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2010
Artigo Original
Resumo: Tratar de restrições nos leva a uma perspectiva teórica que permite compreender como os
praticantes adquirem padrões de coordenação nos vários contextos esportivos (ARAUJO, 2005). É
fundamental para o treinamento que se tenha um conhecimento acerca das restrições mais relevantes que
atuam sobre o desempenho dos esportistas, possibilitando uma adequada fundamentação da proposta do
trabalho da equipe técnica. No mundo do esporte, a questão da aplicação de referencias teóricos, é algo
há muito desejado e perseguido, no entanto, nem sempre observamos a utilização de conhecimentos
teóricos produzidos em pesquisas experimentais que promovam alterações suficientes e marcantes,
ampliando o corpo de conhecimento das Ciências do Esporte. Este estudo busca localizar e a propor
outras formas de trabalhar rotinas nos treinamentos esportivos, de experts e iniciantes dos esportes, em
especial do Voleibol. Este objetivo não se restringe apenas nas questões relativas ao processo de ensino-
aprendizagem, nem tão pouco aos treinamentos esportivos, mas avança, inclusive, para as instruções
dadas pelos técnicos aos seus comandados, em momentos quaisquer da trajetória esportiva destes. Inova
ao buscar aplicar o conceito de restrição diretamente numa modalidade esportiva de domínio internacional,
o voleibol, ainda com poucas análises sistemáticas sobre o desempenho humano, em situação de
competição.
Palavras-chave: Restrição. Voleibol. Psicologia.
intervenção junto aos seus atletas, de modo que elementos esteja mais perfeitamente organizado,
cada um tenha conhecimentos de suas restrições eficiente.
diante de suas tarefas e que seja maximizado os
Pensar nas restrições dos atletas remete-nos
esforços sem que se detenha em rotinas de
a pensar nas suas características pessoais: sua
ações iguais para todo um grupo, sem considerar
composição psicológica (cognição, estados
que as restrições a serem tratadas não se devem
emocionais), sua composição corporal, as
prender a, apenas, àquelas do esporte mas, e em
conexões sinápticas, e perceber que as
especial, as dos próprios esportistas.
estruturas neuro-anatômicas dos músculos e
Cada atleta é um sistema que busca uma articulações são as importantes restrições no
constante integração buscando manter a unidade, desempenho esportivo, na maioria das vezes.
e, sendo assim, seu estado de organização vai Vale lembrar de atletas que apresentam
depender de um conjunto de fatores que podem excelente estrutura neuro-anatomica, altura
ser enumerados a partir do seu crescimento e invejável e movimentos limpos porém, em jogos
desenvolvimento e da prática exercida na ação decisivos, não conseguem decidir a bola a ser
esportiva. Isso nos possibilita entender que os atacada nem com que tipo de ataque atuarão.
sistemas de movimentos humanos apresentam Tornam-se ineficientes e imprecisos, em despeito
características específicas quanto aos graus de de toda a composição corporal.
liberdade, que variam de pessoa para pessoa e
Atletas que se adaptam mais facilmente diante
de situação para situação (DAVIDS, BUTTON e
de múltiplas fontes de informação disponível, em
BENNET, 2005).
contextos dinâmicos, são detentores de um nível
Devido à abundância de graus de liberdade mais elaborado de desempenho. Podem variar o
mecânicos disponíveis no sistema motor, o maior padrão de coordenação básico à medida que o
problema para o praticante é converter o contexto muda. Podemos, então, dizer que as
complexo sistema de movimento humano num restrições do esportista incluem padrões
sistema controlável, mais estável. Com a habituais de tomada de decisão, níveis de perícia
aprendizagem, grupamentos funcionais ou desvio no sistema visual. Estas características
emergem, estabilizando o sistema motor frente as individuais podem ser entendidas como recursos
flutuações aleatórias que podem ocorrer entre os que serão empregados pelo esportista para uma
componentes do sistema. determinada ação ou para resolver limitações
impostas, mediante adaptações específicas.
A impressionante capacidade de estabelecer
Dentre as possíveis restrições, aquelas relativas
relações entre as partes do sistema, de modo
a altitude, temperatura, luz ambiente, gravidade e
estável ou instável, possibilita (ou não) um ajuste
vento são consideradas restrições do ambiente e
e adaptação entre as partes, num processo
interferem no funcionamento do movimento
denominado auto-organização. Este processo é o
humano, em níveis específicos. Da mesma forma
ponto máximo que cada profissional do Esporte
que os fatores sociais, que são representados
busca desenvolver em seus comandados. Para
pela família, amigos, torcidas e os culturais que
isso, o trabalho deve sempre considerar três
respondem pelos valores e expectativas sociais
questões imprescindíveis para a teoria: a tarefa, o
do esportista compõem outras restrições de igual
praticante e o envolvimento que, junto permitirão
importância no macro-sistema em que a prática
uma adequada percepção e uma precisa ação
esportiva estiver inserida.
