Vous êtes sur la page 1sur 6

 

A LEITURA E A LINGUAGEM
 
                       
                                   Os limites do mundo são os limites da linguagem. Wittgenstein.
 
                                                   A linguagem fala, não o homem. O homem só fala quando corres-
                                    ponde à linguagem. Heidegger.  
                            
           
            O alcance de toda leitura está diretamente ligado ao alcance da atuação e compreensão do que
é linguagem. No entanto, muitos são os seus conceitos e o seu estudo sistemático remonta aos sofistas,
mas a sua tematização sempre fez parte de todo fazer mítico-poético. Basta lembrar o mito de Hermes,
cujo nome significa palavra, daí ser um deus mensageiro. A linguagem está diretamente ligada a outros
dois termos correntes que também apresentam múltiplos conceitos quando tratados pelas teorias
gramaticais e lingüísticas: língua e discurso. Neste texto, interessa-nos a conceituação e compreensão
da linguagem na sua relação com o concreto exercício da leitura e da interpretação. Toda língua se move
no âmbito da linguagem e diz mais respeito ao uso dos signos verbais. Embora o signo verbal seja
fundamental não se pode confundir simplesmente a linguagem com a palavra. Há também a linguagem
musical, pictórica etc. A linguagem verbal também é muito variada, de que é prova a existência das
muitas línguas. Cada língua é a expressão concreta da linguagem, o rito de manifestação da linguagem.
Todas as línguas, como ritos, dizem o diferente, mas como linguagem dizem sempre o mesmo, embora
não digam as mesmas coisas. Só porque a linguagem diz sempre o mesmo é que um mesmo homem
pode falar diferentes línguas, traduções podem ser feitas e haver a tradição viva. As línguas pressupõem
a existência da linguagem, embora não haja linguagem (verbal) sem as línguas. Assim como toda língua
se dá numa tensão de significantes e significados, a linguagem se dá como diálogo com o silêncio.   A
existência de diferentes linguagens está diretamente ligada à variedade de manifestações da realidade
em seu sentido e verdade. A realidade é múltipla, por isso também o é a linguagem, porque não há
realidade sem língua, que é a linguagem em seu vigor de manifestação.
 
Quando num pôr de sol tudo se transfigura em multiplicidade de cores e a beleza se presentifica
e nos plenifica,
isso é linguagem.
Quando o véu da noite a tudo envolve e identifica no um do não-ser,
isso é linguagem.
Quando a música flui e desfaz todos os limites e formas, recriando-as sem fim, e nos lança na
experiência da realidade em seu devir de leveza, solidez e confiabilidade,
isso é linguagem.
Quando a ânsia de ser procura no tu a sua completude e se dá o encontro do um-no-outro,
sendo e não sendo como proximidade,
isso é linguagem.
Quando o peso da realidade se rarefaz na ausência de toda fala e a voz do silêncio se torna a
presença que nos ilumina e nos lança no sentido e verdade do que somos,
isso é linguagem.
Quando sempre sendo e não sendo somos a escuta da fala do silêncio que presentifica toda
realidade e se retrai como mistério,
isso é linguagem.
 
Nós não sabemos o que a linguagem é nem carecemos de saber, porque ela não é, dá-Se. Tudo
que dizemos saber e não-saber o dizemos pela fala já sempre presente da linguagem: ela tanto nos fala
e nos atrai quanto se retrai para o seu mistério. Em sua essência e concretude, a linguagem é a
identidade das línguas, assim como as línguas são a diferença de toda identidade. Não há identidade
sem diferença nem diferença sem identidade. A linguagem como identidade abstrata é o código. As
reflexões que se seguem privilegiam a linguagem verbal e esta ainda na sua forma escrita, porque estão
voltadas para o complexo exercício da leitura. Esta palavra tem sua origem no verbo latino legere, que
significa: colher, ler, recitar. Toda leitura se exerce na apreensão da realidade enquanto manifestação do
que ela é pela palavra, seja falada, seja escrita. Dentre as classificações gramaticais, a sintaxe exerce
uma função nuclear, porque não se pode falar de língua e suas categorias sem a constituição de um
sentido.  A palavra sintaxe, de origem grega: syn, com, e  tacsis, ordem, já compreende a língua como
estruturação da realidade num ordenamento significativo. Quando tal acontece temos um discurso. Esta
palavra é a tradução latina de logos, no sentido de oração. Ela compõe-se do prefixo dis- e do radical –
curso, que deriva do verbo currere: fluir, o correr e decorrer do tempo. No dis-curso, o tempo se faz
linguagem, não apenas no sentido gramático-formal, mas enquanto também conforma e expõe a ordem
social em instituições que configuram um todo ideológico. O discurso é o cursar histórico do homem
estruturando-se como tempo no finito de seu não-finito gerando o presentificado como presentificante
do presentificável. Daí a ligação entre discurso, tempo e memória. Os conceitos de língua e discurso nas
suas versões gramaticais têm a sua origem nos conceitos filosóficos gregos, que apreendem e definem a
realidade de uma maneira essencialista e metafísica. Por isso não dão conta do vigor manifestativo da
Linguagem poética.  
 
