Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
RESUMO
Esta revisão bibliográfica apresenta instrumentos que a representavam –
conceitos de Realidade Aumentada (RA) e suas possíveis aplicações no campo do mesmo se se pensar em exemplos ensino, notadamente no Ensino à Distância remotos como a invenção da roda e dos (EAD). Foram utilizadas referências conceituais de RA e EAD, bem como primeiros artefatos de caça. relatos de projetos envolvendo ambos os conceitos. A evolução humana também sempre PALAVRAS-CHAVE: Realidade aumentada, esteve ligada às tecnologias de cada ensino à distância, metacognição, aprendizado época; o século XX, segundo Kenski, foi quando tornaram-se mais estreitos os laços entre tecnologia e capital, ficando ABSTRACT esta a serviço do segundo e ocasionando This review presents the concepts of Augmented Reality (AR) and its possible grandes mudanças no mercado de applications in the field of education, trabalho. especially in Distance Education (EAD). We used conceptual frameworks of AR and EAD as well as reports of projects Quando isto ocorreu, houve um impacto involving both concepts. na estruturação dos processos de ensino KEYWORDS: Augmented Reality, Distance e aprendizagem. Preti, ao citar os Education, metacognition, learning modelos educacionais da década de 1970 apud Peters, afirma que “o modelo 1. Introdução industrial da época („modelo fordista‟ A discussão acerca de tecnologia digital de produção em massa para mercados e ensino passa pela compreensão das de massa) lhe se configurava como um mudanças nas relações pessoais e „modelo‟ adequado e passível de ser sociais provocadas pelas novas aplicado no campo da educação”. tecnologias da informação. Para Kenski De certo modo, essa estrutura está (2007), desde sempre a tecnologia ligada em parte aos conceitos do exigiu o desenvolvimento de empirismo como “método” de ensino, habilidades para uso e domínio dos como afirma Preti. Sob esta ótica, para além da assimilação de experiências projetos como os de troca de cartas – fenomenológicas e da aquisição do tem sofrido alterações significativas na conhecimento por meio da interpretação maneira como vem sendo feito. E cada delas pela mente humana, é necessário vez mais prescinde da escola para que o professor lance mão de um acontecer. Como afirma Delors (2005), “processo” para garantir eficácia no novas tecnologias têm influência aprendizado – processo este com significativa na vida social. Para o atividades similares às da estruturação autor, isso redunda em implicações cada industrial baseadas na repetição, da vez mais freqüentes em educação, memorização, do acúmulo de especialmente no Ocidente, com informações isoladas, do não reflexos como individualização, questionamento e da submissão à automatização das informações, autoridade (do professor/chefe). flexibilidade na obtenção da informação e a internacionalização do acesso ao Mesmo se levando em conta a evolução conhecimento. nas teorias da educação e o advento do construtivismo de Piaget (apud Preti), o Em uma perspectiva na qual, em países processo educacional ainda é visto desenvolvidos, 50% do mercado de como uma estrutura linear entre os trabalho já se situa no setor de serviços sujeitos (aluno/professor) e o meio (DELORS et al, 2005) e com físico e social no qual eles estão automatização crescente, é fundamental inseridos. A exceção, em relação à que o uso das novas Tecnologias de linearidade, é o senso de Informação e Comunicação reflitam em compartilhamento do conhecimento e melhorias no ensino. É nesse sentido das experiências com outros sujeitos que se faz necessário pensar políticas presentes na sociedade. Como também para educação como uma estratégia para citado por Preti, “o professor deixa de obter mais eficiência no ensino e ser um mero transmissor de redução nas taxas de abandono da conhecimentos para se tornar um escola. „mediador‟ entre o sujeito que aprende e Para Delors et al (2005), o reflexo das o conteúdo a ser aprendido”. TIC´s no processo de ensino e Esse compartilhamento, o qual antes aprendizagem requer uma mudança no poderia ocorrer no ambiente escolar e papel dos professores. Isso é também até mesmo fora dele – como no caso de citado por Porto ao comentar que um dos impactos mais significativos das Ainda para Porto (2006, p 49), “ensinar TIC´s na escola é o modo como as com e através das tecnologias é um relações passam a ser construídas. Na binômio imprescindível à educação opinião da autora, as novas tecnologias escolar. Não se trata de apenas não pressupõem “ato pedagógico” por incorporar o conhecimento das ser inerente a elas o processo de modernas tecnologias e suas linguagens. conhecimento intuitivo (o “aprender É preciso ultrapassar