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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS


FACULDADE DE OCEANOGRAFIA

DAVI HENRIQUE XAVIER BRANCO CARIONI RODRIGUES

CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE
COMUNIDADES PESQUEIRAS NA BAÍA DE
GUANABARA COMO SUBSÍDIO À ELABORAÇÃO DE
UM NOVO MODELO DE GESTÃO PARA A PESCA DE
PEQUENA ESCALA

Monografia apresentada à Faculdade de


Oceanografia da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, como requisito final
para a obtenção do grau de Bacharel em
Oceanografia.

ORIENTADORA
Msc. DEBORAH BRONZ

RIO DE JANEIRO, JULHO DE 2009


Rodrigues, Davi Henrique Xavier Branco Carioni

Caracterização socioambiental de comunidades pesqueiras na baía


de Guanabara como subsídio à elaboração de um novo modelo de
gestão para a pesca de pequena escala / Davi Henrique Xavier Branco
Carioni Rodrigues - 2009

149p.

Orientadora: Msc. Deborah Bronz

Monografia (Bacharelado em Oceanografia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro -


Faculdade de Oceanografia, Rio de Janeiro, RJ.

1. Atividade pesqueira 2. Diagnóstico Rápido Rural

3. Gestão participativa 4. Baía de Guanabara, RJ

I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Oceanografia II. Título

ii
Davi Henrique Xavier Branco Carioni Rodrigues

CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE COMUNIDADES


PESQUEIRAS NA BAÍA DE GUANABARA COMO SUBSÍDIO À
ELABORAÇÃO DE UM NOVO MODELO DE GESTÃO PARA A
PESCA EM PEQUENA ESCALA

Monografia apresentada à Faculdade de


Oceanografia da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, como requisito final
para a obtenção do grau de Bacharel em
Oceanografia.

APROVADO EM 23 DE JULHO DE 2009,

______________________________________
PhD. Gian Mario Giuliani
Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

______________________________________
PhD. Marcus Polette
Universidade do Vale do Itajaí – Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar

iii
AGRADECIMENTOS

Sem hesitar agradeço a minha família, acolhedora, amorosa, estimulante. A


todos os seus componentes, inclusive àqueles que nem conheci. Agradeço
especialmente a minha mãe e meu pai, que há pouco mais de 27 anos se
encontraram em uma praia em Macaé. Aos meus queridos avós.

Aos meus amigos queridos, a todos, inclusive aqueles amigos cuja amizade
tenha durado apenas um lampejo de segundo. Saibam que estão na minha
essência, que fluem e continuarão fluindo dentro. Aos meus companheiros da
oceanografia, que dividiram momentos brilhantes.

Ao amor, grande fermento da vida.

Aos anarquistas, que correspondem a uma categoria à parte de ser humano,


especialmente aqueles que iluminam minha vida e me fazem seguir
caminhando a cada manhã de domingo. Que este trabalho seja o pontapé
inicial para novas discussões, para novas possibilidades de transformação.

Agradeço aos meus orientadores acadêmicos, a quase todos.

E fundamentalmente aos pescadores da baía de Guanabara, por terem me


acolhido em diversas conversas de beira mar. Espero que possamos avançar
rapidamente na direção de uma vida melhor para todos.

iv
A oceanografia [...] é uma arte antes que uma ciência, mas como
todas as grandes artes demanda o concurso de todas as ciências.
Por isso prefiro dizer que a oceanografia é arte e ciência ao
mesmo tempo. A ciência tem aspirações infinitas. Na realidade,
porém, ela é cruelmente limitada pela infinita fraqueza da
inteligência humana e pela infinita transcendência dos
fenômenos naturais.

Almirante Raul Tavares,

02 de setembro de 1940

v
ABSTRACT

In spite of the importance of the fishery industry at the Guanabara bay, a hard
natural and social environment persists creating difficulties to its social
reproduction. Contemporary debates show that one of the reasons behind this
situation is related to the inadequacy of the tools and policies that have been
applied to fishery management, usually not adapted to fishery peculiar social
and natural features. The aim of this monograph lies on the comprehension of
fishery practices, with the general objective of the establishment of a new set of
variables that could support the design of a new management project to the
Guanabara bay fishery. The research was carried out in four communities:
Quinta do Caju and Tubiacanga (Rio de Janeiro City), Praia de Olaria (Magé
City) and Gradim (São Gonçalo City). The data was collected through the use of
the techniques available at the Rapid Rural Appraisal. The results show the
presence of several types of fishing activity, each one based in a particular set
of fishing practices and environmental perceptions. Furthermore the Guanabara
bay fish commercialization chain is long and the communities have a trustless
perception about the role played by the government structures, by the public
policies and by the public investments. Yet, the local fishermen institutions don´t
count with the support of a great number of fishermen.

vi
RESUMO

A despeito da importância da atividade pesqueira na baía de Guanabara, nota-


se a persistência de um ambiente natural e social cada vez mais duro à sua
reprodução social. Discussões contemporâneas indicam que um dos maiores
empecilhos à sustentabilidade desta atividade encontra-se na ausência de um
sistema de gerenciamento adequado à sua peculiar condição socioambiental.
Visto isto, esta monografia tem como objetivo contribuir para a compreensão da
atividade pesqueira com o intuito de estabelecer novos pressupostos para a
elaboração de um novo modelo de gestão. A pesquisa foi realizada em quatro
comunidades da baía, a saber: Quinta do Caju e Tubiacanga (município do Rio
de Janeiro), Praia de Olaria (Magé) e Gradim (São Gonçalo). A abordagem
metodológica baseou-se no emprego do conjunto de técnicas disponibilizadas
pelo Diagnóstico Rápido Rural. Os resultados mostraram a presença de um
conjunto de modalidades pesqueiras que envolve várias práticas sociais e
percepções sobre o ambiente. Notou-se a ocorrência de uma longa cadeia de
intermediação da produção, a falta de inserção de políticas públicas e de
confiabilidade das comunidades pesqueiras na estrutura governamental
existente, além da carência da participação dos pescadores nas instituições
locais de pesca.

vii
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................... IV
ABSTRACT .............................................................................................. VI
RESUMO ................................................................................................. VII
SUMÁRIO ............................................................................................... VIII
LISTA DE FIGURAS ................................................................................. X
LISTA DE FOTOS .................................................................................... XI
LISTA DE QUADROS ............................................................................ XIII
1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
2 OBJETIVOS ..................................................................................... 11
2.1 GERAL ................................................................................................. 11
2.2 ESPECÍFICOS...................................................................................... 11
3 JUSTIFICATIVA ............................................................................... 11
4 ÁREA DE ESTUDO ......................................................................... 13
5 METODOLOGIA .............................................................................. 20
5.1 PLANO AMOSTRAL ............................................................................. 20
5.2 MÉTODO DE APREENSÃO DOS DADOS .......................................... 22
5.2.1 ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL ............................................. 26
5.2.2 OBSERVAÇÕES DE CAMPO ................................................................. 26
5.2.3 ENTREVISTAS ................................................................................... 28
5.3 ESCOLHA DAS VARIÁVEIS ESTUDADAS ......................................... 30
5.4 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS ........................................... 32
5.5 RESUMO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ................................ 34
6 DIAGNÓSTICO AMBIENTAL DA BAÍA DE
GUANABARA .................................................................................. 36
6.1 POLUIÇÃO ........................................................................................... 36
6.2 PERCEPÇÕES SOBRE MUDANÇAS AMBIENTAIS ........................... 38
6.3 SOCIOECONOMIA............................................................................... 41
6.3.1 POPULAÇÃO ..................................................................................... 42
6.3.2 EDUCAÇÃO ....................................................................................... 43
6.3.3 SANEAMENTO ................................................................................... 45
6.3.4 SÍNTESE DOS DADOS SOCIOECONÔMICOS ............................................ 46
6.4 MARCOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS ASSOCIADOS
À ATIVIDADE PESQUEIRA ................................................................. 47

viii
7 DIAGNÓSTICO DA ATIVIDADE PESQUEIRA ............................... 53
7.1 PRÁTICAS PESQUEIRAS ................................................................... 53
7.1.1 TUBIACANGA .................................................................................... 54
7.1.2 QUINTA DO CAJU .............................................................................. 56
7.1.3 GRADIM ........................................................................................... 61
7.1.4 PRAIA DE OLARIA .............................................................................. 68
7.2 COMPOSIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E IMPORTÂNCIA DAS
ESPÉCIES ALVO ................................................................................. 75
7.3 DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO NA PRODUÇÃO
PESQUEIRA ........................................................................................ 77
7.4 ECONOMIA PESQUEIRA .................................................................... 79
7.5 ORGANIZAÇÃO LOCAL DA PESCA ................................................... 89
7.5.1 ASSOCIAÇÃO DOS PESCADORES LIVRES DE TUBIACANGA .................... 89
7.5.2 COLÔNIA Z-12 .................................................................................. 92
7.5.3 ASSOCIAÇÃO DOS PESCADORES LIVRES DO GRADIM E ADJACÊNCIAS ... 94
7.5.4 COLÔNIA Z-09 ................................................................................ 101
8 ANÁLISE CRÍTICA ........................................................................ 108
8.1 DA METODOLOGIA........................................................................... 108
8.2 DOS RESULTADOS .......................................................................... 109
8.2.1 TIPOLOGIA DA PESCA NA BAÍA .......................................................... 109
8.2.2 PRESSÕES SOCIOECONÔMICAS ....................................................... 110
8.2.3 PRESSÕES AMBIENTAIS ................................................................... 113
8.2.4 REGULAÇÃO DO ACESSO AOS RECURSOS PESQUEIROS ..................... 114
8.2.5 TERRITORIALIDADE E CONFLITOS PELO USO DO ESPAÇO MARÍTIMO .... 116
8.2.6 DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO E ECONOMIA PESQUEIRA ................... 118
8.2.7 ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA DA PESCA ........................................... 120
9 CONCLUSÕES .............................................................................. 124
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................. 127

ix
LISTA DE FIGURAS

Figura 2.1: Esquema de diferenciação das pescarias de grande


e pequena escalas. Fonte: Adaptado de Berkes et al.
(2001). ........................................................................................... 2
Figura 5.1: Localização da baía de Guanabara e de seus
municípios confrontantes. ............................................................ 14
Figura 5.2: Bacia de drenagem da baía de Guanabara. ................................ 16
Figura 5.3: Classificação das localidades onde ocorrem
desembarque pesqueiro na baía de Guanabara. ........................ 21
Figura 5.4: Localização das comunidades de pescadores da
baía de Guanabara que foram estudadas. .................................. 22
Figura 5.5: Possíveis triangulações utilizadas para ratificar uma
informação sobre um mesmo tema. Fonte: Adaptado
de Wilde (2001). .......................................................................... 24
Figura 5.6: Distribuição das variáveis pelas demais seções
desta monografia. ........................................................................ 34
Figura 5.7: Fluxograma de desenvolvimento deste trabalho
monográfico. ................................................................................ 34
Figura 6.1: Mancha de óleo estimada a partir do processamento
de imagem de satélite para o dia 19 de janeiro de
2000. Fonte: Kampel & Amaral (2001) ........................................ 39
Figura 7.1: Esquema de utilização do candombe. Fonte:
Bernardes e Bernardes (1950). ................................................... 55
Figura 7.2: Pesca com rede de balão. Fonte: Bernardes e
Bernardes (1950)......................................................................... 57
Figura 7.3: Esquema da rasca de bater, ou cerco. Fonte:
Bernardes e Bernardes (1950). ................................................... 64
Figura 7.4: Esquema de pesca de cerco sem parceria com a
utilização de estruturas de currais desativados.
Fonte: Adaptado de Bernardes e Bernardes (1950). ................... 65
Figura 7.5: Esquema da pesca denominada tribobó. Fonte:
Bernardes e Bernardes (1950). ................................................... 69
Figura 7.6: Esquema de cercado fixo, curral, armado no fundo
da baía de Guanabara. Fonte: Bernardes e
Bernardes (1950)......................................................................... 71
Figura 7.7: Fluxograma da cadeia de comercialização do
pescado produzido nas comunidades pesquisadas. ................... 88

x
LISTA DE FOTOS

Foto 7.1: Embarcações de arrasto ............................................................. 58


Foto 7.2: Traineiras de cerco ..................................................................... 58
Foto 7.3: Rede de cerco sendo concertada. .............................................. 60
Foto 7.4: Pescadores desembarcando a produção no Gradim. ................. 61
Foto 7.5: Píer da Associação de Pescadores do Gradim. .......................... 61
Foto 7.6: Vista da orla do Gradim. ............................................................. 62
Foto 7.7: Redes de emalhe dispostas sobre as embarcações
dos pescadores artesanais do Gradim........................................ 63
Foto 7.8: Lanternas utilizadas para localizar as redes de
caceia.......................................................................................... 65
Foto 7.9: Detalhe do arranjo de garrafas pet utilizadas para
manter as redes flutuando. ......................................................... 66
Foto 7.10: Detalhe do botijão utilizado nas pequenas
embarcações dos pescadores do Gradim................................... 67
Foto 7.11: Embarcações de arrasto do Gradim. .......................................... 68
Foto 7.12: Detalhe da porta utilizada para manter a rede aberta. ................ 68
Foto 7.13: Embarcação utilizada na despesca dos currais. ......................... 72
Foto 7.14: Detalhe do galão e do sarrico. .................................................... 72
Foto 7.15: Currais desativados nas proximidades da Praia de
Olaria. ......................................................................................... 73
Foto 7.16: Pescador tralhando uma rede de espera. ................................... 74
Foto 7.17: Tabuleiro com corvinas. .............................................................. 76
Foto 7.18: Pescadores negociam o preço do camarão cinza. ..................... 76
Foto 7.19: Tabuleiro com sardinhas. ............................................................ 76
Foto 7.20: Presidente da APeLGA expõe um bagre. ................................... 76
Foto 7.21: Companheiros de pesca desembarcam o pescado
capturado em Olaria.................................................................... 78
Foto 7.22: Grande número de pescadores negociam os preços
de venda do pescado que acabaram de
desembarcar no Gradim. ............................................................ 80
Foto 7.23: Na falta de tabuleiros, os pescadores colocam o
pescado provisoriamente sobre o chão. ..................................... 80
Foto 7.24: Carregador recebe o pescado para ser transportado
ao local de venda. ....................................................................... 81
Foto 7.25: Carregador transporta o pescado pelo píer do
Gradim. ....................................................................................... 81
Foto 7.26: Pescado sendo pesado por um diretor da
Associação de Pescadores. ........................................................ 82
Foto 7.27: Local de desembarque de Olaria ................................................ 83

xi
Foto 7.28: Compradores se aglomeram no entorno de uma
embarcação. ................................................................................ 83
Foto 7.29: Caminhão frigorífico do principal comprador de
pescado de Olaria. ...................................................................... 84
Foto 7.30: Pequeno comprador local de pescado limpando um
tabuleiro de sardinhas para revendê-las com maior
valor agregado. ........................................................................... 85
Foto 7.31: Comprador de peixaria de Duque de Caxias. .............................. 86
Foto 7.32: Sede da Colônia z-12. ................................................................. 92
Foto 7.33: Vista do píer da Quinta do Caju, e no centro ao
fundo, a sede da Associação dos Pescadores. ........................... 94
Foto 7.34: Sede da APeLGA. ....................................................................... 96
Foto 7.35: Detalhe da fachada da APeLGA ................................................. 96
Foto 7.36: Sede da Colônia Z-09................................................................ 102
Foto 7.37: Reunião de pescadores na Colônia Z-09. ................................. 103

xii
LISTA DE QUADROS

Quadro 5.1: Variáveis utilizadas como referência para a


realização do diagnóstico ambientais das
comunidades pesqueiras estudadas. .......................................... 31
Quadro 5.2: Número de entrevistas por localidade. ........................................ 29
Quadro 5.3: Distribuição das variáveis pelas técnicas de coleta
de dados ..................................................................................... 32
Quadro 6.1: Síntese dos dados socioeconômicos e percepções
ambientais dos pescadores entrevistados .................................. 46

xiii
1 INTRODUÇÃO

A pesca marinha extrativa de pequena escala corresponde a uma das formas


mais antigas de apropriação dos recursos naturais, sendo ainda hoje muito
importante no que diz respeito à produção de pescado para alimentação
humana. A pesca é capaz de aumentar a segurança alimentar e a fonte de
renda de comunidades costeiras aviltadas por elevados índices de pobreza
(Bené et al. 2007; Berkes et al. 2001; Weid, 1997).

A pesca de pequena escala é caracterizada, de uma forma geral: pela


utilização de aparelhos pesqueiros com relativo baixo desenvolvimento
tecnológico; por ocorrer de forma difusa na costa e por empreender o esforço
pesqueiro sobre uma grande assembléia de organismos; por apresentar baixa
capacidade de acumulação mercantil; por depender de um longo sistema de
intermediação do pescado; por apresentar baixa divisão social do trabalho; por
permitir um acesso relativamente fácil à propriedade sobre os meios de
produção e por proporcionar, em muitos casos, um relativo pequeno impacto
ambiental (Rebouças, 2006; Marrul Filho, 2001; Cardoso, 2001; Berkes et al.
2001; Diegues, 1983).

A pesca de grande escala, por sua vez, açambarca modalidades pesqueiras


que empenham um grande volume de capital para a realização das pescarias.
São caracterizadas pela atuação de grandes frotas, compostas por
embarcações de grande porte, equipadas com instrumentos de elevada
sofisticação tecnológica, como sonares, sistemas de posicionamento via
satélite e câmaras de processamento de pescado a bordo. Este tipo de
atividade envolve modalidades pesqueiras desenvolvidas a partir do final do
século XIX, e nele predomina o modo de produção capitalista (Rebouças, 2006;
Marrul Filho, 2001; Berkes et al. 2001; Diegues, 1983).

A Figura 1.1 ilustra os dois pólos do espectro que compõe os modos


pesqueiros de produção.

1
Figura 1.1: Esquema de diferenciação das pescarias de grande e pequena escalas. Fonte:
Adaptado de Berkes et al. (2001).

Uma classificação dos tipos pesqueiros mais adaptada à realidade brasileira é


apresentada por Diegues (1983). O autor propôs a divisão dos modos de
produção da pesca em cinco categorias, a saber: (1) de auto-subsistência; (2)
pequena produção dos pescadores-lavradores; (3) pequena produção dos
pescadores artesanais; (4) produção dos armadores; e (5) produção das
empresas de pesca. Estrito senso, em virtude das formas amálgamas entre
estes modos, torna-se complicado a generalização destes tipos para todo o
litoral brasileiro1, sobretudo um enquadramento direto destes tipos sob as
categorias mais gerais de pesca, definidos anteriormente entre pequena e
grande escalas.

A divisão entre pesca artesanal e industrial é comum nos diplomas e


regulamentos legais relacionados à regulamentação da atividade pesqueira no
Brasil. No caso da Instrução Normativa nº 03/04 e da Lei nº 10.779/03 a

1
Dentre os exemplos das variações dos modos de pesca tem-se a produção artesanal de
grande porte da Região Norte Fluminense e as empresas pesqueiras da Baixada Litorânea
Fluminense, onde predominam a utilização do mesmo tipo de embarcação, de médio porte.
Por sua vez, a atuação dos arrasteiros, da “redinha” na captura do caranguejo (IBAMA,
2002) e do puçá grande na captura do peroá (Vianna et al. 2006) correspondem à
modalidade artesanais que apresentam grande impacto ambiental. O fácil acesso aos meios
de produção também não deve ser notado como uma característica intrínseca à pesca
artesanal, haja vista a presença de importante variação regional deste aspecto
socioeconômico da atividade pesqueira (Diegues, 1983).

2
separação entre estas duas categorias ocorre através do recorte estabelecido
pelo controle individual dos pescadores sobre seus meios de produção. Já para
o Decreto no 3.668/00 é determinante para a divisão entre pesca artesanal e
industrial o tamanho da embarcação e a tonelagem de arqueação bruta.

A despeito da classificação dos tipos pesqueiros, outra questão importante


encontra-se sob constante debate técnico, a saber: o papel exercido pelas
comunidades de pescadores na degradação e na conservação dos recursos
pesqueiros e ambientes marinhos. Conforme constata Ostrom (1990a), é difícil
que se passe uma semana sem que seja publicado algum estudo ou matéria
de jornal que enfatize a ameaça da pesca predatória à biodiversidade marinha.
Esta é uma discussão que ecoa desde o final do século XIX, quando já se
vislumbravam algumas evidências sobre a esgotabilidade de estoques
pesqueiros explotados por uma crescente atividade de pesca industrial2 (Myers
e Worm, 2003; Pauly et al. 2002; Dias Neto, 2001; Marrul Filho, 2001).

Com o aumento dos impactos ambientais decorrentes do crescimento


econômico intenso e não planejado que se estabeleceu na maior parte das
regiões costeiras, e com o conseqüente aumento da pressão antrópica sobre
os ecossistemas marinhos (Rebouças et al. 2006), em meados do último
século, parte da comunidade científica e de agentes de desenvolvimento
tornaram-se mais incisivos na recomendação de que fossem elaboradas
estratégias de gestão para a pesca (Dias Neto, 2001).

A primeira resposta oferecida à questão da degradação ambiental


proporcionada pela atividade pesqueira, com grande destaque entre os
tomadores de decisão, teve cunho altamente tecnocrático. As estratégias de
gestão estiveram baseadas em modelagens dos estoques pesqueiros e as
decisões eram impostas sob forma de comando-controle (Estado), ou através
do fomento à privatização dos recursos. Os modelos se mostraram demasiado

2
Muito embora que, neste período, fossem hegemônicas as opiniões que expressassem
ceticismo em relação à necessidade de gerir as práticas pesqueiras, conforme pode ser
observado no fragmento da palestra de Thomas Huxley, apresentada na abertura da
Fisheries Exhibition (1882): “Eu acredito que a pesca do bacalhau, da cavala e do arenque,
e provavelmente a de qualquer outra pescaria oceânica é inesgotável; nada que fizermos
seriamente afetará o número de peixes. E qualquer tentativa de regular estas atividades
significará, conseqüentemente, a natureza de ser uma iniciativa sem propósito” (Huxley,
1883).

3
imprecisos e as políticas de gestão incapazes de lidar com a diversidade das
formas pesqueiras e com as limitações institucionais (capitais físico e humano)
dos países pobres (Berkes et al. 2001; Dias Neto, 2001; Marrul Filho, 2001;
Mace, 2001).

No caso brasileiro, por exemplo, a tentativa de reproduzir as propostas de


gestão desenvolvidas pelos países ricos, ainda esbarrou no uso tendencioso
de instrumentos econômicos e normativos, que visaram defender interesses
privados, bem como na orientação das políticas de desenvolvimento da pesca
ao atendimento das demandas do mercado internacional 3. Para inúmeros
autores, estas duas práticas se constituem em características marcantes da
política pesqueira nacional (Rebouças et al. 2006; Dias Neto, 2002; Marrul
Filho, 2001; Diegues, 1983). Além disto, o Estado e líderes políticos se
mostraram suscetíveis ao uso ilegal do poder político e financeiro em atos
corruptos4, além de promover o enfraquecimento do desenvolvimento social
através de atitudes clientelistas.

Paralelamente às respostas técnicas ao problema da degradação dos recursos


pesqueiros (banimento de petrechos, estabelecimento de épocas de pesca, de
tamanhos mínimos de captura, etc.), se desenvolvia outra abordagem sobre a
questão, fundamentada em aspectos sociais. H. Scott Gordon5 e Garrett

3
O IBAMA trouxe à gestão da pesca um olhar muito distinto daquele presente na SUDEPE:
marcou que o potencial pesqueiro nacional era muito inferior daquele que havia sido
especulado em anos anteriores; e defendeu a relevância que havia no estabelecimento de
medidas de conservação de estoques ameaçados. Após alguns anos de sucessivos
desgastes institucionais, o IBAMA perdeu força política e passou a dividir a responsabilidade
da gestão de pesca com o Departamento de Pesca e Aqüicultura, criado dentro do
Ministério de Agricultura e Pecuária. Uma das primeiras medidas do DPA foi retomar a
política de incentivos fiscais, que havia sido interrompida pelo IBAMA. Como já ocorria
desde o período em que a SUDEPE fomentava os incentivos, os principais beneficiados
continuaram sendo um pequeno grupo de empresários, enquanto os pescadores de
pequena escala continuaram preteridos. Por este motivo e por outros, Dias Neto (2002)
considera a criação do DPA um reflexo da influência política exercida por este grupo de
empresários sobre o Governo Federal.
4
Tendo em vista acontecimentos recentes, onde inúmeros funcionários do IBAMA foram
presos pela Polícia Federal, por receberem propina para não autuar pescadores de sardinha
que pescavam em período de defeso.
5
Howard Scott Gordon nasceu no Canadá, onde se graduou em economia. Embora o centro
de suas pesquisas tenha se baseado em teoria monetária e política, seu artigo publicado em
1954, sobre a teoria econômica de recursos de propriedade comum (como os recursos
pesqueiros), continua sendo constantemente re-editado.

4
Hardin6 defendiam que o problema da degradação dos recursos pesqueiros
afina-se à forma como os recursos são apropriados e percebidos pelos grupos
de usuários que os utilizam. Para os estudiosos, quando apropriados sem um
claro regime de propriedade, os recursos pesqueiros tenderiam à degradação
e, por extensão, ao colapso da atividade. Gordon (1957:124), por exemplo,
destaca que:

“Aparentemente há alguma verdade no ditado popular de que o que é de todos é


de ninguém [...] os pescadores não valorizam o peixe no mar porque não há
nenhuma certeza de que eles estarão disponíveis amanhã, caso sejam deixados
para trás hoje”.

O seminal trabalho de Garret Hardin, intitulado The Tragedy of the Commons


publicado em 1968, “tornou-se parte da sabedoria convencional de estudos
ambientais, do planejamento de recursos e das ciências econômica, ecológica
e política”, conforme destacaram Fenny et al. (1990:18).

A tragédia dos comuns tornou-se um trabalho determinante para a definição de


uma das assunções mais amplamente aceitas na comunidade cientifica e entre
os tomadores de decisão governamentais, de que a tendência geral de declínio
dos estoques e a degradação dos ecossistemas marinhos encontram-se
associados à persistência de sistemas de apropriação comunal ou de livre
acesso aos recursos naturais7 (Acheson, 1975).

Se, por um lado, as idéias difundidas através da publicação da tragédia dos


comuns fundamentaram o acirramento da tecnocracia, de políticas de Estado
centralizadoras e direcionadas às estratégias de comando-e-controle em

6
Nascido em 1915, nos Estados Unidos da América, Garrett Hardin graduou-se em zoologia,
especializando-se em microbiologia, anos mais tarde. Entre 1963 e 1978 foi professor de
Ecologia Humana na Universidade de Santa Bárbara, na Califórnia. E foi justamente durante
este período que o pesquisador, cujo foco de pesquisa era o crescimento populacional,
escreveu um dos seus mais célebres trabalhos, “the tragedy of the commons”.
7
Hardin (1968) utiliza a metáfora de um pasto comum que possui uma dada capacidade de
suporte, e que é explotada no limite desta capacidade por um determinado número de
usuários. O problema surge quando cada usuário avalia os benéficos e os custos de se
adicionar mais um animal ao rebanho. Neste momento, segundo Hardin, a matemática é
simples, e a decisão atingida por cada usuário é a mesma, pois na medida em que o
benefício de adicionar mais um animal é individualizado a cada pastor, e os custos
relacionados a sobre-explotação do pasto são compartilhados por todos, haveria uma
grande vantagem na adição de mais um animal. Os seres-humanos estariam dessa forma
“aprisionados” a sua própria e inevitável destruição. O estudioso conclui: “Liberdade diante
de um recurso de uso comum, gera a ruína de todos”.

5
determinadas regiões e da intensificação da privatização dos recursos
pesqueiros, por outro, estimulou uma produção científica que enfatizou
exatamente o contrário do que havia proposto. Ou seja, trouxe à luz do debate
o papel fundamental desempenhando por inúmeras comunidades de
pescadores na promoção da conservação de recursos pesqueiros e dos
ecossistemas marinhos.

Conforme destaca Goldman (1998), contestando o modelo proposto por Garrett


Hardin seguiram inúmeros trabalhos baseados em estudos de caso, que
procuraram enfatizar a complexidade social dos territórios. Sistemas de
apropriação comunal de recursos naturais complexos e sobrepostos a outros
sistemas (privado, estatal) dariam lugar à monocromática tragédia dos comuns,
que promove uma visão confusa e reducionista acerca da influência da gestão
comunal sobre a sustentabilidade dos recursos de uso comum8.

A pressão exercida pelas interpretações do ensaio de Garrett Hardin à luz de


evidências empíricas de sua plena aplicabilidade pode ter sido uma influência
poderosa na definição de políticas de desenvolvimento nacional e
supranacional. Conforme pontua Goldman (1998:47), a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92,
corresponde ao “Maior Show dos Comuns da Terra”, que, de acordo com
Rebouças et al. (2006:83), expandiu a discussão sobre “as condições de
viabilidade de uma modalidade de gestão simultaneamente integrada e
descentralizada dos recursos naturais”.

Na “Declaração do Rio9” constam alguns princípios que visam “estabelecer


uma nova e equilibrada parceria global através da criação de novos níveis de
cooperação entre Estados, setores chaves das sociedades e as pessoas”. Os
Princípios 10 e 22 enfatizam o papel das comunidades de usuários na gestão
dos recursos que utilizam, conforme se apresentam a seguir:

8
Destacam-se na literatura dos comuns os trabalhos realizados por Acheson (1975), Berkes
(1985; 1986; 1987 e 1991); Ostrom (1986; 1988 e 1990), Agrawal (1989), Bromley e Cernea
(1989), Binder (1991) e Bromley (1992).
9
Este documento foi aprovado em assembléia ordinária das Nações Unidas durante a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizada no
Rio de Janeiro em 1992.

6
“As questões ambientais são melhores manejadas quando há a participação de
cidadãos conscientes (...). Em nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso
apropriado sobre informações relacionadas ao meio ambiente (...) e ter a
oportunidade de participar do processo de tomada de decisão (Princípio 10 –
10
UNCED , 1992)”.