Linguagem e equívoco. Na vida cotidiana de cada leitor, o uso corrente da linguagem em sua
aparente transparência é o mais determinante. No entanto, o ato de comunicação ou informação mais
simples dá margem a contínuos mal-entendidos ou equívocos. Esta palavra se forma do latim
aequivocus (aequus, semelhante, voco, chamar): que tem significações semelhantes, que se presta a
mais de uma interpretação. A nossa relação com a linguagem é complexa, porque a realidade que ela
nomeia e manifesta é também complexa. Isso torna o diá-logo mais simples problemático e equívoco.
Nem é necessário apelar para o significado metafórico, o equívoco aparece freqüentemente na
literalidade. Esta, por seu aspecto abstrato e universal, tende a ser tomada pela linguagem. Contudo,
isto é ilusório. Mais importante que a literalidade é a ideologia, a qual, em parte, determina para que
direção um sujeito/receptor vai encaminhar a sua interpretação/significação, havendo sempre vários
caminhos possíveis. Só podemos estabelecer esta relação porque a linguagem não é o espaço da
literalidade e da certeza, mas sim do equívoco. Neste se incluem os atos-falhos, de origem muitas vezes
inconscientes. Entre linguagem literal e mundo também não se dá uma relação direta e precisa: há o
campo do desejo, da imaginação, da ilusão, da emoção e da razão. Mas o que nisso há de fundo sócio-
ideológico e de apelo ontológico? Nessa multiplicidade de relações, em que o outro é sempre uma
projeção do eu de cada um a partir da sua conjuntura, tornando o diálogo difícil, se desenha o que
chamamos imprecisamente de subjetividade. Onde começa e termina o eu? Qual a sua consistência?
Qual a sua identidade? O que é subjetivamente o corpo? Quando o horizonte da subjetividade e do corpo
é a linguagem, como incorporamos a sua equivocidade? A aparente subjetividade encontra nas
formações discursivas o lugar do que poderíamos chamar de ideologia, onde um imaginário social
projeta o horizonte do que aparentemente somos. É o jogo da linguagem e seus equívocos. Quando
fazemos da leitura uma interpretação do que somos, é na questão da linguagem que se decide nosso
sentido e verdade.   
 
 
Linguagem e ambigüidade.
 
                                 Ah, a dualidade das palavras! Guimarães Rosa.
                                  (Entrevista a Günter Lorenz)
 
O equívoco tem como sinônimo o ambíguo. Mas a ambigüidade vai incorporar dimensões que
vão mais além do equívoco. Ambigüidade compõe-se do prefixo latino ambi, que significa: de ambos os
lados, ao redor de, e do verbo agere: agir, impelir. Formou-se então o verbo ambigere, que significa:
tratar alguma coisa de ambos os lados, duvidar, hesitar. A formação da palavra pressupõe uma oposição
complementar e uma mediação, ou seja, um movimento de identidade (mediação) e diferença
(oposição), na apropriação da realidade pela linguagem. No circular do ir e vir surge a dúvida, a
hesitação: é a ambigüidade. A ambigüidade é a dinâmica de manifestação e ocultamento de tudo que é
e não é enquanto tempo e sentido na compreensão. A ambigüidade é a unidade sempre tensional de ser
e não-ser, de língua e linguagem, de rito e mito, de caos e cosmos. O recurso à formação e etimologia
das palavras quer realçar justamente o poder ambíguo das palavras em sua relação com a realidade. O
sentido mais corrente de cada palavra, além de se prestar a equívocos, pode ocultar ambigüidades de
que toda palavra é portadora. A mutabilidade da linguagem em sua aparente definição e estabilidade se
torna um traço essencial de toda obra de arte. Se toda Linguagem poética é ambígua nem toda
ambigüidade é necessariamente poética. Isto nos leva a distinguir três tipos de ambigüidade.  
 
