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PROMOÇÃO E 
PROTEÇÃO DOS 
DIREITOS 
HUMANOS DE 
GERAÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(versão revisada / copia eletrônica) 
junho.07 

1
Wanderlino Nogueira Neto 
 
 
 
 
 
 

INSTRUMENTOS E MECANISMOS DE 
PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA 
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ENQUANTO 
DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

2007 
 
 
 

2
 
 
 
ÍNDICE 
 
1. INTRODUÇÃO

2. NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES GERACIONAIS


A - ESSENCIALIDADE E IDENTIDADE
B - O JOGO DA HEGEMONIA E DA CONTRA-HEGEMONIA
C - MARGINALIZADOS E CREDORES DE DIREITO, NO JOGO HEGEMÔNICO E CONTRA-HEGEMÔNICO

3. UM NOVO PARADIGMA: A ÓTICA DOS DIREITOS HUMANOS


A - PRELIMINAR DISCURSO CRÍTICO SOBRE O DIREITO.
B - OS DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO
PROMOÇÃO E PROTEÇÃO GLOBAL DOS DIREITOS HUMANOS E PROMOÇÃO E PROTEÇÃO ESPECIAL DOS
DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO

4. INSTRUMENTOS NORMATIVOS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES, ENQUANTO DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO.
A - INSTRUMENTOS NORMATIVOS INTERNACIONAIS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES, ENQUANTO DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO: A CONVENÇÃO SOBRE OS
DIREITOS DA CRIANÇA.
C - LEGISLAÇÃO NACIONAL DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
ENQUANTO DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

5. MECANISMOS INSTITUCIONAIS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES ENQUANTO DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO
A - MECANISMOS INTERNACIONAIS E INTERAMERICANO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO ESPECIAL DOS
DIREITOS
B - MECANISMOS NACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
C - O SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
D - ESTRATÉGIAS E ESPAÇOS PÚBLICOS INSTITUCIONAIS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS

6. A PROMOÇÃO DA REALIZAÇÃO DO DIREITO – A POLÍTICA DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS


DE GERAÇÃO, EMBLEMATICAMENTE.
A - NATUREZA E CARACTERÍSTICAS
B - OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE PROMOÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:
SERVIÇOS E PROGRAMAS
C – AÇÕES DE PROTEÇÃO ESPECIAL DE DIREITOS
D - AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS
E - SERVIÇOS E PROGRAMAS DAS DEMAIS POLÍTICAS PÚBLICAS

7. O CONTROLE DA REALIZAÇÃO DO DIREITO - OS CONSELHOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE, EMBLEMATICAMENTE.

8. A DEFESA DA REALIZAÇÃO DO DIREITO - OS CONSELHOS TUTELARES, EMBLEMATICAMENTE.

 
 
 
 
 
 

3
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
Um saber engajado – Este estudo parte de uma determinada “visão social de mundo”1, 
isto  é,  de  um  “conjunto  orgânico,  articulado  e  estruturado  de  valores,  representações,  idéias  e 
orientações cognitivas; internamente unificados por uma perspectiva determinada, por um certo ponto 
de  vista  socialmente  condicionado”  (DILTHEY.1996)2.  Uma  visão  social  de  mundo  a  partir  da 
ótica  dos  que  não  têm  poder,  das  minorias  políticas,  daqueles  que  estão  em  processo  de 
emancipação  e  de  fortalecimento  de  sua  identidade  –  crianças  e  adolescentes,  no  caso 
presente.  E,  com  essa  perspectiva,  este  estudo  está  comprometido,  no  seu  embasamento 
teórico: a consciência e o conhecimento estão, histórica e socialmente, condicionados. Assim 
sendo,  o  primeiro  alerta  deve  ser:  aqui,  não  se  parte  de  nenhuma  falaciosa  “neutralidade 
axiológica”,  para  o  enfrentamento  desta  questão  da  proteção  dos  direitos  humanos 
geracionais3, particularmente de crianças e adolescentes. Aqui se estar em busca de um saber 
engajado. Enquanto fenômeno cultural, social, político e jurídico, as relações inter‐geracionais 
(como  também  as  relações  de  classe,  gênero,  raça)  são  históricas  e  não  podem  ser 
compreendidas  senão  na  sua  historicidade  e  através  dessa  historicidade.  Imprescindível  se 
torna,  primeiro,  que  se  desmascarem  as  ideologias  de  classe,  gênero,  raça  e  geração 
(principalmente)  que  permeiam  o  discurso  de  determinados  cientistas  sociais  e  mais 
especificamente  de  alguns  juristas  e  operadores  técnico‐jurídicos.  E,  em  segundo  lugar, 
importa  que  nos  façamos,  a  todos,  comprometidos  com  a  construção  de  uma  utopia 
verdadeiramente revolucionária.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
DILTHEY, Wilhelm. 1962. ”Gesammelte Schriften” – apud LOWY, Michel.2003 (8ª ed). “As aventuras de Karl Marx
contra o Barão de Munchhausen”. São Paulo: Cortez Editora
2
Idem NOTA 1
3
Crianças/adolescentes, jovens, idosos – ver adiante conceito de “Geração” (in “Essencialidade e Identidade”)

4
 
2. NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES GERACIONAIS: 
 
A ‐ ESSÊNCIA E IDENTIDADE 
 
Relações geracionais, em geral ‐ Ao conjunto de valores, atitudes, condutas e formas 
de  relacionamento  que  definem,  na  sociedade,  o  que  significa  ser  adulto  ou  ser 
criança/adolescente4,  a  isso  se  pode  denominar  ʺrelações  geracionaisʺ  ou  ʺrelações  de  geraçãoʺ. 
Essas  relações  interetárias  são,  em  verdade,  um  construto,  uma  construção  cultural,  que  se 
inicia antes mesmo do nascimento, quando os pais criam expectativas para o desempenho de 
papéis e responsabilidades socialmente atribuídos a crianças / adolescentes e adultos jovens 
ou idosos. A identidade geracional é socialmente distribuída, construída e reconstruída nas 
interações  sociais,  especialmente  no  âmbito  da  família,  da  escola,  da  comunidade  vicinal. 
Assim se constrói, a partir dessas relações, uma verdadeira ʺordem ou sistema geracionalʺ, com 
práticas preestabelecidas e um discurso justificador dessas práticas. Ao modo semelhante das 
relações de gênero, quanto aos papéis e responsabilidades do homem e da mulher. Ao modo 
semelhante também das relações raciais e étnicas. A respeito da “alquimia” possível entre as 
categorias de gênero, geração e raça e das suas possibilidades concretas, de maneira precisa 
ensina  CASTRO  5:  “(...)  As  categorias  raça,  gênero  e  geração  têm  em  comum  serem  atributos  com 
significados,  histórias,  políticas,  culturais  e  econômicas,  organizados  por  hierarquias,  privilégios  e 
desigualdades, aparados por símbolos particulares e ‘naturalizados’. A combinação de categorias como 
gênero,  raça  e  geração,  na  classe,  não    é  uma  simples  operação  de  somas  de  discriminações  ou  de 
linguagens  próprias  e  pode  dar  origem  a  sujeitos  políticos  mais  ricos  e  criativos,  além  dos  esquemas 
duais das identidades‐alteridades e este é um desafio “. 
 
Identidade e essência humana ‐ Já que se fala em papéis atribuídos culturalmente, é 
de  se  questionar  preliminarmente  o  seguinte:  é  possível  se  falar  em  ʺidentidade  infantil  ou 
adolescenteʺ...? da mesma forma que se falaria  ʺidentidade femininaʺ ou em “identidade negra”  
ou “homoerótica” etc.? Isto é, a criança e o adolescente podem ser considerados mais que um 
”não‐adultoʺ? a mulher pode ser considerada mais que o ʺsexo‐que‐não‐éʺ (ou seja, aquele ser 
que existe apenas em oposição ao ʺsexo‐que‐éʺ, o homem)? Têm, todos eles e elas, identidades 
pessoais  e  sociais,  dentro  de  uma  “essência  humana”6?  Tem‐se  como  assentado  que  é 
realmente válida a idéia de que é preciso se reconhecer  e  fortalecer o que se convencionou 
denominar ʺidentidadeʺ7. Sem prejuízo da necessidade de se reconhecer que a base ontológica 
ou  epistemológica  da  luta  pelo  reconhecimento  e  fortalecimento  da  identidade  geracional 

4
Isso vale também para os idosos e jovens-adultos (de 18 a 23 ou 29 anos)
5
CASTRO, Mary Garcia. 1992. “Alquimia de categorias sociais na produção dos sujeitos políticos”. Revista Estudos
Femininos”. Vol. 0 .
6
MARCUSE, H. 1936: “The Concept of Essence”. 1937: “Philosophy and the Critical Theory”
7
Apud GOFFMAN, FOUCAULT, BOURDIEU, HALL

5
(como  da  identidade  feminil,  negra  etc.)  é  a  essência  humana,  negada  e  oprimida  pelo 
adultocentrismo hegemônico, mas que se deve tornar fundamento último da luta da criança e 
do  adolescente  por  melhores  condições  de  vida  e  pela  equidade.  Assim,  dentro  desse 
contexto  da  essência  humana,  ter‐se‐á  uma  identidade,  feminil,  negra,  infanto‐adolescente, 
indígena,  homoerótica,  islâmica  etc.    Esse  reconhecimento  da  “identidade”  veio  enriquecer  o 
discurso  e  a  prática  sobre  os  diversos  sistemas  odiosos  de  dominação  política,  econômica, 
social,  cultural  e  jurídica,  que  aí  estão  a  criar  mais  desigualdades  e  iniqüidades  e  se 
manifestarem sob diversas formas de discriminação, exploração e  violência. 
 
