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ENSAIO

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ETNOENTOMOLOGIA Inseto de aparência curiosa e que inspira medo ainda é pouco conhecido

Fatos reais e lendários sobre


a jequitiranabóia

Eraldo Medeiros Costa Neto


Departamento de Ciências Biológicas,
Universidade Estadual de Feira de Santana (BA)

O inseto popularmente chamado de jequitira-


nabóia provoca curiosidade e medo mesmo nos
que apenas ouviram falar de sua suposta ‘picada
dem Homoptera (a mesma das cigarras) e à família
Fulgoridae. O gênero Fulgora, encontrado do Méxi-
co à Argentina, abrange oito espécies. O nome gené-
mortal’. Na Costa Rica, por exemplo, existe a crença rico provavelmente tem origem na mitologia roma-
de que uma pessoa jovem ‘ferroada’ pelo inseto deve na: Fulgora era a deusa que protegia as residências
ter relações sexuais em menos de 24 horas, ou mor- contra relâmpagos e tempestades terríveis. Embora
rerá. Diz-se ainda que, se a vítima é um homem, notáveis pelo tamanho (algumas espécies chegam a
uma virgem seria o melhor antídoto. De modo se- 9,5 cm de comprimento) e por formas bizarras, co-
melhante, a expressão “picado por la machaca” é res brilhantes e secreções de cera, pouco se sabe
aplicada, na Colômbia, a quem exibe grande apetite sobre a ecologia das espécies que habitam as flores-
sexual. Já no Brasil, o inseto é considerado portador tas tropicais – exceto no caso dos fulgorídeos de im-
de um veneno mortal, que resseca as árvores das portância econômica, como Phrictus diadema (pra-
quais se alimenta e fulmina homens e animais. No ga do cacau no Brasil) e Pyrops candelaria (praga da
Ceará, o nome do inseto é visto como um sinônimo manga na Ásia).
de indivíduo terrível, e dado àqueles que perderam
sua boa reputação. As características do inseto
Por sua importância lendária, a jequitiranabóia Embora seja de difícil observação na natureza, o in-
está presente nas artes plásticas e na música de vá- seto tem importância cultural significativa, devido
rios países. Quando a Sociedade Bra- às crenças e lendas associadas a ele.
sileira de Entomologia (SBE) fez 50 No Brasil, apresenta vários nomes
anos, em 1987, a Empresa Brasileira populares, além de jequitiranabóia:
de Correios e Telégrafos lançou dois jaquitiranabóia, jiquitiranabóia,
selos comemorativos, um deles ilus- jitiranabóia, jaquiranabóia, jaquiti-
trado com a espécie Fulgora servillei rana, jequitirana, tiranabóia, tiram-
(hoje, F. laternaria), símbolo da enti- bóia, gitirana, jitirana, cobra-de-asa,
dade. Igualmente, a Sociedade Colom- cobra-do-ar, cobra-voadora, cobra-do-
biana de Entomologia tem no perió- eucalipto, cobra-cigarra, serpente-vo-
dico humorístico La Machaca um de adora, gafanhoto-cobra, cigarra-doi-
seus órgãos de difusão. Na música fol- da, cigarra-cobra e jacaré-namboya.
clórica do Equador e da Colômbia, o A palavra jequitiranabóia tem origem
ritmo rápido conhecido como cumbia no tupi-guarani e significa cigarra pa-
reflete as emoções supostamente cau- recida com cobra (yeki = cigarra; rana
sadas pela ferroada do inseto. Em al- = parecido; mboya = cobra).
FOTO DE E. M. COSTA NETO

guns lugares do Peru, o inseto ainda é A jequitiranabóia Essa abundância de nomes para as
(Fulgora laternaria)
considerado atração turística e tem assusta a população espécies de Fulgora parece resultar
valor como souvenir. amazônica, devido ao de sua aparência – em especial o for-
A jequitiranabóia pertence à or- seu estranho aspecto mato do apêndice cefálico (a ‘cabe-