A – Ambigüidade semântica. Trata-se do simples fato de que as palavras podem apresentar mais de um
significado, são polissêmicas. O contexto resolve algumas ambigüidades semânticas, ao menos numa
primeira leitura. Muitas vezes, o texto poético articula mais de um significado, originando diferentes
interpretações. As palavras, dentro de um texto, tendem também a se organizar em campos
semânticos, possibilitando a escolha dentre os diferentes significados. Este fato delimita às vezes as
possibilidades de interpretação, não se tornando, contudo, o traço decisivo para uma interpretação
poética. Esta ambigüidade pode-se fazer presente nos diferentes textos, mesmo naqueles que se
caracterizam pela claridade e objetividade dos conceitos e conhecimentos.
 
 B – Ambigüidade retórica.
 
                                     ... descobri que a poesia profissional, tal como se deve mane-
                                    já-la na elaboração de poemas, pode ser a morte da poesia
                                   verdadeira. Guimarães Rosa (Entrevista a Günter Lorenz).
 
Aqui entram todas as figuras e demais recursos retóricos que vão do paradoxo à ironia. Como podemos
ver, esta ambigüidade inclui a anterior. Em geral, o tratamento retórico da Linguagem é confundido com
o tratamento poético. O assunto é complexo, mas há uma distinção fundamental. A retórica tem por fim
último a persuasão, ou seja, implicitamente esta ambigüidade tem um fim. Normalmente, sua finalidade
é o envolvimento tanto emocional como racional do leitor/ouvinte, provocando o belo e o agradável, e
assim possibilitando a quebra da sua resistência, para que a força da Linguagem opere a realização dos
fins que precedem toda elaboração retórica. Por isso, em geral, se espera de toda obra de arte uma
intenção, uma mensagem. Esta seria boa e bela, para distingui-la dos envolvimentos meramente
retóricos que visam a um fim de antemão determinado. Por essa estratégia foi aberta a possibilidade de
interpretação da obra de arte como algo que educa (forma para o bem, e transmite os valores e
conhecimentos verdadeiros, bons) ou distrai (belo, divertimento). A obra de arte não tem mensagem
nenhuma, ela desvela o real, mundifica. Na realidade, a ambigüidade retórica acaba por se sobrepor e
reduzir o poético a um jogo retórico. Isto gerou ao longo da trajetória da cultura ocidental o
entendimento formal e discursivo (embora ambíguo) da obra de arte, daí poder tratá-la como objeto,
ainda que discursivo-lingüístico, e ser objeto de uma análise. A classificação das obras em estilos de
época e suas características, e o estudo das formas parte deste pressuposto. Achar e classificar as
características retórico-formais acaba se tornando o caminho normal para a definição e distinção das
obras de arte (e nisto, equivocadamente, consiste o ensino da arte). As histórias das artes partem
destes pressupostos e, em geral, se resumem ao levantamento, classificação e diferenciação de tais
recursos retórico-formais, numa seqüência linear e meramente historiográfica e até causal. Neste
sentido, a arte não tem história, só as obras, consideradas equivocadamente como objetos. “Conhecer e
interpretar” as obras de arte consiste nesse exercício retórico-formal. Isto é o tradicionalmente
ensinado. Passa a dominar a conjuntura histórico-autoral. O lugar da conjuntura do leitor passa a ser
simplesmente passiva e de memorização dos dados históricos e pseudamente objetivos. O leitor mesmo,
com seu horizonte histórico e suas questões, é simplesmente deixado de lado e desconsiderado.
Podemos ver como, em tal circunstância, a obra de arte se torna mero objeto de uma análise e
classificação retórico-formal, algo sem vida e sem vigor. Onde o operar de toda obra? Não há. Num
outro sentido, o perigo está em deixar a obra de arte às intempéries e aleatoriedades do impressionismo
dos leitores, onde toda dinâmica e vigor histórico inerente a toda obra se perde. A corrente crítica Teoria
da Recepção e do Efeito procurou se afastar de um tal tratamento e trazer para cena o Leitor. Destaca-
se então a produção das diferentes recepções, ou seja, das diferentes interpretações que os leitores vão
fazendo no percurso histórico. Junta-se o leitor e a história. Mas fica a questão do por quê de a obra
poder, em seu vigor, possibilitar diferentes interpretações, ou seja, diferentes, efeitos. É um efeito
retórico? As diferentes interpretações preencheriam os vazios de que se constitui toda obra de arte. Só
não se sabe se o vazio que toda interpretação preenche está no leitor ou na obra. E por que vazio e não
excesso? E que realidade seria esse de excesso ou vazio? E qual o lugar da Linguagem e da ambigüidade
poética? Seja como for, o levantar o problema já é um grande avanço. Mas fica ainda dentro de um jogo
retórico-formal e dentro de um horizonte epistemológico que não explica nem a dinâmica dos leitores
nem dos diferentes momentos históricos. Como e por que o vazio de um leitor preenchido numa
interpretação se liga com o de outro? E a ligação de um momento histórico com outro? No intuito de
superar tais dificuldades se introduz o conceito de horizonte. Mas este só adquire toda a sua
potencialidade se for lido numa dimensão ontológica, onde o ontológico se torna o vigor de todo
horizonte, seja do autor, seja do leitor, seja da obra, seja da história. Nesse jogo é que se faz presente a
ambigüidade poética.
 