as relações com os fazendo” ou “aprender usando”); além suportes tecnológicos, possibilitando disso, há uma alteração entre os comunicação entre os sujeitos”. usuários jovens (público-alvo da escola) Mesmo se se ultrapassar tais relações quanto à percepção dos relacionamentos com os suportes tecnológicos, chegando sociais: “os contextos (sociais, culturais ao conceito da educação escolar e financeiros) também têm um papel fundamentada na relação entre sujeitos, definidor entre o sujeito e a tecnologia, é difícil imaginar esse processo ampliando e/ou limitando as relações e ocorrendo exclusivamente em situações que daí se originam” (Porto, ambientes presenciais. Em se tratando 2006, p.44). de ensino à distância, por exemplo, as Além disso, TIC´s são utilizadas de maneira diversa do uso rotineiro que se faz delas. Babin e Kouloudian (1989), em suas pesquisas com os jovens ante a É por motivos como este – o uso realidade da comunicação advinda com diferenciado das TIC ´s na educação – os avanços da tecnologias, confirmam a que se faz necessário um planejamento hipótese de que a invasão das mídias e pedagógico específico. A mera o emprego das tecnologias na vida utilização de tecnologias, por si só, não cotidiana modelam progressivamente altera de maneira sensível o espaço um outro comportamento intelectual e físico das aulas nem tampouco as afetivo. (Porto, 2006, p. 45) interações advindas dos atos de ensinar e aprender. Para Kenski, “a visão É possível supor, portanto, que redutora do uso das tecnologias digitais decorrem situações nas quais a mudança em atividades educacionais tem na percepção pessoal e nas relações produzido mais pessoas insatisfeitas – gerada pela tecnologia tem impacto tanto do lado dos estudantes quanto dos direto no processo de ensino e produtores e técnicos responsáveis aprendizagem. pelos cursos – e desconfiadas em qual se busca aprimorar as relações de relação ao uso das TIC´s. A ensino e aprendizagem. preocupação da educação deve ir além desse treinamento. É preciso que os 2.Realidade Aumentada alunos ganhem autonomia em relação a Para Rodrigues, “Realidade Aumentada suas próprias aprendizagens, que (RA) é o conceito de superpor imagens consigam administrar seus tempos de e modelos artificiais geradas por estudo, que saibam selecionar os computador sobre perspectivas de visão conteúdos que mais lhes interessam, do usuário em cenas do mundo real.” que participem das atividades, independentemente do horário ou local em que estejam. A grande revolução do ensino não se dá apenas pelo uso mais intensivo do computador e da internet em sala de aula ou em atividades a distância. É preciso que se organizem novas experiências pedagógicas em que as TICS possam ser usadas em processos cooperativos de Figura 1 – Modelo de projeção de aprendizagem, em que se valorizem o Realidade Aumentada diálogo e a participação permanentes em todos dos envolvidos no processo”. O uso de RA acontece pelo É preciso pensar, no entanto, no sentido aprimoramento tanto das tecnologias em real do uso de novas tecnologias em si como das possibilidades de uso educação. Dado que, como explica gerada pelos meios disponíveis. No Kenski (2006, p.23) “o conceito de Ensino a Distância, por exemplo, de tecnologias engloba a totalidade de texto e símbolos inicialmente enviados coisas que a engenhosidade do cérebro passou-se a utilizar áudio e vídeo e, humano conseguiu criar em todas as atualmente, alguns casos incluem épocas, suas formas de uso, suas dispositivos hápticos para determinadas aplicações”, a tecnologia em educação atividades. pode ser pensada como o suporte pelo Historicamente, o conceito de RA existe 1989: Jaron Lanier inventa o dese 1849 – embora nem sempre tenha termo “Realidade Virtual” e cria sido chamado assim: o primeiro comercial em torno de mundos virtuais. 1849: Richard Wagner inicia a 1992: Tom Caudell cunha o idéia das experiências em termo “Realidade Ampliada”, imersão utilizando um teatro enquanto estava na Boeing, escuro e envolvendo o público enquanto ajudava trabalhadores com imagens e sons. a montar cabos em aeronaves. 1938: Konrad Zuse inventa o 2003: GeoVector juntamente primeiro computador digital, com Vodafone, HP, Microsoft, conhecido como o Z1. Virtual Spectator e Animation 1948: Norbert Wiener cria a Research Ltd apresenta Actual ciência conhecida como Spector AR app na America‟s “cibernética”, transmitindo Cup Sailing Races, em mensagens entre homem e Auckland, Nova Zelândia. máquina. 2007: Primeira aplicação para 1962: Morton Heilig cria um usuário final utilizando simulador de motocicleta Realidade Aumentada a entrar chamado de Sensorama, com no mercado: Sony cria o jogo efeitos visuais, sonoros, The Eye of Judgment para o vibrações e cheiros. console Playstion 3. Em seguida 1966: Ivan Sutherland inventa é lançado o guia de viagem capacetes para exibição de Wikitude AR para G1 Android, imagens, sugerindo uma janela foi baixado mais de 50.000 para um mundo virtual. vezes para celular. (Fonte:
