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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE TURISMO


DISCIPLINA: POTENCIALIDADES DO VALE DO JEQUITINHONHA
PROFESSORA: CECÍLIA FERNANDES VILHENA
ALUNA: DAYSE MARINA GUEDES
PONTO EM QUE A HISTORIA DO GARIMPO SE CONFUNDE COM A MINHA HISTORIA E
MINHAS MEMÓRIAS SE TORNAM RELEVANTES PARA O REGISTRO DESSA HISTORIA

RESUMO

O objetivo desse trabalho é ilustrar a importância que tem cada um individuo e sua historia na
composição e registro da historia de um povo, utilizando como exemplo as minhas próprias
memórias como parte integrante e útil na descrição da historia do garimpo na região do rio
Jequitinhonha localizada a 6 km de extração.

METODOLOGIA

A partir do relato de minhas memórias me dediquei à pesquisa bibliográfica da historia do


garimpo em livros, revistas e artigos científicos, buscando detectar o ponto histórico de
interseção com as minhas memórias com a intenção de mostrar a importância dos
acontecimentos que presenciei para a composição dos registros históricos, se é que essa
importância realmente possa ser considerada.
Encontrei no trabalho do professor Marcos Lobato Martins das Faculdades de Pedro Leopoldo
e da Faculdade de Filosofia e Letras de Diamantina, mestre em Sociologia pela UFMG e doutor
em História Econômica pela USP, que desenvolve pesquisas sobre a região de Diamantina no
período de 1870 – 1930,editor da Cronos: Revista de História, autor dos livros Pedro Leopoldo:
Memória Histórica (1994), Breve História de Diamantina (1996), A Peste das almas: histórias
de fanatismo (2006) em co-autoria com Marcos Antônio Lopes e História e meio ambiente
(2007)e desde 2005 membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente de Pedro Leopoldo, o
material necessário para compor esse trabalho de modo que me concentrei unicamente nos
seus artigos, também pela intenção de manter uma mesma linha de raciocínio para facilitar a
conecção com as minhas memórias.
Foram feitas entrevistas com pessoas do meu núcleo familiar buscando elementos que
comprovassem e esclarecessem as minhas memórias.