Importância da identidade ‐ Mas, cabe a pergunta: ʺ‐Quem necessita da identidadeʺ?  A 
luta  pela  identidade  legítima,  de  maneira  geral,  é  permanente  e  contínua,  mesmo  que  não 
explicitada.  E  a  análise  da  mesma  tem  que  ser  tematizada,  como  pressuposto  de  toda 
discussão sobre quaisquer sujeitos sociais, inclusive crianças e adolescentes (sem descambar 
para  nenhuma  forma  reducionista  de  sociologismo).  A  identidade  é  um  conceito  fundante, 
pois articulador entre os discursos e as práticas que, de um lado, produzem a subjetividade 
que nos constroem como sujeitos sociais e, de outro lado, procuram colocar‐nos no lugar que 
nos  é  atribuído,  enquanto  esses  sujeitos  sociais  (os  que  podem  falar  e  ser‐falados)8  .  As 
identidades são  construídas,  ativadas e re‐construídas, estrategicamente, na interação, pelo 
conflito, no processo de socialização de cada um, no processo de construção do seu projeto 
de  vida.  Elas  dependem  do  reconhecimento  dos  outros  atores  sociais.    Nascem  da 
diferenciação e não da reprodução do seu‐idêntico.  
 
Dimensões  da  identidade  ‐ A marca  da  identidade  é  o  sentido  de  ʺpertençaʺ  a  certas 
categorias  ou  a  aspectos  culturalmente  significantes  da  sua  biografia  pessoal:  o  sentir‐se  e 
assumir‐se negro, mulher, jovem, yanomami, católico,  mahori, baiano, xiita,  cigano, lésbica, 
por  exemplo.  E  partir  daí,  em  cada  encontro  social,  o  indivíduo  atua  segundo  uma  ʺlinhaʺ 
decorrente  do  seu  pertencimento.  E  em  decorrência  dessas  ʺlinhasʺ  de  atuação  esperada,  a 
identidade  cria  uma  ʺfaceʺ  9,  isto  é,  ʺum  valor  social  positivo  que  o  indivíduo  reivindica,  uma 
imagem do sujeito assentada nos atributos aceitos socialmenteʺ  10. Para manter a auto‐estima e seu 
orgulho‐de‐pertença  no  encontro  social,  na  interação,  o  sujeito  precisa  preservar  sua  ʺfaceʺ, 
evitando  ter  que  abdicar  dela  (auto‐respeito).  Mas,  ao  mesmo  tempo,  evitando  ser 
marginalizado, discriminado, violentado, em conseqüência dela (ʺtatoʺ ou consideração pelo 
outro),  num  processo  de  ʺcooperação  ritualʺ  11,  de  orientação  defensiva  de  si  mesmo  ou 
protetora  do  outro.  As  noções  de  honra,  de  dignidade,  de  consideração  se  referem  a  essa 
dimensão da ʺfaceʺ. ʺFaceʺ é afirmação de autenticidade  12. De qualquer maneira, a construção 
8
HALL, Stuart
9
Usado aqui no sentido figurado de "cara", diverso de "rosto/cabeça" (anatomia): "quebrar a cara", "pessoa de duas
faces", "jogar na cara de alguém", "enfrentar cara-a-cara"
10
GOFFMAN, Erving
11
GOFFMAN, Erving
12
ZAGNOLI, Nello

6
de  qualquer  consciência  de  identidade  não  pode  prescindir  do  diálogo  multivocal  com  o 
diverso.  A  “militância  identitária”  13  deve  complementar  a  militância  clássica,  em  favor  da 
desconstrução do modelo de classe e de dominação em geral das classes subalternizadas. ´E 
preciso articular a luta dos diversos sistemas de reprodução das desigualdades, dos sistemas 
de  dominação  hegemônicas,  sem  se  ater  exclusivamente  na  crítica  e  denúncia  às 
desigualdades, iniqüidades, em função das diferenças de gênero, raça e geração. 
  
Identidades  epifânicas  ‐  Os  processos  de  construção  e  explicitação  de  identidades 
determinadas  são  sempre  situacionais  ou  históricos.  Há,  em  cada  momento  histórico, 
identidades  que  são  mais  ou  menos  dominantes  e  conseqüentemente  mais  midiáticas  – 
ʺidentidades epifânicasʺ. Identidades que se manifestam mais fortemente, que se projetam para 
o  mundo  de  maneira  mais  visível.  Por  exemplo,  vivemos,  tempos  atrás,  um  período  mais 
ʺepifânicoʺ  de  relação  à  identidade  feminina,  com  o  auge  do  movimento  feminista,  em  seu 
momento  mais  salutarmente  radical.  Observa‐se,  também,  que  gays,  lésbicas,  bissexuais  e 
transgêneros,  no  momento,  estão  construindo  e  explicitando  aos  poucos,  identidades 
próprias,  com  marca  mais  dominante.    Por  fim,  indubitavelmente,  nas  últimas  décadas,  se 
está  vivendo  um  período  ʺepifânicoʺ,  de  relação  à  identidade  do  ser‐criança,  do  ser‐
adolescente, do ser‐jovem, do ser‐idoso (identidade geracional).  
 
Identidade  geracional,  como  novidade  ‐  Mas,  nunca  é  demais  que  se  faça  lembrado 
que  essa  construção  da  identidade  geracional  é  recente  na  História  –  principalmente  de 
relação  à  infância.  Já  se  tornou  clássico  e  repetido  por  todos,  o  registro  que  faz  ARIÈS14  do 
surgimento  da  palavra  relacionada  à  infância,  na  História,  e  o  aparecimento  das  primeiras 
imagens  de  crianças  em  tamanho  normal,  ainda  não  de  forma  normal,  mas  sim  como 
delicados  anjos.  Registra  ele,  a  esse  respeito,  que  as  crianças  já  aparecem  retratadas  com 
aspectos de ingenuidade, graciosas, brincando e que no século XVII deixam de se vestir como 
adultos  e  já  século  XVIII  são  representadas  no  seu  contexto,  nos  costumes  familiares  com 
roupas que realmente usavam e, por fim, aparecem no centro das imagens e até sozinhas. No 
final do século XVIII, com Rousseau, surge um crescente sentido da necessidade de cuidados 
com  a  infância:  as  crianças  seriam  frágeis  e  débeis  criaturas.  DEMAUSSE15,  por  sua  vez, 
lembra:  ʺos  recém‐nascidos  eram  chamados  de  ʹecremeʹ  e  a  palavra  latina  ʹmerdeʹ  deu  origem  à 
palavra  francesa  ʹmerdeuxʹ,  criança  pequenaʺ.  O  processo  de  construção  do  conceito  de 
identidade geracional traspassa toda a História, no mundo e no Brasil, e desemboca nos dias 
de hoje com a identidade de criança‐cidadã, de adolescente‐cidadão, reafirmando mais ainda, 
política  e  juridicamente,  essa  idéia  de  identidade  específica.  Assim,  é  de  se  reconhecer  que, 
nos tempos de hoje, há uma infância, uma adolescência e uma juventude, como ʺidentidadesʺ, 

13
CASTRO, Mary Garcia. 2003. “Alcance e limites das políticas de identidade” in ”Democracia Viva” – Revista IBASE.
Vol. 19 (nov.dez.) . Rio de Janeiro. RJ
14
ARIÈS, Philippe. 1987
15
DEMAUSE, Lloyde. 1991

7
reconhecíveis,  em  processo  de  construção  e  de  afirmação.  Quaisquer  que  sejam  os  seus 
marcos‐limite, estabelecidos pelo direito, pela biologia, pela sociologia, pela psicologia, esses 
ciclos etários se destacam dos outros ciclos etários, organizam‐se em contra‐culturas, a partir 
de  experiências  geracionais,  passíveis  de  discrição,  explicação  e  projeção.    Todavia,  não  se 
pode  esquecer  que  tais  crianças  e  adolescente  estão  em  lugar  geográfico,  em  uma  classe 
social, em um sistema étnico‐racial, em uma ambiência cultural ideológica de gênero; isto é, 
são de uma geração (um momento no ciclo vital) e estão em uma geração (o Brasil dos anos 
90),  parte  de  uma  sociedade  globalizada  e  tão  paroquial,  e  tão  cheia  de  injustiças.  16      Para 
falar  de  criança  e  adolescente,  no  mundo  e  no  Brasil,  é  necessário  contextualizá‐la:  não  se 
pode  falar  de  uma  única  infância  e  adolescência  e  sim  de  várias.  Nessa  linha,  questiona 
MULLER:  ʺse  nos  perguntássemos  quem  é  a  criança  do  Brasil  hoje,  necessariamente  teríamos  que 
apontar divergências entre elas, em função de diferenças substanciais entre suas realidades de vidaʺ17.  
 
