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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA
ESTÁGIO EM PSICOLOGIA COMUNITÁRIA
IMPORTÂNCIA DE CUIDAR DOS CUIDADORES
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RESUMO: O presente artigo visa discorrer sobre a importância de cuidar
dos cuidadores, verificando os sentimentos experenciados pelas Estagiárias
de Serviço Social em seu trabalho de orientação com os adolescentes do
Pólo UNAMA de Liberdade Assistida. Trata da fenomenologia do cuidado,
dos requisitos necessários ao cuidado, finalizando com a constatação teórica
e prática, personificada através da experiência subjetiva dos orientadores e
das propostas oferecidas pelo Grupo de Reflexão.
INTRODUÇÃO
*Bacharel em Psicologia e estagiário do 6o. ano do curso de Psicologia da Universidade da Amazônia – UNAMA - Turma
6PSN1.
A importância de cuidar dos cuidadores Linoel Viana
Amorim *
FENOMENOLOGIA DO CUIDADO
Por fenomenologia vamos entender como sendo a maneira pela qual a realidade se
torna um fenômeno para a nossa consciência e, no caso aqui, este fenômeno é o cuidado que
se mostra em nossa experiência e se molda à nossa prática.
Etimologicamente, a palavra cuidado é originária do latim que significa cogitare, isto
é, imaginar, pensar, meditar, cogitar, julgar, supor.
Segundo o dicionário Aurélio (1986), cuidar é aplicar a atenção, o pensamento e a
imaginação na pessoa ou na coisa que se constitui objeto de desvelos. É atentar, pensar e
refletir.
Mas, então, o que significa cuidar para que os cuidadores mereçam uma atenção
especial?
Cuidado significa desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato. A atitude de
pode provocar preocupações, inquietações e sentimentos de responsabilidade. É o caso, por
exemplo, quando se diz: “essa criança é todo o meu cuidado” (preocupação) ou, ainda, “estes
são amigos todos os meus cuidados” (minhas inquietações). Um antigo adágio rezava: “quem
tem cuidado não dorme. Isto significa que cuidar requer vigilância”.
Segundo Boff (1999), por sua natureza, o ato de cuidar inclui duas significações
básicas, inteiramente ligadas entre si. A primeira é a atitude de desvelo, de solicitude e de
atenção para com o outro. A segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que
tem cuidado se sente envolvida e afetivamente ligada à outra.
Com razão, o grande poeta latino Horácio (65 A. C), podia finalmente observar: “o
cuidado é o permanente companheiro do ser humano”, Isto quer dizer que o cuidado sempre
acompanha o ser humano porque este nunca deixará de amar e de se desvelar por alguém,
nem deixará de se preocupar e se inquietar pela pessoa amada. No limite revelaria indiferença
que é a morte do amor e do cuidado.
O cuidado entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo-de-ser cuidado
revela de maneira concreta como é o ser humano.
Do ponto de vista existencial, podemos dizer que o cuidado se acha a priori, antes de
toda atitude e situação do ser humano, isto é, o cuidado encontra-se na raiz primeira do ser
humano, antes que ele faça qualquer coisa e, se fizer, ela sempre vem acompanhada de
cuidado.
O cuidado deve ser visto não como uma palavra, apesar dos filósofos afirmarem que
as palavras estão grávidas de significado, mas, como um modo ser no mundo.
O cuidado é mais do que um ato singular, ou uma virtude ao lado de outras. É um
modo de ser, isto é, a forma como a pessoa humana se estrutura e se realiza no mundo com os
outros.
Vale ressaltar que o ser no mundo expresso aqui, não significa apenas uma
determinação geográfica como o simples fato de fazer parte da natureza, mas, significa existir
e co-existir, estar presente, navegar pela realidade e relacionar-se com todas as coisas do
mundo.
Apesar do cuidado ter sido difamado com feminilização das práticas humanas, como
empecilho à objetividade na compreensão e como obstáculo à eficácia, precisamos resgatar o
cuidado, resgate este que não se fará às custas do trabalho e, sim, mediante a uma forma
diferente de entender e de realizar o trabalho. Para isso, o ser humano precisa voltar-se sobre
si mesmo e descobrir seu modo de ser cuidado.
Há algo nos seres humanos que não se encontra nas máquinas: o sentimento, a
capacidade de emocionar-se, de envolver-se, de afetar e de sentir-se afetado.
Um computador e um robô não têm condições de cuidar do meio ambiente, de chorar
sobre as desgraças dos outros e de rejubilar-se coma alegria do amigo. Um computador não
tem coração.
Só nós humanos, podemos sentar-nos à mesa com o amigo frustrado, colocar-lhe a
mão no ombro, tomar com ele um copo de cerveja e trazer-lhe consolação e esperança.
Construímos o mundo a partir de laços afetivos. Esses laços tornam as pessoas e as situações
preciosas, portadoras de valor. Sentimos responsabilidade pelo laço que cresceu entre nós e os
outros. A categoria cuidado recolhe todo esse modo de ser. Mostra como funcionamos
enquanto seres humanos.