INTRODUÇÃO

Até o iluminismo a Historia era contada através dos feitos de seus reis e heróis A partir do
iluminismo a historia passa a dar enfoque ao homem comum, seus costumes e seus conflitos.
As minhas memórias do garimpo se localizam no curto espaço que vai desde o encontro dos
rios Jequitinhonha e ribeirão do inferno até uns 5 km rio abaixo.
Nesse espaço moravam três famílias. Na margem esquerda por onde acessávamos o rio ficava
a casa de João de Zefa sua esposa e seus 3 ou 4 filhos pequenos. Nunca fui a casa deles.
Atravessando o rio Jequitinhonha, podíamos aportar na casa de tio Luis que vivia sozinho com
a sua esposa Sinhá na antiga casa onde a minha mãe foi criada. Era uma casa de dois
andares, mas só o andar de cima era usado como moradia, composto de uma sala mobiliada
com moveis rústicos, dois bancos grandes de madeira e uma pequena mesa com um oratório
como era costume na região, três quartos com camas grandes de casal, uma despensa e a
cozinha, já do lado de fora da casa, quente e confortável No quintal, um forno de barro, uma
pequena bica d’agua, uma hortinha com pés de pimenta, cebola verde, salsa e arvores
grandes, mangueiras que davam mangas deliciosas
.Ou na casa de tia Bastiana, seu marido Antonio Ruivo e seus 12 filhos. Moravam numa casa
de pau a pique bem grande, composta de muitos cômodos, meio como um labirinto, cheia de
quartos, onde servindo de cama ficavam os jiraus. Tinha uma cozinha, com um fogão de lenha
sempre barreado com tabatinga branca. A sala de visitas era uma espécie de quiosque coberto
de capim e com bancos enormes, onde também serviam as refeições.
Como na verdadeira historia do vale, não passavam necessidades, plantavam o que comiam e
garimpavam para comprar o que mais precisassem, mas viviam de forma bastante simples.
Quando compravam alguma coisa que não produziam, como carne seca, por exemplo, eram
cargas inteiras, e cada membro da família “roubava” a sua parte, escondia no mato, e iam
consumindo a sua maneira. Quando eu chegava todos os meus primos me ensinavam os seus
esconderijos.
Domingo era o único dia de descanso, as meninas na idade de namoro recebiam os
pretendentes que viam para uma conversa despretensiosa, tocavam violão ou sanfona e
almoçavam com a família. Não se tocavam e não tinham conversas particulares, se entendiam
com olhares. As crianças vestiam uma roupa nova no domingo e passavam a semana inteira
com ela, subindo em arvores, nadando no rio, rolando na areia, se sujando de toda maneira ate
que no próximo domingo a trocavam por outra deixando que o rio levasse seus trapos usados.
Eu sonhava poder fazer isso com as minhas. Lavar roupa no rio era ate bem mais fácil que
num tanque, mas o sabão de fabricação própria da família era escuro e espumava pouco.
Quando alguém casava ou dia de algum santo faziam bailes. Não serviam bebidas ou
salgados. No meio da madrugada serviam uma janta simples, feijão e arroz com um pedaço de
carne cozida ou uma macarronada com molho de tomate e ovos cortados em rodelas para
enfeitar. Os homens traziam suas cachaças e as escondiam no mato por perto, de quando em
vez davam uma fugidinha para se abastecerem. Achávamos divertido segui-los e fazer
traquinagem com suas cachaças. Bebíamos o resto e mijavamos na garrafa ou só trocávamos
de lugar para desorientá-los.
É nesse emaranhado de lembranças que eu vou tentar reencontrar e encaixar minhas
memórias do garimpo para dar seqüência a historia, uma vez que nesse pequeno espaço à
beira do Jequitinhonha era eu quem estava lá e, portanto, é minha obrigação registrar a
historia.

A HISTORIA DA DESCOBERTA E EXPLORAÇÃO DO DIAMANTE EM DIAMANTINA

Conta a historia oficial que “no ano de 1713, o bandeirante Jerônimo Gouvêa estava seguindo
o curso do Rio Jequitinhonha à procura de ouro até que, no ponto de encontro do rio Pururuca
com o rio Grande, realizou sua descoberta e então começaram as primeiras extrações na
região conhecida como Tejuco. Porém, o surgimento do povoado de Arraial do Tejuco é datado
somente a partir de 1722. Durante anos, o ouro era o principal objetivo de quem chegava
nessas terras, mas o minerador Bernardo da Fonseca Lobo logo encontrou a primeira pedra de
diamante e comunicou o fato ao governo da Província. Com esse novo fato, o rei D. João V
instituiu, em 1729, o monopólio na extração das pedras do povoado e, no ano seguinte, o
arraial passou a ser sede do Distrito Diamantino (isolando o território do restante da Província
de Minas Gerais). Na data de 26 de junho de 1730, chegou ao Distrito o primeiro regimento da
Coroa Portuguesa instaurando a cobrança do quinto, a captação sobre os escravos
empregados e a proibição da extração de ouro. Quatro anos depois, foi criada a Intendência
dos Diamantes com poderes repressivos e altamente fiscalizadores, mas que envolveu muita
corrupção e foi substituída por Portugal pela figura dos contratadores que recebiam o direito de
explorar algumas lavras e tinham alto poder de decisão na região. Dentre esses, os mais
famosos foram Felisberto Caldeira Brant e João Fernandes de Oliveira (conhecido por seu
romance com a ex-escrava Chica da Silva). Após esse modelo, surge a Real Extração (1771)
onde a exploração das pedras é feita diretamente pela Coroa Portuguesa. Somente em 1831 o
arraial é elevado à vila com o nome de Diamantina e à cidade em 1835. Nessa época, as
jazidas de diamante começavam a dar sinais de esgotamento e a cidade passou a investir na
agricultura de subsistência, na indústria têxtil e no comércio. O encerramento oficial desse ciclo
é marcado pela descoberta de diamantes na África do Sul, em 1867” ( disponível no site do
circuito dos diamantes)
No entanto na memória da minha mãe a historia contada tem muito mais graça e mistério. O
fato da descoberta do diamante ter ocorrido por acaso e por um viajante esperto que
encontrou as pedrinhas sendo usadas como tento para marcação de pontos em jogos de azar
nas noites nas casas das famílias do Tejuco, parece muito mais interessante.
E imaginar os diamantes rolando nas enxurradas trazidas pelas chuvas nas ruas de
diamantina deixa qualquer um impressionado.
O fato é que eu ouvi falar, a um tempo atrás, que no bairro Bom Jesus, foi encontrado
diamantes nos escombros de uma casa antiga fazendo partes das areias que compunham os
adobes que outrora formavam as paredes da casa.