1975: Myron Krueger cria um www.vamoss.com.br)
laboratório de realidade virtual
chamado “Videoplace”, que Rodrigues também considera permite o usuário interagir com importante avaliar o desenvolvimento elementos virtuais pela primeira das tecnologias que têm colaborado vez. para isso. É o caso da microeletrônica, cujo incremento possibilita Não há dúvida de que a telemática processamento de dados a velocidades mostrou um caminho importante par cada vez maiores; ou das redes de ampliar o acesso à educação. Ainda computadores, as quais, por meio do assim, segundo Almeida (2005), esse compartilhamento da informação, uso não signifique práticas inovadoras permitem o trabalho colaborativo em de modo geral, além de não representar níveis inéditos; ou mesmo da alterações nas a respeito de computação gráfica e os processos de conhecimento, ensino e aprendizagem – digitalização da imagem, que ou mesmo nos papéis do aluno e do contribuem para o desenvolvimento de professor. avatares, por exemplo, além da É preciso analisar, contudo, que a manipulação de imagens reais por meio tecnologia provoca mudanças no meio de sistemas virtuais. em que a educação e a comunicação Outra mudança a considerar é que entre alunos e professores acontecem. inovações como computador eletrônico A autora defende que ensino e à válvula, transistor, circuito integrado, aprendizagem devem ser monitor de computador, computação compreendidos enquanto são analisadas gráfica, rede, computador pessoal (PC), as potencialidades e limitações das Internet, Web, software livre, entre tecnologias e linguagens empregadas outros, aos poucos alteraram a relação para a mediação pedagógica e a entre usuário e tecnologia. Esta já não aprendizagem dos alunos. exige ser percebida, isto é, acaba por Desse modo, a tecnologia pode ser integrar-se de maneira ubíqua ao utilizada tanto na tentativa de simular a usuário. educação presencial com o uso de uma Em RA, isto ainda não aconteceu nova mídia como para criar novas totalmente – até por conta da difusão possibilidades de aprendizagem. ainda relativa das tecnologias Um caso que pode ajudar a disponíveis no âmbito geral da compreender tal conceito é o da sociedade. Universidade Tecnológica de Munique, onde são desenvolvidos estudos sobre o
3.Realidade Aumentada em uso da Realidade Aumentada em
Educação e Ensino cirurgias. Além do instrumental cirúrgico tradicional, o médico utiliza também o HMD – Head Mounted Essa abordagem da EaD apresenta altos Display (display montado na cabeça – índices de desistência, mas encontra-se “capacete” para Realidade Virtual). O disseminada em todas as partes do equipamento permite que ele opere com mundo, devido à sua potencialidade de mais precisão os pacientes e com atender a crescente parcela da incisões reduzidas, uma vez que o população que demanda pela formação periférico de Realidade Aumentada (inicial ou continuada) a fim de adquirir fornece uma visão em 3D do órgão a ser condições de competir no mercado de operado na posição real em que se trabalho. encontra no paciente. Isto é, se apesar de disseminada encontra altos índices de desistência, a prática do EAD pode ter essa tendência É possível mesmo que a utilização de de evasão reduzida com o uso da RA, a RA no ensino, devido à expansão e à qual poderá permitir uma incrementação dos recursos individualização e uma aplicação mais tecnológicos disponíveis, possa reverter prática dos conceitos trabalhados na certas falhas apontadas por alguns relação de ensino e aprendizado. autores. Pois, como afirma Almeida (2005), 3.1.O impacto na sociedade
A integração de meios de comunicação Em uma Sociedade da Informação
de massa tradicionais – rádio e televisão existe o uso amplo de tecnologias – associada à distribuição de materiais digitais interativas em educação. No impressos pelo correio provocou a Brasil, segundo Kenski (2007), “a expansão da educação a distância a preocupação é a de que o uso intensivo partir de centros de ensino e produção dessas tecnologias possibilitem a de cursos, os quais emitem as democratização dos processos sociais, a informações de maneira uniforme para transparência de políticas e de ações do todos os alunos, que recebem os governo, a mobilização dos cidadãos e materiais impressos com conteúdos e sua participação ativa nas instâncias tarefas propostas, estudam os conceitos cabíveis”. recebidos, realizam os exercícios e os O uso de RA no ensino pode, segundo remetem aos órgãos