em direção do objetivo pretendido, seja ele qual
for, no esporte. Podemos exemplificar, lembrando que uma
quadra de fundo escuro, com uma rede escura,
As restrições e o Voleibol será um local de dificuldade para ambas as
As restrições não se configuram como equipes, visto a complexidade para formar a
elementos negativos ou dificultadores da ação, figura-fundo, assim, a acuidade visual
mas como elos de ligação entre os componentes comprometerá a ação esportiva na abordagem da
de um sistema. Favorecem a exploração e bola ou no deslocamento na rede. Vale, também,
escolha das melhores e mais eficientes formas de o exemplo de quadras esportivas dentro de
executar, diante da gama de opções ginásios redondos, sem marcações ou placas,
possibilitadas pelo meio. Isso implica em uma que possibilitem uma identificação de espaço.
priorização de escolha pela ação cujo conjunto de Neste caso, a dificuldade de colocação, em
recurso eficiente para estimular o beira sempre ao estudo dos limites do atleta: no
desenvolvimento de um atleta autônomo. contexto esportivo, o praticante não é mais
estudado como um sistema fechado, mas
A busca de manipulações da complexidade do
jogo formal, desde que não se desvirtue a totalmente integrado num sistema maior, onde
natureza do esporte, é um metodologia que participa com suas diferenças pessoais e grupa-
favorece à autonomia dos praticantes. A se as diferenças de cada um dos companheiros
aplicação de jogos 1x1, 2x2, 3x3...8x8, com rede de equipe. Neste cenário polifônico temos um
coberta, sem rede, enfim...) são ideais para a conjunto de aquisições ocorrendo em tempos
alteração dos graus de liberdade, para a re-leitura diversos: atitudes sociais, compreensão do
perceptual do objetivo do jogo e para o objetivo da modalidade, tecnologia aplicada ao
redimensionamento das tomadas de decisão. esporte e conhecimento da motricidade.
Favorece, desta maneira, o ajustamento do
conhecimento tático e da capacidade perceptiva, As restrições psicológicas serão, assim,
levando à auto-organização. barreiras a serem superadas ou reorganizadas,
contribuindo para a transformação ou queda dos
O contrário é igualmente verdadeiro: é
limites e possibilitando novas percepções do
disfuncional. Trabalhar rebatendo bolas na
contexto e novas abordagens para o atendimento
parede, sem deslocamentos, sem alteração de
ao objetivo do jogo. Esta constante linearidade-
altura e velocidade de bola, luminosidade do
não linearidade é vista como uma restrição
ambiente resultará num conjunto de informações
comportamental comum no esportista que busca
desnecessárias e inúteis para uma modalidade
a autonomia. A necessidade de otimizar as ações
situacional (BARELA e BARELA, 2001). È
leva os esportistas à algumas restrições mais
necessário integrar volume, ritmo, intensidade,
severas que podem modificar sua percepção e
altura, velocidade, intencionalidade na tarefa
impedir sua adequada participação junto ao
trabalhada, para que se aproxime cada vez mais
grupo.
da situação do jogo.
De ordem individual, as restrições psicológicas
Repensar nas estratégias de ensino e
afloram e cobram um conhecimento e intervenção
treinamento significa repensar nas tarefas dos
imediata, por parte do treinador atento, no sentido
treinadores e dos esportistas. Na visão
de não permitir eu o grupo seja contaminado por
construtivista temos que o esportista estará
percepções individuais equivocadas ou pouco
fundamentando ativamente seu desenvolvimento,
produtivas para sua equipe. A interferência
fugindo das tradicionais situações em que o
externa, de outros micro-sistemas, chega com
treinador prescrevia e centralizava a direção dos
força inimaginável aos jogadores pouco
trabalhos. Na perspectiva aqui abordada, as
experientes. A mídia, uma forte representante
estratégias levam à descobertas e confrontam os
destas restrições, pode provocar uma distração
esportistas com suas tomadas de decisão, de
do foco atencional do atleta pouco preparado
modo a levá-los a buscar novas e promissoras
(MACHADO, 2008a) e causar grandes
saídas, potencializando sua autonomia.
desorganizações, num grupo.
Passa a caber, aos treinadores, a orientação
da percepção dos praticantes para a auto- A pressão midiática vem se somar à pressão
organização, permitindo que estes realizem suas publica, que cobra resultado. Este público, em
interpretações e analises as restrições presentes sua maciça maioria leigo diante dos
no contexto, desenvolvendo, assim, sua conhecimentos do rendimento esportivo,
inteligência tática. Perceber e compreender o erro externaliza sinais que são percebidos como
passa a ser tarefa do esportista que busca cobranças e apoios, que nem sempre recebem
autonomia (ZOUDJI, DEBÚ, THON, 2002); as uma adequada percepção pelo esportista, que,
competências desejadas não estão livres de má mais uma vez, tem seu foco desregulado e ao
interpretação das restrições e das ações invés de atuar perseguindo os objetivos do
impróprias numa determinada ação.
esporte, priorizam os objetivos dos torcedores.