“Diamantina faz parte da região do Alto Jequitinhonha, hoje com uma área de 3.869,83 km² é
o maior município da região e atua como divisor de águas nas bacias do rio São Francisco e
Jequitinhonha (Serra do Espinhaço). Segundo o IBGE, a população atual é formada por 44.746
habitantes (2007). Com sua origem ligada à descoberta de diamantes, rendendo para o
município monumentos civis e religiosos até hoje preservados, Diamantina teve, no ano de
1999, seu Centro Histórico reconhecido como Patrimônio Mundial da Humanidade pela
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, e hoje é o polo
principal do Circuito Turístico do Diamante”.(site do circuito dos diamantes)

O professor Lobato em seu trabalho desvenda a árdua luta dos garimpeiros e as mazelas
sofridas por eles em todos esses anos de historia devido a uma “dispendiosa e corrupta
estrutura de controle da mineração de diamante” que caracterizou desde os tempos coloniais
no Arraial do Tijuco, quando os faiscadores ( palavra utilizada em todo pais para designar
trabalhadores do garimpo de pequeno porte ou garimpeiros independentes, brancos, índios ou
negros alforriados) e pequenos mineradores, não tinham direito ao trabalho e eram tratados
como criminosos, permanecendo até os últimos tempos do garimpo em Diamantina.
Com a chegada das grandes companhias inglesas em 1830, depois da liberação do monopólio
da exploração das lavras nos tempos de independência do Brasil, os garimpeiros já não eram
mais criminosos, mas as grandes mineradoras eram donas da terra e dos diamantes e os
garimpeiros continuavam a sua luta. Ou se empregavam nas mineradoras, ou seguiam na sua
solitária sina de faiscadores.
Ainda segundo Lobato a republica só trouxe mais conflitos, como o movimento dos
diamantinenses na virada de 1903 para 1904 contra a tentativa de transferência para Belo
Horizonte da Repartição dos Terrenos Diamantinos encarregada do controle e fiscalização
das atividades de extração de diamante , narrada pelo jornal diamantinense O Itambé :
Durante a manhã do dia 26, a população veio para a rua comentando os fatos, na maior
exaltação contra o governo. Às três horas da tarde, como por encanto, organizou-se, no largo
da Sé, um meeting popular, com música e fogos, para protestar contra a atitude do governo em
relação aos terrenos diamantinos. Em menos de dez minutos, mais de 600 pessoas estavam
reunidas na praça. (...) E a massa popular rolou como uma avalanche, pela rua do Amparo
abaixo, engrossando a cada passo, entre exclamações exaltadas. ‘Morra o governo que nos
quer espoliar da nossa propriedade em proveito próprio!’ – diziam uns. (...) E ainda: ‘Viva a
independência de Diamantina!’ ‘Viva a soberania do povo!’ Ao aproximar-se da Coletoria, a
multidão se compunha de cerca de 2500 pessoas. A Coletoria foi invadida, o coletor dominado.
Todos os livros e papéis do arquivo dos terrenos diamantinos colocados dentro de dois baús,
fechados a chave, lacrados e entregues a uma comissão popular, que ficou como depositária.
O arquivo passou pela multidão, entre aclamações (...). A massa popular saiu a percorrer as
ruas, falando ainda diversos oradores, e dissolveu-se (O Itambé, ano 3, n. 103, p. 1, 1904.
Gaveta 6, maço 32. Biblioteca Antônio Torres. IPHAN-Diamantina).
Lobato complementa que Getulio Vargas em 1934 estabeleceu a separação entre a
propriedade territorial e a mineral, criando a concessão de garimpo através do direito de
pesquisa requerido junto DNPM, responsável pelos processos de autorização, sem limite para
o número dessas solicitações, para uma pessoa ou empresa. No entanto, a área sobre a qual
houvesse autorização de pesquisa ou concessão de lavra tornava-se vedada para garimpo,
faiscação ou cata. Em área sem concessionário de pesquisa ou lavra o garimpeiro teria a
obrigação de entregar o quinto, antigo imposto dos tempos do império ao dono da terra.
Durante o regime militar em 1967, Lobato registra a entrada em vigor do Código de
Mineração, ainda com muitos elementos do código de Minas de 1934, mas em relação aos
garimpeiros trouxe a novidade do registro na Exatoria Federal no local da cata transformando-
os em uma espécie de trabalhador como os trabalhadores rurais.
Mas a sina de faiscador solitário do garimpeiro, originada na vida de criminoso dos tempos da
colônia persistiu também nos tempos do império , na republica , nas ditaduras de Getulio e
militar e permanece hoje pelas exigências de uma consciência ecológica que ele ainda luta
para adquirir, sem compreender bem que riqueza é essa.
Lotato faz uma descrição, segundo textos de autores diamantinenses como Joaquim Felício
dos Santos (1976), Aires da Mata Machado (1985), Helena Morley (1988) e Sóter Ramos Couto
(1954) mostrando os traços da imagem social do garimpeiro.