C - Ambigüidade poética. Esta não seria uma nova dimensão, separada das ambigüidades anteriores, ela
as pressupõe, mas vai mais além. Para tentar penetrar nesta nova dimensão é necessário pensar a
Linguagem em seu vigor e ambigüidade radical. Na ambigüidade poética é o próprio real que se
manifesta ambiguamente. Ele se dá enquanto se retrai, se oferece ambiguamente como dia e noite, vida
e morte, Linguagem (Logos) e natureza (Physis). Toda obra de arte radica na ambigüidade poética e
teríamos como exemplo, entre outros, a famosa tragédia de Sófocles Rei Édipo. No personagem Édipo, o
real comparece em sua mais radical ambigüidade. Quanto mais ele se julga o mais inteligente dos
homens tanto mais é paulatinamente diminuído, até reconhecer que é o que Nada sabe. E quando não
mais vê, porque arrancou os olhos, então é quando mais sabe e “vê”. Como disse Hölderlin: adquiriu o
terceiro olho. Inicialmente pensa que o homem é a solução do enigma (e disso se vangloria e por isso
recebe o poder), para finalmente ficar sabendo que o homem não é a solução de nada, mergulhando no
mais profundo e insondável abismo do mistério da realidade. Normalmente só se cita o enigma do
homem em suas três diferentes fases de manifestação, mas há um outro enigma, complementar ao
primeiro e normalmente não citado, que a esfinge lhe coloca, e onde a ambigüidade é a resposta. Diz
ele: “São duas irmãs. Uma gera a outra. E a segunda, por seu turno, é gerada pela primeira. Quem são
elas? “A luz e a escuridão”, diz Édipo. “A luz do dia, clareira aberta no céu, gera a escuridão da noite,
que, por sua vez, precede a luz do dia” (Mitologia, 554). No homem, a realidade se dá ambiguamente
como luz e escuridão, saber e não-saber, dia e noite, vida e morte, querer e não querer, verdade e não-
verdade, ser e não-ser. Esta é a ambigüidade poética, é o real se manifestando como Linguagem no
homem em seu sentido mais radical. Numa tentativa de pôr em evidência a questão radical que é a
Linguagem, vamos  distinguir nela três aspectos: social, instrumental e poético-manifestativo. É uma
tentativa de levar o leitor a se abrir para o enigma e o vigor de toda obra de arte, para que se abrindo
para a escuta de toda fala da Linguagem, no silêncio de sua fala, gere um diálogo fecundo de que as
diferentes possíveis interpretações sejam o sinal real. Interpretações não do leitor em sua pseudo-
subjetividade, mas da verdade da obra de arte no vigor do seu operar manifestativo como Linguagem
poética. Só assim o homem se manifesta naquilo que lhe é próprio, porque se abrindo e escutando o que
se retrai em tudo o que o atrai, cada leitor se descobrirá interpretando o fundamento do que ele é, onde
radica a essência de sua liberdade. Porque a arte, enquanto obra, opera libertando. Ao distinguirmos
Linguagem social, instrumental e poética, tentamos levar o leitor a perceber os níveis de realização da
Linguagem e não a criar mais dicotomias. 
 