“As comunidades tradicionais e outras comunidades locais possuem um papel vital


ao processo de gerenciamento do meio ambiente e ao desenvolvimento, tendo em
vista seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados devem prontamente
reconhecer e estimular as suas identidades, culturas e interesses bem como
garantir que participem efetivamente na conquista do desenvolvimento sustentável
(Princípio 22 – UNCED, 1992)”.

Um dos precursores da investigação sobre sistemas comunais, Fikret Berkes11,


enfatiza que, as descobertas de práticas de gestão comunal redefiniram o
papel dos gestores, que deveriam perceber, a partir de então, os usuários
como parte da solução, ao invés de parte dos problemas relacionados ao uso
sustentável dos recursos pesqueiros (Berkes et al. 2001). Desta perspectiva
emerge a co-gestão como um sistema que envolve as capacidades e
interesses dos pescadores, complementados pela habilidade do governo em
prover o aparato legal adequado, a implementação das leis e a resolução de
conflitos12 (Pomeroy & Berkes, 1997).

Conforme sugere Pinkerton (1989 apud Pomeroy & Berkes, 1997), os


pescadores e demais usuários dos recursos pesqueiros podem assumir
inúmeras funções no processo de gestão participativa da atividade pesqueira,
dentre elas: coleta de dados; decisões logísticas relacionadas aos tipos de
pesca permitidos e aos períodos de defeso; definição de áreas de proteção
ambiental e implementação/fiscalização das leis. No entanto, o nível de

10
UNCED corresponde à sigla para: United Nations Conference on Environment and
Development.
11
Fikret Berkes é um ecologista com atuação destacada em temas relacionados à co-gestão
adaptativa e comunitária dos recursos naturais de uso comum, conhecimento tradicional e
local, complexidade e resiliência de ecossistemas naturais. Além de liderar inúmeros grupos
de pesquisa, o estudioso ocupa uma cadeira de docente na Universidade de Manitoba,
Canadá.
12
Alguns exemplos de sistemas de co-gestão da atividade pesqueira podem ser encontrados
em: Berkes et al. (1991); Binder & Hanbidge (1991); Bland & Donda (1995); Mahfuzuddin et
al. (1995); Costa et al. (2000); Reis & Rodrigues (2003); Alcorn et al. (2004); e Cerdeira &
Camargo (2007).

7
participação da comunidade no processo decisório pode variar, de um âmbito
estritamente informativo ao âmbito efetivamente gerencial13.

A co-gestão, mas do que uma evidência empírica de sistemas tradicionais


funcionando conjuntamente em parceria com instituições governamentais,
tornou-se um novo marco institucional para o qual miram agencias
internacionais de desenvolvimento e organizações não governamentais
interessadas na promoção do uso sustentável dos recursos naturais (Goldman,
1998).

Dentre os principais empecilhos ao estabelecimento de um sistema de co-


gestão encontram-se: a indisponibilidade do Estado em abrir aos pescadores a
possibilidade de participação no processo de tomada de decisão, bem como a
criação de meios legais que sejam adaptáveis às formas de organização
política destes atores; e na ausência de acúmulo de experiências comunitárias
relacionadas à formação e manutenção de organizações, regras e normas
locais, orientadas à gestão da atividade pesqueira (Pomeroy & Berkes, 1997).

Sobre este último aspecto, destaca-se que ainda não há uma teoria disponível
que descreva de modo consistente o surgimento de organizações locais
dedicadas à gestão da atividade pesqueira (Ostrom, 1990b). Porém já é
possível identificar um conjunto de aspectos socioeconômicos, culturais e
ambientais que, embora não sejam definitivos, tem se mostrado como
facilitadores a ocorrência de iniciativas comunitárias (Berkes et al. 2001).

Por este motivo, considera-se que, no caso de ausência de organizações


comunitárias, recomenda-se que a implementação da co-gestão da atividade
pesqueira seja precedida por uma etapa de estímulo ao aparecimento de
instituições locais (Pomeroy & Berkes, 1997). Conforme sugere Ostrom
(1990b), são fundamentais a este propósito: (1) que sejam levantadas
informações de qualidade sobre o tempo e o espaço em que ocorrem os

13
Arnstein (1971), por exemplo, apresenta uma descrição de diferentes modos de participação
e não-participação da comunidade no processo de tomada de decisão sobre a gestão dos
bens comuns, públicos, da vida social em geral. Conforme caracteriza o próprio autor, a
escada para a participação possui oito degraus onde, no primeiro se encontra a não-
participação (manipulação) e no último a participação plena (controle comunitário).

8
sistemas socioambientais de interesse; e (2) que se defina de um amplo
repertório de regras, que sejam culturalmente aceitas.

Deve-se salientar que o trabalho de construção de sistemas locais de


organização social e todo o processo subseqüente de consolidação de
instituições comunitárias precisam ser suficientemente adaptáveis para
acomodar as diferenças locais, “uma vez que nenhum padrão global é aplicável
a todos os comuns do mundo” (Goldman, 1988:50).

No Brasil, a discussão sobre o papel positivo exercido pelas comunidades


pesqueiras na gestão da atividade e dos recursos pesqueiros vem crescendo
significativamente nos últimos anos. Seguindo as inúmeras evidências
descritas em outros países, monografias de bacharelado, dissertações, teses,
artigos e muitas outras produções científicas contribuem com informações
sobre sistemas comunitários e de co-gestão que funcionaram, ou ainda se
encontram em funcionamento. Outro conjunto de trabalhos acadêmicos e
documentos técnicos indicam a necessidade de se repensar o controle
absoluto que os agentes governamentais possuem sobre a organização da
pesca e a utilização sustentável dos recursos pesqueiros14.

No Estado do Rio de Janeiro se destacam práticas de gestão comunitária da


pesca na baía de Sepetiba (Begossi, 1995; Costa, 1992) e a co-gestão da
Reserva Extrativista de Arraial do Cabo (Silva, 2002; Cardoso, 2001).

Na baía de Guanabara, por sua vez, não são notórias quaisquer evidências de
gestão comunitária ou co-gestão da atividade e dos recursos pesqueiros. Nela
atuam, pelo menos, 3.000 pescadores, que, em geral, pescam utilizando
pequenas e médias embarcações motorizadas, ou à remo, e aparelhos de
pesca com pequena e moderada sofisticação tecnológica, tais como redes de
arrasto, cerco e espera, caniço e linha-de-mão. Os desembarques de uma

14
Para citar apenas algumas das dezenas de publicações existentes sobre gestão comunitária
e co-gestão, encontram-se: Costa (1992); Begossi (1995); Reis e D‟Incão (2000); Marrul
Filho (2001); Cardoso (2001); Medeiros (2002); Silva (2002); Reis e Rodrigues (2003);
Seixas e Berkes (2005); Vieira (2005); MMA (2006a; 2006b); Rebouças et al. (2006);
Cerdeira e Camargo (2007).

9
importante produção15 pesqueira ocorrem ao longo de toda a orla da baía, em
pelo menos 32 comunidades pesqueiras (IBAMA, 2002).

Pesam sobre o desenvolvimento da atividade pesqueira na Guanabara fatores


relacionados à própria pesca, como a permanência na utilização de petrechos
que apresentam elevado impacto ambiental (arrastos), e fatores externos,
relacionados à degradação ambiental dos ecossistemas periféricos (estuários,
mangues, praias, costões rochosos, etc.), que suportam a atividade biológica e
a capacidade de auto-depuração da baía (Silva et al. 2007; IBAMA, 2002;
Kjerfve et al., 1997; Amador, 1996).

Neste cenário, as condições de reprodução social da atividade pesqueira


agonizam frente às demais vocações da baía (portuária, industrial, etc.),
implicando na pauperização e redução da qualidade de vida das comunidades
que dependem da pesca.

Com base nos pressupostos apresentados acima, entende-se que uma


abordagem alternativa à questão socioambiental em que se encontra a
atividade pesqueira da Guanabara pode ser realizada através da sua re-
regulação (Marrul Filho, 2001), ou seja, pelo desenvolvimento de um aparato
legal administrativo que seja capaz de expressar as demandas dos usuários
dos recursos pesqueiros16 e autorizá-los na implementação e monitoramento
de outras atividades pertinentes ao manejo da atividade que fazem parte
(Berkes et al. 2001; Agrawal, 2001; Agrawal & Gibson, 1999; Marrul Fillho,
2001; Rebouças et al. 2006).

15
De acordo com IBAMA (2002), foram capturados, entre 2001e 2002, 19.000 toneladas de
pescado, sendo 12.000 toneladas de sardinha boca-torta. Este número correspondeu a
aproximadamente 30 % de todo o volume de pescado capturado para o Estado do Rio de
Janeiros, tanto para o ano de 2000, quanto para o ano de 2001 (IBAMA, 2003; IBAMA,
2004).
16
Cabe ressaltar que os pescadores da Guanabara vêm reagindo à situação em que se
encontram através da realização de inúmeros protestos, como os de: (1) 20 de março de
2003, contra a suspensão do pagamento das indenizações pelo derramamento de óleo
ocasionado pela Petrobras; (2) 25 de setembro de 2003, pela construção de um terminal
pesqueiro e pela redução do preço do óleo combustível; (3) 04 de junho de 2007, contra a
Petrobras e os prejuízos causados pelo desastre ambiental de 2000; (4) 27 de agosto de
2007, contra as obras da empresa Suzano Petroquímica; (5) 01 de setembro de 2007, pela
despoluição da baía de Guanabara e pela revisão dos projetos de instalação das refinarias
e petroquímicas na bacia de drenagem; (6) 01 de outubro de 2007, contra a poluição da
baía de Guanabara e contra a criminalização dos pescadores da Guanabara; (7) 5 de junho
de 2008, em protesto às pretensas práticas abusivas realizadas pelos empreendedores da
área do petróleo e gás (PESCA, 2008).

10
Conforme mencionado, um projeto de co-gestão não deve ser imposto, mas
sim negociado com o grupo de usuários do recurso que se pretende regular.
Deve ser, deste modo, suficientemente adaptável e capaz de absorver as
demandas comunitárias. Para isso, propõe-se que, em um primeiro momento,
seja realizado um diagnóstico que torne possível vislumbrar as variáveis que
afetem as relações socioambientais inerentes a esta atividade (Berkes et al.
2001).

2 OBJETIVOS

2.1 GERAL

Contribuir para o entendimento atual das práticas pesqueiras de pequena


escala, a partir da percepção dos pescadores sobre variáveis ambientais e
sociais que permeiam o seu desenvolvimento na baía de Guanabara.

2.2 ESPECÍFICOS

 Levantar informações pretéritas e atuais sobre as condições ambientais


(aspectos naturais, políticos, sociais, culturais e econômicas) que
prevalecem nas comunidades de pescadores investigadas;

 Caracterizar as práticas pesqueiras das comunidades selecionadas de


acordo com a análise da percepção ambiental dos pescadores;

 Identificar e descrever instituições locais comunitárias que sejam


organizadas pelos pescadores de pequena escala;

 Diagnosticar aspectos que possam favorecer ou dificultar a


implementação de uma gestão participativa da pesca de pequena escala
desenvolvida na baía de Guanabara.

3 JUSTIFICATIVA

No intento de buscar uma justificativa para a realização deste projeto, surgiu


uma pergunta fundamental: ainda há espaço para a pesca artesanal da baía de
Guanabara?

11
Sim, existe. Talvez seja difícil acreditar, mas é um fato. Embora o senso
comum estranhe, ou até mesmo desconheça, a baía de Guanabara mantém
uma produção importante, tanto no que tange ao volume de pescado
desembarcado (19.000 toneladas entre 2001 e 2002), quanto ao número de
pescadores envolvidos com a atividade (entre 3.000 e 18.00017).

As diversas formas de pesca em prática na Guanabara têm sido classificadas


como artesanal, pois, dentre inúmeras características, os pescadores possuem
uma elevada autonomia de trabalho – quase todos são proprietários de seus
meios de produção (embarcação e petrechos); no geral, provocam um baixo
impacto ambiental – usualmente utilizam petrechos altamente seletivos e
possuem uma pequena capacidade produtiva por unidade de esforço;
apresentam um comércio dominado por atravassadores – que reduzem a renda
per capita dos pescadores; e encontram-se organizadas em diversas
comunidades situadas em inúmeras localidades da orla da baía de Guanabara.

O estranhamento, por sua vez, deriva do fato de que a baía de Guanabara


apresenta sintomas sistemáticos de que sua qualidade ambiental encontra-se
debilitada. Desde o descobrimento do Brasil foram inúmeras as agressões
cometidas diretamente sobre este ecossistema ou sobre a bacia de drenagem
que faz parte. Introdução de espécies exóticas, desmatamentos, aterros,
despejos de esgoto e, mais recentemente, contaminação crônica e aguda de
petróleo e seus derivados são alguns dos vetores de poluição que ajudam a
incutir no imaginário social a visão de uma “Guanabara industrial” cuja vocação
econômica seria incompatível com a existência de práticas pesqueiras.

De fato este é um cenário intimidador para qualquer consumidor de pescado


um pouco consciente e que esteja interessado em obter um pescado de
qualidade inquestionável. Por outro lado, pode parecer inesperado como,
apesar de tantas agressões, a Guanabara ainda seja capaz de manter alguma
produtividade pesqueira capaz de sustentar pescadores e suas famílias.

17
Há uma grande dissonância com relação ao número de pescadores em atividade na baía de
Guanabara. Geralmente os números mais conservadores, como os apresentados em IBAMA
(2002) e nas estatísticas da SEAP, estão baseados em estimativas e no cadastro voluntário
destes atores. Números mais expressivos, por sua vez, costumam associar-se aos dados
disponibilizados pelas organizações locais (Colônias e associações) e regionais (federação
e confederação) de pesca.

12
Todavia, adaptada as novas condições ambientais da Guanabara a pesca
sobrevive ao tempo. Não existe a mesma diversidade ou a mesma quantidade
de determinados peixes e o preço do pescado é menor. Ainda assim, a pesca
de pequena escala, na qual se inclui a pesca artesanal, é capaz de garantir a
mínima segurança alimentar para famílias que hoje convivem com uma severa
situação de pobreza.

Adicionalmente ao aspecto social anteriormente mencionado, a pesca possui


relevância pela singularidade cultural da forma como se reproduzem as formas
sociais destes grupos. Notadamente os pescadores, sobretudo o artesanal,
produzem e armazenam um conjunto de hábitos, regras e normas sociais que
refletem, não apenas, mas, sobretudo o convívio que têm com o mar e com a
dependência de um recurso de uso comum.

Finalmente ressalta-se a relevância que os pescadores possuem em relação à


manutenção ou recuperação do equilíbrio natural dos sistemas
socioambientais. Nota-se entre os pescadores da Guanabara o interesse claro
de recuperação da qualidade ambiental deste ecossistema, fato corroborado
pelo posicionamento favorável dos pescadores em relação às principais
reivindicações dos movimentos ambientalistas de defesa da baía. Ainda, nota-
se a rejeição por parte dos pescadores artesanais da utilização do sistema de
arrasto dentro da baía, por considerarem ser este responsável pela destruição
dos ecossistemas bentônicos e sobrepesca.

Deste modo, a compreensão acerca dos hábitos e das principais


características dos pescadores da baía de Guanabara pode auxiliar os próprios
pescadores na sua luta pela melhoria das suas condições de vida, viabilizar o
registro e fortalecer a defesa pela garantia de reprodução da cultura dos
pescadores artesanais e descobrir novos vieses de intervenção em relação a
recuperação da qualidade ambiental da Baía de Guanabara.

4 ÁREA DE ESTUDO

A baía de Guanabara corresponde a uma das mais importantes baías


brasileiras, principalmente pelas suas dimensões e pela condição de se

13
encontrar associada ao mais importante núcleo urbano-industrial da costa
brasileira (Kjerfve et al. 1997; Amador, 1996).

Centrada nas coordenadas 22º 50‟ sul de latitude e 043º 10‟ oeste de longitude
(Figura 4.1), a Guanabara apresenta uma superfície total de 384 km2 18, sendo
que de espelho d‟água, ou seja, descontada a área ocupada pelas ilhas e
ilhotas, a baía possui 328 km2 (Kjerfve et al. 1997; Amador, 1996).

Figura 4.1: Localização da baía de Guanabara e de seus municípios confrontantes.

A baía pode ser dividida em uma parte oceânica e outra continental, em virtude
da predominância de fenômenos oceânicos sobre continentais, e vice-versa.
Entre estas duas seções encontra-se uma passagem estreita, com apenas
1,6 km de extensão, compreendida entre o Forte de São João (município do

18
Estes valores consideram como limite externo da baía de Guanabara, o arco imaginário
formado pela conexão de Copacabana (município do Rio de Janeiro) e Itaipu (município de
Niterói) passando pelas ilhas Pai, Mãe e Menina.

14
Rio de Janeiro) e a Fortaleza de Santa Cruz (município de Niterói) (Amador,
1996).

A Guanabara também é considerada uma feição recente na história geológica,


cuja formação está associada ao afogamento de um vale fluvial (Amador,
1996). Por este motivo, a batimetria da baía é bastante complexa. Pode-se
encontrar a presença de uma série de talvegues 19 secundários e um principal,
que correspondem, respectivamente, aos antigos canais afogados e o “Paleo
Rio Guanabara” (Amador, 1996).

A profundidade média da baía é de 7,6 metros, sendo cerca de 3 metros na


região do fundo da baía; 8,3 metros entre a Ilha do Governador e as pontas do
Grogoatá e do Calabouço; e de 16,9 metros na porção externa da baía. A
profundidade máxima da baía é, no entanto, superior a 50 metros, localizada
em uma depressão do canal central (Kjerfve et al.,1997; Amador, 1996).

A sedimentação na Guanabara possui um balanço positivo estabelecido entre


os processos de assoreamento-erosão, em outras palavras a baía de
Guanabara atua como um “filtro natural”, retendo os sedimentos que são
lançados no seu interior através de inúmeros rios e canais. Há também um
relativo pequeno aporte sedimentar derivado da plataforma interna, cuja
entrada ocorre, sobretudo, durante a passagem de frentes (Camargo et al.
2004; Docas, 2002; Kjerfve et al. 1997; Godoy; 1997; Amador, 1996).

A região hidrográfica20 (Figura 4.2), da qual faz parte a Guanabara, possui uma
área de 4066 km2. É alongada no sentido leste-oeste, e possui a extensão
máxima de 115 km (PDRHBG, 2005).

19
De acordo com o dicionário livre de geociências, talvegue corresponde “a linha formada pela
interseção das duas superfícies formadoras da vertente de um vale. É o local mais profundo
do vale” (DLGeo, 2008).
20
Considerando apenas a região interna da baía de Guanabara.

15
Figura 4.2: Bacia de drenagem da baía de Guanabara.

A bacia encontra-se limitada ao norte pela proeminente Serra do Mar, que


apresenta as maiores altitudes desta região, com registro de até 2.263 metros
(Pedra do Sino). Mais ao sul encontram-se outras duas importantes províncias
fisiográficas, a saber: os maciços litorâneos e a Baixada Fluminense (Amador,
1996; Kjerfve et al. 1997; PDRHBG, 2005).

A drenagem é realizada por 45 rios e canais, distribuídos por 39 sub-bacias


independentes. No entanto, apenas seis rios são responsáveis por 85 % dos
100 m3.s-1 de água doce que aportam na baía, em média, por ano (PDRHBG,
2005; Kjerfve et al. 1997).

Outra variável ambiental importante para a dinâmica natural e socioeconômica


da baía de Guanabara diz respeito ao clima quente e úmido que caracteriza a
região. Situada numa área intertropical, e entre o mar e a montanha, a região
em que se encontra a baía de Guanabara se caracteriza por uma sazonalidade
muito bem definida, entre uma estação seca e outra chuvosa.

Durante o verão, podem ser registradas precipitações totais médias de 300 a


350 mm.mês-1, com períodos de 15 dias de chuva. No inverno, as precipitações

16
totais médias raramente superam os 100 mm.mês-1, sendo muito comum o
registro de valores inferiores a 50 mm. O período chuvoso raramente
ultrapassa seis dias de chuva (Amador, 1996; PDRHBG, 2005).

A condição climatológica da baía é dependente principalmente pela passagem


de três sistemas perturbados, dos quais dois são influenciados pelo
comportamento do sistema das altas polares, que se caracteriza pela
instabilidade das condições de equilíbrio, pela geração de aguaceiros e por
ventos turbulentos com rajadas (Amador,1996; Varejão-Silva, 2006; PDRHBG,
2005).

O aporte de água doce faz com que a baía seja classificada como um estuário,
que segundo Pritchard (1967 apud Amador, 1996:68) corresponde a “um corpo
d‟água costeiro, semi-fechado, com livre comunicação com o mar, no qual a
água salgada é mensuravelmente diluída com a água doce oriunda da
drenagem continental”.

Considerando a influência do aporte fluvial e da região oceânica adjacente a


ela, bem como seus padrões de circulação de água, altamente influenciados
pelas correntes de maré, a baía de Guanabara possui, ao longo de sua seção
norte-sul, dois perfis distintos de estratificação. Kjerfve et al. (1997), através do
número de Richardson21, definem para a região do canal central da Guanabara
a classificação de águas misturadas, e para as regiões próximas a Ponte Rio-
Niterói, a de águas parcialmente misturadas.

Amador (1996) considera que em algumas regiões podem ocorrer


estratificações máximas, ou seja, com nenhuma penetração da água salgada,
mas densa e profunda, na água doce, menos densa e superficial, sendo esta
situação predominante durante os meses do verão.

Na baía podem ser identificados inúmeros ecossistemas periféricos, tais como,


mangues, praias arenosas, costões rochosos, além de diferentes perfis de
salinidade na coluna d‟água, de diferentes padrões de circulação, de
sedimentos de fundo com diferentes texturas (Amador, 1996).

21
O número de Richardson expressa a razão entre a energia hidrostática de uma camada de
água doce e a energia cinética necessária para quebrar a estratificação da coluna d‟água.

17
Nestas condições se estabelecem distintas cadeias tróficas, compostas por
diferentes nichos diversos e espécies variadas de fauna e flora. De acordo com
Bonecker (1997), a baía de Guanabara se constitui no “sistema costeiro
semifechado com maior ocorrência de espécies de larvas de peixes
identificadas”, e Jablonski (2008, comunicação pessoal)22 sugere, a partir de
levantamentos bibliográficos comparativos, que a baía de Guanabara se
constitui em uma das baías brasileiras mais importantes em termos de
diversidade numérica de espécies ícticas.

Algumas diferenças marcantes podem ser notadas entre as localidades


pesquisadas. Tubiacanga é um sub-bairro da Ilha do Governador, localizado
bem próximo do Aeroporto Internacional Galeão/Tom Jobim. Esta área
encontra-se sob a influência das descargas fluviais do Canal do Fundão, do
qual são tributários os rios Faria e Timbó. Este canal encontra-se muito poluído
por esgoto doméstico e extremamente assoreado. A qualidade de água é
marcada por valores relativamente maiores de coliformes fecais (Cruz et al.
1998).

Existe em Tubiacanga um pequeno bosque de manguezal que se encontra em


preocupante estado de conservação. Também fazem parte dos ecossistemas
costeiro do bairro carioca duas praias, separadas por uma edificação militar.
Estas são arenosas, na região de pós-praia, e lamosas, na região de ante-
praia. Aparentemente, em virtude da baixa incidência de ondas nesta região, a
dinâmica sedimentar nestas praias é governada pelo regime de marés. O
balanço sedimentar é positivo, ou seja, em Tubiacanga ocorre assoreamento.

A Quinta do Caju se localiza na zona portuária do município do Rio de Janeiro,


compondo o complexo do Caju com outras três comunidades. É uma localidade
de acesso restrito, que ocorre apenas através de uma rua ou pelo mar.

O Canal do Fundão corresponde ao acesso do bairro carioca com a baía de


Guanabara. Este corpo hídrico se encontra extremamente assoreado, em
virtude de aterros e retificações de rios e canais que deságuam sobre ele. Com
isso, a circulação das águas nesta região encontra-se muito limitada, fato que
agrava as condições ambientais da localidade. No estudo realizado por Cruz et
22
Sílvio Jablonski. Faculdade de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

18
al. (1996), o espelho d‟água da baía de Guanabara adjacente à Quinta do Caju
é classificado como de vulnerabilidade crítica, haja vista a pressão antrópica
exercida sobre esta área.

O Gradim é um bairro do 4º Distrito do município de São Gonçalo. É uma


comunidade localizada no litoral sul do município, com pequena extensão
territorial e que se encontra cortada pela BR-101. Este bairro do município de
São Gonçalo se localiza na margem oriental da baía de Guanabara que se
caracteriza pela presença de rios menos poluídos, quando comparados
àqueles presentes na margem ocidental (Pellens & Ribeiro, 2002). Ainda assim
apresenta condições impróprias para todos os usos humanos.

Um aspecto extremamente relevante com relação à manutenção de uma


qualidade de água relativamente melhor nesta região da baía, para além da
presença de rios menos degradados, corresponde à proximidade com a região
central da baía, onde a circulação das águas é significativamente maior que
nas regiões noroeste e norte da Guanabara (Kjerfve et al. 1997).

Cabe ressaltar que a orla do Gradim foi muito modificada pelo aterro que
originou a BR-101. Nesta área havia uma grande floresta de manguezal. Hoje,
nas marés mais baixas, nota-se apenas uma larga planície lamosa que se
estende de fronte a algumas casas e a própria Rodovia.

Praia de Olaria é uma pequena localidade do bairro Mauá, 5º Distrito do


município de Magé. Esta localidade possui uma pequena faixa de areia,
espremida entre dois costões rochosos. Na região de pós-praia predomina um
sedimento arenoso, enquanto que na região de ante-praia sedimentos com
textura lamosa. A qualidade da água neste balneário encontra-se diretamente
influenciada pelos ciclos de maré, sendo os momentos de maré alta o mais
favorável para a melhoria das condições de balneabilidade. Mesmo assim, a
utilização desta área para recreação não é recomendada, e parece realmente
não ocorrer qualquer uso desde tipo.

19
5 METODOLOGIA

5.1 PLANO AMOSTRAL

A grande dimensão da baía de Guanabara e o elevado número de localidades


que concentram atividades de desembarque pesqueiro fizeram com que fosse
O comprimento perimetral da Guanabara é de 131 km, sua extensão máxima,
no sentido leste/oeste, de 28 km, e no sentido norte/sul, 30 km. Ao longo desta
extensa costa existem 32 pontos de desembarque de pescado (IBAMA, 2002).
A impossibilidade de cobrir todos estes locais tornou-se uma premissa
relevante para que fosse estabelecido um critério para a definição de uma
amostra.

A principal intenção desta amostra corresponde a uma tentativa de se obter um


cenário que vislumbre, minimamente, as diversas realidades ambientais
encontradas na baía de Guanabara. Para isto, era necessário que houvesse
disponíveis informações integradas sobre toda a baía. Entre toda a bibliografia
consultada destacaram-se os estudos realizados por IBAMA (2002) e Cruz et
al. (1998), que analisaram, respectivamente, o volume de pescado produzido
nos 32 pontos de desembarque assinalados anteriormente, e o nível de
pressão antrópica23 presente nas micro-bacias de drenagem em que se
localizam estes mesmos pontos.

Com relação aos dados disponibilizados por IBAMA (2002), foram tomados os
valores de produção total de pescado obtido para o período estudado (2001-
2002) para cada local de desembarque. Estas foram classificadas em quartis
entre: pequena produção (0-33 toneladas), média baixa produção (33-72
toneladas), média alta produção (72-175 toneladas) e alta produção (175-990
toneladas).

23
O índice de pressão antrópica, por sua vez, foi definido por Cruz et al. (1998) baseado no
Índice de Transformação Antrópica, que consiste em uma avaliação areal de diferentes tipos
de uso da terra. Cada tipo fora previamente ponderado de acordo com o método de
expertos (definição de pesos para cada tipo de uso, considerando o nível de modificação
antrópica). Como resultado obtém-se uma escala que varia de 0 a 10, onde quanto mais
próximo do valor máximo encontra-se a unidade geográfica analisada (no caso as sub-
bacias de drenagem da baía de Guanabara) maior será a pressão antrópica exercida sobre
ela.

20
Cruz et al. (1998), por sua vez, classificaram as sub-bacias de acordo com
quatro índices de pressão antrópica, a saber: pouco degradadas (índice entre 0
e 2,5), regulares (2,5 a 5), degradadas (5 a 7,5) e muito degradadas (7,5 a 10).

O cruzamento destas duas categorias qualitativas gerou 16 classes das quais


apenas 11 se encontram presentes na realidade da baía24. Por sua vez, as
classes mais presentes entre as localidades investigadas correspondem
àquelas definidas por pequena produção e muito degrada e por alta produção e
degradada. A Figura 5.1 trás a distribuição das localidades pesqueiras entre as
16 classes definidas de acordo com os critérios explicitados acima.

Figura 5.1: Classificação das localidades onde ocorrem desembarque pesqueiro na baía
de Guanabara.

A seleção buscou contemplar quatro classes distintas, sendo escolhida uma


localidade por classe. Também foram priorizados aspectos relevantes a
logística necessária para a realização dos trabalhos de campo (fácil acesso
24
Nenhuma micro-bacia obteve a classificação pouco degradada, e nenhuma das localidades
classificadas como de alta produção se encontravam entre as micro-bacias definidas como
muito degradadas.

21
rodoviário, presença de hotéis). Ao final foram selecionadas as seguintes
comunidades:

 Quinta do Caju (Classe IV; produção muito pequena e muito degradada);

 Tubiacanga (Classe VIII; produção pequena e muito degradada);

 Praia de Olaria (Classe XIV; produção alta e regular);

 Gradim (Classe XV; produção muito alta e degradada).

A Figura 5.2 mostra a localização das comunidades estudadas na baía de


Guanabara.

Figura 5.2: Localização das comunidades de pescadores da baía de Guanabara que foram
estudadas.

5.2 MÉTODO DE APREENSÃO DOS DADOS

Até a década de 1970, a fundamentação de projetos de desenvolvimento


comunitário ou de áreas carentes, elaborados por diversas agências

22
governamentais, era baseada exclusivamente em estudos controlados por
agentes externos às comunidades. Além disto, enfocavam o ambiente físico ao
social, desconsideravam grupos marginalizados e negligenciavam o
conhecimento local (Seixas, 2005).