Essência  humana,  substantividade  e  adjetividade  da  identidade  geracional  ‐  Há 
substancialmente  uma  identidade‐criança  ou  identidade‐adolescente,  uma  ʺfaceʺ,  mas  essa 
identidade substantiva mais das vezes é adjetivada, no processo de construção da dominação 
hegemônica  do  mundo  adulto.  E  só  se  consegue  ver  a  criança  e  o  adolescente  enquanto 
ʺmenores,  delinqüentes,  pobre  abandonados,  meninos  e  meninas  em  situação  de  risco,  abusados  e 
explorados  sexualmente,  miseráveis,  protagônicos,  desnutridos,  organizados  politicamente, 
marginalizadas,  exploradas  no  trabalho,  drogadas,  assassinadas,  maltratadas,  deficientes, 
desaparecidas, traficadasʺ. Um processo de adjetivação que recalca e oculta a identidade do ser‐
criança (ou ser‐ adolescente) e sua essência humana, num processo claro de coisificação, que 
justifica um conseqüente processo de triagem/classificação e a apartação/institucionalização – 
des‐humanização..  
 
B ‐ O JOGO DA HEGEMONIA E DA CONTRA‐HEGEMONIA 
 
Adultocentrismo  hegemônico  ‐  Na  maioria  das  sociedades,  as  diferenças  biológicas 
entre  crianças  /  adolescentes  e  adultos  (especificamente  a  sua  identidade  geracional) 
justificam  e  legitimam  desigualdades,  no  que  diz  respeito  ao  poder  atribuído  aos  adultos 
sobre  crianças  /  adolescentes.  Isso  se  reconhecerá  como  uma cultura  popular  e  institucional 
“adultocêntrica”,  onde  se  estabelecem  relações  de  discriminação,  negligência,  exploração  e 
violência,  isto  é,  de  opressão  e  dominação  sobre  crianças  e  adolescentes18,  num  claro  (mas 
raramente  reconhecido)  processo  de  hegemonia  social,  cultural,  econômica  e  jurídica  do 
mundo adulto,  em detrimento do mundo infanto‐adolescente.  
 

16
cfr. CASTRO, Mary e ABRAMOVAY, Miriam. 1998
17
MULLER, Verônica Regina. 2002
18
Mutatis mutandi, sobre os próprios jovens-adultos e os idosos

8
Movimentos  sociais contra‐hegemônicos  ‐ A  tarefa básica  dos movimentos  sociais  e 
de  suas  organizações  representativas,  no  mundo  e  no  Brasil,  tem  sido  a  construção  de  um 
processo  contra‐hegemônico  (social,  cultural,  político,  econômico  e  jurídico),  atuando  nas 
brechas  do  bloco  hegemônico  adultocêntrico.  Abandona‐se,  cada  vez  mais,  aquela  linha 
tradicional, meramente filantrópica caritativa, onde a ação se configurava como uma benesse 
do  mundo  adulto,  apaziguando  consciências  e  legitimando  o  higienismo  dominante  –  uma 
linha  castradoramente  ʺtutelarʺ.  Essa  construção  do  novo  tem  produzido  indiscutivelmente, 
nos últimos anos, experiências referenciais e notáveis alterações no status quo, colocando em 
cheque o bloco hegemônico adultocêntrico, com escândalo para ele, a se ver ameaçado. 
 
Outros dominados em luta ‐ Mas, essa mudança vem se fazendo ainda em nível ainda 
um  tanto  incipiente,  se  compararmos,  por  exemplo,  essa  luta  com  aquela  outra  pelo 
fortalecimento  da  identidade  feminina,  pela  emancipação  radical  da  mulher  e  pela 
construção  de  uma  nova  masculinidade  ‐  a  democratização  das  relações  de  gênero.    Ou  se 
compararmos  com  luta  semelhante  contra  todas  as  formas  odiosas  de  discriminação  e 
violência a que são submetidas a população negra ou indígena, as minorias eróticas19 e outros 
segmentos sociais vulnerabilizados, no Brasil e no resto do mundo. As mulheres, os negros, 
os índios e os homossexuais ‐ eles próprios sofrendo na própria pele a dominação e opressão 
‐  se  organizaram  e  construíram  discurso  e  prática  alternativos  de  radicalidade,  com 
indiscutível  efetividade  e  capacidade  de  alteridade,  em  termos  de  processo  contra‐
hegemônico,  pois  partiram  inicialmente  do  reconhecimento  do  antagonismo  intrínseco  com 
os  blocos  hegemônicos,  machista,  racista  e  homofóbico.  O  fato  das  organizações  sociais 
envolvidas nessas lutas lutarem pela ʺsobrevivência de sua identidadeʺ faz realmente diferença, 
quando  se  coteja  com  o  discurso  e  prática  (mesmo  os  mais  progressistas...)  de  alguns 
movimentos  e  organizações  que  lutam  pela  infância  e  pela  adolescência,  ainda  eivados  de 
certo  paternalismo  sub‐reptício.  Afirma  VOLPI20  que,  ʺse  os  povos  indígenas  e  o  povo  negro 
demonstraram forças organizativas e contestatórias, impondo um luta sem tréguas por sua libertação, 
o  mesmo  não  ocorreu  com  as  crianças  e  os  adolescentes,  pois  a  ação,  dirigida  a  eles,  sempre  esteve 
encoberta  por  um  falso  manto  de  proteçãoʺ  (grifo  meu).  Normalmente,  é  a  partir  de  dentro  do 
próprio  bloco  hegemônico  adultocêntrico  que  a  luta  se  faz,  com  um  discurso  crítico  e  uma 
prática engajada e conscientizadora: compromisso, solidariedade e cuidado. São adultos que 
tentam  fazer  sobrelevar  em  si  mesmo  seus  interesses  e  desejos  de  bloco,  para  se 
comprometerem  com  os  interesses  e  desejos  dos  oprimidos,  com  o  empoderamento  ou 
potencialização  estratégica  21  de  crianças  e  adolescentes,  para  sua  emancipação,  para  se 
tornarem  sujeitos  da  História  –  reconhecendo  e  tolerando22  sua  ʺfaceʺ.    Mais  radicais  e, 

19
Prostituto(a)s, gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, etc.
20
VOLPI, Mário. 2002. Prefácio a "Crianças e Adolescentes – a arte de sobreviver" (MULLER, Verônica e MORELLI,
Ailton José – org.). Maringá: Editora UEM
21
Empowerment
22
Aqui no sentido positivo da expressão

9
portanto mais efetivos seriam os discursos e as práticas contra‐hegemônicas e emancipatórias 
do  segmento  infanto‐adolescente,  se  o  nível  de  consciência  e  organização  de  crianças  e 
adolescentes  chegasse  a  ponto  de  construírem  um  real  ʺprotagonismoʺ  nessa  luta,  inclusive 
buscando  alianças  diretas  com  outros  oprimidos23  ‐  um  fortalecendo  o  outro.  Se  tal 
consciência e papel assumissem as próprias crianças e os adolescentes, eles  forçariam a nós, 
ʺadultos  convertidosʺ,  a  lutarmos  realmente  ʺcom  elesʺ  e  não  apenas  ʺpara  elesʺ,  como  ainda 
prevalece  em  nosso  tempo,  com  raras  exceções.  A  participação  proativa  de  crianças  e 
adolescentes, no mundo familiar, social e político, passariam a se dar a partir deles próprios e 
não como concessão do mundo adulto e como decorrência de políticas, programas e projetos 
artificiais  que,  mais  das  vezes,  promovem  de  fora  para  dentro  essa  proatividade,  esse 
ʺprotagonismoʺ e ao mesmo tempo o emolduram e domesticam. 
 
C. MARGINALIZADOS E CREDORES DE DIREITO, NO JOGO HEGEMÔNICO E 
CONTRA‐HEGEMÔNICO. 
 
Essencialidade, identidade e marginalização ‐ Nessa luta emancipatória da infância e 
adolescência,  tem‐se  que  procurar  alternativas  novas,  através  de  espaços  e  mecanismos 
estratégicos  (políticos,  sociais,  econômicos,  culturais,  religiosos  e  jurídicos)  que  se  tornem 
verdadeiros instrumentos de mediação, nessa luta pelo asseguramento da essência humana e 
da  identidade  geracional,  vencendo  esse  processo  de  des‐humanização,  de  dominação  e 
opressão,  de  desclassificação  social  de  crianças  e  adolescentes,  nesse  jogo  hegemônico  e 
contra‐hegemônico  que  condena  grandes  contingentes  desse  público  infanto‐adolescente  a 
um processo mais específico e doloroso de marginalização.  
 