Ele trabalha sozinho ou com poucos companheiros, considerados irmãos. Seus contratos são de boca,
baseados na confiança e na honra; o “garimpeiro honrado” é aquele cuja conduta observa a palavra empenhada.
Sagaz, o garimpeiro sabe se defender com coragem dos ataques que sofre. Quando vitorioso, volta pacífico para o
trabalho; quando vencido, suporta os sofrimentos e não trai seus companheiros. O garimpeiro tem gosto pela vida livre:
não possui abrigo certo. Ele está acostumado às oscilações da fortuna: hoje rico, amanhã pobre.
O garimpeiro resiste ao contato e à colaboração com o Estado, porque os governos perseguiram os pequenos
mineradores e também porque o garimpeiro pensa como o capitão Isidoro, personagem lendário, que, “perguntado se
tinha extraído diamantes nas lavras impedidas, respondeu que os diamantes eram de Deus, e só dele; e por isso não
cometera crime em extraí-los” (SANTOS, 1976: 320)2.
Mais que negócio, a mineração é um prazer, faina regida por forças sobrenaturais. Assim, o garimpeiro “é só
esperança, vive sempre esperando dar num cascalho rico” (MORLEY, : 49-50).
Teimoso, ele só quer faiscar, entorpecido pela “paixão lúdica da mineração”
(MATA MACHADO, 1985: 33). No convívio social o garimpeiro é cauteloso. Quando o assunto é mineração, cala-se
porque precisa manter em segredo seus achados. O garimpeiro tem aversão a hierarquias, desdenha de saberes
formais e complicados, como o dos geólogos e engenheiros. O que conta é o jogo do rio. Para o garimpeiro, “em
mineração não há certezas: tudo são opiniões variáveis”

Lobato em todo o seu trabalho apresenta um estudo bastante completo e rico da extração do
diamante e da vida do garimpeiro, do antigo Arraial do Tejuco até se tornar Diamantina dos
tempos atuais. E a historia, até então, se dá por contada...
E eu, onde eu entro nessa historia?