Não por acaso muitos destes projetos fracassaram naquilo em que se


propunham, e muitos comportamentos inesperados – pelos pesquisadores –
emergiram entre os comunitários que haviam sido submetidos aos
investimentos externos (Wilde, 2001).

Em virtude disto, nos anos 80 operou-se uma mudança radical nos meios pelos
quais eram realizados os estudos e projetos de desenvolvimento. Desde então
o conhecimento local/tradicional sobre a ambiente físico e social, gerado no
interior das comunidades, passou a ser reconhecido como fundamental ao
processo de pesquisa, planejamento, implementação e monitoramento destes
projetos (Seixas, 2005).

O Diagnóstico Rápido Rural – DRR, corresponde a uma das abordagens para a


pesquisa participativa. Orienta-se pelos seguintes princípios (Chambers, 1994,
apud Seixas, 2005; Grandstaff & Grandstaff, 1985 apud Kestenbaum, 2008):

A) Aprendizagem inversa, ou seja, diretamente com as pessoas do local;

B) Aprendizagem rápida e progressiva, baseada na exploração consciente,


oportuna, e com grande flexibilidade na adaptação de várias técnicas de
pesquisa;

C) Aprendizagem ótima, na qual são ponderados os custos e a importância


das informações, considerando a quantidade, a relevância, a acuidade e
o tempo de coleta de dados;

D) Coleção não tendenciosa de dados, evitando privilegiar algum grupo em


particular;

E) Realização de triangulação das informações a partir da comparação de


pelo menos três fontes técnicas de pesquisa;

F) Promoção da diversidade, buscando aprender pelas exceções e


discrepâncias.

23
Por estes princípios, o DRR se constitui em uma abordagem qualitativa, que
preza por dados descritivos e se preocupa com a qualidade das informações,
bem como envoltos por uma assembléia de idéias e expressões ao invés de
números (Dunn, 1994).

Wilde (2001:20) destaca que instrumentos como o DRR “facilitam a


aprendizagem de indivíduos da comunidade local e pessoas exteriores a ela”.
Os métodos empregados “são simples de utilizar, apoiando-se principalmente
em técnicas orais e visuais”.

Apesar de fácil, para obter informações de qualidade é importante que o


pesquisador atenha-se a alguns aspectos na forma como a pesquisa é
conduzida. Conforme assinala Wilde (2001) o pesquisador deve: (1) ter uma
atitude humilde e paciente, bem como vontade de aprender com os membros
do grupo pesquisado; (2) observar que o objetivo não é aprender tudo, mas
aprender o que é necessário para decidir sobre ações futuras; e (3) aprender a
partir de muitos pontos de vista, ratificando as informações, por exemplo,
através de triangulações (Figura 5.3).

Figura 5.3: Possíveis triangulações utilizadas para ratificar uma informação sobre um
mesmo tema. Fonte: Adaptado de Wilde (2001).

24
As triangulações correspondem a uma técnica do DRR onde uma mesma
informação/dado/variável é verificada sobre diferentes perspectivas. Nesta
monografia os dados referentes à caracterização da área de estudo foram, por
exemplo, trianguladas através da comparação dos dados obtidos através de
fontes secundárias (levantamento bibliográfico e análise documental), por
fontes primárias (entrevistas com os pescadores) e por informações coletadas
durante o II Seminário sobre Gestão Socioambiental para o Desenvolvimento
da Aqüicultura e Pesca no Brasil.

A descrição de algumas práticas pesqueiras desenvolvidas em pelo menos três


comunidades pesqueiras também foi triangulada, sendo que, desta vez,
verificando e qualificando determinada prática com as informações obtidas nas
demais comunidades. Neste caso, os dados obtidos com os pescadores de
determinada comunidade eram confrontados com os dados coletados com os
pescadores de outra comunidade.

Para algumas práticas típicas de apenas uma comunidade, as informações


foram trianguladas através da comparação dos dados obtidos com pelo menos
três informantes, ou então, por diferentes métodos de aquisição de dados
(entrevistas, observação e consulta a dados secundários).

Dunn (1994) considera que o DRR coloca inúmeras questões sobre quem
possui o conhecimento relevante para lidar com uma determinada questão,
bem como possui a capacidade de envolver todas as pessoas interessadas em
processos de desenvolvimento socioambiental.

Cabe considerar o DRR, apesar de proporcionar uma maior interação com a


população local, ainda corresponde a uma forma de pesquisa “extrativista”, que
se encontra controlada pelo pesquisador em inúmeros aspectos, sobretudo no
que tange à análise das informações obtidas (Seixas, 2005:76).

O DRR também trás alguns riscos, que podem ser evitados ou mitigados. O
envolvimento da população pode representar um aumento de expectativas, que
se não forem bem trabalhadas podem gerar frustrações e falta de apoio
durante a continuidade da pesquisa/projeto. Outros aspectos que dificultam a
utilização do DRR associam-se a: identificação de atividades ilegais e a
emergência de conflitos na comunidade (Wilde, 2001).

25
Muitos pescadores já se encontram desmotivados a participar de pesquisas, e
muitos se esquivaram das perguntas ou solicitaram para não se envolver,
justamente por terem criado expectativas que não foram alcançadas por
estudos anteriores. Não houve contato com qualquer conflito explicito entre os
membros de qualquer uma das comunidades de pescadores investigadas, e a
identificação de práticas ilegais ocorreu apenas quando foram denunciadas
pelos próprios pescadores.

A seguir serão apresentadas as principais técnicas de pesquisa associadas à


metodologia do DRR que foram empregadas no processo de obtenção dos
dados que substanciaram esta monografia.

5.2.1 Análise bibliográfica e documental

Foi empreendido um extensivo levantamento bibliográfico que envolveu a


busca por monografias, dissertações, teses e artigos científicos. Também foi
realizado um levantamento documental, tais como: atas de eventos
relacionados à atividade pesqueira, de seminários, assembléias, e panfletos;
publicações na internet; e de quaisquer outras fontes onde se encontrem
expressas as opiniões do público alvo deste projeto.

A análise bibliográfica e documental foi utilizada amplamente na


fundamentação teórica desta monografia de bacharelado, fornecendo os
conceitos pelos quais foram delineadas a introdução, a metodologia a análise
dos dados e a conclusão. Ademais, foi empregada como principal fonte de
dados na descrição da área de estudo e como fonte complementar de
informação para algumas das variáveis abordadas no diagnóstico da atividade
pesqueira.

5.2.2 Observações de campo

De acordo com Whyte (1977), a observação do comportamento humano diante


dos fenômenos naturais e sociais se constitui em um método básico para
subsidiar uma pesquisa orientada à avaliação da percepção ambiental. É uma
abordagem flexível em termos de tempo, custo, conceitos e técnicas.

26
Durante os trabalhos de campo foram realizadas observações diretas,
participativas e não estruturadas, sobre a dinâmica de sociabilização, as
condições socioeconômicas dos pescadores, as condições ambientais de suas
localidades e as suas práticas pesqueiras. As observações também foram
importantes no processo de identificação dos atores que se tornaram
informantes-chave25, em algumas das localidades pesquisadas. Neste caso,
foram observados comportamentos de liderança espontânea de alguns
pescadores frente aos demais, ou então, o reconhecimento da comunidade
sobre a experiência e conhecimento de um determinado pescador. Também
foram observados pescadores com experiência prévia na participação de
programas de coleta de dados para o IBAMA,

O tempo de observação em cada localidade não foi igual, porém, com exceção
de Tubiacanga, transcorreu ao longo de todo o dia. Nesta localidade as
observações ocorreram durante uma manhã, e na qual foi possível notar
apenas alguns pescadores em atividade. Na maior parte do tempo, as
observações fundamentaram a caracterização ambiental e um pouco da frota
sediada neste local.

Na Quinta do Caju, visitada durante dois dias, foi observado o ambiente natural
e social que circunda os pescadores desta localidade. As práticas pesqueiras
observadas ficaram restritas ao momento de armação das embarcações, de
concerto dos petrechos e de sociabilização dos tripulantes, que estavam
prestes a embarcar, em um bar localizado próximo ao píer. A observação
também ocorreu nos espaços de organização política dos pescadores.

No Gradim as observações começaram em 2006 e tiveram continuidade em


2007 e em 2008. Ao todo foram realizadas seis visitas, sendo que o maior
esforço se concentrou no último ano, quando foram realizadas três visitas em
dias seguidos. Além das características observadas nas localidades descritas
acima, outras se tornaram passíveis de serem avaliadas, como: desembarque

25
Os informantes-chave correspondem a indivíduos que não são necessariamente da
comunidade, mas que por estabelecer um grande convívio com ela, têm as suas percepções
ambientadas àquela realidade. Os informantes podem ajudar decisivamente no processo de
investigação de campo, servindo muitas vezes de interlocutor entre o entrevistador e o
público alvo (Whyte, 1977:36). Nesta pesquisa, todos os informantes eram das comunidades
que faziam parte.

27
do pescado; confecção/reparo de petrechos; comercialização do pescado;
organização local da pesca; relação entre organizações de pesca; relação
entre pescadores e intermediários.

Na Praia de Olaria as observações foram realizadas ao longo de três dias


seguidos. Durante estes campos puderam ser avaliadas tantas características
quanto àquelas realizadas no Gradim.

5.2.3 Entrevistas

As entrevistas se constituíram na principal fonte de dados desta pesquisa. Foi


empregado o procedimento de entrevistas guiadas por um roteiro pré-fixado,
por vezes adaptadas à realidade encontrada em cada comunidade de
pescadores.

O roteiro das entrevistas foi baseado no conjunto de variáveis que nortearam


esta pesquisa. Cada entrevistado era abordado de forma a garantir que o
diálogo ocorresse naturalmente.

Um fato interessante, presente nas localidades da Quinta do Caju, Gradim e


Praia de Olaria, correspondeu ao aumento da suscetibilidade dos pescadores
às entrevistas, na medida em que a presença do pesquisador se tornava mais
recorrente em cada localidade.

No caso das entrevistas realizadas com os líderes comunitários (presidentes ou


diretores de associações e Colônias de pescadores), os roteiros estiveram
focados em questões relativas à organização comunitária. Somente na Quinta
do Caju não foi possível dialogar com nenhum líder local. No Gradim, por sua
vez, foi possível conversar com representantes de duas gestões consecutivas
da associação local de pescadores.

Além dos líderes comunitários outros informantes-chaves foram descobertos


nas localidades visitadas. Os pescadores nascidos nas localidades e que
possuíam vasta experiência na pesca local trouxeram informações históricas
sobre o desenvolvimento da atividade pesqueira em suas localidades,
prestando atenção às mudanças ambientais e das práticas pesqueiras que

28
incidiram sobre suas localidades e comunidades de pescadores. Nas quatro
localidades visitadas foi possível dialogar com antigos pescadores.

Atravessadores e peixeiros foram importantes na obtenção de informações


sobre a dinâmica de comercialização do pescado em nível local e
principalmente em nível regional, ou seja, fora de cada localidade. Este grupo
de informantes-chaves só foi abordado no Gradim e na Praia de Olaria.

Ao todo foram realizadas 50 entrevistas (Quadro 5.1). Em alguns casos a


entrevista ocorreu com pequenos grupos, de dois ou três pescadores. A
maioria das entrevistas foi registrada imediatamente em uma caderneta de
campo, contudo, em alguns casos, informações obtidas através de pequenos
contatos, realizados ao longo do dia, foram transcritos no final de cada dia de
campo.

Quadro 5.1: Número de entrevistas por localidade.


Tubiacanga Quinta do Caju Praia de Olaria Gradim TOTAL
Número de
2 10 16 22 50
Entrevistas

O tempo de cada entrevista variou de poucos minutos até pouco mais de uma
hora. As entrevistas mais longas foram realizadas com os líderes comunitários,
posto que, de acordo com os próprios, a disponibilidade para a realização de
entrevistas e de fornecer informações sobre a comunidade de pescadores que
representa faz parte de uma das incumbências do cargo de presidente da
associação/Colônia.

Uma das premissas fundamentais desta abordagem se constitui no fato de não


considerar os indivíduos entrevistados iguais (Whyte, 1977). De fato, esta é
uma constatação fundamental aos objetivos deste trabalho, que visa
caracterizar a percepção dos pescadores sobre o ambiente em que vivem.

Whyte (1977) destaca que “qualquer programa que espera aumentar a


habilidade humana de manejar eficientemente os recursos naturais da
biosfera”, deve “levar em consideração a percepção das pessoas diretamente

29
envolvidas“, posto que as suas decisões concernentes ao meio ambiente estão
baseadas, tanto em valores objetivos, quanto subjetivos.

5.3 ESCOLHA DAS VARIÁVEIS ESTUDADAS

De acordo com Berkes et al. (2001), a escolha das variáveis de uma pesquisa
orientada ao diagnóstico dos contextos socioeconômicos, políticos e naturais,
em que se encontram as atividades pesqueiras possui um papel muito
importante para a fundamentação de propostas de implementação de um
processo de gestão participativa da atividade pesqueira.

Cabe ressaltar que, nesta monografia, a definição do conjunto de variáveis não


presumiu enquadrar a realidade das comunidades a uma estrutura pré-definida,
porém, apenas à indicação de um caminho possível de investigação. Por isto
optou-se por um número suficientemente amplo de variáveis que permitisse
maior flexibilidade na hora de caracterizar cada comunidade. A pesquisa
também esteve atenta ao surgimento de variáveis não projetadas de antemão.

Ademais, o conjunto de variáveis foi fundamental para a definição do roteiro


das entrevistas, uma vez que possibilitaram temas iniciais de investigação e
diálogo com os atores alvo da pesquisa. A sua escolha ocorreu através da
realização de consultas a inúmeras publicações científicas, tendo sido
adotadas as variáveis descritas por Berkes et al. (2001).

A escolha por este sistema foi baseada no entendimento de que os autores


apóiam os resultados de suas pesquisas em uma extensa revisão bibliográfica,
percorrendo os resultados de muitos trabalhos que descrevem as condições
que favoreceram ou dificultam o surgimento de processos participativos de
gerenciamento. O conjunto de variáveis investigadas encontra-se apresentado
no Quadro 5.2.

30
Quadro 5.2: Variáveis utilizadas como referência para a realização do diagnóstico
ambientais das comunidades pesqueiras estudadas.
Regionais
(1) oportunidades presentes na legislação e (3) dinâmicas de comercialização do pescado,
nas estruturas administrativas governamentais em níveis regional, nacional e internacional.
que estimulem o estabelecimento da gestão (4) presença e atuação de
participativa instituições/organizações supra-regionais, tais
(2) surgimento de novas tecnologias como cooperativas de produção cuja
pesqueiras, desenvolvidas fora da comunidade abrangência inclui mais de uma comunidade

Locais
(11) tradição de relações cooperativas e de
(5) percepção, pelas lideranças comunitárias, mútuo socorro pelos membros da comunidade
de crises relacionadas às condições dos
recursos pesqueiros (12) grau de interação com os sistemas
político e econômico
(6) composição, distribuição e importância das
espécies alvo (13) medida de dependência dos recursos
pesqueiros
(7) presença de feições ambientais que
possibilitem a definição de fronteiras (14) organizações políticas e o suporte de
geográficas lideranças
(8) tecnologias utilizadas (15) conhecimento local sobe os recursos
(10) nível de desenvolvimento social e (16) direitos de uso e o sistema de
homogeneidade cultural da comunidade gerenciamento dos recursos e da atividade
pesqueira
Comunitárias
(17) educação. (21) valores culturais.
(18) experiência. (22) satisfação com o trabalho na pesca.
(19) tamanho e tipo de pesca. (23) conhecimento ecológico.
(20) tecnologia utilizada. (24) multiplicidade ocupacional.

Como em Berkes et al. (2001), as variáveis foram agrupadas de modo a


facilitar o entendimento sobre o nível de influência dos pescadores sobre cada
uma delas, ou sobre as suas abrangências geográficas.

No nível comunitário se encontram as variáveis que são determinadas por cada


indivíduo. Dizem respeito à percepção e modo de vida de cada pescador de
cada comunidade.

No nível local se encontram fatores que não dependem unicamente de um


pescador, mas de uma construção coletiva (regras locais de uso dos recursos),
e de atores externos às comunidades (atravessadores regionais, bancos de
empréstimos).

Regionais são as variáveis que apresentam pouca ou nenhuma influência dos


pescadores (individualmente), mas que implicam em mudanças nas práticas

31
destes atores localizados em diversas comunidades (leis e mercados
internacionais).

O Quadro 5.3 trás a correlação entre as variáveis pesquisadas e os métodos


de apreensão dos dados. Nesta matriz também é possível identificar as
triangulações realizadas pelo uso de diferentes fontes de dados.

Quadro 5.3: Distribuição das variáveis pelas técnicas de coleta de dados

Observações
bibliográfica

Entrevistas
Variáveis

Análise
regionais

Oportunidades presentes na legislação e nas estruturas administrativas


1 x x
Supra-

governamentais que estimulem o estabelecimento da gestão participativa

Dinâmicas de comercialização do pescado, a níveis, regional, nacional e


2 internacional x x x
Percepção, pelas lideranças comunitárias, de crises relacionadas às
3 condições dos recursos pesqueiros x x

4 Composição, distribuição e importância das espécies alvo x x x


Regionais

5 Tecnologias utilizadas x x x
6 Nível de desenvolvimento social e homogeneidade cultural da comunidade x x x
7 Organizações políticas e o suporte de lideranças locais x x
Direitos de uso e o sistema de gerenciamento dos recursos e da atividade
8 pesqueira x x

9 Conhecimento local sobe os recursos x x


10 Educação x x x
11 Experiência x x
Locais

12 Tamanho e tipo de pesca x x x


13 Tecnologia utilizada x x x
14 Satisfação com o trabalho na pesca x x
15 Multiplicidade ocupacional x x
Número de variáveis observadas por técnica >>> 8 14 15
Legenda: As variáveis coloridas representam aquelas que foram trianguladas por três
instrumentos de pesquisa diferentes.

5.4 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

Na seção de resultados apresenta-se a coleção de informações obtidas através


da metodologia exposta acima, organizadas de modo a contemplar aspectos
relevantes sobre práticas pesqueiras e as variáveis que possuem potencial de

32
interferir na proposição de um sistema de co-gestão para a organização do
setor pesqueiro da Guanabara.

Destaca-se que as variáveis descritas foram selecionadas baseadas em uma


combinação entre as fontes secundárias e as informações colhidas em campo.
Considerando a amplitude do levantamento bibliográfico empreendido e o
menor tempo dedicado aos trabalhos de campo, assume-se que as variáveis
descritas não devem ser consideradas como definitivas, como únicos fatores
de relevância para o desenvolvimento da atividade pesqueira na baía de
Guanabara. Elas representam apenas uma amostra do que pode ser
desenvolvido com maior aprofundamento.

As variáveis identificadas e descritas foram agrupadas em duas seções


denominadas por Diagnóstico Ambiental da baía de Guanabara e Diagnóstico
das Práticas Pesqueiras. Esta separação teve como objetivo facilitar o acesso
às informações obtidas ao longo do texto sendo esta, artificial e para fins
estritamente analítico. Em outras palavras, nota-se que embora para fins
didáticos possa-se distinguir entre natureza e sociedade, ou destacar as
práticas pesqueiras do diagnóstico ambiental, esta separação não se verifica
na realidade.

Após a apresentação dos diagnósticos é empreendida uma análise critica entre


os dados obtidos nas comunidades pesquisadas com outras realidades
descritas e publicadas em literatura científica específica. Nesta seção somente
foram analisadas as variáveis que mais se destacaram durante a realização
dos diagnósticos, e que puderam ser trianguladas durante os trabalhos de
campos. Ao final de cada item da análise crítica é apresentada um diagnóstico
da potencial relação de cada variável analisada com a proposição de um
processo de gestão participativa.

A correspondência de cada variável identificada e descrita com as seções de


diagnóstico e análise crítica encontra-se apresentada na Figura 5.4.

33
Figura 5.4: Distribuição das variáveis pelas demais seções da monografia.

5.5 RESUMO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

A Figura mostra o fluxograma de atividades que orientou a realização desta


monografia. Ele busca evidenciar as etapas de execução da pesquisa.

Figura 5.5: Fluxograma de desenvolvimento deste trabalho monográfico.

34
35
6 DIAGNÓSTICO AMBIENTAL DA BAÍA DE GUANABARA

Neste diagnóstico ambiental da baía de Guanabara serão apresentadas


caracterizações de algumas variáveis ambientais indicadas pelos pescadores
como indutoras de transformações nas práticas pesqueiras.

Neste diagnóstico estão presentes algumas das variáveis propostas por Berkes
et al. (2001), a saber: (1) oportunidades presentes na legislação e nas
estruturas administrativas governamentais que estimulem o estabelecimento da
gestão participativa; (2) presença e atuação de instituições/organizações supra-
regionais, tais como cooperativas de produção cuja abrangência inclui mais de
uma comunidade; (5) percepção, pelas lideranças comunitárias, de crises
relacionadas às condições dos recursos pesqueiros; e (10) nível de
desenvolvimento social.

Também foi identificado como pertinente à apresentação de alguns dos


aspectos relevantes às transformações da qualidade ambiental da baía de
Guanabara, sobretudo as suas principais fontes de poluição.

6.1 POLUIÇÃO

A mistura de água doce e marinha, a geografia da baía, as condições


climáticas que atuam sobre ela, a rica fauna e flora, tornam a Guanabara um
ambiente de rara beleza e de elevado interesse social. Estes fatores
possivelmente influenciaram a fixação das primeiras populações de seres-
humanos ao seu redor. Hoje, conforme aponta Bessa (2004) encontram-se
domiciliados na região hidrográfica da baía 8,5 milhões de habitantes, o que
representa uma das mais expressivas concentrações demográficas do território
brasileiro.

Além deste grande contingente populacional, a baía de Guanabara é


circundada por um dos mais importantes pólos industriais do país. São mais de
10 mil indústrias, duas grandes refinarias (com capacidade de processar 17 %
do petróleo consumido pelo Brasil), dois portos comerciais, sendo o Porto do
Rio de Janeiro, o segundo mais importante do país, 16 terminais marítimos de

36
óleo combustível e 12 estaleiros. E, além dos 2.000 navios que freqüentam a
Guanabara anualmente, existem as centenas de pequenas e médias
embarcações pesqueiras e de lazer, além das barcas para o transporte de
passageiros (Kjerfve et al., 1997; Amador, 1996; Silva et al. 2007).

Em virtude da falta de planejamento adequado para esta intensa atividade


antrópica, hoje, a baía apresenta um cenário ambiental completamente
modificado quando comparado às suas condições originais. Neste sentido,
conforme assinala Batista Neto (2005) destaca-se um intenso processo de
degradação ambiental, que, sob determinadas perspectivas, posiciona a baía
de Guanabara enquanto um dos ambientes costeiros mais poluídos do Brasil.

Borges (2007) destaca, por exemplo, o aporte de efluentes domésticos e


rejeitos industriais; o desmatamento da vegetação de manguezal para extração
de madeira; aterros; ocupação desordenada de terras públicas e
derramamentos de óleo, como agentes importantes na evolução do declínio
ambiental da Guanabara.

Alguns outros impactos ambientais que provocam a degradação ambiental da


baía encontram-se discriminados abaixo:

 Aterros: Amador (1996) estima que a baía de Guanabara já tenha


perdido 80 km2, com destaque para os aterros realizados para a construção da
Avenida Brasil, da Linha Vermelha e do Parque do Flamengo;

 Esgoto: a falta de uma rede coletora e de tratamento, capaz de suprir a


demanda existente, faz com que a baía de Guanabara receba uma quantidade
extraordinária de matéria orgânica, na ordem de 453 t de DBO por dia
(PDRHBG, 2005);

 Resíduos sólidos: a produção de resíduos sólidos alcança a ordem de


13.000 t por dia. Parte deste volume não é coletado e atinge a baía de
Guanabara sem qualquer tipo de tratamento (PDRHBG, 2005);

 Escoamento superficial: as chuvas acarretam no transporte de


inúmeros poluentes através do escoamento superficial urbano, dentre eles os
hidrocarbonetos derivados de petróleo, que são solúveis em água e possuem
grande potencial carcinogênico (Mello, 2001; Hoffman, 1984; e Netto, 2004);

37
 Assoreamento: as taxas de sedimentação da baía de Guanabara são
10 vezes superiores às taxas apresentadas há 35 anos atrás (Kjerfve et al.,
1997; Godoy et al. 1997; Amador, 1996).

 Poluição industrial: entre as empresas mais poluidoras encontram-se a


REDUC (Refinaria Duque de Caxias), que despeja uma carga orgânica por dia
de 1.274 kg, a Cibrapel (indústria de papel de Guapimirim), com 900 kg por dia,
a Petroflex (localizada em Duque de Caxias), com 676 kg/dia, Sul Atlântico
(processamento de pescado - localizada em São Gonçalo), com 480 kg por dia,
e a Conservas Rubi (processamento de pescado também de São Gonçalo),
com 382 kg por dia (CIBG, 2008).

6.2 PERCEPÇÕES SOBRE MUDANÇAS AMBIENTAIS

Dentre todas as agressões ambientais sofridas pela baía de Guanabara o


vazamento de óleo ocorrido em 18 de janeiro de 2000 é considerado pelos
pescadores artesanais como um divisor de águas. Todos ponderam que a
degradação ambiental da baía, que já era elevada antes do vazamento, se
agravou muito com o incidente.

Foram 1,3 milhões de litros de óleo combustível (tipo MF-380) lançados na baía
de Guanabara após o rompimento do duto PE-II, que liga a REDUC ao terminal
da Ilha D‟Água. O vazamento começou uma da manhã e só foi percebido às 5
horas, pois os mecanismos de controle de fluxo do combustível bombeado
também falharam (Acselrad & Mello, 2002).

De acordo com Kampel & Amaral (2001), a mancha de óleo atingiu diversos
ecossistemas, incluindo praias, costões rochosos e manguezais localizados na
parte norte/nordeste da baía, como as praias do litoral de Magé, de Paquetá,
da Ilha do Governador e de São Gonçalo. A Área de Proteção Ambiental de
Guapimirim, um dos mais importantes nichos ecológicos da região, também foi
severamente afetada.

A Figura 6.1 mostra que a extensão da mancha de óleo estimada para o dia 19
de janeiro de 2000, ou seja, um dia após o vazamento, já se espalhava por
uma área de 133,45 km2, 34 % do espelho d‟água.

38
Figura 6.1: Mancha de óleo estimada a partir do processamento de imagem de satélite
para o dia 19 de janeiro de 2000. Fonte: Kampel & Amaral (2001)

Nos dias que se seguiram, Kampel & Amaral (2001) pontuam que a extensão
da mancha foi aumentando, chegando a atingir outras regiões nas partes
nordeste (Magé) e leste (São Gonçalo) da baía.

É importante frisar que, até aquele momento, a Petrobras não oferecia


qualquer garantia com relação à realização de auditorias de padrão
internacional nos dutos, fato que levou o Governo do Estado a adiar a
assinatura de um Termo de Compromisso com a PETROBRAS, cinco dias
antes do incidente (Acselrad e Mello, 2002).

Este vazamento, embora tenha sido um dos mais trágicos ocorridos no Brasil,
não se constitui no maior vazamento acidental nem mesmo na baía de
Guanabara. Em 1975 foram derramados acidentalmente 5,8 milhões de
toneladas de óleo do navio grego Tarik, fretado pela Petrobras (Monteiro,
2003).

Mas o que levou o incidente ocorrido em 2000 a ser considerado pelos


pescadores como o “pior de todos” que já se sucederam na Guanabara?
Provavelmente, o grande apelo ambiental dos dias atuais, divulgado
maciçamente pela grande mídia, e pelo fato de que, desta vez, os pescadores

39
conseguiram uma histórica vitória na justiça, que lhes garantiu o recebimento
de indenização por danos morais pelo incidente (além de indenização por
perdas materiais). Estima-se a multa indenizatória em um bilhão de reais.

Talvez, este último aspecto seja o mais relevante, posto que até o momento a
indenização não foi paga, apenas alguns pescadores que aceitaram realizar
acordos com a Petrobras receberam algum tipo de ressarcimento. De fato, os
prejuízos econômicos e o empobrecimento das comunidades pesqueiras
aumentaram a expectativa pelo recebimento da indenização, fato presente na
fala cotidiana dos pescadores.

Outras mudanças ambientais também são citadas pelos pescadores, algumas


delas, por serem crônicas, como o despejo de esgoto não tratado através dos
rios que afluem para a baía, ganham certo destaque nas suas falas.

A poluição proporcionada pelo lançamento de resíduos sólidos também é


bastante comentada, posto que esta influi diretamente sobre as pescarias,
danificando os aparelhos de pesca ou atrasando a pescaria. Os sacos
plásticos, neste caso, são o tipo de resíduo mais criticado. Segundo os
pescadores, estes se concentram sob o solo marinho, sendo constantemente
recolhidos junto com a rede. Em 2001, a estimativa era de que 4.000 toneladas
por dia de lixo sólido poderiam alcançar as águas da Guanabara
(CIBG, 200826).

Os pescadores também identificaram como mudança ambiental importante a


redução da área que pode ser utilizada pela pesca, em virtude do aumento de
áreas de uso restrito. Estas áreas são regulamentadas pela Constituição
Federal e por regras de navegação internacionais. A Capitania dos Portos é
responsável pela delimitação em Carta Náutica e, quando necessário, pela
sinalização no mar. Alguns exemplos são: rotas das barcas; próximo áreas à
áreas militares; no entorno de plataformas, ou estruturas fixas; próximo aos
pilares da Ponte Rio-Niterói; e sobre áreas por onde passem dutovias.

O conflito pela utilização de uma área definida como de uso restrito se amplia
quando esta área é um pesqueiro tradicional. Um caso emblemático desta

26
http://www.cibg.rj.gov.br/detalhenoticias.asp?codnot=95&codman=28

40
situação corresponde ao boqueirão, área onde se encontra uma base da
marinha (que delimita uma área de exclusão com raio de 500 metros a partir da
linha de costa), e uma plataforma de concreto que atenderá ao funcionamento
de uma planta de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) da
PETROBRAS (esta instalação também delimita uma área de exclusão de 500
metros no seu entorno), mas que era tradicionalmente ocupada pelos
pescadores.