Restrições comportamentais: leitura Como o equilíbrio torcida-atleta nem sempre está
da psicologia do esporte devidamente afinado, é comum que não ocorram
Isto posto, vamos centrar nossa atenção em reciprocidades de intenções e que o jogador não
uma restrição específica: a comportamental. A supere a força desta restrição, cometendo
discussão sobre os limites do rendimento humano
situação real do jogo e a percebida, deve ser inteligência motora estará despertada e
mínima, quando se observa com critério. preparada para responder com adequação.
Afirmamos que os aspectos psicológicos e No mínimo, trabalhar com os erros e visualizar
emocionais, tais como vontade, motivação, nível escapes para situações inusitadas permitem um
de aspiração, ansiedade, agressão, vergonha, processo de caminhada rumo a autonomia e ao
medo, euforia são muito decisivos na hora de rendimento esportivo próximo do ideal, sem
obter um bom resultado. Em algumas situações, desprezar nenhuma informação despertada pelo
os esportistas se apresentam com medo de sistema em que se está imerso, no decorrer da
assumir riscos, vergonha do fracasso, excitação partida. As restrições comportamentais bem
demasiada e, diante das estruturas da Psicologia centradas possibilitarão um envolvimento focado
Bioecológica é preciso que as adequações sejam e um grupo atento a cada rally, independente
realizadas por intermédio de intervenções que dele se manifestar em vitória-derrota, e a
possibilitem aos atletas reconhecerem a lógica do possibilidade de fazer de cada erro uma vitória,
esporte e se auto-organizarem, buscando a fortalecerá o macro-sistema.
autonomia para a continuidade de suas ações.
Referências
Em razão desta afirmação e diante das
restrições comportamentais é que o treinamento ARAUJO,D. O contexto da decisão: a acção
táctica no desporto. Lisboa: Visão e Contextos,
esportivo tentará favorecer os esportistas a 2005.
aprender estratégias pessoais para alcançar um
nível de ativação adequado (arousal) para a BARELA, J.A.; BARELA A. O contexto da
percepção e ação, no jogo. No mesmo sentido, é aprendizagem motora: perspectivas teóricas e
necessário que este esportista saiba trabalhar desafios metodológicos na abordagem dos
sistemas dinâmicos. In: GUEDES, M.G.S. (Ed.)
com as informações e experiências mal-
Aprendizagem motora: problemas e contextos.
sucedidas ou em caso de dúvidas no momento Lisboa: FMH, p. 59-69, 2001.
decisório. Desenvolver a concentração e focar-se
no objetivo do jogo permitem uma auto- BEEK,P; JACOBS, D.M; DAFFERTSHOFER, A.;
organização constante e uma autonomia nas HUYS, R. Expert performance in sport: view from
the joint perspectives of ecological systems
ações (SALMELA, 1999). Acreditamos, assim,
theory. In: STARKES, J.L.; ERICSSON, A. (Eds)
que um apoio psicológico preventivo é necessário Expert performance in sports_ advances in
diante de tanta instabilidade dos sistemas research on sport expertise; p. 321-348.
Champaign: H.K.P., 2003.
Propostas de aplicação
Entendemos que um trabalho sobre constante DAVIDS,K; BUTTON, C.; BENNET,S.J.
pressão da situação, em ritmo e intensidade forte, Acquiring movement coordination: a
favoreça a despertar a percepção do sistema e constrints-based framework. Champaign: H.K.P.,
2005.
ensaiar uma ação auto-organizada, em
esportistas experientes. Diferente dos trabalhos GIBSON, JK.J. The ecological approach to
rotineiros e sem exploração do contexto, ou visual perception. Hillsdale: Lawrence Eribaum
pouco ativado. Isso implica em termos atletas que Associates, 1979.
considerem a movimentação dos adversários e
dos companheiros de maneira integrada e IVOILOV, A.V. Volley Ball. Paris: Vigot, 2001.
diferenciada, fazendo a correta leitura
MACHADO, A.A. Mídia e esporte: canais de
(percebendo) cada um dos micro-sistemas que interferências psicológicas. In: BRANDÃO,
compõem o rally em que está envolvido. M.R.F., MACHADO,A.A. Aspectos Psicológicos
do Rendimento Esportivo, vol. 2. São Paulo:
Excitar ao trabalho de exploração dos pontos Atheneu, 2008a.
fracos dos adversários e tomar decisão
rapidamente, mesmo que tendo que agir sem “ler” MACHADO,A.A. Liderança_ novas perspectivas
a situação é uma das formas de garantir uma no futebol. In: BRANDÃO, M.R.F.;
auto-organização adequada, diante deste esporte MACHADO,A.A.; MEDINA, J.P.S.; SCAGLIA, A.
Futebol, psicologia e produção do
de situação, em que cada “quadro” varia em
conhecimento. vol. 3. São Paulo: Atheneu,
função de micro-milésimos de segundos. A 2008b.
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