RELATO DAS MINHAS MEMÓRIAS DO GARIMPO

“Pra lá de Curralinho, umas 2 horas de caminhada”, era assim que se media a distancia na
minha infância, fica Itaipava, bem no ponto onde o rio Jequitinhonha encontra o Ribeirão do
Inferno.
Lá também ficava a casa do meu “tio Luis”, onde, em tempos sombrios de ditadura,
despreocupados, eu e meus irmãos passávamos os melhores dias das nossas férias,
brincando no rio, chupando manga, comendo jatobá, tomando leite com o angu duro da minha
“tia Sinhá”, péssima anfitriã, que adorava me colocar para fazer o serviço de casa, enquanto
eu gostava mesmo era de ajudar no serviço do garimpo.
As galinhas para o almoço eram caçadas a bala de espingarda. Eu era sempre a primeira a
acertar um tiro. Nunca esquecíamos de, ao “limpar” as galinhas, cuidar para que nenhuma
ficasse sem que se abrisse e garimpasse a sua moela, o órgão do sistema digestivo das
galinhas, onde o alimento é triturado pelas contrações dos músculos. Lá, entre as areias e o
cascalho encontrado, poderia ser possível achar um diamante. Muita gente que eu conheço, e
que mora por aquelas bandas, ainda nos dias de hoje, sempre que matam as suas galinhas
de beira de rio, garimpam nas suas moelas.
À noitinha, a musica de Tonico e Tinoco no radio grande de pilha, sertaneja de raiz que
complementava o som de passarinhos se recolhendo na mata ao redor, harmonizava a
brincadeira de garimpar na garrafa. Meu tio enchia uma garrafa de vidro com cativos, pedras
satélites do diamante, colocava lá dentro um ou dois pequenos diamantes de 10 ou 20 pontos,
como se medem diamantes pequenos, e mandava a gente procurar. Quem achasse, era o
dono. A gente virava a garrafa de um lado pra outro, de cima pra baixo, balançava, sacudia, até
gritava com a garrafa. Eu nunca encontrei nada e nem me lembro de alguém que tivesse
encontrado e nem sei se ele colocava mesmo um diamante lá dentro, tão pão duro ele era. Mas
é uma brincadeira que eu adoro relembrar, pelo sonho de enriquecer, tão comum a todo
garimpeiro, e que pegava também a gente, como uma febre.
A brincadeira no rio não era só de nadar, a gente também pescava lambari com anzol, eu
nunca pegava nada, eles eram sempre mais rápidos que eu, comiam a minhoca e fugiam. E o
que eu mais gostava era a que gente garimpava. Para os meus primos que moravam na
região, que não iam à escola, e não tinham televisão, isso não era brincadeira, era estilo de
vida.
O processo era muito simples, usávamos uma “goiva”, espécie de enxada com um cabo muito
longo, para retirar o material do fundo do rio, naquele mesmo, “rasinho”, onde a gente brincava
de nadar. Passávamos esse material por um peneirão retangular de furos largos onde
separávamos a areia das pedras grandes que devolvíamos para o rio. Depois passávamos
essa areia por três peneiras, cada vez mais finas. Girávamos a peneira para a esquerda e para
a direita de modo a concentrar o material mais pesado no fundo. No final, virávamos a peneira
no chão, de uma vez só, de boca pra baixo, para que o material do fundo ficasse no alto do
montinho de cascalho formado. Eram os “cativos”, limonita, magnetita, monazita, umas
pedrinhas chatinhas, pretas e bem reluzentes, principalmente por estarem molhadas. Ali no
meio delas deveriam estar os tão sonhados diamantes. Debruçávamos sobre elas e com uma
espátula improvisada com arco de barril, fitas metálicas que envolviam os barris de madeira,
remexíamos as pedrinhas de um lado para outro, ansiosos. Não era raro encontramos
diamantes pequenos de pontos e até de grãos. Mais tarde, já adolescente, ia com o meu pai,
passar dias no “garimpo de bomba” que ele tinha nesse mesmo rio, um ou dois quilômetros
abaixo.
Meu pai era tão apaixonado com garimpo que, quando não estava, ele mesmo, tocando
alguma empreitada de garimpo, se envolvia numa relação de “meia praça” com algum
garimpeiro isolado. Essa relação consistia em prover o garimpeiro e a família de uma cesta
básica, enquanto o sujeito se aventurava à procura solitária da tão sonhada pedra pelas beiras
de rio a fora. O fracasso ou o sucesso seria dividido meio a meio entre os dois sonhadores.
O acampamento do garimpo era formado basicamente por três ranchos de “pau a pique”,
construídos com paredes de varetas de madeira amarradas com cipó e preenchidas com barro
e cobertos de capim. Um bem grande, onde se alojavam todos os trabalhadores do garimpo, e
que dormiam em jiraus, camas feitas de varetas de madeira, e com colchões de capim. Dos
outros dois ranchos menores, um era a cozinha e o quarto da cozinheira.
A comida do garimpo que me lembro era sempre deliciosa. No café da manhã, sempre
reforçado, devido ao tipo de trabalho a que se dedicavam, serviam café e ”ensuado”, uma
mistura de fubá com água, refogada na gordura de porco com tempero e pedaços de torresmo,
ou angu doce premiado com pedacinhos de queijo. No almoço e jantar eram servidos, feijão