responsáveis pelo essa perspectiva, atender ao anseio pela curso para avaliação e emissão de novos adoção de novas abordagens módulos de conteúdo. pedagógicas, novos caminhos que acabem com o isolamento da escola e a cada vez mais fugaz. Não estará voltada coloquem em permanente situação de também para a exclusiva aprendizagem diálogo e cooperação com as demais instrumental de normas e competências instâncias existentes na sociedade, a ligadas ao domínio e fluência no começar com os seus próprios alunos. O emprego de equipamentos e serviços, foco no alinhamento entre as atuais como simples usuários. A escola deve exigências de ensino e aprendizagem e antes se pautar pela intensificação das as oportunidades oferecidas pela oportunidades de aprendizagem e tecnologia de RA, em relação aos autonomia dos alunos em relação a alunos, pode fazer a diferença. busca de conhecimentos, da definição de seus caminhos, da liberdade para Desse modo, a escola provavelmente que possam criar oportunidades e manterá seu status instituição social e serem os sujeitos da sua existência”. educacional, além de ampliar seus objetivos para "responder a uma Há uma grande oportunidade oferecida pluralidade de mandatos sociais (de na junção entre tecnologias de instrução, de socialização, de informação e comunicação (TIC) e o profissionalização, de participação ciberespaço. Trata-se de um novo cívica, de formação ética, de espaço pedagógico, com grandes desenvolvimento estético,...), possibilidades em termos de atividade subordinando-os não apenas ao cognitiva, afetiva e social, tanto de referente econômico (formar recursos alunos como de professores. Isso será humanos, fatores de produção), mas ao possível, no entanto, se se pensá-los sob desenvolvimento das pessoas, qualquer uma nova perspectiva. que seja a sua idade, qualquer que seja O motivo é que até agora computadores o momento em que procuram o ensino e e a própria internet são tidos como a formação” (Kenski, apud Azevedo, fontes de informação e como 2007). ferramentas de uso e manipulação dessa Como afirma Kenski, informação. É preciso ir além: para os autores pesquisados, ampliar o uso das “a educação escolar não deverá servir tecnologias para a realização de tarefas apenas para a preparação das pessoas em sala de aula pode ampliar – e muito para o exercício das funções sociais e a - os horizontes da escola e dos seus sua adaptação às oportunidades sociais participantes. existentes, ligadas à empregabilidade, “O que se propõe para a educação de com maior grau de sofisticação. É cada cidadão dessa nova sociedade é preciso ter em mente, para a autora, a não apenas formar o consumidor e necessidade de formar pessoas aptas a usuário de tecnologias cada vez mais "aprender a aprender", isto é, capazes de distintas, mas que todos tenham lidar positivamente com a permanente condições de também serem criadores, transformação da base tecnológica. autônomos e críticos em suas aprendizagens e escolhas, podendo até REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS mesmo serem produtores e desenvolvedores de tecnologias. Mais ALMEIDA, Maria E. Biancocini de, ainda, que possam não apenas aprender Educação à Distância na Internet: a usar e produzir, mas também abordagens e contribuições dos ambientes digitais de aprendizagem. interagir e participar socialmente. E, Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, deste modo, integrar-se em novas n.2, p. 327-340, jul/dez 2003 comunidades e criar novos significados DELORS, Jacques (org). A Educação para a educação num espaço muito para o Século XXI – Desafios e Perspectivas. São Paulo, Artmed, , mais ampliado. Sair da sala de aula e 2005 alcançar o mundo”. (Kenski) PORTO, Tânia M.E. As tecnologia de comunicação e informação na escola; relações possíveis, relações 4.CONCLUSÃO construídas. Revista Brasileira de Educação, v. 11, n.31, p.43 a 55, jan/fev De acordo com Kenski, educar para a 2006.
Sociedade da Informação implica em KENSKI, Vani Moreira. Educação e
Tecnologias – o novo ritmo da desenvolver competências amplas de informação. São Paulo; Papirus, 2007. modo a permitir que as pessoas tenham A História da Realidade Aumentada, em uma atuação efetiva na produção de http://www.vamoss.com.br/blogfolio/?p bens e serviços, além de tomar decisões =39, acessado em 30.11.2010.
baseadas no conhecimento e utilizar
plenamente novos meios e ferramentas PRETI, Oreste. Bases Epistemológicas em seu trabalho. Além disso, devem ser e Teorias em Construção na Educação a Distância em capazes de aplicar criativamente novas http://arquiteturaspedagogicas.pbworks. mídias, tanto em operações mais com/f/Oreste_EaD_bases_conceituais.p df, acessado em 26.11.2010 simples do cotidiano como em situações