Importa colocar cuidado em tudo. Isto significa: conceder direito de cidadania à nossa
capacidade de sentir o outro, de ter compaixão com todos os seres que sofrem, humanos e não
humanos, de obedecer mais à lógica do coração, da cordialidade e da gentileza do que a
lógica da conquista e do uso utilitário das coisas.
Para Boff (1999), o sintoma mais doloroso já constatado por analistas e pensadores
contemporâneos, aparece sob o fenômeno do descuido, do descaso e do abandono. Numa
palavra: da falta de cuidado.
Segundo este mesmo autor, há um descuido e um descaso pela vida inocente das
crianças usadas como combustível na produção para o mercado mundial.
Os dados da Organização Mundial da Infância de 1998 são aterrorizadores. Duzentos e
cinqüenta milhões de crianças trabalham.
Na América Latina três em cada cinco crianças trabalham. Na África, uma em cada
três crianças e na Ásia, uma em cada duas. São pequenos escravos, segundo ele a quem se
nega a infância, a inocência e o sonho.
Para Boff, há um descuido manifesto pelo destino dos pobres e marginalizados da
humanidade, flagelados pela fome crônica. Há um descuido pela sorte dos desempregados e
aposentados, dos sonhos de generosidade agravados pela hegemonia do neoliberalismo. Há
um descuido e um abandono crescente na sociabilidade das cidades. Há descaso e descuido
pela dimensão espiritual do ser humano. Há descuido da coisa pública. Existe um descuido
generalizado e que necessário se faz resgatar o valor e a importância do cuidado como o único
a garantir a boa qualidade de vida do planeta.
Diante da situação de falta e de cuidado muitos se rebelam. Fazem de sua prática e de
sua fala permanente contestação. Mas, sozinhos, sentem-se impotentes para apresentar uma
saída libertadora. Por falta de cuidado perderam a esperança.
Outros perderam a própria fé na capacidade de regeneração do ser humano e de
projeção de um futuro melhor: vêem no ser humano mais a dimensão de demência do que de
sapiência.
O cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência.
No cuidado se encontra o que o homem tem de mais fundamental. Quer dizer, no cuidado
identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das
ações um retroagir. Neste sentido, quais seriam os requisitos para o cuidado? Sem nenhuma
pretensão de esgotá-los, veremos, alguns a seguir.
• Independência interior
A independência interior consiste na fidelidade a si mesmo, aceitando ser diferente dos
outros. Sem essa clareza, o cuidador não evoluirá para ser realmente dono da própria vida,
para saber escolher com alguma liberdade, assumindo com liberdade e flexibilidade, as
conseqüências da opção feita. É claro que esta autonomia ou dependência interna não tem
nada a ver com orgulho, arrogância ou desprezo pelos outros, mas consiste na superação dos
vínculos de dependência e confluência, sendo capaz de distinguir o que é de fato seu e o que
pertence, essencialmente, a nível de subjetividade da pessoa que está sendo cuidada.
Quando o cuidador sabe ser ele mesmo, fiel ao seu modo próprio e flexível de ser, ele
se relaciona com os outros de maneira dialógica, enriquecedora, sem deixar de ser ele mesmo.
E quanto mais a pessoa do cuidador se abre aos outros no diálogo, no acolhimento, na amizade
e no amor, mais é fiel a sua própria “vocação” pessoal e mais desenvolve sua liberdade e
autonomia.
• Abertura à realidade
Segundo Rúbio (1993), a maturidade afetiva é impossível sem a sabedoria e a
docilidade resultantes da abertura à realidade, abertura que implica um verdadeiro programa de
vida, exigente e libertador.
Diz-se que é exigente porque é necessário um esforço contínuo por parte da pessoa do
cuidador para conhecer o outro e se conhecer melhor, para penetrar nas profundidades do
próprio eu, para captar um pouco mais a própria verdade.
É exigente porque como bem mostra a psicanálise, é necessário muita sinceridade e
muito amor à verdade para a pessoa não ficar prisioneira de algum dos muitos e complexos
mecanismo de defesa: regressão, projeção, formação reativa, racionalização etc.
É libertador porque se trata de uma abertura libertadora, só na aceitação da própria
verdade é possível harmonizar os impulsos, desejos, tendências, sentimentos e pensamentos
em direção a uma personalidade amadurecida. É claro que o conhecimento de si próprio pode
ser duro, amargo, decepcionante, mas, é indispensável para que o cuidador viva uma
existência autêntica, cresça na experiência da liberdade e desenvolva o equilíbrio interior.
A abertura à realidade de si próprio não comporta, apenas, um encontro com os
aspectos negativos ou destrutivos da personalidade. Abrange, também, a percepção luminosa
da própria riqueza interior, muitas vezes, desconhecida e inexplorada, riqueza de
potencialidades e de qualidades pouco ou nada desenvolvidas, riqueza da vitalidade interior
que aguarda, pacientemente, o momento de se manifestar de uma ou outra maneira para a
própria pessoa e para os outros.