Linguagem social. A conceituação de linguagem como um produto social está diretamente
ligada ao círculo da reprodução e sua forte presença. Na velha e sempre presente dicotomia
indivíduo/sociedade, esta sempre parece prevalecer. Um indivíduo sem uma sociedade e cultura que o
identifique parece uma abstração, algo impossível de existir. O estudo das sociedades e culturas
existentes ou já desaparecidas parece reforçar essa tese. Só se fala das pessoas na referência às suas
culturas. As culturas e as sociedades que as encarnam se constituem em sistemas de identidade e
valores ideológicos que se tornam o horizonte dentro do qual as pessoas se realizam. Esta visão resulta
da teoria positivista do século XIX, pela qual o homem seria um produto do meio, da raça e do
momento. Daí ao determinismo histórico-ideológico foi um passo. Nas artes resultou no Naturalismo. A
ciência se tornou o veículo do conhecimento e verdade de uma tal realidade, manifestados em princípios
universais. Conhecer o indivíduo era conhecer o sistema do qual fazia parte. Mas um tal sistema só
existe abstratamente. O modelo científico-positivista aplicado às línguas resultou na concepção da
linguagem como códigos. O estudo da língua no seu funcionamento sincrônico enquanto sistema de
signos de representações levou a um conceito estrutural e funcional-instrumental da linguagem. A
concepção da realidade como o conjunto dos fatos dados, positivos, não levou em conta a dinâmica da
realidade e seu processar-se histórico enquanto memória e tradição histórica. O século XX inaugura
diversas tendências de superação do positivismo, pela problematização de funcionamento do sistema
social, pois a relação concreta entre os socii e os sistemas é complexa e de maneira alguma redutível a
uma relação totalmente passiva nas condutas sociais. Nestas, sempre se fazem presentes os valores.
Mas como compatibilizar os valores já instituídos com as aspirações novas dos socii? O mundo vivido
não dá conta do mundo das vivências comportamentais, tornando problemática toda teoria baseada em
princípios universais abstratos.  Contudo, a vivência comportamental de valores pressupõe a sua
aceitação por parte do grupo, dos socii. Uma tal aceitação, tácita ou explícita, se move num consenso
que só pode ser gerado onde existem relações intersubjetivas. O método científico aplicado aos
fenômenos da natureza não pode ser o mesmo aplicado aos fenômenos sociais. Aqui interferem sempre
os valores de vivência e as relações intersubjetivas. O conhecimento científico, baseado na consciência
transcendental, não dá conta da intersubjetividade. Em conseqüência, é necessário ampliar o
conhecimento do sistema social por meio de uma teoria das condições intersubjetivas de toda
comunicação. A sociologia se vê na dependência de uma teoria da intersubjetividade, como possibilidade
de toda investigação sociológica concreta. A razão tomou o centro de toda atividade de conhecimento na
Modernidade, combatendo o mito, mas acabou por se tornar ela mesma um “mito”. A razão moderna,
baseada no paradigma da filosofia da consciência, entra em crise, e com ela a subjetividade. Em lugar
da razão e verdade como conteúdos e valores absolutos e universais, tornam-se procedimentos,
resultante do jogo consensual na interação do indivíduo com o mundo dos objetos, com a vida interior e
com os outros. É necessário levar em conta a intersubjetividade como base da razão e da verdade. Com
isso o conhecimento racional dá lugar à compreensão. A razão e a subjetividade não têm sua base no
sujeito epistêmico como o postulou Kant, mas sim na organização intersubjetiva dos falantes, na relação
dialógica dos membros da sociedade. Nesta perspectiva, só se pode falar em razão dialógica, pois
resulta de um mundo cultural vivido pelos atores lingüisticamente competentes, expressando o que pode
ser elaborado e querido por todos. A verdade e a razão deixam de ser valores absolutos e passam a
depender do consenso vivido pelos falantes num determinado contexto. A vida social é o resultado de
um consenso, onde a ação comunicativa pela linguagem é fundamental. A vida social é um jogo onde as
regras são fixadas consensualmente pelas intersubjetividades enquanto possibilitadas pelo diálogo, pelo
discurso. A linguagem não é um produto da sociedade, pelo contrário, a sociedade é que é um produto
da linguagem, entendida como razão dialógica. A linguagem tem uma função mediadora na constituição
do significado do mundo e dos eventos histórico-sociais, pois só há sentido dentro de uma relação
intersubjetiva. Este entendimento da Linguagem como razão dialógica, comunicativa não é um
consenso. Há outros modos de encaminhar o entendimento e compreensão da Linguagem. No entanto, a
filosofia da Linguagem ocupa cada vez mais o centro da reflexão. Ela sucede, na modernidade, à
questão do ser, do sujeito, da história, da existência. Contudo, os encaminhamentos ainda se movem,
em geral, dentro de um questionamento epistemológico, onde o saber precede o ser. Nesse horizonte, a
Linguagem poética não tem vez. É necessário retomar uma reflexão ontológica onde conhecer o que é
implica em ser o que se conhece. Para tanto é necessário pensar a dialética da intersubjetividade, onde
o diálogo se dá como pro-cura e afirmação da diferença e não como seu lugar de abandono e anulação
pelo consensual.
 