Que  é  marginalização?  ‐  E.  Park24  inaugurou  o  uso  da  expressão  “marginalidade”  (e 
seus correlatos), articulado com os de ʺanomiaʺ e de  ʺaculturaçãoʺ, desencadeando uma série 
de  estudos,    históricos  e  sociológicos.  Com  o  passar  dos  tempos,  esse  sentido  original  de 
conceito operatório, foi se tornando obsoleto, desusado. Atualmente, conceitos derivados de 
“marginalização” passaram a ser usados, nos discursos ideológicos, epistemológicos e político‐
institucionais,  em  dois  sentidos  aparentemente  antagônicos.  Os  adeptos  da  contracultura 
(“underground”),  no  período  de  68/72,  na  Europa  principalmente,  deram‐lhe  um  sentido 
positivo  e  o  cunharam  como  um  verdadeiro  slogan  ideológico‐político,  bem  longe  das 
preocupações  epistemológicas  que  dominaram  o  surgimento  do  conceito.  “Marginalidade” 
teria  a  ver,  então,  com  Goddard,  Glauber  Rocha,  “Rei  da  Vela”,  Tom  Zé,  Raul  Seixas,  Jane 
Joplin,  Índia,  maconha,  LSD,  hippies,  Woodstock,  amor  livre  e  por  aí  afora...    Em  segundo 
lugar,  seu  reemprego  voltaria  também  no  discurso  administrativo  oficial  e  na  linguagem 
corporativa dos profissionais do serviço social e da psicologia social, para designar mais das 

23
Especialmente, os movimentos feministas
24
“The marginal man”

10
vezes os pobres, os hipo‐suficientes e também as diferentes categorias da população sob risco 
de  exclusão  social.    “Marginalidade”  teria  a  ver  assim  com  os  chamados  oprimidos  e 
excluídos,  com  as  classes  populares  ditas  assim,  marginalizadas.    Para  os  primeiros,  a 
marginalização  seria  resultado  de  uma  opção  de  vida,  em  oposição  ao  “Sistema”,  ao 
establishment:  um  estado  a  ser  buscado  e  alcançado,  na  fruição.  Para  os  outros,  ela  seria 
afligida a uma classe dominada por outra classe dominante, sofrida por alguém determinado 
e por sua categoria ou grupo social: um processo a ser combatido. 
 
Marginalização e normatização ‐ De qualquer forma, um ponto se tem como comum e 
assente:  a  marginalização  leva  sempre  a  um  distanciamento  de  relação  às  normas  sociais  e 
morais  25.  Seria,  ao  mesmo  tempo,  uma  condenação  a  esse  afastamento  e  uma  busca  desse 
distanciar‐se.  Um  distanciamento  que  implica  em  alguém  (ou  um  grupo)  se  colocar  como 
desviante e conflitante, de relação à norma dominante, hegemônica. Uma forma, portanto de 
contra‐hegemonização...?  Isso se dá quando as normas nada ou pouco têm a ver com o seu 
destinatário, não refletem seus valores, suas necessidades, desejos e interesses – quando não 
reconhecem e fortalecem sua identidade (de classe, de gênero, de raça, de geração). Quando 
as normatizações morais, sociais e jurídicas são puramente hegemônicas e heterônimas, isto 
é, dadas por outro, a parte e acima, isto é, como forma de dominação globalizante. Distancia‐
se do que não se reconhece como seu e como válido para si.  O conceito de marginalização 
não  remete  a  posições  objetivas  que  os  atores  sociais  ocupam  nas  relações  sociais.  Assim, 
nenhuma criança ou adolescente é propriamente um marginal, nasceu marginal, está fadado 
a ser marginal e acabará marginal. Esse conceito remete  aos processos de “desclassificação” e 
de “reclassificação” dos  indivíduos e grupos, a se movimentarem na estrutura social. 
 
Cidadãos  em  crise,  quanto  à  sua  essencialidade  e  identidade  ‐  Crianças  e 
adolescentes,  assim  marginalizados,  não  são  apenas  “excluídos”,  “oprimidos”,  “vitimados”.  
Estão  dentro  do  universo  global  das  “crianças  e  dos  adolescentes  em  crise”.  São  como  parcela 
desse  grande  grupo  que  tem  certo  plus  acrescido  à  sua  peculiar  condição  de  vida,  de 
desenvolvimento:  pelo  fato  de  estarem  em  circunstância  de  crise,  alguns  determinados  são 
apartados  em  processo  outro  de  marginalização.    Essa  marginalização,  decorrente  de  uma 
condição  conjuntural  e  particular  da  sua  essência  humana  (“crisis”26)  remete  às  diversas 
modalidades  de  relacionamento  dos  ditos  ʺmarginalizadosʺ  com  a  ordem  social  e  muito 
particularmente  com  os  sistemas  de  regulação  social.    A  depender  da  sua  resposta,  em  sua 
relação com a família, a justiça, a polícia, os conselhos tutelares, as igrejas, a escola, os órgãos 
de  atendimento  assistencial  etc.etc.,  eles  ganham  rótulos  no  processo  de  triagem  próprio 
desses  sistemas  de  regulação  social.  Ela  remete  igualmente  às  também  às  modalidades  de 
relacionamentos que esses atores mantêm com as prescrições normativas que a ordem social 

25
Lagree e Lew-Fai in “Pairs et reperes. Contribution a l’étude des processus de marginalisation de jeunes” / Vaucresson - Paris
26
No sentido gramsciano: “quando o que é novo ainda não nasceu e o que é velho não quer morrer”.

11
gera e veicula como as regras morais, a etiqueta, a lei.  Esses relacionamentos de composição 
e/ou  de  confrontação  com  os  espaços  públicos  de  regulação  social  e  com  as  normas  têm, 
como  uma  das  suas  bases,  a  busca  constante  e  insaciada  de  reconhecimento  social,  da 
identidade, da sua ʺfaceʺ; já que dialeticamente a marginalização também é opção de vida e 
não só processo social externo ao marginalizado. Reconhecimento social esse, que passa pela 
questão da auto‐estima: alta ou baixa. Um olhar‐se no espelho sem sustos... ou com absoluto 
pânico ! 
 
Marginalização  e  relacionamentos  sociais  ‐  Conseqüentemente,  a  marginalização 
gera  relacionamentos  que  resultam  em  afirmação  e  rejeição  da  parte  desses  atores, 
simultaneamente. Como num procedimento que se poderia caricaturar, no dizer do menino: ‐ 
“Já que seu mundo não me aceita, eu crio um mundo aparte que me aceita, onde sou o bom...!”. E que 
se completaria com a resposta da ordem social: ‐ “Já que você nega meu mundo, eu o destruo... 
marginal!” A marginalidade, em  conseqüência disso tudo, gera rotulação, estigmatização. O 
dar nomes é uma forma de dominação e de apropriação do outro: pivete, veado, cafuçu, cunhã, 
negrinha,  nordestino  pau‐de‐arara,  putinha,  piranha,  vagabundo,  ladrão,  maconheiro,  marginal  ...  A 
marginalidade  é  imposta  pela  estrutura  social,  pelo  sistema  sócio‐político‐econômico.  E  ao 
mesmo  tempo,  reconhecida  e  trabalhada  pelo  marginalizado,  que  se  assume  como  tal  e 
responde como tal, distanciando‐se, cada vez mais. 
 
A  lógica  da  reação  social  ‐  Sob  esse  prisma  específico,  aqui  utilizado,  a  análise  da 
marginalidade  reenvia  a  esse  tema  largamente  explorado  da  “reação  social”,  inicialmente 
informal‐difusa  da  sociedade  e  comunidade,  depois  formal‐institucional  do  aparato  estatal. 
Reação  social  que  além  do  mais,  numa  linha  de  radicalização,  pode  se  tornar  inclusive 
“desviante  e  marginal”,  arbitrária  e  violenta:  os  arrastões,  as  institucionalizações  ilegais,  os 
procedimentos  abusivos,  as  torturas,  os  banimentos,  o  extermínio...  Reação  pela  qual,  os 
comportamentos,  que  se  distanciam  das  normas  prevalecentes  nos  seus  ambientes,  são 
reprovados, rotulados‐estigmatizados, condenados à vindita social, quando não expurgados.  
Por isso, quando se enfrenta a questão da relação entre marginalidade e reação social, urge se 
considerar a lógica e a prática dos atores envolvidos. A perspectiva do marginalizado em face 
da  norma  e  do  sistema  de  regulação  social  dos  quais  se  distancia  e  em  face  inclusive  dessa 
reação  social  decorrente  de  tal  distanciamento.  E  igualmente  a  ótica  dos  aparelhos  de 
repressão,  dentro  dos  sistemas  de  regulação  social,  em  face  da  marginalização  e  do 
marginalizado.    Isto  é,  importa  em  se  considerar  o  itinerário  socio‐biográfico  do 
marginalizado.  A  maneira  pelas  quais  avaliam  sua  capacidade  de  operacionalizar  suas 
normas pessoais de referência e/ou as normas do seu meio próximo circundante, a maneira 
pela  qual  ele  representa  os  diferentes  sistemas  de  interação  aos  quais  ele  é  confrontado,  as 
modalidades  pelas  quais  participa  disso  que,  acima  de  tudo,  a  criança  e  o  adolescente 
marginalizado  e  operadores  do  sistema  de  regulação  social  encaram  como  um  jogo,  sem 
empates.  