A abertura à realidade que é o outro, leva o cuidador a experimentar interesse pelo que
o outro geralmente sente ou pensa.
• Abertura confiante
Rúbio (1993), pontua que a abertura à realidade do outro supõe respeito e aceitação à
alteridade, confiança nas potencialidades do outro e nas suas próprias potencialidades.
Consiste na capacidade que o cuidador deve ter de olhar o outro de maneira humana e,
ao mesmo tempo, permitir que a outra pessoa o veja humanamente. Significa, ainda, falar e
escutar humanamente, não uma palavra meramente funcional, mas reveladora da própria
identidade pessoal. Significa aceitar ajuda do outro e, também, oferecer ajuda. Assumir
livremente a relação com o outro como um enriquecimento mútuo e não como uma lei imposta
de fora ou, então, como um castigo ou prova. Enfim, trata-se de uma relação vivida na
liberdade, sem conquista nem escravidão.
COM A PALAVRA OS CUIDADORES
Foi estabelecido um prazo de cinco dias para a devolução dos referidos questionários.
Dos dezoito entregues, apenas sete deles foram devolvidos. Em decorrência dessa pequena
devolução, a discussão deste trabalho efetivou-se tão somente nas respostas desses
questionários e nas observações e registros dos P. R. Gs.
Foi possível constatar na prática, através das falas das Orientadoras o que Boff (1999),
pontua quando cita Heidegger, dizendo que o querer e o desejar estão enraizados no cuidado
essencial. Senão vejamos: Uma orientadora disse:
[...] me sinto frustrada por não ter o retorno que esperei de alguns adolescentes”.
Outra falou: “me sinto angustiada por não ter uma fórmula pronta para este
trabalho”. Uma terceira disse: sinto-me triste por não ter conseguido o melhor para o
meu adolescente.
Coronel (1997), citando Dellarossa, afirma que o Grupo de Reflexão se presta para
refletir os sentimentos emergidos através da indagação das tensões existentes no grupo.
Durante um Grupo de Reflexão uma Orientadora disse: “Me sinto insegura para
acompanhar o adolescente”.
Ao ser indagada a respeito de sua insegurança ela disse:
Eu gostaria de conhecer o que eles têm guardado pra eu poder trabalhar”. Outra
disse: “me senti agredida pelo adolescente. Ele quer mandar em mim. Chegou
gritando e eu disse: fale baixo que eu não sou sua irmã e nem igual a você.
Ao ser indagada a respeito de sua opinião sobre a postura do adolescente ela disse: Ele
é mal educado, ingrato. Não reconhece o bem que a gente faz “. Uma terceira ainda
disse:”Sinto-me cobrada pela família do adolescente.
Ao ser indagada como se sentiu sendo vista como salvadora da pátria pela família
disse: “Muito mal”.
Ficou clara a importância do Grupo de Reflexão enquanto espaço propício para as
orientadoras trabalharem e partilharem suas expectativas e tensões, com relação ao processo
de acompanhamento de adolescentes. Uma orientadora disse:
Estou muito preocupada, não consigo falar com o adolescente R, nem com sua tia,
não sei o que está havendo “. Outra disse:” Eu não sei mais o que fazer. O meu
adolescente tem faltado às sessões psicoterápicas.
Essas falas só vêm confirmar o que Boff (1999), pontua acerca do cuidado, quando diz
que o cuidado pode produzir preocupações, inquietações e sentimentos de responsabilidade.
Rúbio (1993), quando reflete a questão do cuidado, ele diz que o cuidador precisa se
esforçar continuamente para se conhecer e conhecer o outro, penetrar nas profundezas do
próprio eu.
A importância de cuidar dos cuidadores Linoel Viana
Amorim *
CONCLUSÃO
Sem nenhuma pretensão de esgotar este interessante e necessário assunto, me foi
possível verificar nesta reflexão acerca do cuidado e do cuidador, que não é possível alguém
ousar cuidar do outro se não cuidar de si mesmo. Cabe aqui, lembrar a célebre frase de Jesus
Cristo: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”.
Conclui-se que, cuidar do outro significa acima de tudo, reconhecê-lo na sua
humanidade; atribuir-lhe importância e valor; viver e expressar carinho e ternura para com
ele; preocupar-se com ele de maneira concreta, preocupação essa, que se traduz na decisão de
fazer algo por ele, envolvendo-se na situação em que ele se encontra.
Concorda-se com a afirmação de May (1978) quando diz: “o cuidado é o contrário da
indiferença, do cinismo e da apatia tão freqüentes no mundo moderno”.
Oxalá, outros estudantes de psicologia assim como eu, sintam-se sensibilizados e
desejosos para continuarem investigando esse assunto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
CANO, Betuel. Ética: arte de viver. Vol II. São Paulo: Paulinas, 2000.
CORONEL, Luiz Carlos IIIlafonf. Grupo de reflexão. In ZIMERMAN. D.E e OSORIO, L.C.
Como trabalhamos com grupos.Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
RUBIO, Alfonso G. Nova evangelização e maturidade afetiva. São Paulo: Paulinas, 1993.