com arroz e macarrão e abóbora ou batata. Muitas vezes eram servidos vegetais exóticos,
como a palma do inferno, broto de samambaia, quiabo da serra ou salada de manga verde
com sal e pimenta, hoje perfeitamente integradas na gastronomia mineira. A carne era seca
frita ou cozida, ou carne de galinha caipira refogada ou as variadas partes de algum porco
criado por lá. Algumas vezes os homens caçavam, então serviam a carne de caça, como paca,
mocó, tatu ou rato marinheiro. Eles pescavam muito, mas o lambari ou timburé frito era mais
para “tira gosto”, porque na noite, não podiam faltar, musica, “causos” de assombração e
cachaça, antes de dormir.
No outro rancho menor, ficavam o “escritório” e o quarto do meu pai, onde na maioria das
vezes eu me alojava. Mas quando a minha mãe e o meu irmão “mais pequeno” estavam, eu
tinha que dormir no carro, uma velha rural willys verde bandeira, de onde, nas noites frias e
assustadoras, eu via todos os personagens das lendas do nosso sertão, relembradas pelos
trabalhadores do garimpo antes de dormir.
Esse garimpo já era mais sofisticado. Primeiro eles desviavam o curso do rio, construindo
barreiras, “cercos”, formados de troncos, capim gordura ou meloso (Melinis minutiflor) e areia.
Uma engenharia incompreensível, meio difícil de entender para quem só já via pronta, e que só
servia para o tempo da seca, de maio a setembro, mais ou menos. Quando caiam as primeiras
chuvas era um deus-nos-acuda, a água vinha e levava tudo.
Os “bicames”, desvio artificial, construídos de metal ou cimento, eram uma espécie de
corredor, para onde direcionavam a água do rio. Eles ficavam com uma correnteza tão forte,
que me dava medo.
No leito seco do rio, se formava a cata, um buraco cada dia mais fundo, de onde uma bomba,
movida a óleo diesel, retirava o cascalho, formado de areia e pedras, até encontrar a piçarra,
tipo de material que indicava a presença de diamantes.
Nessa época o preço do ouro era tão baixo que ninguém se interessava em apurá-lo,
processo de separação do ouro e da areia. Por ali só ocorria ouro em pó, que escorria junto
com a areia, e apura-lo era brincadeira para criança. Num desses verões com meu pai no
garimpo, apurei o suficiente para encher um vidro de maionese. Mas o ouro além de barato,
ainda ficava com muita areia, devida à minha inexperiência de garimpo, no entanto, chegou a
ser vendido, não me lembro por quanto.
O cascalho, sugado pela bomba, era jogado numa caixa grande de metal, a “caixa da bica”,
onde o material mais pesado ficava retido, ali estariam o ouro e os diamantes maiores. O resto
do material era conduzido junto com a água pela bica, um canal construído de metal, com
alguns obstáculos formando barreiras, “grelhas”, que iam retendo o melhor do material de
acordo com sua espessura, indo por fim ser despejado mais adiante no “rabo da bica”.
Eram formados imensos paióis, também com o material retido pelas grelhas que era carregado
em carumbés, espécie de prato grande de metal, em forma de chapéu chinês, ou “bateias”,
gamelas de madeira ou metal, que depois, seriam “lavados”, como naquele ritual de criança.
Peneira após peneira até virar de boca pra baixo e revirar a “formação”, os cativos, e ali,
encontrar os tão sonhados diamantes.
Nessa época havia muitos diamantes, ainda tenho na lembrança o caso de um diamante que o
meu irmão encontrou, literalmente tropeçando nele, ao passar perto de um paiol de cascalho.
Ele era do tamanho de uma azeitona. Nesse tempo também, o garimpo ainda não era visto
como “degradador” da natureza.
Os diamantes são inconfundíveis, mesmo quem nunca viu, percebe quando ele aparece. É
uma pedra que tem soberania sobre as outras pedras e exerce um fascínio impressionante
sobre as pessoas. A gente reconhece o poder dela, mesmo sem saber, ou pensar no quanto
ela custa.
Guardo na lembrança ate hoje a emoção do momento em que vi diamantes pela primeira vez.
Meu pai colocou sobre a mesa da sala de jantar, duas folhas brancas de caderno e sobre elas,
os diamantes formando dois montes pequenos. Quando vi aquelas pedras, senti que tinha
pegado nas mãos um monte de estrelas, não pelo que brilhavam, mas pela força da sua
natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A historia do garimpo está muito bem fundamentada foi vista e revista sobre vários aspectos
desde a descoberta do diamante em 1723 ate os conflitos da década de 1980 que
desaceleraram da exploração do garimpo em Diamantina. E ainda muitos mais haverão de
escrever, pois a historia é viva e se permite redescobrir, renovar, cada vez que é revista ou
que novos atores resolvam se inserir.
Mas, daquele pequeno pedaço de chão com poucos quilômetros de cascalho, só eu, entre
todos que estavam lá, pareço agora estar disponível para contar a sua história.
Eu não sou historiadora, contei minhas memórias, registro da minha visão dos fatos, e ainda
assim revisados pela nostalgia.
.
REFERENCIAS