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ça’). Pesquisadores diferentes já
comentaram que esse apêndi-
ce é bastante parecido com a
cabeça de um jacaré, con-
tendo até falsas reproduções
de olhos protuberantes e de
dentes afiados. Também há se-
melhanças com a cabeça de co-
bras, como uma mancha que lem-
bra as escamas labiais e caroços
das serpentes da família Boidae (ji-
bóia, por exemplo) e um ponto ne-
gro, entre os falsos olhos e a narina, pareci-
do com a fosseta loreal (órgão sensor que perce-
be diferenças de temperatura) das jararacas (gênero Durante o vôo, podem ser vistas as manchas ocelares
Bothrops). (semelhantes a olhos) em suas asas posteriores
O curioso formato da ‘cabeça’ das espécies de
Fulgora resulta do crescimento extraordinário de
certas regiões de sua superfície, que ‘incham’ como
uma bexiga e formam a protuberância que lhes dá a parte do corpo do inseto, ajudando a escondê-lo de
aparência de uma cabeça de réptil. Acredita-se que predadores. Na Colômbia, tal secreção é tida como
o apêndice frontal atue como uma defesa contra ini- altamente afrodisíaca. A inalação do pó branco que
migos naturais (aves, lagartos e pequenos mamífe- reveste o corpo do inseto já foi tida como capaz de
ros), mas não há estudos que confirmem essa vanta- provocar vômitos, mas não há pesquisas que com-
gem protetora. provem o fato.
Associado à cabeça está o ‘ferrão’, tido como o
órgão com que o inseto injeta sua ‘peçonha mortal’. Ecologia e comportamento
Na verdade, trata-se do estilete sugador, situado na Jequitiranabóias nutrem-se exclusivamente de ve-
linha média do corpo, entre as articulações das per- getais, sugando sua seiva com o aparelho bucal (‘fer-
nas, e que se projeta para fora apenas quando o inse- rão’ ou ‘bico’), introduzido através do revestimento
to se alimenta. Índios e caboclos da Amazônia di- dos caules. Os danos que a ‘picada’ causa ao vegetal
zem que, logo após a cabeça, o inseto tem um ‘espi- são insignificantes, e nunca o levam à morte. No
nho’ venenoso capaz de causar uma ferida se ele entanto, algumas espécies de insetos sugadores de
voar direto para o peito de um homem. Como eles seiva podem eventualmente transmitir vírus ou bac-
costumam considerar a jequitiranabóia uma ‘cobra’, térias capazes de prejudicar ou até matar a planta
transferem a esse inseto, por analogia, o mesmo pa- hospedeira.
vor que têm do réptil. As árvores hospedeiras das espécies de Fulgora
Outro aspecto salientado nas lendas é a ‘ausência são, em geral, aquelas que produzem e concentram
de olhos’ na jequitiranabóia. Um dos motivos do pâ- resinas (gêneros Hymenaea, Myroxylon, Vochysia) e
nico causado pela presença do inseto nas imedia- óleos (Lecythis e talvez Eucalyptus), ou contêm subs-
ções de uma casa deve-se a essa suposta cegueira. tâncias amargas em sua seiva (Simaba, Zanthoxylum,
Na verdade, ele tem olhos compostos, locali- Simarouba), possivelmente gerando compostos se-
zados na base da cabeça. A presença, nas asas poste- cundários. Sabe-se que na seiva do marupá ou paraíba
riores de F. laternaria (mais curtas e largas que as (Simarouba amara) há uma substância, a simarolida,
anteriores), de manchas arredondadas semelhan- que provavelmente é responsável pela grande atra-
tes a olhos é outra característica curiosa. As man- ção do inseto pela árvore. No final do século 19, na
chas, segundo alguns pesquisadores, lembram o as- costa sul da Bahia, a jequitiranabóia era chamada
pecto da borboleta-coruja (gênero Caligo), que tam- de ‘bicho-do-pau-parahy’ba’ justamente por freqüen-
bém exibe em suas asas manchas ocelares seme- tar essa árvore.
lhantes a olhos de coruja. Os ‘olhos falsos’ parecem A preferência por certas espécies de árvores foi
servir como alarme ou ter função de aviso para ini- constatada em estudo realizado durante cinco anos
migos naturais. no Parque Nacional Santa Rosa, na Costa Rica, e tem
Os fulgorídeos também produzem e secretam uma uma explicação científica: em geral, esses insetos
cera que se solidifica em contato com o ar, formando estão intimamente associados às plantas hospedei-
filamentos brancos parecidos com flocos de amian- ras, que lhes fornecem alimento, abrigo e proteção
to. Às vezes, essa cera é tão abundante que cobre contra predadores. Segundo estudos publicados, os