12
 
Exemplificando com uma situação ‐ Quando se enfrenta questões, por exemplo, como 
a  dos  “garotos  michês”  e  das  “garotas  de  programa”  na  exploração  sexual‐comercial  e  a  dos 
“aviõezinhos”  no  narcotráfico  ‐  importa  levar‐se  em  conta  a  lógica  peculiar  deles,  as  suas 
especiais necessidades sexuais e financeiras, a normatização socionômica dos seus guetos e o 
papel  desclassificante  /  reclassificante,  normatizador  e  sancionador/protetor  de  seus  pais  e 
parentes,  de  policiais,  de  juizes  e  promotores,  de  seus  advogados,  de  professores,  dos 
namorados  e  companheiros,  do  cafetão,  do  pai‐de‐rua,  do  bicheiro,  do  traficante  etc.    Esse 
público infanto‐adolescente deve ser chamado a “superar” essa condição de vida considerada 
marginal. E não apenas moralisticamente a “negá‐la”. Um menino ou uma menina que vivia 
da prostituição, mesmo deixando essa forma de expressão sexual e profissão, não poderão ter 
uma  vida  sexual  igual  a  de  um  outro  adolescente  de  sua mesma idade,  mas  que  não  viveu 
essa  situação  de  marginalização,  de  exacerbação  dos  seus  desejos  e  necessidades:  terão  a 
partir  de  agora  novas  exigências  sexuais  e  financeiras  que  precisam  ser  consideradas.  Nem 
tão  pouco  a  eles  se  poderá  oferecer  algum  tipo  de  posto  de  trabalho  rotineiro,  repetitivo, 
desprazeiroso,  que  lhe  renda  tostões  e  sem  perspectivas  de  crescimento,  de  trazer‐lhe 
reconhecimento social acima do padrão médio pequeno‐burguês.   
 
Exemplificando com outra situação ‐ Outros apelos devem ser feitos aos operadores 
dos sistemas de regulação social, em linha semelhante, mutatis mutandi, quando se tratar, por 
exemplo,  da  erradicação  do  trabalho  infantil,  da  situação  de  rua,  da  delinqüência  –  por 
exemplo.  Para que se entenda a mecânica da marginalização e se possa superá‐la de alguma 
forma, um outro ponto é primordial: as dinâmicas locais (familiares, vicinais, comunitárias, 
grupais p.ex.). Elas devem ser consideradas como um elemento constitutivo das práticas das 
crianças  e  dos  adolescentes.  Assim  sendo  essas  dinâmicas  locais  participam  também  do 
processo de marginalização, quando afetam esse segmento social, inclusive produzindo um 
discurso  ideológico  justificador  ou  repressor  das  práticas  infanto‐adolescentes, 
especificamente  das  práticas  da  marginalidade.  Essas  dinâmicas  locais  devem  também  ser 
consideradas e valorizadas em todo e qualquer processo de integração social de tais crianças 
e adolescentes e no desenvolvimento de todo e qualquer programa público de atendimento, 
como se verá adiante.  
 
A  rede  de  relações  entre  pares  ‐  Os  meninos  e  meninas  dos  meios  populares  se 
interessam por sua coletividade próxima (favela, cortiço, invasão, escola, rua e praça, clubes 
etc.)  e  têm  valia  para  ela.  Isto  é,  conhecem  os  princípios  sob  os  quais  essa  coletividade 
repousa.  E  são  susceptíveis  de  levar  em  conta,  na  elaboração  de  suas  estratégias  de 
sobrevivência, as prescrições que ela impõe, na medida em que eles participam de uma “rede 
de  relações  entre  pares”,  que  são  estáveis,  localizadas,  dimensionáveis,  concretas,  efetivas.  Os 
meninos  e  meninas  das  classes  ascendentes  igualmente  acabam  se  guetificando  e 
supervalorizando sua “ilha da fantasia” (condomínios fechados, clubes, academias, shoppings 

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etc.),  elaborando  estratégias  de  sobrevivência  em  outro  sentido,  temerosos  com  o  vasto 
oceano de miséria; participando também de uma rede tal, própria e fechada, responsável por 
outras  formas  de  prescrições,  também.  Estabelecem,  todos,  em  geral,  estratégias  de 
confrontação  e/ou  cooperação.  Ou  para  evitar  sua  exclusão,  apartação  e  eliminação  (os 
primeiros)  ou  para  evitar  a  perda  do  seu  status  quo  e  sua  possível  eliminação  também  (os 
últimos)  Ambos, estabelecem estratégias, no fundo,  para negociar sua ascensão crescente e 
construção  de  uma  contra‐hegemonia    social,  na  medida  do  possível...  e  do  aparentemente 
impossível. A exacerbação desses processos de conformação/confrontação com as dinâmicas 
locais e de integração a sua “rede de relações entre pares” pode criar mecanismos fortalecedores 
do processo de marginalização da criança e do adolescente e mesmo de “repressão‐desviante” 
(arbítrio e violência institucional) da ordem social e dos sistemas de regulação social, contra 
eles.   Mas, ao mesmo tempo, ela pode ser uma das saídas num processo de neutralização da 
marginalização. Por exemplo, uma forma de exacerbação, radicalização desse processo citado 
seria  o  agrupamento  informal:  gangues,  galeras,  turmas,  bandos  etc.  Esses  grupos  de 
pertença (principalmente de adolescentes pre‐adultos, de 16/18 anos e de jovens adultos, de 
18/23  anos)  precisam  ser  analisados  a  partir  dessa  ótica.    Aí  reside  o  supra‐sumo  dos 
mecanismos  da  marginalização,  no  sentido  aqui  defendido  especificamente.  Esses 
agrupamentos informais são produtores de normas alternativas (de um direito alternativo?!), 
geradas  socionomicamente  (na  rede  de  relações  entre  pares),  com  nível  de  efetividade  e 
coercitividade  imediata  maior  que  a  normativa  geral  estatal  e  com  potencialidade  de 
atendimento mais real das necessidades e interesses daqueles adolescentes, a partir das suas 
dinâmicas locais e obviamente da sua própria “rede de relações entre pares”.  
 
Saídas  possíveis  num  processo  de  marginalização  ‐    Na  interatividade  entre 
indivíduo  e  agrupamento  se  encontra  a  possibilidade  de  sobreviver  e  resistir,  na 
marginalidade. A galera e a turma criam um novo “espelho”, onde esse adolescente pode se 
olhar agora sem susto, elevando sua baixa auto‐estima. O “mundo‐lá‐fora”, os “outros” e suas 
“regras” passam a ser “careta”, isto é, incômodos, obsoletos e perigosos. Um mundo velho a 
impedir  o  surgimento  do  novo,  do  “radical”...  e  a  solução  estará  na  busca  do  ʺiradoʺ.  Os 
funckeiros  da  Favela  Tal,  a  turma  da  Rua  Qual,  aquela  Galera  de  Rock‐Garagem,  aquele 
Grupo  de  Grafiteiros,  os  meninos‐de‐rua  liderados  por  Beltrano,  os  drogadictos  ligados  a 
Fulano,  determinados  michês,  travestis  e  assemelhados  etc.etc.,  passam  todos  a  se  sentir 
fortes  e  reconhecidos  socialmente  exclusivamente  em  seus  redutos,  em  seus  agrupamentos, 
que lhes reforçam a auto‐estima construída nessa “rede de relações entre pares”. Mas, a reforçar 
também o sentido de marginalidade. E, a partir desse sentido de pertença ao agrupamento e 
desse auto‐reconhecimento social no seio do grupo marginalizado/marginalizante, se produz 
uma  cultura  própria  a  ser  considerada.  Uma  arte  peculiar,  por  exemplo,  que  se  torna 
instrumento operacional da superação da crise vivida pelo adolescente. Mas um instrumento 
operacionalizador  também  desse  distanciamento  da  norma  e  de  contestação  ao  sistema  de 
regulação social. E igualmente de integração mais radical e permanente do adolescente a sua 

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galera,  gang  etc.  Assim  sendo,  por  essa  “cultura  marginal”  passam  também  os  processos  de 
neutralização da marginalidade e de ascensão social e de reconhecimento social da sociedade 
como  um  todo,  inclusive  do  próprio  Sistema,  antes  negado  e  do  qual  se  desviou  o 
adolescente  e  sua  galera.  Essa  transformação  passa,  por  exemplo,  pelo  grafite,    hip‐hop,  
funk,    rap,    pagode,  história‐em‐quadrinhos,  banda‐garagem.  E  pela  moda.    Em  conclusão: 
“Não  há  caminho  melhor  no  processo  pedagógico  para  produzir  essa  ’transformação’  do  que  a 
introdução dos conceitos e das práticas de arte, cultura, beleza – minha prática no âmbito da educação e 
da arte leva‐me a afirmar que a convivência com a estética é um direito fundamental da criança e do 
jovem, qualquer seja sua situação existencial” (LA ROCCA) 27
 
