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GT Ensino de Sociologia
Estágio Supervisionado: espaço privilegiado de formação na licenciatura em Ciências
Sociais
Revalino Antonio de Freitas
Universidade Federal de Goiás
freitas@fchf.ufg.br
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Uma reflexão sobre esses aspectos foge aos objetivos aqui pretendidos. O que interessa,
neste momento, é a análise de outro aspecto que envolve a formação docente e que pode
contribuir em muito para a institucionalização da Sociologia no Ensino Médio, qual seja, o
estágio supervisionado em sua nova configuração e as possibilidades que se descortinam, a
partir de então, da utilização desse espaço para formação dos alunos da licenciatura em
Ciências Sociais.
O estágio curricular adquire, portanto, um outro sentido, tanto para o curso de licenciatura,
quanto para os professores e estudantes. De um modo geral, o estágio curricular sempre foi
tratado como a fase final dos cursos de licenciatura, no qual os futuros professores tomavam
contato com a realidade em que pretendiam exercer a profissão. Esse contato, via de regra,
se estabelecia na sala de aula, sem maiores aproximações com as outras dimensões da
vida escolar. As condições adversas de realização do estágio, motivadas pelo tempo
escasso e o pouco contato com a escola, dentre outros aspectos, faziam desse um
momento de incertezas e inquietudes, quando deveria ser um momento de satisfação
pessoal.
Mas, se nas últimas décadas, a educação no Brasil tem sido tratada pelos cientistas sociais
— em particular, os sociólogos — com certa irrelevância3, a tal ponto que a licenciatura — e,
por extensão, a profissão de professor de ensino fundamental e médio — se tornou uma
atividade considerada de pouca dignidade, própria do “baixo clero” dos cientistas sociais,
também é justo afirmar o seu contrário. Existe na Sociologia brasileira uma tradição que
remonta, de certo modo, a Fernando de Azevedo e que elevou a educação à condição de
interlocutor privilegiado da Sociologia, uma tradição sociológica, que elevou a educação ao
estatuto de direito social fundamental para o progresso da sociedade. Republicana e
humanista, esta tradição teve seu ápice na campanha em defesa do ensino público, quando
da luta em prol da aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, luta esta
que se estendeu ao longo dos anos cinqüenta até o início dos anos sessenta, do século
passado. À frente dessa campanha cívica memorável, a presença singular de Florestan
Fernandes.
Essa tradição sociológica tem muito a dizer àqueles que hoje se encontram à frente da luta
em prol da Sociologia no Ensino Médio. Não se trata de uma luta corporativa, mas de
reafirmar aqueles valores tão caros à construção de uma sociedade democrática, pluralista,
menos desigual e comprometida com uma efetiva consolidação de um Estado social. Nesse
sentido, resgatar o pensamento de sociólogos que pensaram acerca da sociedade
brasileira, tendo a educação como elemento crucial no progresso dessa sociedade, casos
de Florestan Fernandes e Antonio Cândido, são fundamentais para iluminar o debate
contemporâneo.
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A lista é ampla mas, para não prolongar muito, basta mencionar Durkheim, Mannheim, Gramsci, Bourdieu,
dentre outros.
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Essa irrelevância da educação também é encontrada quando se observa o tratamento que a educação tem
recebido da Sociologia enquanto objeto de pesquisa e na pós-graduação. A esse respeito, ver Cunha (1992).
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observando por esse plano, é que merecia ser examinada a inclusão das ciências sociais no
ensino médio. Em outro momento, diante da gravidade do sistema educacional brasileiro,
apontava a necessidade dos cientistas sociais colaborarem com os educadores brasileiros
sem, contudo abdicarem de subordinar suas investigações no campo das ciências sociais
aplicadas aos propósitos e métodos científicos (FERNANDES, 1960).
De igual modo, Antonio Candido observa a importância da educação na vida social e, por
extensão, da sociologia da educação enquanto ciência que possa contribuir com seu
instrumental teórico e metodológico, para a investigação do processo educacional nas
sociedades modernas, evidenciando ainda que, “o conhecimento sociológico da escola
habilita o educador a compreender a sua função e, sobretudo, a orientar convenientemente
os problemas pedagógicos” (CANDIDO, 1973, p. 17).
O estágio curricular, observado por este ângulo, pode adquirir particular sentido para os
licenciandos em Ciências Sociais, permitindo que os mesmos tenham uma inserção no
espaço escolar não somente enquanto professores de uma disciplina recém-implantada na
matriz curricular, mas enquanto profissionais que são, ao mesmo tempo, professores,
educadores e investigadores da realidade social em uma instituição social particular, a
escola. Mas, para que isso ocorra, faz-se necessário que os centros de formação sejam
capazes de estabelecer as condições para que o estágio adquira tal dimensão.
Mais ainda, que possa, enquanto ser humano, exercitar o diálogo como procedimento para
iluminar o debate acerca dos fenômenos sociais, observando que o conhecimento adquirido
no curso de Ciências Sociais exige a alteridade enquanto uma prática legítima nas relações
que estabelece com seus colegas, professores, alunos, funcionários, administração e
demais membros da comunidade escolar.
Tais procedimentos científicos, éticos e profissionais por parte dos estagiários só se tornam
possíveis na medida em que os centros de formação em Ciências Sociais estabeleçam uma
política de formação docente plena, em que os professores se envolvam efetivamente na
formação dos licenciandos, que se rompa com a dicotomia entre disciplinas teóricas e
disciplinas práticas, que a falsa distinção entre bacharelado e licenciatura seja superada em
favor da formação de cientistas sociais capazes de, enquanto profissionais, se inserirem na
sociedade e exercer a profissão com o rigor científico que a formação em Ciências Sociais
exige daqueles que se aventuram pelas suas entranhas. Talvez assim, possa se realizar
aquilo que Florestan Fernandes preconiza para aquele que se considera sociólogo:
“O sociólogo possui vários papéis, como deve ter todo cientista social, e esses papéis
devem ser dinamizados em todos os níveis da vida social, em benefício da liberdade, da
igualdade social e da consciência social, da sociedade e de sua civilização, e da
humanidade” (1977b : 270).
Bibliografia