A descoberta do diamante, disponível em


http://www.sppert.com.br/Artigos/Brasil/Turismo/Tipos_de_Turismo/Cultural/Circuito_do_Diama
nte/O_Circuito_do_Diamante_em_Diamantina/ acesso em 29/10/2010

Martins,Marcos Lobato. O DISTRITO DIAMANTINO: 1734-1821 disponivel em


http://www.webartigos.com/articles/35586/1/O-DISTRITO-DIAMANTINO-1734-
1821/pagina1.html, acesso em 29/10/2010

Martins, Marcos Lobato. Mineração, identidade garimpeira e meio ambiente: os conflitos em


torno da extração de diamantes no Alto Jequitinhonha, 1989 – 1995, disponível em
http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&source=hp&q=Minera%C3%A7%C3%A3o
%2C+identidade+garimpeira+e+meio+ambiente%3A+os+conflitos+em+torno+da+extra
%C3%A7%C3%A3o+de+diamantes+no+Alto+Jequitinhonha%2C+1989+
%E2%80%93+1995&btnG=Pesquisa+Google&rlz=1W1RNWN_pt-
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ACESSO EM 29/10/2010

Martins, Marcos Lobato. A arte de fabricar motins: os marcos regulatórios damineração


diamantíferaem perspectivahistórica-, disponível em
http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&rlz=1W1RNWN_pt-BR&q=Martins%2C+Marcos+Lobato.
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Martins, Marcos Lobato. A CRISE DO GARIMPO NOS ANOS 80,


A crise dos negócios do diamante e as respostas dos homens de fortuna no Alto Jequitinhonha,
décadas de 1870-1890 Marcos Lobato Martins disponivel em http://www.scielo.br/scielo.php?
pid=S0101-41612008000300007&script=sci_arttext
Acesso em 29/10/2010

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