Linguagem instrumental. A interpretação do Logos como Linguagem instrumental se torna mais
clara no decorrer e eclosão da Modernidade. Com a predominância do conhecimento sobre o ser
(Descartes, Kant), todos os ob-jetos do conhecimento para a Ciência passam a ser construções racionais
(Logos=razão), através das pro-posições. A Linguagem instrumental encontra na Ciência a sua
plenitude, pois a palavra instrumental provém do verbo latino struere que significa organizar e instituir
os elementos num todo, numa ordem, numa sintaxe. Este todo surge como ob-jeto, na medida em que
é lançado (jeto) diante do (ob) sujeito através da pro-posição. O ob-jeto é a o-posição ao sujeito
gerada pela pro-posição como ex-posição do conhecimento do su-jeito (sub-jectum). O objeto é uma
construção do sujeito racional através da Linguagem, ou seja, o conjunto dos objetos (real) são o
resultado instrumental do exercício da Linguagem enquanto expressão do conhecimento racional
(Logos). Falta à Razão (Logos) dar conta da dis-posição, que é a abertura constitutiva do homem para
o Ser. Hoje, este caráter instrumental e científico-racional de interpretação do Logos acabou por se
impor a todas as percepções do real, contaminando toda a vida cultural nas suas mais diversas e
diferenciadas versões da realidade. A linguagem instrumental é de tal maneira onipresente que, em
geral, nada se faz sem que se pergunte de antemão: Para que serve isto, para que serve aquilo? Qual a
intenção? Qual a mensagem? Nem sempre nos damos conta de que o querer achar utilidade em tudo
provém da interpretação instrumental do Logos. O mais interessante de tudo isso é que a própria
instrumentalidade acabou por penetrar na essência do conhecimento como um desdobrar natural, pois
fruto de de-cisão que  cindiu o Ser e o Logos, a Physis e o Logos, natureza e cultura. Disso resultou,
em nossos dias, que os meios de comunicação são o grande poder de controle da sociedade. A produção
e circulação de bens de informação chegam a ser mais importantes que as produções industriais. O
conhecimento torna-se informação e esta não gera uma sabedoria, mas um produto de consumo banal e
descartável (experimente ler um jornal de uma semana atrás). A informação torna-se uma mercadoria e
como tal é determinado seu preço. O valor/preço é o de mercado. Mas este valor, determinado pelo
mercado, é mascarado pelo valor de conhecimento ou valor cultural (achar-se superior, importante é ter
muitos conhecimentos ou coleções de livros na sala, é soma quantitativa e desconexa das partes,
faltando-lhe a compreensão). A linguagem instrumental, desdobrada nos vários meios de informação,
faz da socialização dos conhecimentos (necessária e fundamental) uma aparência, pois predomina o
comercial e quantitativo sobre o qualitativo. Veicula-se o que vende e não o que é necessário para a
formação e desenvolvimento das pessoas. Em si a veiculação não é negativa, o problema são os
conteúdos. A linguagem instrumental tornou-se um código, um sistema de relacionamento das partes no
todo, reduzindo cada pessoa a uma função. Temos então o círculo da comunicação e informação, onde a
linguagem fica reduzida a um meio e canal de comunicação e informação. É a linguagem revestida das
opiniões do senso comum e dos conteúdos ideológicos. Há uma dicotomia entre linguagem e realidade, e
esta só nos chega como conjunto de representações já estabelecidas e valendo por si. Não se vive no
diálogo a realidade, mas a sua representação enquanto código lingüístico. Entre o eu e o tu não se faz
presente a Linguagem com seu poder manifestador, mas só enquanto código comunicativo do mundo
vivido e já representado. O código pré-existe ao eu e ao tu determinando-os, anulando toda força do
diálogo. Há só diálogo aparente, porque não se faz presente a Linguagem poética enquanto força
manifestadora do eu e do tu nas suas identidades e diferenças, no drama vital de ser e não-ser. Na
sociedade comunicativa não mais se pergunta o que cada um é, o que cada coisa é, mas para que serve.
Não é o que nos diz a poesia:
                 
            A rosa
A rosa é sem por quê
Floresce por florescer
Não quer saber de si
Nem se alguém a vê
 
                         (Angelus Silesius)
                         
