da imprensa em finais do séc. XV – ora, já se impunha levar à tipografia a
colectânea jurídica básica do país, convinha um prévio trabalho de revisão e
actualização
- Não era indiferente a D. Manuel, que assistiu a pontos altos dos descobrimentos,
associar o seu nome a uma reforma legislativa de vulto. Só em 1521, ano da morte do
rei, se verificou a edição definitiva das ordenações manuelinas.
Ordenações Filipinas
Elaboração
Impunha-se uma reforma profunda das ordenações manuelinas, até porque estas não
realizaram a transformação jurídica que o seu tempo reclamava. A oportunidade
permitiria a D. Filipe I demonstrou pleno respeito pelas instituições portuguesas e
empenho em actualizá-las dentro da tradição jurídica do país.
Os trabalhos preparatórios foram iniciados entre 1583 e 1585, tendo as ordenações
filipinas ficado concluídas em 1595, mas só no reinado de Filipe II em 1603 iniciaram a
sua vigência.
Os filipismos
Os compiladores filipinos tiveram a preocupação de rever e coordenar o direito vigente
mas reduzindo ao mínimo as inovações. Apenas se acrescentou o novo ao antigo, daí
subsistirem normas revogadas ou caídas em desuso, verificarem-se frequentes faltas de
clareza e, até, com tradições resultantes da inclusão de disposições opostas a outras que
não se eliminaram. A ausência de originalidade e os restantes defeitos receberam pelos
finais do século XVIII e designação de filipismos.
O COSTUME:
O costume mantinha a sua eficácia da fonte de direito quer fosse secundum legem,
praeter legem ou contra legem.
As ordenações afonsinas limitaram-se a consagrar a vigência do costume antigamente
usado.
Já as ordenações manuelinas salientam a validade dos costumes locais no mesmo plano
dos costumes gerais mas restringindo a observância de ambos como fonte imediata aos
casos em que a doutrina romanística e canonistica admitissem a sua vigência.
Requisitos do Costume:
1º Tornou-se corrente a doutrina do direito comum que exigia um período igual ou
superior a 10 anos. Porém no âmbito do direito canónico havia autores que para o
costume contrário à lei preconizavam duração mínima de 40 anos.
2º Número de actos necessários à demonstração da sua vigência: as opiniões divergiam
entre um e dez actos mostrando-se mais seguida a que se contentava com dois actos
nomeadamente de natureza judicial.
HUMANISMO JURÍDICO
A Segunda Escolástica
Analisaremos agora os contributos jurídicos e políticos da corrente desta época que
ficou conhecida como Segunda Escolástica.
- O direito natural na escolástica medieval:
Na idade média as questões tocantes ao direito natural foram estudadas pelos teólogos
que nomeadamente estudaram a sua relação com a vontade divina.
Surgiram assim duas posições: idealismo e voluntarismos.
O idealismo que teve São Tomás de Aquino como expoente entende que Deus
sancionou o direito natural porque nesse direito existe uma verdade racional eterna.
O voluntarismo defendido por Duns Escoto e Guilherme de Ockam defende ao
contrário que o direito natural só o é porque Deus assim o quis e diferente seria se outra
fosse a vontade divina.
O exasperar de argumentação por parte da corrente idealista levou a que a pouco e
pouco se restringisse a ligação de Deus ao direito natural.
Significativo disto mesmo é o raciocínio levado a cabo pelos autores idealistas embora
sempre ressalvando o seu carácter de redução ao absurdo: mesmo que não existisse
Deus haveria sempre algo que faria com que o conteúdo da recta razão fosse o mesmo.
Novo Código
Em 1778, D. Maria I criou uma comissão, tendo por objectivo a reforma geral do direito
vigente, projecto que ficou conhecido por Novo Código. Dever-se-ia averiguar as
normas contidas nas ordenações e em leis extravagantes que conviria suprimir por
antiquadas mas também aquelas que se encontravam total ou parcialmente revogadas, as
que vinham levantando dúvidas de interpretação e as que a experiência aconselhava a
modificar. Estava-se perante os trabalhos preparatórios de um novo projecto legislativo,
embora se procurasse a simples actualização das ordenações. Algum trabalho feito sobre
temas de direito privado e de processo deixa entrever certa actualidade e que se esteve
em vias de elaboração de um autêntico código, mas a comissão não chegou a propostas
de vulto. Em 1783 Mello Freire foi encarregado de rever os livros II e V das
ordenações, do que resultaram os projectos de código do direito público e de código
criminal. Na apreciação do projecto de código do direito público, Mello Freire,
partidário do absolutismo, e António Ribeiro dos Santos, adepto dos princípios liberais,
envolveram-se em forte polémica, conhecida por Formidável Sabatina. O projecto do
código do direito público acabou por não vingar, o do código criminal nem discutido
foi. Assim fracassou mais uma tentativa de reforma das antiquadas ordenações filipinas.
As circunstâncias não lhe eram favoráveis pois vivia-se um período de transição ou
compromisso em que o despotismo esclarecido encontrava-se no ocaso e as ideias da
revolução francesa mal se avistavam entre nós.
Época do Individualismo
Algo de semelhante aconteceu com a regra também oriunda do direito romano de que
ninguém pode morrer em parte com testamento e em parte sem ele, isto é, se o testador
não deixar toda a herança aos herdeiros testamentários os herdeiros legítimos não
podem herdar o restante que vai reverter para os herdeiros testamentários.
As ordenações diziam que os soldados podiam contudo morrer em parte com testamento
e em parte sem ele.
Como esta era a reprodução fiel da doutrina romana que considerava o testamento
militar uma excepção à regra geral entendia-se que as ordenações acolhendo a excepção
também queriam acolher a regra.
Como porém essa regra romana foi condenada pelas doutrinas jusnaturalistas houve que
forjar aqui uma nova interpretação.
Passou a afirmar-se que o facto de as ordenações terem adoptado a excepção não
significa que tivessem querido acolher a própria regra pois para isso seria necessário
que o tivessem dito expressamente e não disseram.