Em Olaria, muitos pescadores relataram que já haviam se envolvido em


incidentes, ou que conheciam alguém que tivesse passado por algum tipo de
conflito por utilizarem áreas de uso restrito. Muitos entrevistados relataram que
o caso é dramático, porque os militares, depois de emitirem avisos sonoros,
atiram contra quem persistir na área. É utilizado armamento de elevado calibre.
Alguns pescadores já se feriram gravemente e, em um caso específico, um
entrevistado relatou que perdeu parte de sua capacidade motora. Um outro
pescador mencionou ter sido ameaçado com armas por seguranças
particulares da PETROBRAS, também por pescarem próximo à plataforma de
GNL, recém inaugurada.

6.3 SOCIOECONOMIA

Um aspecto muito importante relacionado à descrição dos aspectos


socioeconômicos corresponde à delimitação da unidade territorial utilizada na
caracterização das localidades visitadas. Cabe ressaltar que todas se
encontram circunscritas a unidade bairro, mas esta não foi, necessariamente a
unidade utilizada. No caso de Tubiacanga e da Quinta do Caju, foi possível
utilizar este recorte, uma vez que há disponibilidade de dados socioeconômicos
nesta escala. Em Tubiacanga, por exemplo, o Comitê de Entidades no
Combate à Fome e Pela Vida – COEP – realizou um amplo levantamento
sociocultural, que mapeou, além da história da comunidade, suas principais
demandas atuais. Também se encontra disponível um documentário sobre esta
comunidade, produzido pela Associação de Moradores. A Quinta do Caju, por
sua vez, foi incluída em um estudo socioeconômico sobre o complexo do Caju,
realizado pela FIRJAN em 2002. As informações socioeconômicas da Quinta

41
do Caju, quando não estiverem referenciadas a este (FIRJAN, 2002), ou a
qualquer outro estudo, tratar-se-ão de dados coletados em campo.

Com relação ao Gradim e à Praia de Olaria não ocorre o mesmo. A


indisponibilidade de dados específicos sobre cada localidade foi definitiva para
a realização do recorte geográfico. Em ambos os casos, os dados mais
consistentes encontram-se disponíveis apenas em escala municipal, tendo sido
publicados em 2003 (São Gonçalo) e 2005 (Magé) pelo Tribunal de Contas do
Estado - TCE. Não há qualquer descrição distrital ou bairrística. Com isso, as
descrições das localidades do Gradim e da Praia de Olaria, na verdade,
corresponderão às informações dos municípios que fazem parte.

6.3.1 População

Tubiacanga é originariamente uma comunidade pesqueira, mas que


gradualmente foi incorporando moradores de outras áreas da Ilha do
Governador, deslocados em virtude da construção do aeroporto internacional e
suas posteriores expansões, e que não tinham na pesca seu principal meio de
subsistência.

A Quinta do Caju, por sua vez, foi fundada no século XIX por Dom João VI. O
Rei acreditava que nas praias da região encontraria areias medicinais que
poriam fim às sarnas que tanto o incomodavam. Um pouco mais tarde,
pescadores portugueses oriundos da região de Póvoa da Várzea também se
estabeleceram na área.

Em Tubiacanga existem 750 casas onde habitam 1.000 famílias, ou 4.200


habitantes. Esta comunidade da Ilha do Governador possui uma densidade
domiciliar muito superior a que se encontra na Quinta do Caju (810 domicílios,
para uma população de 2.542 moradores).

Nota-se em Tubiacanga uma tendência de crescimento, haja visto a intensa


atividade de construção civil observada durante o campo, sufocada, porém,
pelo rígido controle estabelecido pela INFRAERO. Na Quinta do Caju, de
acordo com a ex-presidenta da Associação de Moradores, não se nota
qualquer tipo de crescimento. Inclusive, destaca a liderança comunitária, é

42
provável que, em alguns anos, haja um decréscimo no número de moradores,
posto que lá reside uma grande população de idosos.

No que diz respeito ao Gradim, nota-se que se localiza em um município, São


Gonçalo, que tem registrado um intenso crescimento populacional registrado
nos últimos anos. Este se tornou o município mais populoso da costa oriental
da baía e um dos mais densos de toda a Região Metropolitana. O município
tem uma área total de 248,7 quilômetros quadrados, que representa 5,3 % da
área da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Pelo que pode ser observado durante os trabalhos de campo, o Gradim


concentra um grande contingente populacional, sobretudo as margens da BR-
101. Esta via expressa é uma via de comunicação com outros importantes
centros na região, como o Rio de Janeiro e Niterói. A grande população no
bairro parece ter modificado a dinâmica local da pesca, segundo o atual
presidente da Associação de Pescadores do bairro, aumentando o número de
indivíduos engajados na pesca.

A Praia de Olaria se localiza em um bairro historio do município de Magé,


Mauá. Era a partir do antigo porto localizado neste bairro que partia a linha de
ferro imperial com direção a Petrópolis. Em Magé a densidade demográfica é
muito inferior a encontrada em São Gonçalo ou no Rio de Janeiro, sendo ainda
possível notar muitas áreas desocupadas, verdes, e preservadas. O município
registrou em 2000 uma população 205.830 habitantes e uma densidade
demográfica de 558 habitantes por km2.

6.3.2 Educação

Em Tubiacanga só há uma escola municipal que oferece vagas da pré-escola


ao ensino fundamental. Os estudantes que buscam o ensino médio devem
procurar as escolas localizadas nos bairros vizinhos. Os pescadores possuem
uma escolaridade baixa, seguindo a tendência nacional (SEAP, 2006).

Na Quinta do Caju a oferta de vagas limitada para educação de jovens e


adultos em horário compatível com o desejado pelos pescadores. No ensino
fundamental e médio, parece atender as expectativas dos moradores, embora

43
haja queixas sobre sua qualidade. O índice de analfabetismo é de 6,5º% e a
escolaridade média das pessoas com 25 anos ou mais é de 6,4 anos. Os
pescadores também possuem um baixo nível de escolaridade, sendo este um
pouco superior entre os mestres e armadores.

São Gonçalo apresenta uma grande tendência de queda da sua taxa de


analfabetismo, oscilando entre aproximadamente 16 % em 1970 e em torno de
6 % em 2000. O número total de matrículas nos ensinos infantil, fundamental e
médio apresentando evolução de 3% no número de estudantes, entre 1998 e
2002. Para o mesmo período nota-se: crescimento do corpo docente e redução
nos índices do rateio aluno/professor no município.

No Gradim encontra-se uma escola da pesca, que oferece cursos


profissionalizantes direcionados a cadeia produtiva da pesca. De acordo com
um entrevistado, esta escola não funciona de modo a adequar sua estrutura de
funcionamento a realidade dos pescadores e de seus familiares sendo,
inclusive, sub-utilizada.

O nível de escolaridade dos habitantes de Magé é muito baixo, uma vez que
mais de 50 % da população não possui mais de 7 anos de estudo. Os índices
de analfabetismo também são elevados. Na população com mais de 15 anos,
10 % são analfabetos (ano 2000). Este percentual é, no entanto, muito mais
satisfatório do que o apresentado na década de 70 do século passado, quando
quase 30 % da população era analfabeta. Nota-se a ocorrência de uma grave
distorção série-idade, proporcionada pelo atraso escolar, pela entrada tardia na
escola e, principalmente, pela repetência.

Para uma moradora de Praia de Olaria, o grande problema da localidade


corresponde à falta de ensinos profissionalizantes ou universitários, que atenda
as demandas da cadeia produtiva da pesca.

É importante ressaltar que as lideranças comunitárias em todas as localidades


visitadas apresentam um nível superior de escolaridade com relação a maioria
dos demais pescadores.

44
6.3.3 Saneamento

Dentre os diversos aspectos do saneamento básico, chama a atenção dos


pescadores o descaso do poder público com o tratamento do esgoto. De fato, a
ausência de uma rede coletora e de um sistema de tratamento adequados para
lidar com a pressão populacional presente na bacia de drenagem da baía de
Guanabara é notória.

Além disto, os pescadores se queixam da falta de tratamento adequado dos


resíduos sólidos. Os lixões, com as chuvas, extravasam lixo e chorume.
Ademais há um grande volume de resíduos sólidos que nem é coletado, sendo
despejados diretamente na baía, ou nos rios e canais que nela deságuam.

Em Tubiacanga, parte do esgoto doméstico produzido é despejado in natura na


baía de Guanabara. A coleta de lixo é ineficiente, pois falta um trabalho
rotineiro de limpeza da orla e dos manguezais. Em Tubiacanga, além do lixo
gerado na comunidade, há o aporte significativo de resíduos sólidos trazidos
pela maré. Há uma queixa na comunidade de que quando chove, muitos
resíduos transbordam do lixão de Gramacho e atingem a comunidade.

A Quinta do Caju, embora seja uma comunidade bem servida por um serviço
de coleta do esgoto sanitário, sofre com a falta de mesma oportunidade nas
comunidades vizinhas. O Canal do Fundão encontra-se assoreado e
extremamente poluído.

Em São Gonçalo, o saneamento básico é caracterizado pela presença de uma


baixa oferta de coleta e tratamento de esgoto domiciliar e a coleta regular de
lixo alcança 91,2 % dos domicílios.

No Gradim é perceptível o impacto gerado pela contaminação dos rios. As


casas que ocupam a orla da comunidade também não possuem coleta de
esgoto, sendo este lançado diretamente na baía.

O saneamento básico disponível em Magé também não atende


satisfatoriamente a sua população. Apenas 30 % dos munícipes são
beneficiados pelo serviço de coleta de esgoto. Ao longo da praia de Olaria, foi
possível identificar o aporte de um rio, canalizado, muito contaminado. A falta

45
de um sistema adequado de tratamento foi pautada por um dos pescadores
entrevistados como sendo um dos maiores problemas da comunidade.

6.3.4 Síntese dos dados socioeconômicos

O Quadro 6.1 sintetiza as informações socioeconômicas levantadas para cada


localidade ou unidade territorial onde se insere, bem como algumas
informações obtidas através de observações e entrevistas.

Quadro 6.1: Síntese dos dados socioeconômicos e percepções ambientais dos


pescadores entrevistados
Tubiacanga Quinta do Caju Praia de Olaria Gradim
Escala geográfica
Local Local Municipal Municipal
dos dados
Localizado em um dos
municípios mais
Bairro originariamente Localidade se situa
Bairro com 4 mil populosos da Região
colonizado por em bairro com baixo
habitantes. Metropolitana do Rio
pescadores adensamento urbano.
Influenciado pela de Janeiro. Toda a
portugueses e O município, por sua
pesca no passado e sua extensão é
População atualmente tem seu
espanhóis. Hoje vez, possui uma das
urbana. O bairro se
possui 2,5 mil menores populações
desenvolvimento conecta com outros
habitantes e pouco da Região
controlado pela centros urbanos
espaço para expansão Metropolitana do Rio
aeronáutica. importantes como o
domiciliar. de Janeiro.
Rio de Janeiro,
através da BR-101.
Há vagas para todos
Há vagas disponíveis
os níveis de ensino. Embora seja a única
para todos os níveis,
Porém os pescadores localidade que conta
Só há na localidade contudo faltam
queixam-se da com uma escola de
vagas para uma horários adequados.
qualidade das aulas e pesca (ensino técnico
creche e para o Há um notório
dos horários orientado à cadeia
ensino fundamental. desinteresse dos
disponíveis. Há uma produtiva da pesca),
pescadores pela
Muitos pescadores diferença de há ainda muitas
educação formal,
possuem baixo nível escolaridade entre os queixas com relação a
Educação armadores e mestres
quando consideram
oferta de
de escolaridade, e sobre o modelo
esta situação tende a com os demais oportunidades para o
vigente. Há uma
se agravar com a pescadores. Os estudo. A principal
queixa com relação a
restrição no número primeiros apresentam queixa corresponde a
falte de ensino
de vagas e horários um nível superior, inadequação dos
profissionalizante
das aulas porém ainda assim horários e da dinâmica
adequado para a
mais baixo que o das aulas a realidade
cadeia produtiva da
restante da dos pescadores.
pesca.
comunidade.
A coleta de esgoto no Há coleta completa do
bairro é parcial, esgoto doméstico e
ocorrendo muitos regular de resíduos Como em todo o A coleta de esgoto é
despejos in natura sólidos. município, nota-se na parcial, e como em
diretamente na
A comunidade é Praia de Olaria Tubiacanga, há muito
Guanabara. Também
afetada indiretamente precariedade na despejo in natura na
não há regularidade
por problemas coleta de esgoto baía de Guanabara.
Saneamento na coleta de lixo seco
(resíduos sólidos) que relacionados a falta de doméstico. Alguns rios Os dois rios que
saneamento em que deságuam na cortam o bairro
constantemente são
carreados pelo outras regiões do Rio praia de encontram-se também se encontram
de Janeiro e que visualmente muito contaminados
escoamento
poluem contaminados. Por esgoto doméstico.
superficial provocado
pelas chuvas para a significativamente o
baía. Canal do Cunha.

46
6.4 MARCOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS ASSOCIADOS À
ATIVIDADE PESQUEIRA

As intervenções do Estado na regulação da atividade pesqueira no Brasil


tiveram início no século XVII, quando o Governo português resolve regular a
pesca da baleia na baía de Guanabara, após perceber os grandes lucros
obtidos com esta atividade.

Consta em Coaracy (apud Silva, 1945:548), que:

“Percebendo a fonte de lucros que essa indústria [pesca da baleia] proporcionava,


a Coroa se apressou a transformá-la em monopólio da Fazenda Real, passando
desde então o privilégio da pesca em determinadas zonas a ser ajudicado, por
meio de concorrência pública, aos arrematantes que mais oferecessem por ele. É
a isto que se chama o contrato das baleias”.

Posteriormente, a história da regulação da atividade pesqueira pode ser


dividida em algumas fases, distinguidas pelos interesses predominantes nas
políticas estatais em cada período.

Do final do século XIX ao início do XX, por exemplo, a principal ação realizada
pelo Estado em direção à pesca esteve relacionada à organização das
comunidades pesqueiras em Colônias, que por sua vez estariam subordinadas
à Marinha Brasileira (Lei 447, em 19 de maio de 1846). O mote desta política
esteve relacionado com a salvaguarda da soberania brasileira sobre toda a sua
faixa costeira, posto que transformou todos os pescadores afiliados às Colônias
em exército de reserva (OLIVEIRA et al. 2007, 2008).

No século XX despontam as políticas de fomento ao desenvolvimento da


pesca, apoiadas em uma visão de mundo marcada pela percepção dos
recursos pesqueiros como um recurso inesgotável. No início do século, os
investimentos foram modestos, e destacam-se a criação da Caixa de Crédito
dos Pescadores e Armadores de Pesca e a Comissão Executiva da Pesca.
Esta última possuía o objetivo específico de organizar as comunidades de
pescadores em cooperativas de produtores (OLIVEIRA et al. 2007, 2008).

A atenção dedicada pelo poder público à expansão da atividade pesqueira e a


sua regulação ganhou fôlego em 1962, quando foi criada a SUDEPE,
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, autarquia vinculada ao

47
Ministério da Agricultura. A SUDEPE atuou com foco na expansão da produção
pesqueira sob os moldes capitalistas, através do fortalecimento do, então
incipiente, setor industrial. A linha de ação desta autarquia se pautou na
abertura de inúmeras linhas de crédito e incentivos fiscais, que visaram
consolidar a pesca enquanto uma grandiosa indústria de base 27 (Dias Neto,
2002).

Claramente, as políticas definidas para a atividade pesqueira artesanal também


tinham como foco facilitar o surgimento de uma grande indústria pesqueira,
pois, conforme enfatiza Diegues (1983:147), buscou “atribuir à pequena pesca
a função de um bolsão de força de trabalho barato para a frota empresarial-
capitalista”.

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, mudanças significativas


ocorreram sobre o foco da atuação pública no que diz respeito à gestão da
atividade pesqueira. Em primeiro lugar, conforme destacam Marrul Filho (2001)
e Dias Neto (2002), a Constituição Federal consagrou a tutela do Estado sobre
os recursos pesqueiros, uma vez que os determinou como bens da União.

A SUDEPE foi extinta em 1989 e a gestão da pesca passou a ser de


responsabilidade do IBAMA, que imprimiu, pela primeira vez, uma perspectiva
sustentabilista a operacionalização das políticas de incentivo fiscal concebida
até então. O IBAMA apoiou-se em uma perspectiva mais realista das
potencialidades do mar brasileiro com relação à disponibilidade de recursos
pesqueiros (Dias Neto, 2002).

Atendendo a expressivas reivindicações do movimento organizado dos


pescadores artesanais, a Constituição de 1988 também apresenta um
importante marco regulatório no que vale ao reconhecimento do direito ao livre
associativismo por parte dos pescadores (Cardoso, 2001).

27
Conforme destaca Diegues (1983), o Governo brasileiro fracassou ao tentar estimular a
consolidação de uma grande indústria pesqueira, uma vez que não contou com pontos de
referência adequados no que diz respeito à capacidade produtiva do mar brasileiro, à
experiência do empresariado e ao desprezo pelas potencialidades e infra-estruturas
incipientes que já existiam. Das 131 empresas que receberam suporte governamental
através de diversos incentivos, pelo menos 40 % foram a falência.

48
De acordo com Dias Neto (2002), os bons resultados alcançados pelo IBAMA
na regulação do uso dos recursos pesqueiros não agradaram a todos atores
ligados à cadeia produtiva da pesca. Àqueles que, no passado, estavam mais
comprometidos com a política de incentivos fiscais (sejam eles políticos ou
empresários) se tornaram um dos grupos mais reativos a atuação do IBAMA.

Cardoso (2001) ressalta que a aproximação das políticas pesqueiras com as


questões ambientais ocorreu na mesma medida em que se afastou de outras
esferas importantes que constitui a pesca, como a economia pesqueira. Este
fato se constitui em um ponto de inflexão desta fase do gerenciamento da
atividade pesqueira para a próxima.

Desta forma, em virtude de sucessivos desgastes institucionais, o IBAMA


perdeu espaço político, processo que culminou na publicação da Lei nº 9.649,
de 27 de maio de 1998, que reduziu as competências do IBAMA com relação a
gestão da atividade pesqueira. A responsabilidade pelo fomento da atividade
pesqueira e pela gestão dos recursos não explorados economicamente ficou
sob responsabilidade do Departamento de Pesca e Aqüicultura – DPA, criado
em 1998, dentro do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento –
MAPA. Ao IBAMA restou a gestão dos recursos ameaçados, sobrexplotados, e
completamente explotados, incluindo o poder de polícia sobre a fiscalização da
atividade (Dias Neto, 2002).

A separação da gestão de pesca entre produção e conservação promoveu uma


falsa visão de que os recursos pesqueiros poderiam ser compartimentados
entre: espécies inexplotadas ou subexplotadas, de interesse da produção, e
espécies sobrexplotadas, de interesse da conservação; sem que fosse
empreendido um esforço para entender a dinâmica natural dos ecossistemas
marinhos e da atividade pesqueira (Dias Neto, op. cit.).

A criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca – SEAP, em 2003,


manteve a divisão das competências institucionais com relação à gestão da
atividade pesqueira, ficando para Secretaria as responsabilidades que antes
foram atribuídas ao DPA. Valência e Mendonça (2008) destacam que a criação
da SEAP veio de encontro à retomada das políticas pesqueiras voltadas para a
produção em um mercado internacional.

49
As dificuldades emergidas no processo de gerenciamento da atividade
pesqueira, decorrentes da divisão de responsabilidades e da falta de
entendimento entre os dois atores governamentais, ficam notoriamente
expressa no artigo escrito por Alexandre Espogeiro, presidente do Sindicato
dos Armadores de Pesca do Estado do Rio de Janeiro:

“Nenhum barco de pesca pode trabalhar com dois mestres [pois] os pescadores
não vão produzir nada. Vão passar o tempo todo discutindo as ordens dos dois, e
tudo vai acabar em prejuízo e desordem. Quem manda na pesca: a SEAP ou o
IBAMA?” (Espogeiro, 2004)

No que diz respeito à incorporação dos pescadores no processo político da


pesca, algumas iniciativas devem ser destacadas, como a Instrução
Normativa/IBAMA nº 29, promulgada em 2002, que legitima os “Acordos de
Pesca” como estratégias de administração pesqueira.

A SEAP também procura estabelecer uma relação dialógica com os diversos


segmentos da sociedade civil organizada ligada à pesca, desta forma
regulamentou em 2004 o Conselho Nacional de Aqüicultura e Pesca -
CONAPE, que tem como finalidade:

“propor a formulação de políticas públicas com vistas a promover a articulação e o


debate nos diferentes níveis de governo com a sociedade civil organizada, para o
desenvolvimento e o fomento das atividades da aqüicultura e da pesca no território
nacional” (Decreto 5.069/2004).

O CONAPE é composto paritariamente por integrantes de órgãos do Poder


Executivo, e, como já informado, por representantes da sociedade civil como: o
Movimento Nacional dos Pescadores, o Conselho Pastoral dos Pescadores e a
Organização das Cooperativas Brasileiras.

A Política Territorial da Pesca e Aqüicultura compõe o Plano de


Desenvolvimento Sustentável mais Pesca e Aqüicultura e busca cristalizar, nas
ações da SEAP, uma abordagem participativa de manejo. Esta política baseia-
se na definição de territórios de pesca bem como de regras e normas de uso
destes espaços através de um processo participativo de tomada de decisão.
No momento, alguns projetos de delineamento de territórios pesqueiros na
região nordeste já se encontram em fase de implementação.

50
A proposta metodológica contida na Política Territorial da Pesca e Aqüicultura,
de ampliação do diálogo com as comunidades pesqueiras, parece contradizer a
critica realizada por Mendonça & Valencio (2008) sobre o caráter que
predomina nas relações que a SEAP mantém com a pesca artesanal. Segundo
os estudiosos:

“No caso da interação da categoria do pescador profissional artesanal e a


Secretaria de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, veremos que
prepondera um tipo de interação não-recíproca, isto é, não dialógica, na qual o
segundo tenta submeter o primeiro, rumando para um processo social básico do
tipo dissociativo, isto é, o conflito” (Mendonça & Valencio, 2008:109).

No âmbito estadual, embora o Rio de Janeiro sempre tenha sido um estado


protagonista na atividade pesqueira desenvolvida no Brasil, não há um grande
aparato institucional do governo estadual que respalde o desenvolvimento
deste setor.

Ainda na esfera estadual encontra-se a FIPERJ, ou Fundação Instituto de


Pesca do Rio de Janeiro. Fundada no final da década de 80, com a finalidade
de promover a atividade pesqueira sob bases sustentáveis de utilização dos
recursos naturais. Suas linhas de ação se concentram na pesquisa, na
assistência técnica e na capacitação de pescadores, aqüicultores,
comerciantes e técnicos.

No que diz respeito ao arcabouço legal que regula a atividade pesqueira


atuante na baía de Guanabara, nota-se que a maioria das leis reflete o
panorama nacional. Há uma presença majoritária de matérias dedicadas ao
fomento da atividade (e.g. concessão de incentivos fiscais) e ao seu
ordenamento (e.g. proibição de petrechos, determinação de períodos de
defeso).

Destaca-se, contudo, a Lei Estadual nº 3192/1999, que reconhece o direito real


de uso sobre a propriedade (da terra tradicionalmente ocupada) aos
pescadores. Esta Lei também garante que, quando a propriedade se localizar
em unidade de conservação, fica assegurado “aos pescadores artesanais o
acesso exclusivo aos recursos naturais, e à participação direta nos planos e
decisões que afetem de alguma forma o seu modo de vida”.

51
Na esfera municipal pouca ênfase é dada à atividade pesqueira. Nenhuma
prefeitura possui uma secretaria dedicada exclusivamente aos assuntos da
pesca. Apenas São Gonçalo possui uma subsecretaria, que se encontra
subordinada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Ciência e
Tecnologia.

Na cidade do Rio de Janeiro, embora não haja qualquer representação


institucional que cuide dos assuntos pertinentes à pesca, algumas leis foram
promulgadas. Em 1984 a Lei nº 630, de 01 de outubro de 1984, autorizou a
transferência provisória do entreposto pesqueiro que funcionava na Praça XV
para a Central de Abastecimento de Hortigranjeiros do Estado – CEASA,
localizado no bairro carioca de Irajá. Em 1990 foi proibida a comercialização
das redes de pesca com aberturas de malha inferiores a 27 mm. Em 2003 foi
autorizada a construção do Núcleo de Pesca Artesanal no Parque Royal, na
Ilha do Governador. Das três, a mais relevante e polêmica entre os pescadores
da Guanabara corresponde à primeira.

A retirada do entreposto pesqueiro da Praça XV representou uma grande


transformação na dinâmica pesqueira artesanal na Guanabara. Embora cada
localidade ainda mantivesse seus pontos de desembarque, seus pequenos
portos, conforme destacam muitos dos pescadores entrevistados, o
desembarque na Praça XV era encorajado pelos melhores preços e maior
agilidade na venda do pescado. A Praça XV reduzia a cadeia da intermediação
da produção, uma vez que não se fazia necessário à utilização de caminhões
frigoríficos entre o ponto de desembarque e o entreposto pesqueiro.

A Lei nº 630/1984 autorizou a transferência, que passaria a funcionar de forma


provisória na CEASA, em Irajá. Alguns projetos foram cogitados, como o da
construção de um novo entreposto na Quinta do Caju e mais recentemente na
Ilha do Governador (projeto da SEAP). No caso deste último, o terreno já foi
concedido a SEAP e a previsão de término da obra é 2010. Enquanto a obra
não é concluída muitos pescadores reclamam que o aumento da cadeia de
intermediação do pescado reduziu ainda mais suas rendas.

52
7 DIAGNÓSTICO DA ATIVIDADE PESQUEIRA

7.1 PRÁTICAS PESQUEIRAS

Foi diagnosticada, nas quatro comunidades estudadas, a presença marcante


da pequena produção mercantil de pescadores artesanais. Este fato corrobora
o estudo realizado por IBAMA (2002), que já havia sinalizado para o
predomínio da pesca artesanal na baía de Guanabara.

Mas há também, considerando as definições cunhadas por Diegues (1983), a


presença de um grupo de armadores de pesca que se dedicam ao arrasto do
camarão e ao cerco da sardinha. Este tipo, no entanto, não foi notado em
nenhuma das comunidades visitadas, a não ser pelos comentários realizados
pelos pescadores a respeito da diversidade da pesca da Guanabara. Os
mesmos pescadores sugerem que os armadores, donos das traineiras de cerco
e arrasto, são na maioria oriundas de Niterói.

Outro tipo importante de usuários dos recursos pesqueiros corresponde aos


pescadores de temporada. Estes só atuam durante a alta temporada da pesca
do camarão e não costumam trabalhar embarcados. Assemelham-se mais com
os armadores, contratando a mão-de-obra local disponível para utilizarem suas
embarcações e aparelhos de pesca. Os pescadores de temporada exercem
outras atividades profissionais28, que lhes garantem a principal fonte de renda
ao longo do ano.

Há ainda a atuação dos pescadores amadores, cuja incidência aumenta


significativamente durante o verão. Estes pescadores utilizam a linha e a vara
como principais petrechos de pesca. A produção não tem fim comercial e os
barcos são alugados dos próprios pescadores ou ex-pescadores.

Com exceção destes últimos grupos, para a maioria dos pescadores das
comunidades estudadas a atividade pesqueira é tida como principal fonte de

28
Os pescadores de Olaria destacam a participação de um policial local nas pescas de
temporada. Segundo o relato dos entrevistados, o funcionário público já coagiu alguns
pescadores, buscando obter maiores vantagens na pescaria, como a utilização de alguns
pesqueiros.

53
renda. As bases das unidades produção29 são essencialmente provenientes da
própria localidade, o que inclui a mão-de-obra, no caso das pescas com mais
de um tripulante. A finalidade do pescado produzido é essencialmente
comercial, sendo negociado especialmente com atravessadores. Também se
nota a utilização de parte da produção (geralmente espécies de baixo valor
comercial) para o consumo próprio.

Há, no entanto, uma grande variação entre as comunidades no que diz respeito
às técnicas pesqueiras predominantes em cada uma delas. As razões para
estas diferenças podem ser encontradas na história de cada localidade e nas
condições ambientais que predominam em cada uma delas (que influi, por
exemplo, na distribuição dos organismos dentro da baía).

7.1.1 Tubiacanga

Em Tubiacanga destaca-se a peculiaridade da presença de uma pesca local


mais significativa do que nas demais localidades visitadas. Embora a qualidade
da água não seja aparentemente melhor do que a do Gradim, a da Quinta do
Caju e a da Praia de Olaria, é notória a presença de pescadores de arrastão,
uma prática conhecida como candombe.

O candombe, ou condoblo, corresponde a uma modalidade de pesca de


arrasto realizada com dois pescadores desembarcados. Cada um puxa um
calão, ou galão, que correspondem a duas madeiras resistentes localizadas
nas extremidades laterais da rede. O arrasto é realizado em águas bem rasas,
ao longo da extensão da praia. Após alguns minutos de arrasto, os pescadores
movimentam-se em direção a região emersa da praia, onde é realizada a cata
manual do camarão. A pesca é realizada sobretudo à noite, estendendo-se
pela madrugada e em alguns casos terminando apenas no início da manhã
(Figura 7.1).

29
Consideram-se as bases das unidades produtivas da pesca o conjunto de atividades que
servem como suporte à realização da pesca, de modo que, sem ela, o desenvolvimento da
atividade não seria possível. Como exemplo, destacam-se: fábricas/fornecedores de gelo,
comerciantes e artesãos de embarcações e aparelhos de pesca e fornecedores de insumos
que integram o rancho (alimentação levada a bordo durante as viagens).

54
Figura 7.1: Esquema de utilização do candombe. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

Em Tubiacanga também ocorre a pesca com tarrafa, para a captura de


camarões, paratis e outros pequenos peixes. A tarrafa consiste em um
aparelho de pesca da categoria das redes, assim como o candombe. É
operada por apenas um pescador, geralmente desembarcado. Este petrecho é
composto por uma rede em formato circular, tralhada com lastros nas suas
extremidades, e um cabo principal, pelo qual o pescador puxa a rede após seu
lançamento. A pesca ocorre nas proximidades de um pequeno remanescente
de manguezal.