No poema podemos falar de um fim (telos), que não é determinado nem por causas nem o essencial
consiste no seu conhecimento. O que somos também não pode ser determinado pelo olhar dos outros
nem pelo que está na moda ou pelo que predomina no contexto social. O outro, sempre presente no
diálogo que todos somos, não é determinante para aquilo que somos e não somos, mas o sinal visível e
externo da afirmação de nossa diferença. O outro não pode ser a minha medida, senão nos medimos por
algo que nos é estranho. O outro deve compartilhar, pela com-paixão, a aventura de sermos no apelo
abismal de todo diálogo. No dia-logo, o Logos como Linguagem poética reúne o ser e não-ser que cada
eu e cada tu é. A relação entre eu e tu se dá como compreensão e não como conhecimento racional e
representacional (expresso numa pro-posição). O eu encontra no tu uma afirmação e negação: o eu não
é o tu e por isso é o eu, mas, por sua vez, o tu se posiciona diante do eu como eu, tornando o eu
também um tu, pelo qual o tu também se afirma e nega, afirma-se como eu diante de um outro eu que
então se tornou um tu, ou seja, tanto o eu como o tu são e não são. Nesse jogo de referências se dá o
diálogo intersubjetivo em que a relação eu e tu se torna o lugar de eclosão de ser e não ser em que
consiste toda subjetividade (no sentido do que cada um é). No diálogo, a medida não é o eu nem o tu,
e, sim, o Logos de todo dia-logo que reúne o ser e o não-ser de cada subjetividade e de cada
identidade. O outro que é o tu nunca é o Outro que ainda não somos, mas somos sempre o Não-ser,
num jogo de negação e afirmação, de identidade e diferença, de manifestação e velamento, de doação e
retraimento. Só somos sendo, em permanente devir, por isso somos e não somos. Daí que a Linguagem
poética não é o consenso dialogal pelo qual o horizonte vivencial se reduz à anulação da tensão entre
ser e não-ser, pela opção por uma identidade abstrata, consensual, comunicativa, circunstancial,
contextual, onde se perde o sentido e fundamento de toda tradução possível e tradição historial,
reduzindo o acontecer poético à linearidade discursiva de causas e conseqüências. O ser é esférico e
complementar e todos nos vemos sendo no circular do círculo. Por isso, Ser poeticamente não é pro-
curar ou achar um porquê, mas florescer e desabrochar cada um em plenitude. Nisto consiste o fim
(telos) sem finalidade. Ele se confunde com a verdade enquanto eclosão e manifestação. Ao contrário,
na linguagem instrumental, o fim não é a verdade, mas a persuasão medida e determinada por uma
finalidade a ser atingida objetivamente e pré-estabelecida idealmente. Ela não liberta, oprime, anula as
possibilidades de ser. A persuasão, não assimilada e adotada livremente, leva ao consumo
desnecessário, à aparente satisfação, à mistificação, às opiniões, às crenças ideológicas, à possibilidade
do domínio do olhar do outro. O outro se torna a nossa medida e isso nos aliena, nos afasta do que
somos. Tal ocorre quando a pessoa não escolhe livremente, mas opta por alguma dessas de-cisões,
motivada por algo que lhe é externo. Na sociedade da informação, a formação, em geral, passou a ser a
aquisição de conhecimentos enquanto instrumento funcional. Na sociedade de consumo ser é só ter
algo: conhecimentos (informações), emprego, profissão, dinheiro, bens, função no funcionar dos
diferentes códigos. A linguagem instrumental está sempre em função de alguma coisa que lhe é externa,
seja na relação do eu com o outro, seja na relação de cada um com o mundo e com os objetos. A
Sociedade de consumo ignora e esquece a sua origem: a Linguagem poética. Tal esquecimento faz do
homem pós-moderno um desenraizado, porque sem memória e sem país natal (todos nascemos por
sermos e para sermos a nossa origem). Esse é o nosso grande drama, a dispersão, a falta de
referências, a presa fácil no jogo dos interesses de mercado, da atração por uma hiper-realidade que
nunca se realiza no simulacro das representações, da triste descoberta da mais profunda solidão na
balbúrdia dominante da comunicação. E, no entanto, cada um anseia tão profundamente o viver
simples, livre e feliz, porque a Linguagem poética mora em nós e nos emite sinais permanentes de sua
presença.
           
 
 Linguagem poética.
 
                              Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não
                             fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive.
                                                      Guimarães Rosa (Entrevista a Günter Lorenz).
 