Alternativas  castradoras  ‐  Quando  se  trata  de  enfrentar  a  problemática  da 
marginalização  da  infância  e  da  adolescência  (a  lhes  fazer  abortada  a  cidadania),  até  o 
momento, uma dúvida em princípio vem à mente, diante do quadro geral da efetivação da 
normativa legal e da operacionalização das políticas e das ações públicas, no Brasil:  
9 As  crianças  e  os  adolescentes,  quando  marginalizados,  estarão  condenados, 
sem alternativas, à ʺtríplice danação da solidão, do gueto ou da fogueiraʺ (GENET) ?  
9 Qualquer solução terá que vir numa linha soterista, messiânica, a partir de fora 
e de cima – como uma outorga, uma salvação, uma redenção, marcada pelo sinete do perdão 
abastardador  e  alienador?    Terá  que  vir  numa  linha  puramente  assistencialista  e  tutelar, 
desconsiderando a condição de cidadania dessa criança e desse adolescente? 
9 Ou só seria possível uma resposta repressora, violenta e arbitrária do Estado e 
da  sociedade  ‐  como  ideológica  justificativa  da  repressão  à  violência  de  crianças  e 
adolescentes  desviante‐marginalizados?  Devem  eles  se  tornar  também  objeto  de  incidência 
do  discurso  e  da  prática  daquele  chamado  “desvio  institucional”,  imputável  aos  próprios 
organismos  oficiais  de  regulação  social  (arrastões,  constrangimentos  ilegais,  torturas, 
extermínios etc.) ? 
 
Alternativas possíveis e emancipatórias ‐ Há que existir alternativa. Assim, além do 
atendimento público tradicional pelas políticas sociais (educação, saúde, cultura, habitação e 
especialmente  da  assistência  social),  a  marginalização  da  infância  e  adolescência  é  uma 
questão  de  direitos  humanos.  Reconheça‐se,  preliminarmente,  que  se  devem  tratar  todas  as 
crianças  e  todos  os  adolescentes,  por  sua  identidade  geracional  (em  situações  de 
crise/marginalização  ou  não),  como  pessoas  em  desenvolvimento.  Mas,  ao  mesmo  tempo, 
eles  que  são  sujeitos de  direito  e,  portanto,  cidadãos  com  direitos  e  deveres.  Isto  é,  criança‐
cidadão  e  adolescente‐cidadão  que  precisam  de  pessoas  e  grupos,  responsáveis  pela 
promoção  e  defesa  dos  seus  direitos  à  participação,  à  proteção,  ao  desenvolvimento  e  à 
sobrevivência.  Mas,  eles  próprios  também  responsáveis  por  seus  atos,  por  sua  vida.  Não  é 
27
LA ROCCA ,Césare de Florio . 1998: “Reflexões sobre Liberdade, Direitos e Deveres Humanos” in “Políticas Públicas e
Estratégias de Atendimento Socioeducativo a Adolescentes em Conflito com a Lei” – Brasília: Ed. Ministério da Justiça /
UNESCO

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preciso  que  a  proteção  dessa  pessoa  em  desenvolvimento  (em  crise),  enquanto  sujeito  de 
direito  se  torne  exercício  de  um  poder  arbitrário  da  sua  família,  da  sua  comunidade,  da 
sociedade em geral ou do Estado. Não se protege uma pessoa como se protege um pequeno 
animal  feroz  e  perigoso,  esquecendo‐se  que  ele,  de  qualquer  maneira,  é  um  ser  que  já  tem 
todos  os  direitos  de  um  cidadão  e  como  tal  deve  ser  tratado;  revertendo‐se  o  processo  de 
abortamento  da  sua  cidadania.  Apesar  de  ser  uma  pessoa  com  seu  desenvolvimento  ético‐
psiquico‐fisico prejudicado pela situação de crise social e com seu reconhecimento e inserção, 
social, truncados. Eles não precisam de proteção intrinsecamente, mas sim em determinadas 
circunstâncias, situações, condições, momentos: as necessárias limitações ao exercício de seus 
direitos devem ser entendidas como estratégias para garantir a plenitude desses direitos. Isto 
é, limita‐se a autonomia deles para assegurar a plenitude da sua cidadania e não para torná‐
los menos‐cidadão, cidadãos de segunda classe. 
 
Falso  antagonismo:  repressão  e  autonomismo  ‐  Tem‐se  registrado  a  ocorrência  de 
duas  posições  antagônicas  diante  dessa  questão  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente, 
mais  particularmente  dos  marginalizados.  Uns  acentuam  a  necessidade  da  proteção,  quase 
que  anulando  a  autonomia  deles,  vendo‐os  como  “vulneráveis”  em  si  (não,  socialmente 
vulnerabilizados), sem responsabilidade alguma por seus atos – necessitando de verdadeira 
tutela da família, da sociedade e do Estado e de respostas repressivas e/ou assistencialistas. 
Para  esses  a  institucionalização  ainda  é  o  melhor  caminho:  o  lugar  dessas  crianças  e 
adolescentes marginalizados (michês, travestis, grafiteiros, drogadictos, funkeiros, meninos‐
de‐rua  etc.)  é  no  “ninho‐gaiola”.    Para  eles,  as  “redes  de  relações  entre  pares”  desses 
marginalizados  e  a  sua  dinâmica  local  devem  ser  desconsideradas  e  olhadas  sob  suspeita. 
Não  sabem  como  trabalhar  com  os  agrupamentos  informais  (galeras,  gangs  etc.)  ou  então 
pretendem  domesticá‐los.  Quando  não  por  essa  linha,  outros  por  sua  vez  colocam 
exageradamente  a  tônica  da  sua  reflexão  e  da  sua  ação  na  autonomia  da  criança  e  do 
adolescente marginalizado e repudiam como “castradoras” as formas de proteção. E acabam 
anulando  todo  e  qualquer  resquício  da  responsabilidade/poder  parental  e  da 
responsabilidade do Estado e da sociedade pela sobrevivência, pelo desenvolvimento e pela 
proteção  da  criança  e  do  adolescente.  Também  reforçam  todos  os  aspectos  negativos 
daquelas  “redes”  e  da  dinâmica  local,  visto  como  totalmente  salutares  positivos.  Acaba‐se 
lutando pelo pretenso “direito” das crianças e dos adolescentes marginalizados, de tudo fazer, 
no local, na hora e na medida em que quiserem. E se tornam verdadeiros “cúmplices”, tudo 
acobertando,  tudo  aceitando,  em  nome  da  autonomia,  da  liberdade  e  da  dignidade  desse 
segmento.  Para  esses,  por  exemplo,  o  direito  de  ir‐e‐vir  implicaria  no  exercício  ilimitado 
desse  direito  por  uma  criança  de  7  anos,  por  exemplo.  Os  adolescentes  infratores,  por  sua 
vez, apenas “desviantes”, “inadaptados sociais”, por outra justificativa também irresponsáveis, 
susceptíveis apenas de “encaminhamentos do serviço social”, de “psicoterapias”, de “análises”, de 
profissionalização etc., sem qualquer medida jurídico‐judicial de caráter sancionador (“sanção 
de  reciprocidade”  –  PIAGET).  Segunda  essa  corrente  mais  descolada  da  realidade,  toda  e 