A maioria dos pescadores que vivem em Tubiacanga atua, no entanto, longe


das imediações de seu local de moradia. Neste caso a pesca ocorre
embarcada, seja em pequenos botes ou em traineiras, através de modalidades
como a rede de espera, o espinhel e o arrasto com portas.

Há nesta localidade uma frota aproximada de 30 embarcações de pequeno


porte, com no máximo 6 metros de comprimento. Muitas que operavam a
motor, hoje são movidas a remo, pois os motores foram vendidos de modo a
levantar fundos para reparar a estrutura das embarcações. Há algumas
traineiras, cinco no total, que pertencem a dois pescadores que vieram de
Ramos. As traineiras possuem, em média, 12 metros de comprimento e
capacidade de armazenar até 10 toneladas de pescado.

As pequenas embarcações são empregadas para a pesca com rede de espera,


espinhel, linha e para o desembarque de currais, localizados em Duque de
Caxias. As traineiras são utilizadas para o arrasto do camarão. A frota de

55
traineiras também costuma atravessar a barra da baía, para realizar cercos de
sardinha e tainha.

7.1.2 Quinta do Caju

Na Quinta do Caju encontra-se o predomínio da pesca de arrasto com portas e


do cerco com traineira. Estas duas modalidades se caracterizam por
apresentar um poder de captura semelhante às traineiras de Tubiacanga e aos
arrasteiros do Gradim, porém, muito superior às demais modalidades que
predominam nestas localidades e na Praia de Olaria.

A história da Quinta do Caju revela que este foi um dos maiores núcleos
pesqueiros do Brasil, fato destacado por alguns estudos realizados na década
de 50 e 6030. Este fato também se encontra marcado na memória dos
pescadores que ainda hoje vivem por lá.

De acordo com Bernardes (1958), a Quinta do Caju se tornou o bairro carioca


para onde afluíram grande parte dos pescadores portugueses e espanhóis que
imigraram para o Brasil. Os imigrantes contribuíram decisivamente com o
desenvolvimento do setor, ao introduzirem técnicas mais modernas, que
permitiram pescarias muito mais rentáveis. Em um segundo momento, por se
tornar um ponto de referência da pesca, a Quinta do Caju também passou a
atrair migrantes de outros estados, como do Espírito Santo e de Santa
Catarina, estes últimos denominados por “andorinhas” (Diegues, 1983).

Bernardes (1958) destaca, antes da chegada dos imigrantes, a pesca do


camarão representava a atividade de maior importância praticada no Caju,
sendo que, até o final do século XIX. Era comum o emprego de tarrafas e do
candombe.

Os portugueses e espanhóis incorporaram gradativamente novas tecnologias à


pesca do camarão, trazendo-as consigo de suas tradições. Foi desta forma

30
Algum dos estudos que ressaltam a importância que já teve a pesca praticada pelos
pescadores da Quinta do Caju são: Bernardes e Bernardes (1950); Bernardes (1958) e Brito
Soeiro (1960).

56
que, por volta de 1900, introduziram a rede balão embarcada31 (Figura 7.2). Na
década de 50, inovaram através do arrasto com portas32, já com a utilização de
embarcações motorizadas. Alguns anos depois trouxeram o beam-trawl33
(Bernardes, 1958).

Figura 7.2: Pesca com rede de balão. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

Atualmente, a pesca do camarão não é mais realizada nas redondezas do


Caju, em virtude das péssimas condições ambientais do canal do fundão. O
fundo da baía passou a ser a área mais procurada, principalmente nas coroas
e próximo ao boqueirão e à ilha de Paquetá.

A frota de arrasto da Quinta do Caju é caracterizada por embarcações de


médio porte (entre 5 e 6 metros), com propulsão mecânica movida a óleo
diesel. As embarcações possuem um pequeno casario, onde o pescador pode

31
Nesta modalidade de arrasto o movimento da embarcação era obtido quando os pescadores
puxavam uma corda, que se encontrava amarrada em algum ponto de referência localizado
em terra. A abertura longitudinal da rede era garantida pela presença de hastes, localizadas
a proa e popa das canoas e por um arranjo de amarrações de cabos. Já a abertura vertical
era garantida pela utilização de calões.
32
Nesta modalidade o arrasto é realizado por apenas uma embarcação motorizada. A rede,
tracionada junto ao fundo, é mantida aberta pela utilização das portas. Estas consistem em
duas pranchas confeccionadas de madeira, ou metal, mais ou menos planas, e que são
posicionadas a bombordo e estibordo da embarcação. As portas são lançadas ao mar antes
da rede, geralmente com o apoio de um alador. Ao se movimentarem as portas geram uma
força ortogonal ao sentido em que estão sendo puxadas, e por este motivo mantém a
abertura longitudinal da rede. A abertura vertical é obtida pela utilização de lastros e bóias.
33
Este é o método mais simples de arrasto, empregado apenas por uma embarcação. A rede
fica aberta em virtude da utilização de uma estrutura rígida, geralmente confeccionada em
metal, como em uma draga.

57
guardar pertences pessoais, rancho, ferramentas e outros objetos (Foto 7.1 e
Foto 7.2).

Foto 7.1: Embarcações de arrasto Foto 7.2: Traineiras de cerco

O arrasto é simples, ou seja, a embarcação puxa apenas uma rede. Esta, por
sua vez, tem forma de funil, com comprimento 15 metros na tralha inferior. A
abertura da malha do corpo da rede varia de 18 a 30 mm, sendo muito comum
a utilização da malha „20‟. Também se costuma utilizar as portas, cada uma
com aproximadamente 23 m (Keunecke, 2006; Viana et al., 2006). Uma
adaptação muito comum realizada pelos arrasteiros da Quinta do Caju consiste
na utilização de uma corrente, conhecida localmente como “draga”, que é
anexada a tralha inferior da rede, e que serve para “abrir caminho” no fundo da
baía34.

O arrasto parelha, onde duas embarcações puxam simultaneamente a rede, é


uma prática menos comum entre os pescadores do Caju. O poder de captura
aumenta, tanto quanto os gastos, por isso esta técnica costuma ser empregada
apenas quando há uma grande expectativa em relação à produção.

A pesca ocorre a noite, e em cada saída são realizados, em média, cinco


lances. O número mínimo de lances é determinado pela quantidade de
camarão necessário para cobrir os custos da pescaria. A produção por “lance”
(assim chamado uma volta com a rede no mar) não tem ultrapassado 5 kg.
Quando se encontra um pesqueiro com muito camarão, pode-se realizar até 10
“lances” em uma única noite, com produção superior a 5 kg por lance.

34
As correntes procuram proteger a rede, principalmente, dos remanescentes dos currais, que
se encontram completamente imersos em vários pontos da baía de Guanabara.

58
O óleo diesel, que custa R$ 2,00 o litro, representa o insumo que mais onera a
produção. O consumo de óleo diesel em uma viagem é de, em média, 50 litros.
O gelo e o rancho também são insumos fundamentais a pescaria do camarão,
mas não representa um custo no processo produtivo dos arrastos.

Além do arrasto, se destaca uma frota dedicada ao cerco da sardinha. Cabe


ressaltar que o desenvolvimento desta modalidade no Brasil, marcada pela
introdução das redes traineiras, tem raízes fincadas na Quinta do Caju, se
constituindo em outra influência marcante dos pescadores imigrantes. Até a
chegada maciça dos portugueses e espanhóis, pescava-se com tarrafas e
“alvitranas”35. O sucesso das traineiras repercutiu rapidamente e, logo, outros
pescadores importaram as redes da Espanha, uma vez que não eram
fabricadas aqui (Bernardes, 1958).

A pesca com traineira se tornou ainda mais importante quando foram


instalados: (1) o entreposto pesqueiro da Praça XV; (2) as primeiras fábricas de
enlatamento de sardinha em São Gonçalo, na década de 30. Estes dois
acontecimentos fortaleceram a comercialização do pescado a um volume de
produção que ainda não havia sido praticado no Rio de Janeiro
(Bernardes, 1958).

Hoje a pesca do cerco da sardinha é realizada por traineiras36 com capacidade


de armazenamento variando entre 8 e 10 toneladas. As embarcações são
motorizadas e movidas a óleo diesel. Possuem comprimento que varia entre 12
e 15 metros. As pescarias acontecem diariamente, durante toda a madrugada
até o início da manhã. Os pescadores costumam dizer que “os peixes se
escondem para dormir quando começa a clarear”.

Nos cercos, as traineiras são auxiliadas por uma embarcação menor, que
geralmente não é motorizada. A função desta embarcação e segurar uma das
extremidades da rede, enquanto a traineira contorna o cardume. As redes

35
As “alvitranas” correspondem a uma espécie de cerco de emalhar, ou seja, que capturam o
peixe na medida em que este se embola na rede.
36
As embarcações que utilizavam as redes traineiras, em virtude de sua diferença das demais
embarcações, na ocasião do início dos cercos com este petrecho, acabaram por serem
reconhecidas, pelos pescadores, através do nome do aparelho, fato que persiste até hoje.

59
utilizadas possuem abertura de 13 milímetros, 35 metros de altura e 500
metros de comprimento (Foto 7.3).

Foto 7.3: Rede de cerco sendo concertada.

Em seguida puxa-se uma corda que percorre anilhas localizadas na parte


inferior da rede, fechando o fundo de forma a evitar a fuga dos peixes. A rede é
puxada para a traineira manualmente e os peixes retirados da água com puçás.

Como as embarcações não contam com equipamentos mecânicos para puxar


a rede a bordo, como o „moitão37‟, ainda é necessário o emprego de um grande
número de pescadores para a realização do estafante trabalho manual,
aproximadamente oito companheiros. Um dos pescadores entrevistados
considerou que o trabalho tem aumentado nos últimos anos, pois alguns
mestres têm diminuído o número de tripulantes com vistas a reduzir o custo da
pescaria.

Um mestre-proprietário entrevistado, afirmou que, embora haja na baía “muitas


embarcações passando sobre os cardumes”, dificilmente não consegue encher
o depósito de sua embarcação, que possui capacidade de 8 toneladas.
Também é muito comum capturar mais do que se pode armazenar em apenas
um lance; e quando isto acontece, o excedente é oferecido gratuitamente às
embarcações que estejam pescando nas proximidades.

Os principais insumos utilizados pelas embarcações de cerco do Caju são:


combustível, que tem aumentado significativamente o custo da pescaria, uma

37
Moitão é uma denominação local do alador de rede tipo power block.

60
vez que nenhum mestre-proprietário possui subvenção ao preço do óleo; o
gelo, geralmente conseguido de graça nas fábricas de enlatamento de
sardinha; e o rancho (assim chamada a alimentação dos tripulantes).

Nas demais comunidades visitadas predominam petrechos mais artesanais. As


redes de emalhe (caceia e espera) são as mais empregadas, seguidas pelos
espinheis, linha, puçás e outros. Também deve ser destacada a contribuição
dos currais.

7.1.3 Gradim

No Gradim a pesca também é coisa antiga. Bernardes & Bernardes (1950) e


Bernardes (1958) destacam São Gonçalo como um dos núcleos pesqueiros
mais importantes da baía de Guanabara.

De acordo com as informações obtidas em campo, a atividade pesqueira


sempre esteve presente nesta localidade, e até meados da década de 70, a
cultura da pesca era transmitida de pai para filho. Para ser reconhecido como
pescador pelos demais, se tinha que conhecer todos os petrechos de pesca
que existiam, saber fazer alguns deles e ainda construir sua própria
embarcação.

Com o agravamento das condições ambientais da Guanabara, as áreas


adjacentes ao Gradim deixaram de ser freqüentadas pelos pescadores, mas se
mantiveram como importante local de moradia de muitos pescadores e também
como local de desembarque pesqueiro (Foto 7.4, Foto 7.5 e Foto 7.6).

Foto 7.4: Pescadores desembarcando a Foto 7.5: Píer da Associação de

61
produção no Gradim. Pescadores do Gradim.

Foto 7.6: Vista da orla do Gradim.

No passado, quando a pesca em áreas próximas ao Gradim ainda era


praticável, destacava-se a utilização de petrechos como a tarrafa, o candombe,
a rede tresmalho e o puçá. Os currais38 também eram comuns, porém com uso
um pouco mais restrito, pois necessitava o emprego de grandes investimentos
para a sua construção e posterior manutenção. Hoje, a pesca mais típica
corresponde à rede de malha, ou emalhe (como é mais conhecida
localmente)39.

Das redes de emalhe, a mais comum é à rede de tresmalho, ou rasca. Este


petrecho é composto por três panagens (conjunto de panos), sendo que a
interna possui a menor abertura de malha. Com esta rede se pesca espécies
como tainha, pirauna, enchada, bagre e canhanha, por exemplo. As redes com
apenas uma panagem também são empregadas, sendo preferenciais para a
captura da pescadinha, corvina, anchova e espada.

38
Esta modalidade de pesca será apresentada mais a seguir, ao longo da descrição das
práticas pesqueiras utilizadas pelos pescadores da Praia de Mauá.
39
Uma rede é basicamente composta pela combinação de três peças: o pano, a bóia e o
lastro. O primeiro corresponde a uma malha (com diferentes aberturas) em formato
retangular (em diferentes combinações de altura e comprimento) e que responde,
efetivamente, à captura do pescado. Por sua vez, a bóia (cortiça) e o lastro (chumbada ou
poita), são um conjunto de pequenos flutuadores e pesos fixados ao longo da rede em suas
arestas superior e inferior, responsáveis pela manutenção da abertura vertical da rede
(também existem diferentes combinações de bóias e lastros, bem como de materiais
utilizados).

62
O seu comprimento e altura variam bastante, e a escolha das dimensões do
petrecho encontra-se relacionados diretamente com o custo de sua produção e
manutenção, espécie-alvo e método de pescaria. Com relação ao custo, é
importante ressaltar a importância do entralhamento40. Esta atividade
representa um custo adicional às pescarias, algo em torno de R$ 30,00 no
Gradim. Em muitos casos, os próprios pescadores realizam o entralhamento,
procurando, desta forma, reduzir os seus custos de produção.

As aberturas mais comuns entre as redes de tresmalho variam entre 35 e


40 mm, e, em média, possuem altura de 70 a 100 malhas (aproximadamente
2,5 m a 3,7 m) e comprimento de 200 a 400 braças41. Para a pesca do
camarão-cinza e da sardinha a abertura de malha é inferior, 2 e 3 dedos
respectivamente (entre 5 e 15 mm) (Foto 7.7).

Foto 7.7: Redes de emalhe dispostas sobre as embarcações dos pescadores artesanais
do Gradim.

Dentre as formas de utilização das redes encontram-se o cerco (rasca de


bater) e a caceia. O primeiro pode ser realizado em parceria, quando duas
canoas participam da pescaria, ou com apenas uma canoa.

Na rasca de bater em parceria, participam, como já dito, 2 canoas com dois


pescadores em cada uma. As redes das duas canoas são emendadas e
lançadas no mar após ser avistado um cardume. As duas canoas, geralmente

40
O entralhamento corresponde à montagem da rede, ou seja, da costura das bóias e dos
lastros ao pano.
41
Uma braça possui aproximadamente 1 metro.

63
motorizadas, circundam os peixes, e assim que se fecha o cerco, começam a
bater na água de modo a induzir o pescado a nadar contra as redes, e a
ficarem emalhados (Figura 7.3).

Figura 7.3: Esquema da rasca de bater, ou cerco. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

No cerco sem parceria, é muito comum que os pescadores procurem currais


desativados, pois estes se tornaram viveiros de muitas espécies com
importância econômica. O cerco é realizado na espia42, na face oposta ao
sentido da corrente de maré (desta forma a rede não se danifica nas madeiras
submersas do curral). Após amarrar uma das pontas da rede na espia, os
pescadores circundam o cardume até fechar o cerco (que fica em forma de
meia lua). Em seguida os pescadores batem na água, também para induzir o
emalhe do pescado na rede (Figura 7.4).

42
A espia corresponde a uma das partes do curral, que será caracterizado mais adiante, ao
longo da descrição das práticas pesqueiras da Praia de Olaria.

64
Figura 7.4: Esquema de pesca de cerco sem parceria com a utilização de estruturas de
currais desativados. Fonte: Adaptado de Bernardes e Bernardes (1950).

Na caceia a rede é deixada à deriva, de forma a „caceiar‟, ou caçar o pescado.


Os pescadores acompanham o movimento da rede de perto através de duas
lanternas, feitas de modo muito artesanal, iluminadas à vela ou à energia
elétrica e posicionadas nas extremidades das redes (Foto 7.8).

Foto 7.8: Lanternas utilizadas para localizar as redes de caceia.

As redes são posicionadas na coluna d‟água de acordo com as espécies que


se intentam capturar. As redes veladas são aquelas que ficam faceando o
espelho d‟água, e cujas espécies-alvo são as anchovas, espadas e sardinhas.

As redes de meia água não ficam próximas à superfície, e suas alturas são
definidas pela profundidade local de onde se está pescando. Para manter as

65
redes na profundidade desejada, os pescadores substituem a cortiça (material
que oferece flutuabilidade a rede) por garrafas PET. Estas não são amarradas
diretamente na rede, e sim às cordas que se conectam a elas. Desta forma, o
comprimento da corda regula a profundidade que a rede ficará com relação ao
espelho d‟água (Foto 7.9). Estas redes têm se popularizado em virtude da
poluição, pois elas acabam por escapar do lixo flutuante.

Foto 7.9: Detalhe do arranjo de garrafas pet utilizadas para manter as redes flutuando.

As redes de fundo têm como principais espécies-alvo os camarões graúdos,


mas não são muito empregadas, pois ficam muito danificadas com a poluição
existente sobre o sedimento do assoalho submarino da baía de Guanabara.

As pescarias ocorrem predominantemente no período noturno, com o


desembarque ocorrendo entre cinco e sete da manhã. Não é utilizado gelo. O
rancho, muitas vezes, se restringe à água. E os motores de muitas canoas têm
sido adaptados a uma alimentação realizada por gás de cozinha em
substituição ao óleo diesel.

Com o aumento excessivo do preço do óleo diesel e da gasolina, e a falta de


apoio com relação ao subsídio no preço, a utilização do gás de cozinha tem se
tornado uma alternativa muito comum entre os pescadores do Gradim. O
tempo médio de duração de um botijão varia de 4 dias a uma semana, com um

66
custo de no máximo R$ 40,00 a botija. O botijão é o próprio tanque de
combustível e é levado a bordo das pequenas embarcações. A instalação é
improvisada e geralmente realizada pelos próprios pescadores. Embora os
pescadores não tenham se recordado de nenhum incidente, a percepção entre
alguns deles, de que a instalação do gás ocorre de forma improvisada, tem
repercutido como mais um aspecto que aumenta o risco de vida durante as
pescarias (Foto 7.10).

Foto 7.10: Detalhe do botijão utilizado nas pequenas embarcações dos pescadores do
Gradim.

Menos da metade dos pescadores do Gradim não tem barco, pescando em


parceria com os proprietários. Alguns deles levam seus próprios petrechos, de
forma a aumentar a produção e o rendimento de sua pescaria.

O arrasto também é diferente daquele realizado pelos pescadores do Caju,


sobretudo pelas características das embarcações, que são menores (até 4
metros) e com um pequeno casario. As malhas possuem até 20 mm de
abertura. No arrasto são utilizadas embarcações motorizadas e movidas a óleo
diesel ou gasolina (Foto 7.11 e Foto 7.12).

67
Foto 7.11: Embarcações de arrasto do Foto 7.12: Detalhe da porta utilizada para
Gradim. manter a rede aberta.

Também desembarcam alguns pescadores que pescam com espinhel


equipados com aproximadamente 300 anzóis43. As embarcações são
pequenas e em geral, motorizadas. Estes pescadores são, no entanto, de uma
localidade vizinha denominada Itaoca. De lá também são os últimos
proprietários de curral de São Gonçalo e que também desembarcam no
Gradim.

De fato os pescadores do Gradim não são adeptos de uma única modalidade,


as próprias redes possuem varias aberturas de malha e podem se fixadas em
diferentes posições na coluna d‟água. Muitos migram de uma modalidade para
outra de acordo com a disponibilidade biológica dos recursos pesqueiros, ou
então com os períodos de defeso.

7.1.4 Praia de Olaria

Olaria, por sua vez, também representa outra área tradicionalmente ligada à
atividade pesqueira, como indica o mapa de pesca elaborado por Lísia
Bernardes e Nilo Bernardes em 1950. Neste documento a localidade aparece

43
Espinhel corresponde a uma modalidade de pesca de linha, onde um conjunto de anzóis
(número de anzóis é variável) é fixado a um cabo principal, amarrado à embarcação em uma
de suas extremidades e a uma bóia de sinalização na outra. O espinhel pode ser
posicionado junto ao espelho d‟água e a meia água, quando o objetivo é a captura de
espécies pelágicas é próximo ao fundo, quando são alvo as espécies demersais. A posição
do espinhel na coluna d‟água é definida, sobretudo, pelos arranjos de bóias que intercalam
os anzóis. Esta é uma modalidade de pesca passiva, uma vez que fica parada, ou com um
reduzido movimento, a espera do organismo.

68
representada como importante núcleo pesqueiro do estado (Bernardes e
Bernardes, 1950).

As duas modalidades de pesca mais proeminentes nesta comunidade


correspondem à pesca com curral e com rede de espera. Vale à pena
mencionar que também se encontram presentes a prática de outras
modalidades, porém estas são menos expressivas em termos de contribuição
para a produção pesqueira de Olaria. Muitas outras caíram em desuso após o
declínio acentuado das condições ambientais da baía de Guanabara e por
extensão do seu potencial pesqueiro.

Um pescador experiente de Olaria, nascido na região, conta que quando mais


jovem costumava pescar com o tribobó, ou trimbombó. No caso o petrecho
corresponde a uma armadilha para peixes em saltos, e consistia em uma rede
esticada sob a embarcação, um pouco inclinada na direção da água. A pesca
ocorria nos manguezais, a embarcação era navegada a remo até as
proximidades de uma copa de manguezal debruçada sobre a água. Com o
remo levantavam-se alguns galhos, e imediatamente as tainhas saltavam,
literalmente, para dentro da embarcação, ficando presas na rede44 (Figura 7.5).

Figura 7.5: Esquema da pesca denominada tribobó. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

44
Nota-se de um tempo que não existe mais e que o adiantado da vida não lhe permitirá rever
uma situação como esta. As histórias contadas por este pescador eram acompanhadas por
olhos alegres, como quem enxergasse uma realidade, que frente aos fatos cotidianos, só
poderiam ser fantasiosos. Peixes que saltam para dentro do barco, redes fora d‟água,
parecem para este personagem da praia de Olaria algumas das fantasiosas histórias que
está habituado a ouvir de seus companheiros pescadores.

69
O curral também é uma técnica antiga, apreendida pelos brasileiros dos índios
nativos da Guanabara (Bernardes & Bernardes, 1950; Amador, 1996). Mesmo
com o extermínio dos tupis, a técnica continuou sendo largamente empregada,
pois além de ser altamente rentável45, permite uma produção razoavelmente
estável, diferentemente das outras técnicas (Bernardes, 1958).

De acordo com IBAMA (2002:10) “os currais são artes de pesca fixas,
confeccionados com esteiras de bambu e tendo como fundação, troncos de
árvores dos manguezais ou de eucalipto. A madeira do mangue, cuja utilização
constituía prática comum, vem sendo substituída pelo eucalipto. Não há, no
entanto, números precisos quanto ao consumo de cada tipo de madeira. Para a
construção de um curral são necessários 150 a 180 troncos, com diâmetro
variando de 3 a 8 cm e altura entre 5 e 7 metros”. De acordo com Esteve (1995
apud IBAMA, 2002) a vida útil de um curral é de aproximadamente um ano,
após este período é necessário que seja realizado uma grande manutenção de
suas estruturas.

Um curral é instalado de acordo com os movimentos dos cardumes de peixes,


os construtores levam em consideração, correntes e as descargas dos rios. O
objetivo é induzir o peixe a nadar na direção da armadilha, onde ficará preso.
Os pescadores que construíam os currais detinham um grande conhecimento
empírico sobre as condições hidrobiológicas da área pescada.

Este aparelho fixo de pesca possui basicamente 4 seções: a primeira e a espia,


que corresponde a uma grande parede de madeira. A espia atravessa
perpendicularmente o trajeto percorrido pelos cardumes, e é o responsável por
induzir o pesca a nadar em direção a armadilha. As outras três seções são
muito semelhantes, constituindo-se de três cercos de formato circular. A
entrada principal fica ao final da espia e tem formato cônico afunilando em
direção ao centro da primeira gaiola. As demais passagens vão reduzindo de

45
No passado à pesca com curral era muito próspera. Conta um pescador: “Com a renda
gerada era possível ter uma boa vida, casa própria, dar boa educação para os filhos, e até
realizar algumas estribeiras, como comprar carros e outros bens com dinheiro vivo, à vista”.
Muitos dos curraleiros de Olaria, a despeito dos grandes lucros obtidos com os currais, não
conseguiram acumular capital, justamente por acreditarem que tamanha fartura não poderia
jamais acabar.

70
largura de modo a realizar uma seleção de tamanho entre cada cerco. Desta
forma facilita-se à despesca e reduz-se a predação.

O último compartimento, que recebe as espécies de menor tamanho é


chamado de viveiro. Os currais possuem ainda uma ponte que circunda o seu
interior, que serve aos pescadores no momento da despesca. Outro aspecto
interessante relacionado com os currais corresponde à forma como os
curraleiros monitoram a despesca não autorizada de seus currais (Figura 7.6).

Figura 7.6: Esquema de cercado fixo, curral, armado no fundo da baía de Guanabara.
Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

Cada pescador possui uma forma diferente de amarrar a porta dos currais. O
“nó de espia” é uma espécie de identidade do curral46. Este procedimento já foi
mais utilizado, quando os currais rendiam mais. Hoje, ainda há “roubo” dos
pescados, mas em uma escala muito inferior.

A despesca dos currais é realizada por três pescadores, que utilizam


embarcação motorizada com aproximadamente 8 metros de comprimento. Os
petrechos de despesca se assemelham aos utilizados pelo cerco, com exceção
da forma como são manuseados. Os pescadores contornam a parede dos
currais com uma rede adaptada, em cada extremidade, com calões, ou galões,
que correspondem a duas madeiras que facilitam o seu manuseio. Após fechar
o funda da rede, como no cerco, os peixes são retirados pelo terceiro pescador,

46
Cada pescador possui um nó próprio que utiliza para amarrar a porta do curral. Como é o
único que sabe dar o nó que lhe pertence, o proprietário do curral saberá quando outro
pescador estiver retirando peixes sem o seu consentimento, já que deixará a porta amarrada
de um modo distinto. Esta técnica foi muito empregada, caindo em desuso nos dias de hoje.

71
com auxílio de um puçá, também denominado por chavavá, sarrico ou
passava. No passado os currais eram despescados diariamente, haja visto a
fartura, hoje em dia, em média a despesca ocorre a cada 3 dias (Foto 7.13 e
Foto 7.14).

Foto 7.13: Embarcação utilizada na Foto 7.14: Detalhe do galão e do sarrico.


despesca dos currais.

Até meados do último século, os currais eram encontrados ao longo de


praticamente toda a orla da Guanabara, na costa ocidental, até as imediações
do Caju e na costa ocidental, até São Gonçalo (Bernardes, 1958).

A instalação dos currais, naquele período, era proibida. Alegavam militares,


políticos e pescadores que estes aparelhos constituíam em um crime contra o
meio ambiente e um instrumento de exploração dos capitalistas estrangeiros. A
proibição não era suficiente para impedir a instalação de novos aparelhos.
Villar (1945:110) destaca que havia tantos currais na baía de Guanabara que
“chegaram ao ponto de entupir todos os rios”.

Mas tarde, com a transformação dos manguezais em áreas de proteção


permanente47, cujo uso é permitido apenas em casos de utilidade pública, e

47
O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, através da Resolução nº 302 e no uso
das competências que lhe são conferidas pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981,
regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, e tendo em vista o disposto
nas Leis nos 4.771, de 15 de setembro e 1965, 9.433, de 8 de janeiro de 1997, resolve, no
Art. 2º, que o manguezal constitui às áreas de preservação permanente.

72
com o aumento da pressão social para a preservação desta vegetação, a
utilização dos currais ganhou mais um empecilho: o custo.

Com a necessidade de substituir os troncos de “siriba” (Rhizophora mangle),


um recurso que quase não tinha custo, por troncos de eucalipto, que possuem
custo elevado, a manutenção dos currais só poderia ter sido garantida caso a
pesca não tivesse perdas de rendimento. Mas como a produtividade dos
currais declinou, e muitos curraleiros não tiveram como mantê-los em
funcionamento adequado, optaram por abandoná-los ou vendê-los para outros
curraleiros (Foto 7.15).

Foto 7.15: Currais desativados nas proximidades da Praia de Olaria.

Cabe ressaltar que a utilização dos currais no Estado do Rio de Janeiro foi
regulamentada em 2005, pela Instrução Normativa nº 14, do Ministério do Meio
Ambiente. Nesta norma, encontram-se especificações técnicas para a
construção dos currais, sua identificação e legalização perante os órgãos
fiscalizadores competentes. Esta Norma indica que no caso específico da APA
de Guapimirim, as regras de utilização de currais seguem regulamentação
específica.

Em Olaria, só foi possível conversar com dois curraleiros, cada um deles era
proprietário de aproximadamente 30 currais cada um. Mas, de acordo com
relatos dos pescadores da área, existem mais, em torno de 20 a 30
pescadores, cada um proprietário de 2 a 3 currais.

73
Outra modalidade muito difundida em Magé corresponde à rede de espera. A
abertura de malha mais comum é a de 25 mm, mas outras são empregadas de
acordo com a espécie alvo. O tralhamento da rede é realizado por um pescador
que se especializou nesta atividade. Para realizar esta atividade de cada pano
de rede (aproximadamente 30 metros) é cobrado R$ 30,00, descontados os
custos com materiais (bóias e chumbos) (Foto 7.16).

Foto 7.16: Pescador tralhando uma rede de espera.