O Logos poético ressoa nos poetas, no pensamento de Heráclito. Neste, o Logos aparece em
tensão com a Physis, tensão (polemos) de contrários complementares (harmonia). Ele é entendido
como Linguagem poética, pois o agir consiste na re-ferência de Physis e Logos destinada no
pensamento dos pensadores e na poesia dos poetas. A Linguagem poética nunca se dissocia nem das
coisas nem das pessoas.  Por isso diferencia-se da instrumental e social. Ela sempre implica uma
verdade que não é a opinião, mas a eclosão do que cada um é, do que é uma comunidade histórica. A
Linguagem poética dá um sentido. O sentido é o caminho tanto pessoal como da comunidade histórica
enquanto sentido do agir. Pelo agir gera-se um caminho que é o sentido da verdade. A verdade se torna
verdade na medida em que a ação eclode como Linguagem poética. Esta manifesta, pois, a verdade e
sentido de cada um inserido numa comunidade, à medida que produz as obras (de arte).  São elas que
se tornam a memória de um povo, pois não indicam um passado que passou, mas um passado que dá o
sentido e verdade do futuro no presente, através das interpretações, enquanto novos e possíveis
caminhos. Ao contrário do informar e do conhecer racional (científico), o compreender é o deixar-se
surpreender pelo vigor de todo interpretar, apreendendo-se cada um enquanto fazendo parte de uma
comunidade histórica que tem seu vigor na memória da Linguagem poética. É então que se dá o diálogo
pleno, no qual o Logos do diá-logo se torna o lugar de afirmação e manifestação do que cada um é e
não-é. A Linguagem poética por ser a fonte de todo sentido e verdade se torna o horiazonte no qual
podem ocorrer e se darem a linguagem social e a linguagem instrumental. A ambigüidade poética pela
qual o Logos reúne complementarmente em tensão polêmica o ser e não-ser é então reduzida à
ambigüidade semântica e retórica. Estas se dão ao nível do dis-curso e do código. Nelas não se faz
presente o drama e abismo de pro-cura de sentido que é todo viver, na dialética permanente das
intersubjetividades, mas se limitam ao jogo dos significados ideológicos e consensuais do mundo já
vivido, do social e moralmente já constituído. A Linguagem poética faz do leitor um intérprete. Este  não
é um consumidor, mas um agente que se liberta pela ausculta e correspondência ao apelo da Linguagem
poética das obras de arte. Com  ela  não  se conhece  algo. Nada lhe é externo  nem  interno. Nela,
nunca há persuasão nem objetivos externos nem finalidades e mensagens, pois não é uma medição ou 
instrumento  funcional ou sistema de signos. As coisas, as pessoas chegam a ser o que são na  medida 
e  na  proporção  em  que  se  manifestam  como  Linguagem.  Por isso a Linguagem poética não gera
crenças ideológicas, opiniões, ideais. Leva cada um à experienciação da vida em seu processo
permanente de ultrapassagem de limites e margens, onde a dor e a alegria se movem no impulso maior
do extraordinário e do inesperado. Não gera o prazer medido dos consumidores dos produtos disponíveis
e oferecidos pelo mercado, sejam estéticos, sejam materiais. Deixa cada um acontecer. O livre
acontecer é a essência da Linguagem poética. Ser, enquanto  Linguagem  poética, significa  articular os
três significados  fundamentais que aparecem nas etimologias que formam o verbo ser: 1°.surgir; 2º.
viver; 3º. permanecer.  Ser significa lançar-se no círculo do vigor de surgir, viver e permanecer para se
con-sumar.  Con-sumar é levar ao sumo, à plenitude. A Linguagem poética funda a comunidade,
enquanto comunidade de diferenças. Nesta vigora a memória poética, que dá a cada um a sua
identidade, na medida em que faz  eclodir cada um  poeticamente como diferença. A Linguagem 
poética  é o vigor da   comunidade histórica, enquanto memória do Ser. Ser e Linguagem poética se co-
pertencem e se auto re-ferenciam. A memória poética não diz de um recordar o passado, mas do vigorar
do passado no presente como possibilidade de futuro. O futuro será o que desde sempre já se é. A
memória do Ser é o tempo se plenificando, pois nada há fora do tempo. Por sermos temporais, o tempo
não pode nos ser externo, como se fosse possível viver fora do tempo. O tempo, a história e a memória
só podem eclodir como Linguagem poética. Ela é o tempo, a história e a memória eclodindo como
sentido e verdade do Ser. Ser não é verbo de ligação, em que se liga um sujeito a um predicado. Ser
também não é algum ente especial localizado fora do tempo e do espaço, a-temporal. Viver é ser
enquanto puro livre eclodir. A Linguagem poética manifesta o mundo enquanto mundo. Mundo é o
eclodir do Ser (surgir, viver, permanecer) enquanto Linguagem poética. Mundo como Linguagem poética
é o instituir a realidade como verdade e sentido. Linguagem poética e mundo são o Ser (surgir, viver,
permanecer) enquanto sentido e verdade da realidade. A realidade que se realiza como mundo é o livre
jogo de manifestação da Linguagem poética como sentido e verdade.
 

2004 © by manuel antônio de castro

Vous aimerez peut-être aussi