16
qualquer  forma  de  contenção,  de  limitação  seria  absurdo,  quando  se  tratar  de  adolescentes 
infratores.  Dentro  desse  quadro  de  deformações  do  discurso  ideológico,  epistemológico  e 
político‐institucional e das suas práticas decorrentes – emblematicamente,  alguns juizes têm 
aplicado a medida socioeducativa de internação (sanção) a adolescentes não especificamente 
pela  prática  de  uma  determinada  infração,  que  se  confunde  com  o  crime  ou  contravenção 
praticada por adultos. Mas por sua condição de marginalidade (não, conflito real com a lei) 
de  relação  à  ordem  social  local.  Assim,  sentenciam  esses  adolescentes  por  serem  “useiros  e 
vezeiros  na  prática  de  atos  anti‐sociais”,  por  viverem  “em  conflito  com  sua  família  e/ou  com  a 
comunidade  local”,  por  “não  se  encontrarem  aptos  para  voltarem  à  sociedade,  apesar  de  já  terem 
cumprido a medida socioeducativa imposta” e “para garantir a proteção dele e da comunidade pelo fato 
de ser soropositivo” (sic). Isso, mesmo na vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente! Da 
mesma visão compartilham, pelo Brasil afora, inúmeros conselheiros tutelares, com práticas 
tuteladoras  no  mal  sentido,  institucionalizadoras,  vendo  o  abrigo  como  a  única  medida 
especial protetiva adequada em situações de marginalidade. Constada uma situação de risco, 
qualquer que seja ela, determinam o encaminhamento  a abrigos... e quando nessa criança e 
adolescente  sentem  o  cheiro  da  marginalidade    procuram  institucionalizações  em  abrigos 
especiais  que  já  começam  a  existir  ...  “com  total  contenção”.  O  marginalizado  é  visto  como 
aquele que tem uma tendência nata a se rebelar contra as medidas educativas, assistenciais, 
protetivas  e  se  o  conselho  tutelar  (quando  não  o  juiz)  reconhece  uma  verdadeira 
impossibilidade  de  atendimento  eficaz  e  eficiente,  fora  dessa  linha 
“disciplinadora/sancionadora”. As medidas em meio aberto não conseguem convencer, porque 
nelas  não  se  investe,  em  nenhum  sentido.    Outras  vezes,  mutatis  mutandi,  encontramos 
trabalhadores  sociais  de  serviços  e  programas  governamentais  e  não  governamentais 
operacionalizando  no  seu  atendimento  técnico  sua  concepção  ideológica  “autonomista 
libertária”,  numa  deformação  do  princípio  teológico  mal  assumido:  “Onde  há  amor,  não  há 
pecado”. Ou mesmo juizes, promotores, policiais e defensores que seguem a linha do “laissez 
faire,  laissez  passer”  de  relação  aos  atos  em  concreto  praticados  por  crianças  e  adolescentes 
marginalizados:  não  se  instaura  procedimento  apuratório  de  ato  infracional  atribuído  a 
adolescente, não se faz apreensão em flagrante deles quando for o caso, fecham‐se os olhos a 
situações  de  abandono,  de  exploração  e  discriminação...  Finge‐se  uma  liberalidade  falsa  de 
relação ao que é marginal ou assume‐se uma sensação de incapacidade e de impossibilidade 
diante de tudo isso. 
 
O  princípio  da  reciprocidade  ‐  Ainda  há  muito  caminho  pela  frente  para  que  se 
desconstrua  todos  esses  discursos  ideológicos  (a  partir  de  sua  própria  lacunosidade)  que 
mascara o nosso discurso epistemológico e político‐institucional. E muito mais caminho  para 
que construa uma prática de atendimento público eficaz e eficiente, que respeite os direitos 
das crianças e dos adolescentes marginalizados, vendo‐os como cidadãos. A marginalização é 
uma  situação  peculiar,  com  dinâmicas  e  estruturações  próprias,  que  precisam  ser 
consideradas em nosso discurso e prática. Tendo‐se a marginalização simultaneamente como 

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proposta  da  estrutura  social  (marginalizadora)  e  como  resposta  do  ator  (marginalizado)  e 
focando‐se a marginalização também duplamente no distanciamento da norma heterônima, 
inefetiva  /  ilegítima  e  na  composição/contraposição  aos  sistemas  de  regulação  social  ‐  aí, 
nesses  pontos,  se  deve  ir  buscar  a  solução;  a  possibilidade  de  neutralização  do  processo 
estrutural  marginalizador,  com  o  devido  e  necessário  respeito  ao  ator‐marginalizado.  Em 
primeiro  lugar,  importante  se  torna  trazer  para  o  lidar  com  essas  crianças  e  esses 
adolescentes  nessa  situação  o  sentido  de  reciprocidade.  Uma  sociedade  e  um  estado, 
respeitadores das normas e a elas sujeitos, incitam todos os atores sociais (especialmente os 
marginalizados,  por  sua  própria  natureza),  reciprocamente,  ao  respeito  à  norma.  Uma 
sociedade  e  um  estado,  mantenedores  de  sistemas  de  regulação  sociais  (família,  polícia, 
justiça,  escola  etc.)  atidos  a  procedimentos  legais,  induzem  todos  os  atores  sociais 
(especialmente  os  marginalizados,  por  sua  própria  natureza),  reciprocamente,  ao  respeito  a 
eles  próprios.    Em  resumo:  “O  respeito  ao  direito  do  outro  é  o  alimento  natural  de  uma  eventual 
generalização de expectativas que leva à construção de um estado de direito. (...) Numa sociedade em 
que  se  permite  grandes  hierarquias  e  desequilíbrios  entre  os  cidadãos,  dificilmente  se  alcançará  a 
reciprocidade  e,  conseqüentemente,  também  será  difícil  que  o  direito  sirva  como  instrumento  de 
organização e pacificação social” (VILHENA.1998)28.  
 
As  ações  afirmativas  como  forma  de  contra‐hegemonia  ‐  A  criança  e  adolescente 
marginalizados, em si, já carregam uma carga de negatividade muito forte, que lhe impõe a 
ordem social e que acabam assumindo. Importante se torna, então, a focalização estratégica 
positiva no direito à convivência familiar e comunitária e nas possibilidades práticas de sua 
exigibilidade, do que  se acentuar tanto o abandono, a situação de sobrevivência na rua, por 
exemplo.  Isso  vale,  em  outro  exemplo,  de  relação  à  marginalização  pela  orientação  sexual 
(prostituição,  travestismos  etc.):  “a  discussão  centrada  no  abuso  sexual  não  implica  no 
questionamento  dos  padrões,  normas  e  tradições  da  sexualidade  vigentes  na  sociedade  brasileira; 
discutir a sexualidade (de crianças e adolescentes abusados) é discutir a cultura e o padrão civilizatório 
vigente  (...);  nesse  sentido  trata‐se  de  colocar  na  agenda  nacional  e  profissional  o  direito  de  todos  à 
sexualidade  responsável  e  protegida”  (FALEIROS29).  Com  essa  postura  positiva,  abandonamos 
também a descrença que nasce do “modelo do dano” (tanto dos atores marginalizados, quanto 
dos agentes públicos que com eles lidam), em favor da promoção da “resiliência”, enquanto 
potencial humano de passar por experiências adversas sucessivas, sem comprometimento da 
capacidade de superar esses percalços, de fazer bem as coisas e resgatar a própria dignidade. 
Promover a resiliência da criança e do adolescente marginalizado significa fazer com que ele 
consiga  construir  seu  sentido  de  vida  e  das  coisas,  seu  lugar  no  mundo,  no  presente  e, 
28
“O Princípio da Reciprocidade” in “Políticas Públicas e Estratégias de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente em Conflito com a Lei” – Ministério da Justiça / UNESCO. 
29
FALEIROS, Vicente org./ 1998) - “Relatório da Oficina de Trabalho do Centro de Referência, Estudos e Ações
sobre a Criança e o Adolescente de Brasília” in “Políticas Públicas e Estratégias contra a Exploração Sexual-
comercial e o Abuso Sexual Intra-familiar de Crianças e Adolescentes” – Brasília.: Ed. Ministério da Justiça /
CECRIA . 

18
principalmente no futuro.  Como diz Cenise Vicente: “A resiliência  é um fenômeno psicológico 
construído e não tarefa do sujeito sozinho; as pessoas resilientes contaram com a presença de figuras 
significativas,  estabeleceram  vínculos,  seja  de  apoio,  seja  de  admiração;  tais  experiências  de  apego, 
permitiram o desenvolvimento da auto‐estima e autoconfiança” (VICENTE 30)  
 
A  proatividade  em  construção,  como  empoderamento  ‐  Esse  fortalecimento  do  ator 
marginalizado forçosamente nos levará ao ponto mais importante nesse processo de extensão 
da  cidadania  da  criança  e  do  adolescente  marginalizados:  a  promoção  da  sua  participação 
proativa  na  vida  social  em  geral  e  particularmente  no  planejamento  e  no  desenvolvimento 
das  estratégias  de  sua  integração  social,  fortalecendo  neles  um  sentido  de  empowerment, 
enquanto  potencialização  do  seu  protagonismo  social.  As  crianças  e  os  adolescentes 
marginalizados  não  podem  ser  “massa  de  manobra”,  manipulados  por  seus  próprios 
marginalizadores.  Não  podem  ser  chamados  a  participar  apenas  reativamente,  como  forma 
de  legitimação  dessas  estratégias  e  desses  serviços  e  programas,  de  determinadas  políticas 
em  seu  favor.  Em  resumo:  “A  quantidade  e  qualidade  das  oportunidades  de  participação  na 
resolução das situações reais influenciam os níveis de autonomia e de autodeterminação que eles serão 
capazes de alcançar também na vida pessoal, familiar, profissional, cívica, social (...) passa a ter diante 
de si uma oportunidade de ‘mobilizar’ em favor de uma causa, em favor de uma vida melhor, em níveis 
profundos, como uma opção de natureza pessoal, que lhe é fonte de prazer, de gratificação, de sentido de 
auto‐realização”. (“Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei – Reflexões para uma Prática 
Qualificada” in Caderno n.01 / DCA‐SNDH‐MJ  / org. Wanderlino Nogueira Neto / 1998). 
 