O local de lançamento da rede e a forma como é lançada varia de acordo com


o comportamento das espécies alvo, com o local e com as condições do
tempo. Na maior parte dos casos, como a pesca se realiza em áreas rasas, a
rede ocupa toda a lâmina d‟água, da superfície ao fundo, e por este motivo não
se nota grande distinções quanto ao tralhamento.

Um grande desafio encontrado pelos pescadores de rede corresponde à


escolha do local de lançamento do petrecho, pois além de procurar áreas mais
piscosas, os pescadores devem estar atentos para a localização de estruturas
de currais que foram destruídos e que se encontram completamente imersas.
O desafio está no fato de que estas estruturas têm funcionado como recifes
atratores tornando muito piscosas. Desta forma, os pescadores tentam lançar
as redes nas proximidades dos restos de curral, observando o comportamento

74
da maré e de tempo para evitar que a rede embole nos restos de curral e se
danifique. A rede também é muito danificada por siris.

Um pescador artesanal de rede de espera de Olaria, que também pode pescar


em dupla, costuma utilizar 30 panos de rede (aproximadamente 900 metros)
em cada pescaria, que ocorre predominantemente à noite. Muitas
embarcações são motorizadas, mas nota-se um predomínio de embarcações a
remo. Não são utilizados quaisquer meio de conservação do pescado a bordo.

Em alguns casos, os pescadores fixam várias redes, colhendo-as aos poucos.


O desembarque proveniente de apenas um pescador ocorre gradualmente ao
longo da manhã.

7.2 COMPOSIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E IMPORTÂNCIA DAS ESPÉCIES


ALVO

Apesar da grande pressão antrópica proporcionada pela pesca e pela poluição,


a baía de Guanabara ainda reserva uma considerável diversidade biológica, na
qual ainda se destacam organismos com razoável potencial pesqueiro em
termos de produção e valor (Jablonski, 2008, comunicação pessoal48).

Outro indicador desta biodiversidade remanescente da Guanabara pode ser


encontrado em Bonecker (1997), quando definiu, a época da publicação de sua
tese, que a baía de Guanabara “é o sistema costeiro semifechado da costa
brasileira com maior ocorrência de espécies de larvas de peixes identificadas”.

Em todas as comunidades visitadas este foi o cenário caracterizado pelos


pescadores: “apesar da quantidade, variedade e da qualidade49 dos pescados
terem diminuído ainda é possível obter da baía o „ganha pão‟ de centenas de
pessoas”.

Nas comunidades visitadas, foi observado o desembarque de um grande


número de espécies, contudo algumas poucas se destacavam em quantidade e
em interesse comercial, dentre as quais: a sardinha boca-torta (Cetengraulis

48
Silvio Jablonski, Faculdade de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
49
Muitos pescadores entrevistados comentarem sobre a mudança de odor na carne da tainha.
Em alguns casos, o cheiro era tão desagradável que tornava o peixe impróprio para o
consumo.

75
edentulus), a tainha (Mugil liza), a corvina (Micropogonias furnieri), a espada
(Trichiurus lepturus), o bagre (Genidens genidens e Netuma barba) e os
camarões rosa e cinza (Farfantepenaeus paulensis e Litopenaeus schmitti,
respectivamente) (Foto 7.17, Foto 7.18, Foto 7.19, Foto 7.20).

Foto 7.17: Tabuleiro com corvinas. Foto 7.18: Pescadores negociam o preço
do camarão cinza.

Foto 7.19: Tabuleiro com sardinhas. Foto 7.20: Presidente da APeLGA mostra
um bagre para a fotografia.

A ocorrência da maioria destas espécies é sazonal, posto que utilizam a baía


apenas durante um estágio dos seus ciclos vitais. A tainha, por exemplo,
permanece nos estuários – ambientes calmos, abrigados e ricos em alimentos
– quando jovens, até que suas gônadas iniciem a maturação. A desova ocorre
em alto mar, havendo, no entanto uma fase estuarina para os juvenis, à qual se
segue o período de migração reprodutiva para o mar (Bizerril e Costa, 2001).

76
Dentre as demais espécies que freqüentam a baía apenas durante um estágio
do seu ciclo de vida, constam: o parati, a sardinha, e algumas manjubas (que
entram na baía para crescer) e a enchova, algumas espécies de linguados, a
corvina e a pescadinha (que entram na baía para a reprodução) (Bizerril e
Costa, 2001).

Dentre as espécies que têm todo o seu ciclo de vida na baía de Guanabara
destaca-se a sardinha boca-torta (Jablonski, 2008, comunicação pessoal50).

A sazonalidade com que ocorrem as principais espécies explotadas é


nitidamente notada pelos pescadores artesanais da Guanabara, que adotam
um calendário da pesca, gerado ao longo de anos de convivência com o
ambiente natural da Guanabara.

Estas mudanças na oferta natural de pescado provocam nos pescadores a


necessidade de dominarem diferentes petrechos de captura, para que desta
forma, possam atuar sobre os recursos menos escassos – uma pescaria mais
segura.

A distribuição espacial dos peixes também é notada, embora, o mais relevante


seja o local na coluna d‟água onde o peixe se encontra. Alguns pesqueiros
marcam locais de espécies-alvo como pescadas e badejos, no “boqueirão”,
camarões, nas “coroas”, e enxadas e bagres, na “roça”.

Apesar disto, é mais comum ouvir do pescador da Guanabara que ele “pesca
na baía toda” e que ele vai “onde o peixe está”. Estas constatações, talvez dois
dos maiores consensos que existiram entre os pescadores entrevistados, pode
indicar que a maioria das espécies explotadas distribui-se amplamente pela
baía.

7.3 DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO NA PRODUÇÃO PESQUEIRA

Predomina na baía de Guanabara a pesca em parceria, com uma diferença


importante na forma de participação nos lucros da renda gerada entre as
embarcações de menor porte, predominantes no Gradim, Olaria e Tubiacanga,

50
Silvio Jablonski, Faculdade de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

77
as traineiras, presentes na Quinta do Caju e os pescadores de curral de Olaria
(Foto 7.21).

Foto 7.21: Companheiros de pesca desembarcam o pescado capturado em Olaria.

Há uma grande semelhança da realidade encontrada com a descrição


realizada por Diegues (1983) em relação à remuneração da força de trabalho
na pesca artesanal baseada na divisão por partes. No caso das pescarias mais
artesanais destaca-se um sistema mais simples, onde invariavelmente os
custos são divididos por todos e os lucros em três partes e distribuídos da
seguinte forma:

(1) o proprietário da embarcação e do petrecho sempre leva uma parte,


pescando ou não. Caso ele participe da pescaria, leva mais uma parte.

(2) Os pescadores que não são proprietários de embarcação ou petrecho


levam apenas uma parte.

(3) Quando um pescador participa com o barco e o outro com o petrecho,


cada um fica com metade dos lucros obtidos com a venda do peixe.

Embora muitos pescadores não tenham embarcação – no Gradim apenas 40 %


dos pescadores possuem seus próprios barcos – quase todos possuem
petrechos de pesca, e a realização das parcerias encontra-se bem amparada
em relações de vizinhança e compadrio que existem em cada comunidade.

No Caju, onde predominam as pescas com traineiras, a divisão por partes é um


pouco mais complexa, pois nesta modalidade ocorre uma divisão de trabalho a

78
bordo mais complexa que nas demais pescarias praticadas na baía de
Guanabara.

Nessa localidade não há a figura do armador de pesca, pois os proprietários


das embarcações são os próprios mestres, e em geral, não possuem mais de
uma embarcação. A tripulação de uma traineira típica do Caju conta ainda com
um contra-mestre, um proeiro, e de seis a oito pescadores de convés.

A divisão por partes realizada pelo mestre-proprietário de uma das


embarcações da Quinta do Caju é realizada da seguinte forma: Toda a renda é
dividida em 74 partes; das quais 35 são do barco, oito do proeiro, três de cada
marinheiro de convés (companheiro), cinco do motorista e cinco do contra-
mestre.

Fica evidente que o mestre-proprietário de uma embarcação traineira ganha


muito mais que os demais trabalhadores a bordo. Considerando, por exemplo,
a comercialização de uma produção de 8 toneladas de sardinha boca-torta,
vendida a R$ 0,19/Kg, a receita total gerada seria de aproximadamente
R$ 1.500,00. A embarcação ficaria com R$ 718,00, (47 %), enquanto cada
marinheiro de convés com aproximadamente R$ 60,00 (4 %). Na alta
temporada, os barcos saem para a pesca a cada dois dias.

7.4 ECONOMIA PESQUEIRA

Nas comunidades que apresentam grande volume de desembarque de


pescado, Gradim e Olaria, a presença de intermediários é marcante. Em
ambas as comunidades a produção arrematada é levada para o CEASA, no
Rio de Janeiro.

O mercado de peixe no Gradim abre às cinco da manhã e as oito não é mais


possível encontrar um pescador sequer para contar história. A venda é muito
rápida, o que consiste em um grande atrativo para os pescadores, pois assim
logo podem descansar e se preparar para a próxima pescaria (Foto 7.22).

79
Foto 7.22: Grande número de pescadores negociam os preços de venda do pescado que
acabaram de desembarcar no Gradim.

O Gradim é o segundo local de desembarque mais importante da costa oriental


da baía de Guanabara, perdendo em volume de pescado desembarcado
apenas para o entreposto de Ponta da Areia em Niterói. No entanto, continua
sendo o mais importante para os desembarques das modalidades mais
artesanais que atuam somente na baía, pois em Ponta da Areia desembarcam
as produções industriais e dos armadores de pesca.

A infra-estrutura de desembarque é bastante precária. O pescado é muito


manuseado, trocando de tabuleiros constantemente. É comum colocá-los no
chão temporariamente, enquanto descarregam os barcos. Esta situação
provoca uma perda da qualidade do pescado (Foto 7.23).

Foto 7.23: Na falta de tabuleiros, os pescadores colocam o pescado provisoriamente


sobre o chão.

80
Para o desembarque também é muito comum que seja utilizado o serviço de
carregador, que são pescadores, ou moradores locais que transportam o
pescado do barco até o local onde ficam todos os compradores. Não é
obrigatório, mas geralmente se encontra condicionado ao fato de que os
pescadores não possuem tabuleiros para transportar o peixe. O serviço custa

R$ 2,00 (Foto 7.24 e Foto 7.25).

Foto 7.24: Carregador recebe o pescado Foto 7.25: Carregador transporta o


para ser transportado ao local de venda. pescado pelo píer do Gradim.

Assim que chegam no pátio da associação, o pescado é pesado. A Associação


dos Pescadores Livres do Gradim e Adjacências – APeLGA – possui três
balanças, uma digital e duas mecânicas. A pesagem também é cobrada, pelo
que é chamado de „pinga‟, ou seja, é retirado um peixe do tabuleiro do
pescador, que depois é revendido pela associação51 (Foto 7.26).

51
A atuação desta associação será descrita no próximo item.

81
Foto 7.26: Pescado sendo pesado por um diretor da Associação de Pescadores.

O principal comprador do Gradim cota o preço do pescado nas bases do que


foi praticado no mercado de Ponta da Areia (que abre e fecha mais cedo que o
do Gradim) e, portanto, a margem de negociação do preço é muito pequena.
Os demais compradores (donos de peixarias de Niterói, São Gonçalo,
intermediários que revendem diretamente a restaurantes) não elevam muito o
preço do pescado, pois a produção costuma ser superior a demanda 52. No
CEASA, estes intermediários revendem o pescado para o Box 50.

Apesar de se sentirem prejudicados na negociação com os intermediários, os


pescadores reclamam do preço oferecido sob tom amistoso, embora irônico.
Deve-se ressaltar, no entanto, que entre os pescadores e os intermediários do
Gradim há uma moderada relação de compadrio (laços afetivos)53.

Em Olaria não há um píer e o desembarque ocorre na praia. Não há a figura do


transportador do pescado, trabalho que é realizado pelo próprio pescador (Foto
7.27).

52
É uma queixa recorrente entre os pescadores o fato dos intermediários praticarem um preço
combinado.
53
Embora nenhum dos grandes atravessadores que atuam no Gradim seja desta localidade, o
fato de freqüentarem-na há muito tempo, fez com que se estabelecessem laços afetivos
entre estes e os pescadores. Recentemente, utilizando-se desta relação, o presidente da
APeLGA solicitou aos atravessadores a doação de sacos de cimento para a construção de
um piso na área onde o pescado é comercializado. Os intermediários atenderam ao pedido,
ajudando, ainda, no mutirão da obra.

82
Foto 7.27: Local de desembarque de Olaria

A única balança utilizada é mecânica e fica sobre o calçadão. O instrumento


pertence a Colônia Z-09, que não cobre nada pela sua utilização. Seu estado
de conservação já está muito precário, o que dificulta a leitura do peso. Todos
presumem que o tabuleiro pese 2 Kg e esta quantia é abatida do peso total
obtido (Foto 7.28).

Foto 7.28: Compradores se aglomeram no entorno de uma embarcação.

Bem como no Gradim, há em Olaria um atravessador principal, responsável


pelo arremate de praticamente toda a produção. Este, por sua vez, transporta o

83
pescado em um caminhão frigorífico até o CEASA onde o comercializa na
“rampa”54 (Foto 7.29).

Foto 7.29: Caminhão frigorífico do principal comprador de pescado de Olaria.

Outro comprador que se encontra freqüentemente nos desembarques que


ocorrem na Praia de Olaria é o peixeiro do bairro. Seu estabelecimento
funciona a menos de 50 metros do ponto de desembarque e conforme dizem
os pescadores locais, “basta atravessar a rua para o pescado ficar 50 % mais
caro”. Esta percepção parece que não influencia na negociação do preço de
primeira venda do pescado, ou seja, aquele oferecido pelo comerciante local
aos pescadores, sendo este controlado pelo peixeiro.

Em 2002, o diagnóstico realizado pelo IBAMA identificou na praia outras 11


bancas de pescado. Estas foram fechadas pela prefeitura em 2007, o que
garantiu para a única que sobrou quase que o monopólio da venda do pescado
em Olaria. Segundo informação dos pescadores, a abertura de novas peixarias
é dificultada pela pressão exercida pelo dono da única que ainda funciona na
praia de Olaria. É importante ressaltar que este atravessador local possui um
papel relevante na dinamização da pesca local ao financiar algumas pescarias,
emprestando dinheiro aos pescadores, com a condição de que os peixes sejam
oferecidos a ele primeiro.

54
Denominação particular dada pelos intermediários de Magé a uma área externa ao CEASA
onde o pescado é comercializado sem a intermediação do leiloeiro.

84
Dois outros intermediários se destacam na praia, não pelo volume de pescado
que adquirem, mas pela persistência diária na negociação destas pequenas
quantidades: “é o que o dinheiro da para casar”, afirmam. Um deles costuma
limpar o peixe antes de revendê-lo. Deste modo garante uma margem maior de
lucro (Foto 7.30).

Foto 7.30: Pequeno comprador local de pescado limpando um tabuleiro de sardinhas para
revendê-las com maior valor agregado.

Eventualmente aparecem outros intermediários, donos de peixarias localizadas


em outras cidades, como Itaboraí, Duque de Caxias e Petrópolis. A presença
destes “aventureiros”55, corresponde a uma das únicas oportunidades de
modificação da dinâmica de comercialização do pescado (Foto 7.31). Antes de
prosseguir com a descrição desta modificação, é necessário descrever a
dinâmica habitual.

55
Esta é a forma como alguns atravessadores locais denominam os intermediários que
ocasionalmente participam da comercialização do pescado.

85
Foto 7.31: Comprador de peixaria de Duque de Caxias.

Geralmente há pouca variação no valor oferecido pelos atravessadores que


freqüentam a praia de Olaria pelo pescado desembarcado nesta localidade.
Um dos fatores que favorecem esta situação diz respeito à presença de uma
oferta superior demanda, sobretudo, no que tange as principais espécies
explotadas, tais como: a tainha, o bagre, a corvina e a espada. Além disto,
como os pescadores querem evitar o custo com o gelo, nota-se uma
necessidade de venda rápida do peixe, de modo que não perca ainda mais sua
qualidade. Com isto em mente, há um entendimento tácito entre os
intermediários de que podem evitar a negociação do preço do pescado.

Este cenário se modifica quando aparecem na Praia de Olaria outros


atravessadores. Neste momento se estabelece uma dinâmica peculiar de
comercialização do pescado nesta localidade.

Os atravessadores que habitualmente freqüentam a Praia de Olaria, notando a


presença de outros comerciantes, oferecem pela produção valores mais altos
do que aqueles que comumente praticam. Os “aventureiros56” são então
induzidos a pagar ainda mais pelo peixe. Os comerciantes locais entendem que
desta forma podem diminuir a presença dos comerciantes não habituais.

Outra variável que altera a dinâmica de venda diz respeito à comercialização


de espécies mais “nobres”, como a pescada amarela, o robalo e o camarão

56
Esta é a forma como alguns atravessadores locais denominam os comerciantes que não
freqüentam a Praia de Olaria diariamente.

86
VG. Neste caso há uma negociação explicita do preço entre os atravessadores
habituais e que repercute em uma maior margem de lucro para os pescadores.

Antes de prosseguir, é importante ressalvar que o CEASA também é


responsável pela dinâmica de comercialização do pescado na praia de Olaria.
Como o principal atravessador comercializa o seu pescado neste importante
mercado regional, o preço que pratica na praia de Olaria encontra-se balizado
pelos valores praticados no CEASA.

Como forma de tentar amenizar as perdas dos pescadores no preço de


primeira venda do pescado, a Colônia Z-09 (com jurisdição sobre Magé) já
procurou organizar a venda em uma cooperativa. A entidade comunitária
possui um espaço adequado para a instalação de uma peixaria, e a intenção
era pagar um valor médio do pescado, porém constante ao longo do ano, ao
pescador. A iniciativa não foi a frente, pois, conforme destacou o presidente da
Colônia de Pescadores, os pescadores não se interessaram em abrir mão dos
melhores rendimentos que são obtidos na entressafra de algumas espécies.

Nas outras duas comunidades a comercialização do pescado é incipiente. Em


Tubiacanga existem algumas peixarias improvisadas nas casas de alguns
pescadores e ex-pescadores. A maior parte do pescado produzido pelos
pescadores desta comunidade é revendida em outras localidades, inclusive no
Gradim, mas, predominantemente, em outras praias da Ilha do Governador.

No Caju, conforme ressalvaram funcionários da Colônia Z-12, existe apenas


um comprador principal que adianta aos pescadores dinheiro para o rancho e
combustível, além de fornecer o gelo a um preço mais barato (vendido a
R$ 2,50 a pedra)57. Estes comerciantes revendem a produção no mercado do
CEASA em Irajá, no Rio de Janeiro.

Os desembarques da pesca de cerco da sardinha boca-torta são realizados


diretamente nos píeres das indústrias de enlatamento. As indústrias pagam
R$ 0,19 por quilo, com o compromisso de fornecerem o gelo gratuitamente 58. O

57
Este ator não pode ser identificado.
58
Em IBAMA (2002), tem-se uma cotação da boca-torta, também vendida diretamente para as
indústrias de processamento, em R$ 0,25. Ou seja, o preço praticado em 2008 é 24 %
inferior. Deve-se ponderar, no entanto, que naquele ano os pescadores tinham que arcar
com o gelo.

87
pescado é monitorado ao desembarcar (temperatura), e são adquiridos apenas
os peixes considerados frescos.

No caso do camarão, os arrasteiros procuram o mercado do Gradim ou o


entreposto de Ponta de Areia, em Niterói.

A Figura 7.7 apresenta um fluxograma da comercialização do pescado


produzido a partir dos dados levantados nas quatro comunidades pesquisadas.
Nota-se um papel muito relevante da CEASA como mais um intermediário da
produção pesqueira obtida na Baía de Guanabara. É interessante notar que
este fato já havia sido constatado por Jablonski et al. (1997).

Figura 7.7: Fluxograma da cadeia de comercialização do pescado produzido nas


comunidades pesquisadas.

Como já mencionado, a CEASA passou a comercializar pescado a partir do


fechamento do mercado de peixes da Praça XV. A utilização da CEASA tinha
um caráter provisório, enquanto fosse viabilizada a construção de um
entreposto pesqueiro definitivo para os pescadores fluminenses. Como
principal reflexo desta mudança teve-se o aumento da cadeia de
comercialização do pescado no Rio de Janeiro, na medida em que ficou
inviável para os pescadores transportar o pescado para o novo mercado.

88
A importância do CEASA e a sua distância dos produtores fazem jus às
reclamações ouvidas durante as pesquisas de campo sobre o fechamento do
entreposto pesqueiro da Praça XV.

Cabe ressalvar que, no diagnóstico realizado por Jablonski et al. (1997) o


Mercado de São Pedro e o Cais Dom Diniz59, também são destacados como
importantes locais de concentração da produção de pescado. Contudo, pouco
foi observado e ouvido durante os trabalhos de campo a respeito destes dois
locais de comercialização do pescado. A única menção aos leilões realizados
no Cais Dom Diniz foi obtida no Gradim, por apenas um pescador que
ponderava sobre o fato da cotação do preço do camarão praticado no Gradim
estar associada ao mercado de Niterói.

7.5 ORGANIZAÇÃO LOCAL DA PESCA

7.5.1 Associação dos Pescadores Livres de Tubiacanga

No final de 1991, influenciados pelo ambientalista Sergio Ricardo e pela


estudante de jornalismo Simony Marry, um grupo de pescadores se reuniu com
o objetivo de organizar uma cooperativa que facilitaria uma maior integração
comunitária e melhorias ambientais em Tubiacanga.

A idéia amadureceu durante alguns meses e ganhou o apoio do pescador


Sergio Souza dos Santos – idealizador e fundador da Cooperativa de
Pescadores de Marcílio Dias. Após as primeiras tentativas de organização de
uma diretoria e dos princípios da cooperativa, a iniciativa foi interrompida em
virtude do grande dissenso entre os participantes.

Apesar do projeto de uma cooperativa ter sido interrompido, ações


comunitárias voltadas à melhoria das condições de trabalho dos pescadores
continuaram sendo realizadas. A mais importante delas talvez tenha sido a
construção de um novo píer de madeira para a atracação das embarcações
pesqueiras e para o desembarque do pescado. A obra foi realizada em 1995,

59
Pontos de comercialização do pescado localizados no município de Niterói e onde também
se praticam leilões do pescado.

89
através do esforço dos próprios pescadores que promoveram um mutirão
comunitário.

Mais de 10 anos se passaram até a que as discussões para a formação da


cooperativa, iniciadas em 1991, fossem retomadas. Em 2004, um grupo de
pescadores e ambientalistas elegeu uma comissão para encaminhar o
processo de fundação da Cooperativa de Pescadores de Tubiacanga –
COOPESTUB – de forma mais ágil.

Imediatamente após a formação da comissão foram encaminhados inúmeros


ofícios ao escritório regional do Rio de Janeiro da Secretaria Especial de
Aqüicultura e Pesca – SEAP e a Petrobras. Estes tinham como objetivo buscar
parcerias para a revitalização das condições socioeconômicas e ambientais de
Tubiacanga e seu entorno e informações sobre o andamento do processo
movido contra a Petrobras em virtude do vazamento de óleo de 2000.

Representantes da SEAP realizaram uma visita a Tubiacanga e prometeram a


construção de um novo píer de atracação e desembarque pesqueiro. A
promessa, no entanto, não foi cumprida, e os ofícios enviados pela Comissão
Provisória da COOPESTUB deixaram, inclusive, de serem devidamente
respondidos.

A comissão não conseguiu encaminhar, com agilidade, a legalização da


cooperativa em virtude da falta de recursos financeiros e aos demorados
trâmites burocráticos exigidos em um processo de regularização de uma
cooperativa. Foi proposta então a fundação de uma associação, com a insígnia
de Associação dos Pescadores Livres de Tubiacanga – APeLT, fundada em
2006.

A APeLT fortaleceu as reivindicações dos pescadores de Tubiacanga, dando a


elas um caráter institucional formal. A APeLT, buscou dar continuidade às
propostas que já haviam sido encaminhadas pela COOPESTUB, propondo,
gradativamente, novos projetos a novos parceiros, como a Transpetro, a
Petrobras e a Infraero. A seguir encontram-se algumas das propostas
realizadas pela APeLT60:

60
Nenhuma delas foi efetivamente realizada.

90
 Escola da Pesca Artesanal;

 Observatório Pesqueiro da baía de Guanabara;

 Coleta de lixo flutuante por pescadores artesanais;

 Reconstrução da ponte dos pescadores artesanais;

 Dragagem de trecho de 3 km no fundo da baía de Guanabara, e;

 Treinamento de pescadores para atendimento em emergência de


acidentes.

A APeLT esteve presente em inúmeros eventos nos quais objetivou acumular


conhecimento para ser aplicado na própria organização interna da associação,
bem como estabelecer parcerias e fortalecer trabalhos articulados em rede com
outras entidades de pesca, como a União das Entidades de Pesca e
Aqüicultura do Estado do Rio de Janeiro – UEPA – e com outras lideranças da
baía de Guanabara.

Um movimento importante organizado pela APeLT consistiu na barqueata


realizada em 1º de outubro de 2007, que contou com a participação de 150
embarcações e mais de 300 pescadores. A manifestação tinha como objetivo
principal chamar a atenção do IBAMA para o fato de não serem mais emitidas
licenças para as embarcações pesqueiras que atuam na baía de Guanabara há
pelo menos 10 anos. Os pescadores também questionaram a situação das
licenças das empresas de óleo e gás que atuam na Guanabara.

A mobilização organizada dos pescadores de Tubiacanga sofreu um novo


retrocesso no começo de 2008, quando, o então presidente, Alex dos Santos,
forçado pelas dificuldades enfrentadas pela atividade pesqueira na baía de
Guanabara, decidiu afastar-se da pesca extrativista, deixando de ser pescador.
Esta atitude enfraqueceu a APeLT que se desmobilizou quase que
integralmente, uma vez que muitos outros pescadores, que compunham a
diretoria da associação, seguiram a atitude do ex-presidente da Associação em
se afastar das obrigações que possuíam enquanto diretores.

91
7.5.2 Colônia Z-12

A maioria dos pescadores é associada à Colônia Z-12, cujo atual presidente


chama-se Jorge dos Reis Sodré, ou Jorge Dragão (como é mais conhecido).
Esta instituição comunitária é herdeira da tradição da antiga Colônia Z-5,
fundada em 1885, e que chegou a ter 5.000 associados, quando era uma das
mais importantes do país. Hoje, a Z-12 (que possui jurisprudência sobre toda a
orla do bairro do Caju) não tem mais o mesmo prestígio que antigamente, mas
ainda conta com mais de 1.000 associados, entre ativos e inativos (Foto 7.32).

Foto 7.32: Sede da Colônia z-12.

Alguns pescadores creditam parte da responsabilidade pelo enfraquecimento


da Colônia nos últimos anos a atuação de um de seus ex-presidentes. Durante
um longo período o antigo líder comunitário não conseguiu mobilizar os
pescadores, tendo pesado sobre ele o fato de não ter sido um pescador.

Por outro lado contesta um pescador:

“Ele só estava lá porque não tinha mais ninguém interessado. Se não fez nada,
pode-se dizer que os pescadores também são responsáveis, pois não cobraram
nem assumiram qualquer postura que pudesse modificar aquela situação”.

Os pescadores do Caju apontam de forma unânime que a desunião entre eles


corresponde ao maior empecilho ao fortalecimento de um movimento de base

92
comunitário combativo. Como principais vetores de desunião encontram-se: a
intensificação da competição por trabalho e o deslocamento de todas as
práticas que possuíam um caráter comunitário, para práticas individualistas.

Outros aspectos relevantes, sugeridos pelos pescadores entrevistados como


indutores da ruína do diálogo entre os pescadores, correspondem ao excesso
de trabalho, que provoca elevados níveis de fadiga física e mental e o baixo
nível de acesso à educação formal e de outras fontes de conhecimento.

O maior, e talvez único, incentivo para se manter associado à Colônia


corresponde ao fato de que esta é a única instituição comunitária no Caju que
emite a carteira do pescador.

A Colônia também foi à instituição responsável pela realização do


levantamento dos pescadores que foram afetados pelo vazamento de óleo da
Petrobras, ocorrido em 2000. A Colônia adotou como um dos critérios de
seleção os pescadores que estivessem associados a ela e com a contribuição
em dia.

Em 1965, a Colônia Z-12 fundou a Cooperativa dos Pescadores do Caju que


tinha como missão fortalecer a cooperação entre os pescadores no momento
da venda do pescado. Na medida em que outros pontos de venda de pescado
foram se estabelecendo na baía de Guanabara, e com a possibilidade de
venda direta às fábricas de sardinha, a cooperativa perdeu força e hoje não é
capaz de mediar o comércio de pescado produzido pelos pescadores locais.

A Colônia e a cooperativa funcionam no mesmo espaço, localizado no Caju, e


de fato, acabaram se tornando a mesma instituição. A Colônia, além de se
responsabilizar pela manutenção de todas as instalações que possui
(escritório, armários para guardar aparelhos de pesca, galpão, cais, etc.),
mantém em funcionamento uma estação de rádio amador, operada por um ex-
pescador contratado pela Z-12.

A estação de rádio funciona durante todo o dia, e fornece aos pescadores


informações sobre as condições de navegabilidade da baía de Guanabara, o
que inclui dados sobre a navegação dos navios na baía e as condições do

93
tempo, além de ser um canal próprio para o recebimento de pedidos de
socorro.

Cabe ressaltar que na Quinta do Caju também há uma associação, a


Associação dos Pescadores Livres da Quinta do Caju. Sua sede encontra-se
sobre o píer da localidade, construída durante a implementação do Projeto
Favela-Bairro. Não foi possível contatar a liderança local e a sede estava
fechada nos dois dias de campo realizados na comunidade. Tampouco foi
possível obter qualquer contato telefônico do atual presidente, posto que
nenhum dos entrevistados reconhecia sua liderança.

Ao serem questionados sobre a situação da associação, denominada por


Associação dos Pescadores Livres da Quinta do Caju, os pescadores
retrucavam: “que associação é esta, que só tem uma pessoa?”. Também é
questionado pelos pescadores o motivo que leva alguém a propor a
organização de uma associação quando já existe, na mesma área, outra
instituição comunitária que compartilha os mesmos objetivos. Para um ex-
pescador, que hoje trabalham na Colônia, a associação só serviu para
pulverizar a força dos pescadores do Caju (Foto 7.33).