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espécimes de Fulgora descansam durante o dia nos pulantes de um barco. Por toda a Amazônia, quando
troncos das árvores mencionadas, em posição verti- um macaco subitamente caía morto das copas das
cal e com a cabeça formando um ângulo com o cor- árvores, sem causa aparente, dizia-se que tinha sido
po. Esse comportamento imita o dos lagartos da fa- picado pelo inseto. Seu aparecimento inusitado em
mília Iguanidae. Tais lagartos comedores de insetos aglomerados humanos costuma ser associado a chu-
talvez sejam os predadores mais próximos da vas torrenciais e à sua atração pela luz artificial (qua-
jequitiranabóia, o que explica o fato de o inseto pro- se sempre é visto pousado em postes da rede de luz
curar parecer-se com eles. elétrica, à noite).
A bioluminescência (produção orgânica de luz) Aparentemente, o mal atribuído ao inseto não é
em espécies do gênero Fulgora – descrita pela pri- de todo uma simples crença. É possível que a
meira vez em 1681 pelo botânico inglês Nehemiah jequitiranabóia de fato ferroe quando manuseada
Grew (1641-1712) e registrada em 1705 pela ilus- inadvertidamente. E circunstâncias acidentais po-
tradora e naturalista alemã Maria S. Merian (1647- dem tornar o inseto tóxico. Às vezes, ele se alimenta
1717) no livro Metamorphosis insectorum su- de açacuzeiros e outros vegetais que produzem com-
rinamensis – foi motivo de muita controvérsia entre postos tóxicos ou nocivos, tornando-se depositário
os pesquisadores. Erroneamente, Grew atribuiu a de substâncias fatais. Sabe-se que alguns insetos
espécies de Fulgora a luz gerada por besouros do coletam e utilizam substâncias tóxicas (terpenóides,
gênero Pyrophorus. De fato, já foi observada por exemplo) como defesas. Felizmente, a literatura
luminescência em Fulgora, mas esta se deve ao científica não registra qualquer caso de óbito
surgimento eventual, em geral fatal, de decorrente do ataque de jequitiranabóia.
bactérias patogênicas na superfície do Se o inseto é inofensivo, por que
abdome e da cabeça dos fulgorídeos, existe a tradição aterradora? Segu-
ou na porção anterior de seu intes- A literatura ramente, a semelhança com cobras
tino, alojada no apêndice cefálico. científica não registra é uma explicação possível, mas a
Na Amazônia, os caboclos di- origem desse temor pode também
zem que o inseto produz um som qualquer caso de óbito ser encontrada nos mitos e len-
prolongado, semelhante ao apito decorrente do ataque das indígenas. Certos grupos
de um trem, mas esse ruído é na amazônicos vêem os insetos (ou
verdade produzido pela cigarra de jequitiranabóia ao menos alguns) como a manifes-
Quesada gigas. tação palpável de princípios dano-
O conhecimento sobre o comporta- sos, atribuídos à atividade de feiticei-
mento reprodutivo dos espécimes de ros mal intencionados. Os xamãs de
Fulgora ainda é escasso. Sabe-se que ambos muitas tribos amazônicas, talvez devido à
os sexos têm a mesma cor, desenho e tamanho. As- morfologia diferente da jequitiranabóia, consideram
sim, a não ser pelos caracteres genitais, não têm qual- o inseto magicamente poderoso e o carregam em
quer diferença aparente entre si. A literatura regis- seus sacos de amuletos.
tra dados referentes à cópula e postura dos ovos, que
acontecem na planta hospedeira. Os ovos são postos Conservação da jequitiranabóia
em massa na superfície do tronco, colados com um Levando em conta o estado de conservação das flo-
fluido cimentante e cobertos com cera. O ciclo de restas primárias no Brasil, é provável que algumas
vida é hemimetabólico – nesse processo as formas espécies de Fulgora venham a figurar em listas de
jovens, chamadas ninfas, são parecidas com a forma animais ameaçados de extinção. Na Venezuela,
adulta, mas com asas atrofiadas, e há uma passagem F. laternaria já está nessa lista. A entomóloga Lois
direta de uma forma à outra, inexistindo a fase de O’Brien, do Centro de Controle Biológico, na Flórida
pupa, como em outros insetos. (Estados Unidos), acredita que apenas a manuten-
ção das florestas remanescentes protegerá esses
A origem da tradição aterradora insetos.
Os comportamentos socialmente construídos em Estratégias eficazes de conservação precisam de
relação à jequitiranabóia a colocam como um orga- uma abordagem regional, que inclua a participação
nismo que, na opinião leiga, deve ser temido e eli- das comunidades humanas residentes. Assim, o co-
minado sempre que encontrado. Há vários relatos nhecimento entomológico tradicional ajudaria os
de encontros dramáticos e trágicos. O entomólogo pesquisadores a melhor investigar o papel ecológico
inglês Henry Bates (1825-1892), por exemplo, que dos insetos e também a compreender as culturas
por 11 anos coletou insetos ao longo do rio Amazo- nativas, e influenciaria os responsáveis pela tomada
nas, registrou que uma jequitiranabóia surgiu de re- de decisões a aplicar práticas de manejo e conserva-
pente da floresta e atacou e matou oito dos nove tri- ção culturalmente mais viáveis. ■

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