Foto 7.33: Vista do píer da Quinta do Caju, e no centro ao fundo, a sede da Associação
dos Pescadores.

7.5.3 Associação dos Pescadores Livres do Gradim e Adjacências

A associação de moradores do Gradim foi a primeira organização comunitária a


lidar com os problemas socioeconômicos dos pescadores desta comunidade.

94
Naquela oportunidade, um dos principais fatores que motivaram o
fortalecimento da associação foi à construção da rodovia BR-101, que
ameaçava a permanência dos pescadores na Praça do Peixe.

Após inúmeros diálogos com políticos e engenheiros, foi concedida a


permanência da comunidade e, em decorrência desta mobilização, ainda foi
possível realizar a regularização fundiária de todos os moradores.

Cícero, pescador e presidente da associação, trabalhou no cadastramento de


todos os moradores e articulou a negociação entre diversos moradores que
habitavam nas proximidades da praça do peixe a permutarem de residência
com os pescadores que moravam um pouco mais afastados dali.

A associação de moradores do Gradim, embora também representasse alguns


interesses dos pescadores dessa localidade, não poderia fazê-lo em todas as
dimensões que envolvem as demandas destes atores. Naquela época somente
as Colônias de pescadores eram reconhecidas legalmente como entidade de
classe dos pescadores61.

A Colônia com jurisdição em São Gonçalo era a Z-08, que tem sua sede
localizada no município de Niterói. Na opinião de Cícero, a Colônia Z-08 nunca
foi comprometida com os pescadores do Gradim. Segundo este ex-pescador e
líder comunitário, a Colônia estava mais interessada em atender os interesses
dos armadores de Niterói.

Cícero costumava enfatizar que também não concordava com o estatuto da


Colônia, que conferia muitos direitos aos diretores e quase nenhum aos
pescadores artesanais associados. Conforme destacou Cícero:

“As Colônias não foram criadas pelos pescadores. Foram criadas pela Marinha, e
até hoje ainda é possível encontrar a influencia do Estado sobre os interesses e
decisões estabelecidos pela diretoria de algumas Colônias. Os presidentes das
Colônias eram indicados pelo Governo Federal. Alguns presidentes destas
organizações só queriam defender o interesse dos armadores, ou dos
empresários da pesca, que em muitos casos eram presidentes da Colônia,
vereadores, prefeitos, deputados...”.

61
Como visto anteriormente, até a Constituição de 1988 a pesca era organizada pelo Estado, e
não era permitido o livre associativismo.

95
O descontentamento com a Colônia fez com que as lideranças dos pescadores
de São Gonçalo se mobilizassem para participar do Seminário da Pastoral da
Pesca, em Brasília, 1985. Cícero foi o representante escolhido, e ao retornar,
iniciou uma mobilização que culminou, em 1991, na fundação da Associação
dos Pescadores Livres do Gradim e Adjacências, APeLGA.

A APeLGA funciona em um prédio de dois andares, que possui uma sala de


reuniões, um consultório dentário e uma sala de informática. Próximo ao prédio
há um píer de concreto, com aproximadamente 100 metros de extensão, sendo
que algumas de suas seções desabaram. Também próximo à sede da APeLGA
existe uma câmara frigorífica, mas que não funciona, mas serve para
armazenar gelo provisoriamente. Recentemente foi construído um pátio
coberto, onde as caixas de pescado ficam dispostas esperando para serem
transportadas pelos intermediários (Foto 7.34 e Foto 7.35).

Foto 7.34: Sede da APeLGA. Foto 7.35: Detalhe da fachada da


APeLGA

A Colônia Z-08 rejeitou a idéia e desde então nunca houve uma tentativa de se
estabelecer algum tipo de parceria entre as duas organizações de pescadores.
Pelo contrário, além de discordar politicamente da fundação da APeLGA, a Z-
08 tentou processar a associação e seus representantes em algumas
oportunidades. Seu Cícero entendia estas atitudes da Colônia como uma forma
de inviabilizar o trabalho da APeLGA ou de desacreditá-la frente aos
pescadores.

Zé Mesquita, atual presidente da APeLGA, ressalta que o incomodo da Colônia


com a associação tornou-se ainda maior a partir de 2000, quando a atuação

96
das lideranças comunitárias do Gradim teve grande evidência pública. Foram
inúmeras aparições em diversos meios de comunicação, como televisão e
jornais. A APeLGA foi reconhecida como de utilidade pública e, favorecida pela
conjuntura política na época, também ganhou o direito de emitir a carteira de
pescador, até então uma responsabilidade exclusiva da Z-08.

Aos poucos a associação foi conquistando seu espaço político no cenário da


pesca artesanal da baía de Guanabara. Cícero possuía contato com muitos
políticos locais, e conseguiu promover na APeLGA alguns avanços de infra-
estrutura. A associação ganhou um píer de concreto, construído pelo senador
Francisco Dorneles, e uma balança digital de piso com capacidade de 300
quilos. Em troca, Cícero, através da APeLGA, apoiou a candidatura dos
políticos que proporcionaram melhorias para os pescadores da comunidade do
Gradim.

Cícero se tornou referência, praticamente absoluta, entre os pescadores


quando o assunto era a organização da APeLGA. Cícero foi o presidente da
associação durante 16 anos, entre 1991 e até 2007, ano em que faleceu.

O trabalho desenvolvido por Cícero, na sua própria percepção, não agradava a


todos, porém o pescador ressaltava que aqueles que discordavam possuíam
certa influencia de atores externos ao Gradim, como da Colônia Z-08 e de
alguns atravessadores.

Os pescadores do Gradim observam a importância da associação como uma


instância que pode trazer soluções a demandas muito específicas, tais como,
serviços burocráticos (organização da documentação), melhorias nas
condições de produção e venda do pescado (fornecimento de infra-estrutura), e
da sua defesa perante instituições extra-locais do poder público, como a SEAP
e o IBAMA (licenciamento, garantia do recebimento do seguro-defeso e
aposentadoria).

Não há um interesse marcante entre a maioria dos pescadores em participar da


diretoria da associação, dizia Cícero. E, desta forma, os pescadores, que
acham importante a existência de uma associação no Gradim vêem como
oportunidade a presença de interessados em desempenhar este papel.

97
A associação também não promoveu qualquer iniciativa para aumentar a
participação dos pescadores nos assuntos relacionados à gestão da APeLGA.
O próprio Cícero afirmava que a “a associação não é dos pescadores, é para
os pescadores”.

Cícero tentava proteger a associação de eventuais ataques de pessoas


interessadas em desconstruir as conquistas políticas alcançadas pela APeLGA.
No entanto, também pode ter ajudado a promover o desinteresse da maioria
dos pescadores na participação da organização da associação.

O atual presidente da APeLGA, Zé Mesquita, questiona este cenário de


distanciamento dos pescadores da organização da associação:

“Na APeLGA a situação era semelhante à Colônia (Z-08), onde ninguém sabe o
que fala no estatuto. Quando assumimos a diretoria da associação no final de
2007, primeiro provisoriamente e depois eleitos, tiramos que nossa primeira ação
seria convidar os pescadores para uma reunião para apresentarmos à eles o
estatuto da APeLGA, bem como seus direitos e deveres enquanto associados”.

De todo o modo Zé Mesquita concorda com Cícero quanto à percepção de que


existem atores, externos a associação, interessados na desmobilização dos
pescadores do Gradim, porém amplia o cenário caracterizado por ele.

Zé Mesquita oferece um exemplo que abona grandes prejuízos no que diz


respeito à organização comunitária: trata-se da não renovação das licenças
provisórias de pesca emitidas pela SEAP.

Esta medida enfraquece o movimento social da pesca artesanal, na medida em


que afeta negativamente a auto-estima dos pescadores e os desestabilizam
economicamente. Para Zé, “nada estimula mais ao homem do que sua
valorização”, e a atitude da SEAP, em sua opinião, representa mais uma ação
de preterimento pela qual é submetida à pesca artesanal da baía de
Guanabara.

Outro aspecto pungente, proporcionado pelo Poder Público, corresponde às


oportunidades que oferece aos pescadores para discutir e solucionar alguns
dos problemas que afetam a atividade pesqueira na baía de Guanabara. As
instâncias de diálogo exigem dos pescadores a educação formal que lhes é

98
negada, em oportunidade e qualidade, pelo próprio Estado, informa Zé
Mesquita.

Zé se recorda com facilidade de inúmeras audiências públicas onde o Estado


não se preocupou em garantir que as discussões ocorressem de forma a
proporcionar uma compreensão generalizada entre os pescadores.

Em uma oportunidade específica, foi exigido aos pescadores que estivessem


interessados em participar do debate, que se inscrevessem pela internet,
preenchendo um longo formulário. A falta de acesso a este meio de
comunicação pelos pescadores fez com que o encontro não contasse com a
participação efetiva do público mais interessado na atividade.

Em outra participação em uma audiência pública, na qual estavam presentes o


poder público e a Petrobras, Zé Mesquita, denunciou a falta de esforço dos
atores governamentais para entender e se fazer entender perante os
pescadores artesanais da Guanabara:

“O Estado não é só para o Estado! Nós pescadores só o encontramos


eventualmente, quando nos submetem à burocracia ou à coerção”.

Desta forma, para Zé, existe entre os pescadores artesanais do Gradim uma
profunda falta de informação e uma extensa lacuna de conhecimento
proporcionado pela educação formal. Esta condição é explorada por outros
atores sociais que compartilham o uso da Guanabara com os pescadores,
como forma de desestabilizar o movimento social representado pelas
associações e Colônias de pesca.

A carência de educação entre os pescadores também é avaliada como


desestabilizadora da organização social dos pescadores. O impacto da falta de
educação é sentido em diversas outras esferas da vida pública e particular
destes atores, influenciando diretamente sob sua qualidade de vida. Para Zé
Mesquita, vínculos familiares e comunitários são abalados pela falta de
educação, e por isso confere tanto destaque a educação quando discute sobre
os problemas que atingem os pescadores: “A minha tese na pesca não é a
pesca, é a educação na pesca”.

99
No entanto, Zé Mesquita destaca que não se trata desta atual educação formal
que necessitam os pescadores. Zé acredita que os pescadores possuem um
conhecimento prático que deve ser considerado pela educação formal, que
deve se mesclar com o conhecimento científico. A discussão em pauta neste
processo educacional não deve se abster em analisar as condições específicas
de vida dos pescadores e moradores do Gradim.

Como resultado, Zé Mesquita assinala que o processo educacional que


interessa aos pescadores deve permiti-lhes autonomia e senso critico aguçado,
pois desta forma poderão comparar com clareza as experiências pelas quais
passam. Assim, estarão mais aptos a planejar e a atuar socialmente sem
responder a demandas imediatas e individualistas.

A falta de educação influi ainda sobre outros aspectos relacionados à


organização do setor pesqueiro, como a articulação de redes entre as
associações e com as Colônias, bem como o conhecimento sobre aspectos
legais incidentes sobre a pesca e oportunidades de acesso a fontes de
fomento.

Zé Mesquita destacou a importância das federações e confederações de


pescadores, que ampliam o poder político dos pescadores e de negociação
com outros atores envolvidos com a pesca. Para ele o “isolamento condena”, e
por isso tenta manter relações estáveis com a FAPESCA e com a UEPA.

Sobre as regulamentações que pesam sobre a pesca na Guanabara, Zé diz


que procura se manter bem informado, ao mesmo tempo em que procura
noticiar mudanças nas leis aos demais pescadores. O seu grande interesse
relacionado à melhoria da atividade pesqueira o tem levado ao acesso à novas
informações, como a que recentemente lhe permitiu conhecer as linhas de
fomento à pesca artesanal disponíveis na FIPERJ.

Sobre a participação do Estado no processo de gestão da pesca e dos


recursos ambientais da Guanabara, Zé Mesquita pondera mais uma vez sobre
o problema da educação no país. Para o presidente da Associação o poder
público corresponde a um fragmento da sociedade que, por sua vez, encontra-
se submetida a um baixo nível de educação e a uma grande influência de
valores como: vaidade, prepotência, individualismo e competição. Em síntese,

100
Zé Mesquita aponta que o Estado tem atuado na direção do fortalecimento dos
valores que hoje hegemonizam as relações sociais, ao invés de combatê-los e
por este motivo, em muitos casos, a gestão tem privilegiado interesses
privados a interesses públicos, ou comunitários.

Para Zé, o sistema político brasileiro é ultrapassado, pois não leva em


consideração a opinião de quem realmente produz bens para a sociedade.
Estes atores são excluídos duas vezes: a primeira, negligenciando o acesso ao
verdadeiro processo educacional; e uma segunda, onde novas instâncias de
governança, que reivindicam ser fruto da ampliação do processo democrático,
exigem dos seus participantes certas condições cujas possibilidades de
concretização se esgotam com a falta de educação.

Para Zé “a sociedade não muda por decretos, muda por visões”. Em outras
palavras, o líder comunitário quis caracterizar o aspecto prático da lei que
muitas vezes só é realizável quando a comunidade a compreende e a defende,
ou quando se estabelece uma significativa estrutura coercitiva.

Alguns aspectos da regulamentação da atividade pesqueira devem ser


conduzidos pelo poder público juntamente com os pescadores. Apesar da
visível desunião no movimento social dos pescadores, Zé Mesquita reivindica
uma história marcada pela participação dos pescadores em importantes
eventos de mudança da estrutura social, como o caso dos pescadores do
Ceará na luta abolicionista. Zé também se identifica com outros movimentos
sociais como dos pescadores ribeirinhos da bacia do Rio Amazonas.

7.5.4 Colônia Z-09

A Colônia Z-09 é a principal instituição comunitária dos pescadores de Magé. É


uma organização antiga, fundada em 1932. A sede atual foi construída em1994
e recebeu uma grande obra de reforma, deixando a estrutura física do prédio
desta instituição comunitária com bom aspecto, no início de 2008. Na Colônia
existem salas de reunião, um consultório dentário e uma secretaria. Também
há uma câmara frigorífica desativada e um espaço onde funcionava a peixaria
da Colônia (Foto 7.36).

101
Foto 7.36: Sede da Colônia Z-09.

Em breve a Colônia irá passar por uma mudança estatutária, cuja principal
modificação está na transformação da Colônia em sindicato. Esta iniciativa tem
como objetivo principal aumentar a renda da Colônia, uma vez que perderá a
obrigatoriedade de repassar a Federação das Colônias 12 % do que arrecada
com as mensalidades de R$ 8,00 pagas pelos seus sócios.

A estrutura administrativa da Colônia será mantida e é composta por 1


presidente e 1 vice, secretários e tesoureiro, além de um conselho fiscal. No
total a diretoria é composta por 12 membros. A Colônia também contrata uma
secretária que atende os pescadores diariamente das oito da manhã as três da
tarde.

A atuação da Colônia está centrada na prestação de serviços assistenciais aos


pescadores e seus familiares. A Colônia organiza um consultório odontológico
que atende gratuitamente os associados e seus familiares. Também há o
atendimento gratuito de um clínico geral durante alguns dias da semana. A
Colônia também estabeleceu uma parceria com um advogado da região, que
durante um dia por semana presta assistência jurídica.

A Colônia também é a única instituição de Magé que emite a carteira do


pescador e por este motivo, também atua na organização dos documentos
necessários para sua emissão. A Colônia busca auxiliar os pescadores com o
encaminhamento dos processos relativos ao seguro-defeso e a aposentadoria,

102
e foi a responsável pelo levantamento dos pescadores afetados pelo
vazamento de óleo de 2000.

A Z-09 já cedeu salas de sua sede para projetos comunitários de interesse


público não restrito aos pescadores, tais como o controle da dengue e a
educação de jovens e adultos (Foto 7.37).

Foto 7.37: Reunião de pescadores na Colônia Z-09.

A Colônia procura informar constantemente os pescadores sobre temas


importantes, como, por exemplo: o andamento do processo movido contra a
Petrobras; a demarcação da estação ecológica na APA de Guapi-mirim; a
construção da plataforma de GNL e outros empreendimentos industriais na
baía de Guanabara, e; mudanças no período de defeso. Conforme destaca o
presidente da Colônia, Aderbal: “Começamos a trazer o pescador para a
Colônia oferecendo a ele informação”.

A longa história de trabalho junto aos pescadores artesanais de Magé teve


altos e baixos. Aderbal destaca que a Colônia Z-09 já foi uma grande referência
de organização e infra-estrutura, em um período que contava com grande
suporte financeiro do Governo Federal. Neste período acumulou grande parte
da infra-estrutura que possui hoje.

No entanto, foram eleitas algumas diretorias que não fizeram outra coisa senão
usurpar o patrimônio dos pescadores, nas palavras de Aderbal, “os sucessivos
equívocos escolhidos para cuidar do patrimônio dos pescadores quebraram a

103
Colônia”. A sede estava abandonada e não eram realizados projetos de
assistência aos pescadores.

Com isso, segundo o presidente, quando a atual gestão assumiu a Colônia,


dos 1.300 pescadores cadastrados, apenas 30 estavam em dia com o
pagamento da mensalidade. Destaca Aderbal que:

“trabalhando junto aos pescadores, utilizando a comunicação direta com seus


associados como principal ferramenta desta gestão, a credibilidade da Colônia
vem sendo reconquistada”.

Um indicador utilizado pelo atual presidente desta instituição comunitária, que


marca o aumento do interesse dos pescadores pela Colônia, corresponde ao
crescimento do número de associados ativos, ou seja, que contribuem com a
mensalidade. Hoje este número alcança 90 pescadores, um acréscimo de
200% com relação ao panorama encontrado no início da sua gestão. O
presidente da Colônia Z-09 também ressalta que a participação dos
pescadores em reuniões organizadas pela instituição tem aumentado62.

O resgate da credibilidade da Colônia fez com que esta entidade se tornasse a


maior referência da organização comunitária do setor pesqueiro em Magé, e
por este motivo passou a ser intensamente procurada por empresas e
organizações não-governamentais interessadas em realizar projetos junto aos
pescadores.

Um exemplo é o projeto Manguezal63, que busca reflorestar o mangue da foz


do rio Suruí e do rio Estrela, bem como de algumas áreas na APA de
Guapimirim. A Colônia contribuiu com o apoio logístico, realizando a divulgação
do projeto em todas as comunidades pesqueiras de Magé, e de infra-estrutura,
oferecendo uma das salas de sua sede para a realização do cadastramento
dos pescadores.

62
É importante complementar que a participação dos pescadores em eventos organizados
pela Colônia é mais expressiva quando estes estão relacionadas à divulgação de
empreendimentos realizados na região, que possam alterar as condições de vida dos
pescadores, em oposição aos eventos que dizem respeito aos assuntos da própria Colônia,
como prestação de contas e discussões sobre mudanças do estatuto.
63
O Projeto Manguezal faz parte de uma medida de compensação executada pela Suzano
Petroquímica, uma empresa que desflorestou áreas de mangue para passar dutovias. Sua
implementação irá empregar 100 pessoas durante um ano e na negociação com a empresa
que causou o impacto ficou acordado que os empregados seriam pescadores.

104
Embora Aderbal avalie que os resultados alcançados até o momento pela sua
gestão sejam bastante satisfatórios, parece que ainda não conseguiu atingir
unanimidade. Muitos pescadores entrevistados foram da opinião que nada
mudou na atual diretoria com relação às demais diretorias que já geriram a Z-
09. Ainda faltaria transparência com relação ao uso do dinheiro arrecadado
com as mensalidades e da administração dos gastos da instituição, assim
como haveria falta de combatividade.

Da mesma forma vê-se um desconhecimento dos pescadores sobre os


serviços assistenciais prestados pela Colônia (dentista, clínico geral, advogado)
e, por isso, é comum ouvir que o pagamento da mensalidade não representa
qualquer vantagem para o pescador. Esta percepção e o desinteresse pela
Colônia são ainda mais marcantes entre os pescadores mais jovens.

Outro exemplo marcante da dificuldade de se estabelecer um trabalho de


organização local da pesca com grande adesão dos pescadores corresponde
as duas tentativas realizadas pela Colônia em desenvolver uma cooperativa de
venda de pescado.

A Z-09 mantém uma boa relação com as demais Colônias de pesca da baía de
Guanabara, com exceção da Z-10, que abrange as praias da Ilha do
Governador.

Pode ser observado que as Colônias da baía de Guanabara vêm se reunindo


para planejar projetos que possam ser desenvolvidos em comum acordo e que
atinjam a todos os pescadores da baía. Uma das linhas de ação tem como
objetivo gerar fontes de renda complementar para os pescadores64.

José Maria Pulgas, presidente da Federação das Colônias de Pescadores do


Rio de Janeiro – FEPERJ – acredita a tendência do pescador atuar em uma
profissão que lhe gerará renda complementar é uma tendência geral na baía de
Guanabara. Pulgas, como é mais conhecido, acredita que pode haver uma
redução expressiva da pressão da pesca sobre os recursos repercutindo em

64
No Projeto Baía Limpa, pescadores são capacitados para recolherem parte do lixo flutuante
da baía de Guanabara. Espalhadas por pontos de desembarque de pescado, encontram-se
núcleos de pesagem e compra do lixo coletado pelos pescadores.

105
aumento da produtividade pesqueira e da renda gerada pela atividade
pesqueira.

A articulação entre as Colônias também é facilitada pela FEPERJ, apesar de


todas as críticas de que é alvo, relacionadas às formas como conduz alguns
processos importantes para os pescadores e como divulga suas ações. Um
exemplo marcante diz respeito à forma como vem conduzindo o processo
indenizatório movido contra a Petrobras, por ocasião do vazamento de óleo de
2000. A Federação monopoliza toda a gestão jurídica do processo e oferece as
Colônias poucas informações sobre o seu andamento. Credita-se à esta
situação o extenso número de boatos que circulam entre os pescadores e que,
em muitos casos, são responsáveis pelo aumento da desconfiança destes
atores em relação à atuação das Colônias e da própria Federação.

O tipo de relacionamento mantido pela Colônia com as associações de


pescadores também não é generalizável. Segundo o presidente da Z-09
existem associações afins, como a APeLGA, com as quais compartilha
propostas políticas semelhantes, e outras cuja relação só acontece de modo
circunstancial.

Um diretor da Z-09 comentou que muitas associações só surgiram após o


vazamento de óleo de 2000, quando perceberam uma oportunidade de “lucrar”
com o vazamento de óleo da Petrobras. Este mesmo diretor destaca que uma
associação, denominada Homens do Mar, foi formada por pescadores que
haviam perdido a disputa em uma das eleições à diretoria da Colônia.

Pelo que foi possível ouvir dos pescadores, a associação Homens do Mar
possui uma postura diferente da Colônia no que diz respeito às estratégias de
negociação com as empresas causadoras de impacto e com o poder público.
Enquanto a Colônia busca dialogar em audiências ou em reuniões específicas,
a Homens do Mar tem um perfil mais combativo, caracterizado pela realização
de barquetas e outros protestos em vias públicas.

Um exemplo marcante da atuação de pescadores sócios à Associação


Homens do Mar está no recente protesto realizado contra as empresas GDK e
Oceânica, ambas de engenharia, e que estão prestando serviços a Petrobras.
Os pescadores alegam que as obras têm proporcionado grandes impactos

106
sobre a pesca, e as medidas mitigadoras e compensatórias não têm sido
executadas. Em virtude desta situação, 40 pescadores realizaram um cerco ao
canteiro de obras, utilizando suas embarcações, durante aproximadamente 40
dias (entre abril e maio).

No dia 14 de maio, o ato foi arbitrariamente reprimido pelo Grupamento Aero


Marítimo da Polícia Militar, uma vez que não possui Ordem Judicial para a
realização da Ação. Finalmente, no dia 22 a obra foi embargada, e,
coincidentemente, umas das lideranças do movimento dos pescadores de
Magé foi assassinado a tiros.

Antes deste trágico desfecho, outras lideranças já haviam sido ameaçadas


verbalmente ou teriam sido vítimas de atentados, como no caso do presidente
da associação Alexandre Anderson.

107
8 ANÁLISE CRÍTICA

8.1 DA METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a escolha das localidades pesquisadas se


mostrou relevante. Foi possível notar que algumas diferenças no
comportamento da atividade pesqueira desenvolvida em cada uma das
localidades eram influenciadas pelas variáveis selecionadas (produção e
pressão antrópica).

As variáveis apresentadas em Berkes et al. (2001) se mostraram um bom


conjunto de referências para nortear as observações de campo, posto que não
foram identificados outros possíveis fatores que interfeririam na proposição de
um novo projeto de gestão para a baía de Guanabara.

A opção pela utilização do Diagnóstico Rápido Rural como abordagem


metodológica para a apreensão das informações apresentou aspectos positivos
e negativos, sendo que os negativos estiveram basicamente relacionados com
o tempo disponível para a realização dos trabalhos de campo.

A quantidade de informações geradas, como é esperado pelos guias que


auxiliam a sua aplicação, foi muito grande. Mas, considerando as variações
sazonais que ocorrem na pesca da baía, seria necessário que os trabalhos de
campo percorressem, pelo menos, um ano inteiro.

Foi notório que o prolongamento da estadia do pesquisador em campo


repercutiu em mudanças no comportamento dos atores alvo desta pesquisa.
Os pescadores tornaram-se mais suscetíveis as entrevistas, consentindo com a
participação na atividade e ampliando a profundidade das informações
concedidas.

Deve-se destacar a capacidade que o método utilizado possui em se adequar à


disponibilidade dos entrevistados. Foi possível e necessário mesclar entre
entrevistas semi-estruturadas (quando o tempo da entrevista era restrito) e
conversas informais (esta utilizada com pescadores mais impacientes com
relação à realização de entrevistas).

108
8.2 DOS RESULTADOS

8.2.1 Tipologia da pesca na baía

A pesca desenvolvida nas comunidades visitadas na baía de Guanabara é


essencialmente de pequena escala analisando os resultados obtidos à luz da
definição apresentada por Berkes et al. (2001). Porém, nota-se que embora
possam ser reunidas sob esta categoria, às modalidades de pesca descritas
precisariam ainda de uma classificação menos geral, e que pudesse vislumbrar
algumas diferenças marcantes encontradas em cada tipo. Para isto foi adotada
a tipologia definida por Diegues (1983).

O tipo mais marcante em termos de número de trabalhadores envolvidos


corresponde à pequena produção mercantil dos pescadores artesanais. A
pesca artesanal esteve representada nas quatro comunidades visitadas, sendo
que em cada uma delas pode-se notar certa singularidade. Na Quinta do Caju,
por exemplo, a capacidade produtiva das embarcações era bem maior do que
aquela característica das embarcações predominantes nas demais localidades
pesquisadas.

Os armadores de pesca apareceram de duas formas: a primeira, mais


constante ao longo do ano, estava relacionada com a pesca de cerco da
sardinha verdadeira e de arrasto do camarão pela frota da Quinta do Caju; com
a pesca de arrasto desempenhada pela frota do Gradim; e com a pesca de
curral realizada por pescadores de Itaoca (com desembarque no Gradim) e da
Praia de Olaria. Nos casos abordados, os armadores eram proprietários de
poucas embarcações ou de currais, e, confirmando a descrição empreendida
por Diegues (1983), nenhum deles desempenhava qualquer tipo de atividade
embarcada.

Durante o verão, com a alta temporada do camarão, empresários de outros


ramos econômicos, pequenos comerciantes locais e funcionários públicos
tornam-se passam a investir na atividade pesqueira. Neste momento, são
responsáveis pelo emprego de um bom contingente de pescadores que atuam
com as embarcações e aparelhos de pesca destes armadores ocasionais.

109
Foi observada a presença de um grande número de pescadores amadores,
cuja relevância para este estudo associa-se ao surgimento de conflitos
relacionados com a disputa pela utilização dos pesqueiros com os demais
pescadores artesanais. A atuação da pesca amadora na baía ocorre sobretudo
no verão, sendo os principais aparelhos de pesca utilizados: a linha e a vara.

Cada um dos tipos descritos anteriormente apresenta modos particulares de


produção, alocação de recursos e exploração dos recursos naturais, diferenças
estas que refletem no interesse que cada grupo possui com relação aos
objetivos da gestão da atividade pesqueira na baía.

Considerando que um dos primeiros passos para a realização de uma gestão


eficiente da atividade pesqueira corresponde à identificação dos múltiplos
atores que se relacionam com a pesca (Berkes et al. 2001), propõe-se que as
diferenças locais citadas mais acima não sejam desprezadas pelos gestores
públicos ou investidores privados e estejam presentes na classificação
oferecida a atividade pesqueira que se desenvolve na baía.

Com vistas a contribuir para este detalhamento apresenta-se, com base nos
trabalhos de Diegues (1983) e de Berkes et al. (2001), a pesca desenvolvida
nas comunidades pesquisadas como de pequena escala, onde:

 Predomina a atuação maciça, durante todo o ano, de pescadores


artesanais, que apresentam pequena ou média capacidade de
acumulação de capital financeiro e de ascensão social;

 Ocorre a incidência moderada de armadores de pesca, mas que


se amplia no verão (em virtude da alta temporada do camarão)
com a entrada de “investidores ocasionais”, e;

 Também atua, sobretudo no verão, um número considerável de


pescadores amadores, que competem com os artesanais e
armadores pelos mesmos espaços de pesca.

8.2.2 Pressões Socioeconômicas

Vários fatores socioeconômicos são apontados como fundamentais ao


estabelecimento de um uso sustentável dos recursos pesqueiros. Durante os

110
trabalhos de campo alguns puderam ser notados, considerando as críticas
realizadas pelos pescadores.

Agrawal (2003) destaca o papel exercido pelo crescimento populacional sobre


a degradação ambiental. O pesquisador segue uma linha acadêmica que
possui raízes fincadas em trabalhos como o de Thomas Malthus65 (1766-1834)
e Paul Ehrlich66 (1932 - ), onde os escassos recursos naturais são submetidos
a uma pressão que cresce indefinidamente em virtude do aumento da
população mundial.

Por meio de um olhar panorâmico sobre a densidade demográfica presente na


bacia de drenagem da baía de Guanabara, uma das maiores do país, bem
como sobre o comportamento da evolução do crescimento populacional e da
degradação ambiental da Guanabara, tende-se a concordar com Agrawal
(2003) imediatamente. E de fato esta correlação encontra-se bastante difundida
na opinião dos pescadores entrevistados.

Os pescadores acreditam que a pesca serve como uma profissão alternativa


para muitos trabalhadores desempregados, população que aumenta com o
aumento populacional. Foram comuns expressões como: “tem muito barco
passando sobre a sardinha”, ou então: “que tem muito pescador que não é
pescador na baía”, que simbolizam exatamente este aumento de pressão
socioeconômica sobre a pesca provocado pelo crescimento populacional.

Outra linha de pensamento conclui que os impactos proporcionados pelo


crescimento populacional devem ser qualificados pelo sistema político-
econômico, que hegemoniza as relações sociais no planeta. Os acadêmicos
que a defendem se apóiam em fatos que mostram distribuições assimétricas de
acesso e consumo de bens produzidos pela humanidade em nível global,
regional e local. É nos países ricos, onde a taxa de crescimento populacional é
menor, que o consumo se mostra mais intenso (Rebouças et al., 2006;
Robbins, 2004; Marrul Filho, 2001; Ward, 1997).

65
Cf. First essay on population, 1798 e Second essay on population, 1803.
66
Cf.The population bomb, 1968.

111
Este contraste também é evidente na baía de Guanabara. Os pescadores,
embora se localizem em uma região extremamente rica67, não se sentem tão
afortunados quanto os empresários, que investem em empreendimentos
industriais e portuários na Guanabara, no que diz respeito às possibilidades de
desenvolvimento de suas respectivas atividades. Este contraste também
transparece no discurso dos pescadores em falas como: “os pescadores estão
sendo expulsos da baía pelos empresários, pelas indústrias [..] são eles é que
ganham dinheiro na baía de Guanabara”.

Outro aspecto socioeconômico de grande relevância na geração de constrições


à pesca corresponde ao baixo nível de escolaridade que predomina na
comunidade de pescadores. Muitos pescadores entrevistados apontaram a
falta de educação formal como indutora da grande dificuldade existente em unir
a classe em torno de propostas comuns.

Lima & Pereira (1997 apud Mendonça & Valencio, 2008) identificaram que a
falta de educação formal e principalmente o analfabetismo podem comprometer
a capacidade de engajamento dos pescadores em ações coletivas, dificultando
o estabelecimento de um grupo com autonomia política e econômica.

Embora na área de estudo possa se encontrar uma boa oferta de vagas para o
ensino fundamental e médio, os pescadores destacam que a estrutura das
escolas não é compatível com as suas realidades de trabalho e, por este
motivo, mesmo com as oportunidades, não há motivação para se
comprometerem com a atividade educacional ou acadêmica.

Considerando o acúmulo de registros sobre sistemas de co-gestão e auto-


gestão dos recursos pesqueiros, onde protagonizam as ações dos próprios
pescadores, nota-se que embora relevante (Berkes et al., 2001) a educação
formal não se mostra determinante na consolidação de um manejo sustentável
dos recursos pesqueiros baseado no protagonismo comunitário. Por exemplo,
muitas comunidades de pescadores paraenses constituem desde a década de
70 (Cerdeira e Camargo, 2007), e possivelmente muito antes disto, acordos
locais de pesca, que regula a utilização dos recursos sob bases comunitárias.

67
Só a cidade do Rio de Janeiro possui o 2º maior Produto Interno Bruto do Brasil e 30º do
mundo.

112
Os pescadores que participam deste acordo encontram-se submetidos às
mesmas carências dos pescadores da Guanabara com relação ao acesso ao
ensino formal (PDA, 2006a; PDA, 2006b).

O contraste existente entre as demandas apresentadas pelos pescadores da


baía de Guanabara (de oferta de ensino formal adaptado as suas realidades
socioeconômicas) e as atitudes dos pescadores do norte do Brasil (valorizando
o conhecimento ecológico tradicional/não formal) coloca a questão da
supervalorização do conhecimento científico em detrimento do conhecimento
tradicional.

Os pescadores ao assumirem o discurso dominante, que supervaloriza o


conhecimento científico, podem reduzir ou até mesmo ignorar as capacidades
“técnicas” que adquiriram no exercício diário de sua atividade. Com isso
marginalizam ainda mais um conteúdo que se mostra cada vez mais relevante
à gestão sustentável da pesca. Ao contrário, deveriam estimular o
florescimento deste conhecimento local e se abrir para um processo de
construção conjunta, em parceria com o conhecimento científico, de um novo
paradigma de manejo pesqueiro.

8.2.3 Pressões Ambientais

Conforme destacam Rebouças et al. (2006) a tendência atual de ocupação das


zonas costeiras68 (atividades portuárias, cidades e indústrias, atrativos de lazer
para grandes massas urbanas) agrava substancialmente os impactos das
atividades pesqueiras sobre a disponibilidade dos recursos marinhos. A baía de
Guanabara talvez seja um caso marcante desta tendência.

Uma opinião consensuada entre todos os entrevistados corresponde


justamente às péssimas condições do ambiente natural proporcionadas pela
expansão industrial e portuária na baía e sua bacia de drenagem. A maioria
dos pescadores é capaz de lembrar de uma baía limpa e com uma melhor
produção de pescado, tanto pela quantidade quanto pela qualidade do produto.

68
Aproximadamente 50% da população mundial vive numa faixa de até 150 km da costa.

113
Conforme destaca Berkes et al. (2001), esta percepção pode ser importante no
que tange a proposição, construção e manutenção de um sistema de co-
gestão. Diegues (2001) aponta que muitas comunidades de pescadores
passaram a propor sistemas de manejo comunitário, a partir da percepção e
rejeição coletiva das condições de degradação ambiental dos ecossistemas
explotados por eles.

Cabe ressaltar também que em ambientes degradados, como no caso da baía


de Guanabara, torna-se pertinente considerar que o uso sustentável dos
recursos pesqueiros será aquele que proporcionará a sua recuperação (Pauly
et al. 2002). Neste sentido, a presença de uma percepção que é capaz de
recordar das condições pretéritas da baía pode auxiliar na definição dos
marcos de referência a que se proporá alcançar.

8.2.4 Regulação do Acesso aos Recursos Pesqueiros

Anteriormente foi dito que a Constituição Federal de 1988 consagrou a tutela


dos recursos pesqueiros ao Estado que deve zelar pela utilização sustentável
destes recursos, regulando, monitorando e coagindo infrações.

A pesca na baía, assim como no restante do território nacional, é permitida


apenas aqueles pescadores que possuem licença de pesca. Alem disto,
existem inúmeras leis que propõem o controle do uso dos recursos pesqueiros
através de banimentos de petrechos, de embarcações, de áreas de captura e
de períodos de pesca, por exemplo. As leis, juntas, conforme destaca IBAMA
(2002) promovem uma espécie de zoneamento da atividade.

No entanto, o sistema proposto ainda é herdeiro de uma prática de


regulamentação extremamente centralizada e hierarquizada pelo Poder
Público. Além disto, dependem da disponibilidade de considerável aporte de
recursos físicos e humanos, sobretudo para a realização de um monitoramento
ostensivo das práticas pesqueiras e sua adequação ao sistema legal incidente,
o que de fato não ocorre. Essa demanda é dificilmente suprida por países
periféricos, como o Brasil (Berkes, 1996; Berkes et al. 2001; Cardoso, 2001;
Marrul Filho, 2001; Dias Neto, 2002).

114
Neste sentido, justifica-se a sensação compartilhada por muitos pescadores
com relação ao abandono da pesca na baía pelos atores governamentais, e
suas respectivas referências às atitudes clientelistas/eleitoreiras mantidas por
políticos locais na promoção de melhorias para o setor. Outro fator de
indignação corresponde a falta de clareza no tocante ao processo de
regulamentação da licença de pesca. Problemas desta natureza têm deixado
muitos pescadores em situação de ilegalidade com relação ao desenvolvimento
de sua profissão.

Por extensão é possível identificar a utilização de petrechos proibidos, como os


currais, em áreas de preservação, e de outros aparelhos dimensionados fora
das especificações previstas em lei (como as redes de emalhar com abertura
inferior a 2,5 mm). Os arrastos ocorrem sem qualquer restrição, mesmo em
áreas onde sua atuação é proibida (a partir de 5 metros de profundidade). E o
desrespeito ao período de defeso também não é incomum.

Soma-se a situação acima descrita o fato de que a imagem do IBAMA frente


aos pescadores também tem sido arranhada em virtude de sua falta de
transparência e comunicação, além de ter se envolvido recentemente em um
escândalo de corrupção.

Conforme destaca Vieira (2005), o entendimento e aceitação das regras pela


comunidade de usuários de um recurso natural são premissas fundamentais ao
estabelecimento de um novo paradigma de gestão ambiental. A incorporação
pela comunidade das regras trará a ela benefícios diretos e indiretos
relacionados, por exemplo, a uma melhor alocação da renda gerada através da
transformação do recurso em valor de troca. Deste modo, à ausência de um
comprometimento generalizado entre os pescadores, com relação ao
cumprimento das regras definidas pelo Poder Público, sugere que a regulação
estatal da atividade pesqueira na baía de Guanabara encontra-se altamente
restringida.

Considerando sobre a regulação do acesso aos recursos pesqueiros em bases


comunitárias, cabe ressaltar que, em muitas regiões do planeta e no Brasil,
encontram-se em andamento sistemas comunitários de gestão baseados em
práticas tradicionais ou no conhecimento local que apresentam resultados

115
marcantes em termos de promoção do uso sustentável dos recursos
pesqueiros (Berkes, 1986; Acheson, 1998; Bender, 2000; Basurto, 2005; MMA,
2006a; MMA, 2006b).

Nas comunidades investigadas não foi possível encontrar qualquer evidência


de práticas comunitárias voltadas à gestão dos recursos pesqueiros em
andamento. O uso dos recursos é consentido a todos que possuam os meios
de explotá-los.

Não é incomum, no entanto a queixa realizada por pescadores incomodados


com a participação de pescadores ocasionais e amadores durante a alta
temporada de algumas espécies, inviabilizando a pescaria dos demais.

Este cenário de gestão estatal ineficiente e falta de acordos comunitários para


regular o acesso aos recursos pesqueiros assemelha-se ao regime de livre
acesso, que por sua vez é considerado por muitos estudiosos como uma das
condições fundamentais ao estabelecimento da “tragédia dos comuns” (Berkes
et al., 2001; Ostrom, 1990; Berkes, 1986). De acordo com Hardin (1968), a
liberdade no uso de um recurso comum conduz o recurso e a atividade
econômica associada a ele a ruína.

Deste modo, presume-se que a pesca na baía possa estar submetida a uma
pressão pesqueira inadequada, influenciada pela dificuldade de regulação do
acesso aos recursos pesqueiros, pela desarticulação comunitária e pelo baixo
nível de organização social do setor. Além de provocar uma redução na renda
per capita dos pescadores, pode ser indutora de conflitos entre estes atores
pela disputa da utilização de pesqueiros.

8.2.5 Territorialidade e Conflitos pelo Uso do Espaço Marítimo

De acordo com Cordell (2000), algumas comunidades pesqueiras desenvolvem


ao longo do tempo uma relação de territorialidade no mar, caracterizada,
muitas vezes, pela definição de regras de acesso a determinados espaços no
mar, reconhecidos localmente como de propriedade de um grupo ou de toda a
comunidade. Este aspecto territorial da atividade pesqueira pode influenciar a

116
criação e a manutenção de instituições de propriedade que encorajam o uso
sustentável dos recursos.

Cardoso (2001), por exemplo, descreve a presença de um sistema de rodízio


realizado pelos pescadores da baía de ilha Grande em torno de três pesqueiros
(identificados a partir de pontões/esporões da ilha). Lima (1997) apud Cardoso
(2001:82) descreve processos de “direito a vez” que regulam a pesca em
Itaipu-Niterói.

Cabe ressaltar ainda que a criação de áreas exclusivas para a pesca artesanal
corresponde a uma reivindicação antiga dos pescadores, expressa, por
exemplo, como uma das propostas encaminhadas pelo Movimento Nacional
dos Pescadores (MONAPE) em 1991 (Cardoso, 2001).

A apropriação social do mar na Baía de Guanabara se expressa pela


identificação de locais de pesca, pesqueiros denominados de acordo com
feições naturais (ilha Seca, saco do Rosa, coroa), com relação a aspectos da
geografia urbana presente nas margens da Guanabara (hotel, relógio, vão
central) e referenciados pela designação de uma localidade próxima (Paquetá,
Tubiacanga, Jardim Guanabara). De acordo com Jablonski (2008, com.
pessoal69), encontram-se na baía mais de 30 pesqueiros identificados pelos
pescadores.

Os pescadores entrevistados em todas as comunidades visitadas, sobretudo


naquelas em que predominavam as modalidades mais artesanais (Gradim,
Tubiacanga e Olaria), reconhecem inúmeros pesqueiros e afirmam utilizá-los
freqüentemente. Um caso específico corresponde à utilização dos restos de
currais desativados como pesqueiros. Algumas destas estruturas encontram-se
completamente imersas e as suas localizações são geralmente conhecidas por
pescadores mais experientes.

Não foi possível obter informações precisas sobre a forma como são utilizados
os pesqueiros, a não ser o vago comentário reproduzido em todas as
comunidades: “todos pescam na baía toda”. Esta informação indica que
embora não há um acordo explicito entre os pescadores com relação a

69
Silvio Jablonski, Faculdade de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

117
definição de qualquer tipo de regra de uso dos recursos pesqueiros, existiria
uma organização intrínseca e subentendida por todos. Talvez, uma única
exceção corresponderia a ordem de chegada no pesqueiro, ou seja, aquele
que chega primeiro a um pesqueiro têm o direito de ser o primeiro a pescar.

No entanto, mesmo uma norma simples como o critério de chegada não é


assimilado por todos os pescadores, e casos de desrespeito são comumente
citados em todas as localidades estudadas70.

Se uma regra local de caráter tão simples não é respeitada, o que se pode
esperar de uma regra estabelecida, imposta e não fiscalizada pelos agentes
governamentais? De acordo com a legislação pesqueira nacional,
embarcações de arrasto não podem operar em águas costeiras a partir da cota
batimétrica de 5 metros. No entanto não é o que se observa.

A atuação da frota arrasteira na é altamente questionada, tornando-se, após a


discussão sobre a indenização da Petrobras, o segundo tema de maior debate
entre os pescadores artesanais. Muitos indicam que há possibilidade de
convivência entre as diversas modalidades artesanais e o arrasto, porém,
desde que os arrrasteiros passem a atuar em águas mais profundas e com
respeito as demais modalidades.

Embora a questão não se reduza a uma definição de áreas de pesca na


Guanabara, nota-se que é um tema proeminente e que deve ser incorporada
aos projetos de manejo dos recursos pesqueiros da baía de Guanabara.
Cordell (2000) destaca exatamente que “apelos vagos para uma gestão
„participativa‟ não terão êxito se não levarem em consideração as questões de
apropriação social do mar”.

8.2.6 Divisão Social do Trabalho e Economia Pesqueira

Em geral, a pesca é a principal fonte de renda dos pescadores da Guanabara,


apesar de ter sido muito comentado que um número crescente de pescadores

70
Duas práticas foram descritas pelos pescadores da Guanabara como desrespeitosas ao
critério de chegada. A primeira é chamada de “afogamento”, ou seja, o pescador que
chegou depois ancora sua rede sobre a do pescador que chegou antes. A segunda é
conhecida por “sombreamento” e ocorre quando o pescador que chegou depois posiciona
sua rede à frente da rede do pescador que havia chegado primeiro.

118
vem desempenhando outras atividades econômicas com vistas a ampliação da
receita familiar.

Há uma disseminação moderada dos meios de produção entre os pescadores


e uma nítida diferença entre os proprietários dos meios de produção e os
demais pescadores, os camaradas, conforme observou Diegues (1983) em
outras regiões. Esta diferença se acentua entre os pescadores de cerco da
Quinta do Caju, que também se destoam por apresentar práticas pesqueiras
caracterizadas pela presença de funções especializadas a bordo.

Por um lado, o monopólio sobre os meios de produção entre poucos armadores


levou à consolidação da produção capitalista na pesca, pois o grande
contingente de desempregados favoreceu aos armadores no sentido de
poderem extrair a mais-valia de seus contratados (Diegues, 1983).

Por outro, conforme destacam Berkes et al. (2001), monopólios também


cristalizam desigualdades econômicas cada vez mais agudas na comunidade
de pescadores, entre os proprietários e não-proprietários dos barcos e dos
aparelhos de pesca e entre os pescadores empregados e desempregados. Por
extensão aumenta-se a possibilidade de instabilidade social na comunidade,
deflagrada através da intensificação da competição.

A comercialização do pescado da baía de Guanabara e a distribuição dos


benefícios gerados, por sua vez, corroboram a tese de Cardoso (2001:118),
que identifica na pesca artesanal o predomínio de uma longa cadeia de
intermediação, que promove “uma brutal transferência de renda do pescador
para os setores de distribuição e comercialização do pescado”.

A situação descrita por Cardoso (2001) encontra-se mais evidente na rede de


compra que tem como destino o CEASA. No entanto, deve ser ressalvado que
em alguns casos, como o da venda do camarão VG no Gradim, a cadeia é
menor, o que oferece aos produtores um rendimento melhor.

Muitos intermediários, inclusive alguns que atuam nas pequenas firmas, são
ex-pescadores e moradores dos locais onde desembarcam o peixe. Por este
motivo acabam por estabelecer com os demais pescadores uma relação de
compadrio.

119
A boa convivialidade entre os pescadores e comerciantes não é um fenômeno
singular a baía de Guanabara, haja visto os comentários realizados por Marrul
Filho (2001). De acordo com o estudioso esta situação foi um dos fatores
responsável pelo fraco desempenho das medidas governamentais – décadas e
70 e 80 – que visaram cooperativar os pescadores e reduzir os impactos dos
intermediários.

Esta situação também corrobora o trabalho de Berkes et al. (2001), que


caracterizam os intermediários enquanto parte do conjunto de atores chaves
para a elaboração de um plano de gestão compartilhada da pesca de pequena
escala.

Deste modo, encontra-se na Guanabara duas situações complexas no que


tange a divisão social do trabalho, mais evidentes em uma localidade do que
em outra, bem como da participação dos intermediários na comercialização do
pescado. Estes atores devem ser considerados quando da proposição de
políticas públicas e de novos projetos de gestão para a pesca.

8.2.7 Organização Comunitária da Pesca

Para Berkes et al. (2001), a co-gestão se tornará uma ferramenta eficiente na


medida em que consiga lidar com as diversas organizações comunitárias dos
pescadores, como associações, Colônias e cooperativas.

Estas instituições, conforme destacam Ostrom (1990) e Pomeroy & Berkes


(1997:468), possuem um papel fundamental na gestão dos recursos naturais,
uma vez que nelas pode residir um acúmulo de experiências de gestão (regras
e costumes locais), baseadas em um conhecimento tradicional ou local (Berkes
e Folke, 2002), que complementariam e aperfeiçoariam as ações
governamentais.

Nas comunidades visitadas encontravam-se presentes organizações locais de


pescadores, cada uma delas com históricos de formação e de lutas
diferenciados. De uma forma geral, as Colônias possuem autonomia garantida
sobre apenas um município, não podendo co-existir mais de duas Colônias em

120
uma mesma cidade71. As associações – por não possuírem este entrave legal –
compreendem núcleos bem mais localizados de pescadores.

Há uma disputa pela hegemonia de representação dos pescadores com


acusações de abuso de poder por um lado e de autopromoção e realização de
interesses próprios do outro. Os pescadores, por sua vez, acabam por muitas
vezes associar-se em ambas, mesmo que isso lhes onere um pouco mais a
pescaria (em virtude do pagamento da contribuição mensal de sócio ou da
“pinga”). Em um caso específico, o próprio presidente da associação e sócio da
Colônia.

Os pescadores também compartilham uma desconfiança generalizada sobre a


sinceridade de seus líderes comunitários e sobre sua capacidade de
transformação da realidade e obtenção de melhorias para as comunidades.
Com tudo isto, embora haja um modesto interesse, há pouca coesão entre as
entidades e seus afiliados.

Em alguns casos, como citado por Cardoso (2001), a falta de legitimidade das
organizações comunitárias é derivada da manutenção de pequenas oligarquias
no poder das Colônias e associações. Estas, compostas por armadores ou
líderes apoiados por empresários do ramo pesqueiro local, conservam políticas
antiquadas de representação, dando poucas oportunidades de manifestação
dos interesses da base composta pelos pescadores artesanais. Por outro lado,
antigas lideranças, uma vez retiradas democraticamente da administração das
Colônias, utilizando o seu maior poder econômico constroem associações com
o intuito de dificultar o trabalho das Colônias e de se manter na política
pesqueira.

Esta relação não foi identificada na baía, a não ser em Olaria, quando um
grupo derrotado na eleição (que não era a situação), se organizou para fundar

71
As Colônias vêm se adequando lentamente a regulamentação que garante à apenas uma à
jurisprudência sobre todo o município (Lei Federal nº 11.699/2008). No município do Rio de
Janeiro, por exemplo, existem, pelo menos, cinco Colônias: Ilha do Governador, Ramos,
Caju, Copacabana e Guaratiba.

121
uma associação de pescadores72. Hoje, entre ambas existe uma grande
rivalidade e dissonância com relação aos meios de reivindicação.

Em contrapartida, foi possível identificar que os conflitos não se restringem a


rivalidade entre Colônias e Associações, há também dificuldades de
relacionamento entre Colônias, como no caso da Z-09 (Magé) e Z-10 (Ilha do
Governador).

Cabe mencionar uma outra diferença marcante entre as Colônias e


Associações. Enquanto as primeiras possuem jurisprudência sobre grandes
áreas, às vezes superiores aos limites de um município73. As associações, por
sua vez, tem uma atuação mais restrita, as vezes contida a apenas uma
praia74.

Também cabe ressalvar que o papel exercido pelas Colônias no passado,


sofreu inúmeras modificações com a Constituição de 1988. A possibilidade de
livre associativismo possibilitou alterações estatutárias nestas instituições
locais de pesca e que beneficiaram de forma mais efetiva a classe que
representam. As associações, ao mesmo tempo, ao garantirem o direito de
emitir a Carteira de Pescador, passaram a ter um papel muito importante em
comunidades que não eram cobertas pelas Colônias, ampliando as
possibilidades de organização social do setor.

Em uma esfera de representação mais ampla, nota-se pouca articulação, com


exceção para uma tentativa de realização de trabalhos em conjunto entre as
Colônias da Guanabara, mediado pela Federação das Entidades de Pesca do
Rio de Janeiro - FEPERJ. Porém, a própria Federação foi questionada com
relação a sua transparência no trabalho que desenvolve sem o
estabelecimento de um canal aberto de comunicação.

Com tudo isso, considera-se que a alta fragmentação das organizações


comunitárias, em virtude dos seus múltiplos interesses e uma diversificada

72
Informação obtida através das entrevistas realizadas com alguns componentes da diretoria
da gestão 2008 da Colônia Z-09.
73
A Z-08, sediada em Niterói, por exemplo, tem jurisprudência desde este município até
Guapimirim. A Z-09, por sua vez, em toda Magé e a Z-10 em toda a Ilha do Governador.
74
Na baía de Guanabara a APeLGA possui uma atuação mais abrangente que as demais,
incorporando localidades vizinhas ao Gradim. Porém a APeLT atua apenas conjuntamente
com os pescadores de Tubiacanga, sub-bairro da Ilha do Governador.

122
base de representados, deve ser levada em consideração no desenho de um
programa de gestão participativa na baía. O problema de comunicação entre
estas instituições não é pequeno e há uma acirrada rivalidade em muitas delas.
Deve-se atentar também para a questão da legitimidade das lideranças locais
frente as suas próprias bases e a dificuldades que existentes para incorporação
de mais pescadores ao processo administrativo destas organizações.

Conforme destacam Berkes et al. (2001) e Ostrom (1994) um projeto de gestão


participativa não deve ser imposto, mas elaborado conjuntamente com os
grupos de usuários envolvidos, e por este motivo deve ser flexível o suficiente
para incorporar as demandas comunitárias. Considerando a aparente
fragilidade das instituições existentes, talvez seja pertinente propor que seja
realizado um trabalho anterior de fortalecimento e consolidação das instituições
locais de pesca, conforme destacam Pomeroy & Berkes (1997).

123
9 CONCLUSÕES

Nota-se na baía de Guanabara a presença de uma importante atividade


pesqueira, no que tange ao número de pescadores e produção. Também são
inúmeras as relações sociais pelas quais se dá a reprodução ambiental, social
e cultural da pesca.

A atividade pesqueira na baía de Guanabara deve ser classificada enquanto de


pequena escala, composta por sub-tipos como artesanal, de armadores e
amadora.

Em cada uma das comunidades visitadas foi notada a ocorrência de pelo


menos dois tipos diferentes de modalidades de pesca, sendo na Quinta do
Caju o local com menor expressividade e o Gradim de maior.

Em todas as localidades onde operam as traineiras dedicadas ao cerco (Quinta


do Caju e Tubiacanga) a divisão social do trabalho na atividade produtiva é
mais evidente. Nesta modalidade existem algumas funções especializadas,
como o motorista e o mestre. A remuneração, neste caso, é compatibilizada à
função desempenhada por cada um na embarcação. As demais modalidades
pesqueiras não apresentam esta característica de forma tão clara.

O comércio do pescado segue uma tendência que acompanha a pesca de


pequena escala em outras regiões do país. Há a presença de uma longa
cadeia de intermediação e de uma considerável diversidade de compradores.
Atuam na comercialização do pescado desde representantes de firmas até
pequenos comerciantes locais. A relação entre atravessadores e pescadores
também se mostra mais complexa do que simplesmente uma relação
comercial.

Há ainda a presença de outros atores importantes da cadeia produtiva da


pesca, onde pequenos comerciantes locais de insumos para a atividade,
artesãos/costureiros de redes e carpinteiros são alguns exemplos.

Destacam diversos problemas que, segundo os pescadores, atrapalham o


desenvolvimento da pesca na baía. O mais mencionado diz respeito à poluição
urbana e industrial. A degradação dos ecossistemas periféricos da baía

124
(mangues, rios, costões, praias...) significaria a redução da capacidade
produtiva da Guanabara.

Outra mudança relevante no meio em que se reproduz socialmente a atividade


pesqueira diz respeito ao aumento de áreas de exclusão ao exercício da pesca.
A criação de áreas de segurança civil e militar e de parques diminuem os
espaços de apropriação social da baía de Guanabara pelos pescadores.

As práticas predatórias de captura, como o arrasto, também chamam a atenção


de muitos pescadores. Muitos contestam esta forma de atuação e alguns deles
já mencionaram utilizar violência física como forma de reprimir este tipo de
pesca em determinadas áreas.

Nota-se na baía de Guanabara uma quantidade significativa de organizações


comunitárias voltadas à organização da atividade pesqueira. São Sindicatos,
Colônias e Associações que em poucos casos conseguem estabelecer coesão
entre os pescadores em torno de reivindicações comuns a todos. Há uma
constante disputa entre todas estas instituições com relação a hegemonia
sobre a representação dos pescadores da Guanabara.

A atuação do poder público, é avaliada pelos pescadores como sendo


insuficiente e equivocada em aspectos como: burocracia exagerada no
processo de regularização do pescador; fiscalização não direcionada as
modalidades de maior impacto ambiental; definição errada do período de
defeso; e falta de linhas de financiamento da produção.

Soma-se a todos os fatores mencionados até aqui a marcante situação de


pobreza em que se encontra a maioria das localidades visitadas. Os baixos
rendimentos das famílias que dependem da pesca não permitem o
estabelecimento de uma vida com a qualidade desejada por eles e a frustração
frente à realidade em que se encontram é notória.

No que tange a proposição de um processo de gestão participativa, fica claro


que não bastaria que o Estado, atual responsável pela gestão da pesca,
subitamente definisse instâncias para a participação dos pescadores e demais
atores relacionados à atividade produtiva da pesca na baía. Uma medida como
esta representaria, nela mesma, uma reprodução do sistema que hoje

125
predomina na gestão pública deste setor, ou seja, um processo verticalizado de
tomada de decisão baseado no comando e controle.

A inauguração deste novo processo dependeria essencialmente do


engajamento da comunidade de pescadores e demais atores do setor
pesqueiro na organização de suas instituições locais. O Estado, por sua vez,
deveria participar como um facilitador neste processo, oferecendo o capital
físico necessário ao suprimento das demandas imediatas destas populações,
bem como das estruturas que pudessem auxiliá-las em seu processo de
fortalecimento institucional comunitário. Neste mesmo contexto poderiam atuar
instituições de ensino, pesquisa e extensão, assim como da sociedade civil
organizada.

Ressalta-se que esta pesquisa representa apenas uma pequena contribuição


para a identificação de aspectos relevantes da dinâmica socioambiental que
permeia a relação da atividade pesqueira com a baía de Guanabara. Há muito
a ser feito nesta direção, considerando o pouco tempo de permanência em
campo e o número limitado de comunidades visitadas.

Considera-se que uma pesquisa baseada em uma metodologia que participe


as comunidades pesqueiras da baía de Guanabara na elaboração dos seus
objetivos e nas análises dos seus resultados pode servir como um instrumento
de capacitação e mobilização comunitária. Por isso pondera-se que a utilização
de metodologias participativas é recomendável e será ampliada em etapas
posteriores de desenvolvimento da presente pesquisa.

Ampliar o conhecimento oceanográfico sobre as espécies explotadas na baía


de Guanabara e das dinâmicas naturais de seus ecossistemas de suporte, bem
como da forma como estes aspectos são apropriados socialmente se constitui
em tema relevante para futuras investigações. Neste contexto avalia-se que o
diálogo com as ciências sociais deve ser ampliado, bem como o
aprofundamento de uma abordagem interdisciplinar na análise das informações
obtidas. Deste modo, entende-se como caminho possível para o
aprofundamento e continuação desta pesquisa a realização de um mestrado
em áreas como gerenciamento costeiro, ecologia social, ecologia, sociologia do
meio ambiente, etnobiologia, para mencionar algumas.

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