Discriminações  positivas  ‐  Por  fim,  constate‐se  mais:  as  situações  de  negligência, 
exploração, violência, opressão e particularmente de discriminação, a que estão submetidos, 
de  maneira  exarcebada,  as  crianças  e  os  adolescentes  marginalizados,  a  partir  de  uma 
situação  ou  de  desvantagem  social  (em  função  da  raça,  etnia,  gênero,  sexo,  morbidade, 
pobreza  extrema  etc.),  ou  de  vulnerabilidade  (exploração  sexual,  abandono,  exploração  no 
trabalho etc.) ou de conflito com a lei (infração), justificam o quanto suficiente “discriminações 
positivas”  em  favor  deles,  com  ações  afirmativas  que  compensem  esse  quadro  maligno 
desencadeador ou potencializador da marginalização.  
 
Contra‐hegemonização  política  e  jurídica  ‐  Neste  estudo,  interessa  aprofundar  a 
discussão  especificamente  sobre  a  contra‐hegemonização  política  e  jurídica  em  favor  dos 
segmentos geracionais submetidos a esse processo de dominação, em nossa conjuntura, mais 
particularmente crianças e adolescentes. É imprescindível que se creia que o Direito tem um 
poder  transformador  maior  do  que  tradicionalmente  se  atribui  a  ele,  em  nosso  meio,  ainda 

30
VICENTE, Cenise. “Promoção  da  Resiliência”  in  “Políticas  Públicas    e  Estratégias  de  Atendimento 
Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” – cit.).

19
muito  marcado  por  um  ʺsubstancialismo  jurídico”  31,  algumas  vezes  nascido  de  uma  leitura 
estreita  e  ultrapassada  da  teoria  marxista.  É  imprescindível,  igualmente,  que  uma  nova 
prática  política  seja  pensada  e  desenvolvida,  a  partir  da  perspectiva  dos  interesses  desses 
segmentos  sociais  dominados,  implementando  ações  afirmativa  em  seu  favor  e 
operacionalizando uma rede de cuidados básicos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

31
GARCIA MENDES, Emilio - "Infância, lei e democracia: uma questão de justiça"  

20
 
2. UM NOVO PARADIGMA:  
A ÓTICA DOS DIREITOS HUMANOS 
 
A ‐ PRELIMINAR DISCURSO CRÍTICO SOBRE O DIREITO 
 
O Direito – De ordinário, se é tentado imaginar que o Direito é um campo apartado da 
realidade  social:  um  dado  preexistente.  Na  verdade,  ele  também  não  é  um  ʺdadoʺ,  mas  um 
ʺconstruídoʺ,  uma  invenção  humana,  em  constante  e  dinâmica  construção  e  reconstrução 
(ARENDT)  32.  Mais  das  vezes,  a  ascensão  dos  direitos  é  fruto  de  lutas.  ʺOs  direitos  são 
conquistados  às  vezes  com  barricadas,  em  um  processo  histórico  cheio  de  vicissitudes,  por  meio  dos 
quisl  as  necessidades  e  as  aspirações  se  articulam  em  reivindicações  e  estandartes  de  luta  antes    de 
serem  reconhecidos  como  direitosʺ  (SACHS)33  Realmente,  não  existe  um  Direito  previamente 
dado  ao  homem,  cuja  tarefa  de  identificação  e  aplicação  seria  do  operador  do  direito,  que 
teria  como  seu  único  compromisso  a  busca    desse  ʺDireito  Puroʺ.  Não  se  pode  dizer 
maniqueistamente, que o Direito é um mero instrumento de controle social, um instrumento 
manipulado  por  juristas  e  operadores  especializados34,  detentores  de  um  saber  hermético  e 
de  uma  prática  inquestionável.  E,  em  função  disso,  esses  chamados  operadores  do  direito 
passariam a ser demandado apenas como ʺintelectuais autônomos”35 – de fora e de cima, sem 
organicidade – para estabelecerem o que se pode fazer e o que não se pode fazer, a partir de 
dogmas  e  de  sanções  de  inviabilização  das  reflexões  e  práticas  dos  demais  operadores 
sociais36.  Dessa  maneira,  há  o  risco  de  se  fazer  da  atividade  desse  chamado  operador  do 
direito algo cada vez mais desgastador das possibilidades de um saber a‐disciplinar e de uma 
atividade  multiprofissional  e  intersetorial.  Uma  função  puramente  aleatória, 
disfuncionalizada,  arbitrária,  marcada  pelo  elitismo,  corporativismo  e  formalismo‐
cartorialista. O Direito não é um ʺlimite sagradoʺ para as discussões sobre a realidade social e 
para  o  encaminhamento  de  intervenções  sociais  e  políticas.  A  tentação  é  de  se  considerar 
equivocadamente a dimensão jurídica de uma questão social como ʺmolduraʺ e não realmente 
como ʺelemento constitutivo da paisagemʺ.  O Direito é sempre o resultado do ʺagir comunicativo 
dos  homens”  ‐  um  ʺfazer  comunicativo  setorial  no  fazer  global  comunicativoʺ.  O  Direito  não 
pertence ao ʺmundo do serʺ (da matéria e da concreção, onde operam o labor e o trabalho) e 
sim  ao  ʺmundo  do  dever  serʺ  (dos  valores,  da  ética,  da  construção  do  homem,  onde  opera  a 
ʺaçãoʺ  e  dentro  dela,  a  ʺcomunicaçãoʺ).  Em  verdade,  o  Direito  é  algo  que  ao  homem  cumpre 
produzir,  pela  necessidade  de  ordenar  aquilo  que  por  si  mesmo  não  se  ordenaria  com 
efetividade e eficácia suficiente – a convivência social. 
32
ARENDT, Hannah. 1979. "As origens do totalitarismo". trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro
33
SACHS, Ignacy. 1998. "Direitos Humanos, Desenvolvimento e Cidadania".
34
Juizes, promotores públicos, delegados de polícia, defensores públicos, advogados etc.
35
GRAMSCI, Antonio – op.cit.
36
O operador do direito é um dos muitos operadores sociais.

21
 
Sentido  do  Direito  ‐  O  Direito  só  é  indispensável  pela  necessidade  de  se  encontrar 
uma solução impositiva para os conflitos individuais e sociais.  Se assim é, essencial para a 
compreensão  do  jurídico  se  torna  o  conhecimento  daquilo  que  leva  os  homens  ao  conflito. 
Grosso modo, poder‐se‐ia identificar como razões do conflito a ser dirimido pelo Direito: 
9 os nossos desejos e necessidades humanas; 
9 os nossos interesses de classes e  
9 a incapacidade individual e social de satisfazê‐los plenamente,37  
Essa última razão do conflito se manifesta (*) quer pela inelimitável  interdependência 
entre os homens, (*) quer pela escassez de bens apropriáveis ou produzíveis em quantidades 
e  condições  que  se  fazem  necessárias,  (*)  quer  pela  prevalência  exploratória  de  interesses 
hegemônicos de classes ou grupos. Esse último ponto  justifica que se tente fazer da contra‐
hegemonização jurídica, isto é, do recurso ao Direito, um instrumento válido naquela citada 
luta  emancipatória  da  infância  e  adolescência  –  o  conflito  a  ser  dirimido  entre  o  mundo 
adulto e o mundo infantil e adolescente. 
 
Direito  e  Poder  –  Mas,  é  impossível  se  negar  a  correlação  do  poder  jurídico  com  o 
poder  político  e  econômico,  a  funcionar  como  condicionante  dessa  instrumentalização  do 
Direito,  a  serviço  da  emancipação  e  extensão  da  cidadania  de  crianças  e  adolescentes.  A 
realidade vincula necessariamente o poder jurídico ao poder político. E essa simbiose precisa 
ser explicitada e aprofundada: o Direito é um discurso do poder. Jurisdicionaliza‐se a decisão 
política  e  assim  se  institucionaliza  um  sistema  jurídico.    Todo  o  Direito  é  socialmente 
construído,  historicamente  formulado,  atendendo  ao  que  é  contingente  e  conjuntural  do 
tempo  e  do  espaço  em  que  o  poder  político  atua  e  à  correlação  de  forças  efetivamente 
contrapostas na sociedade em que ele – poder político – se institucionalizou. Para se entender 
o  Direito  não  basta  conhecer  e  interpretar  a  norma  jurídica,  em  si.  É  preciso  se  conhecer  e 
entender  minimamente  esse  jogo  político  e  econômico  e  os  seus  discursos  justificadores.  É 
preciso  ir  mais  fundo:  aos  paradigmas  fontais.  38  O  poder  político‐econômico  que  cria  o 
Direito o faz necessariamente privilegiando um ou alguns segmentos sociais em detrimento 
de  outros.  Mas,  o  faz  também  na  justa  medida  que  o  equilíbrio  de  forças  socialmente 
contrapostas possibilita. O Poder pode... Mas nem tanto pode.  A institucionalização de uma 
ordem jurídica justa (nacional ou internacional) não é tarefa de juristas, mas sim de políticos. 
Ou  melhor,  é  tarefa  nascida  do  confronto  das  forças  sociais  contrapostas,  na  procura  da 
satisfação  dos  seus  interesses  e  na  real  moldura  das  expectativas  institucionalizadas:  o 
jurídico  coabita  inevitavelmente  com  o  político,  o  econômico  e  o  ético.  39    O  sistema  de 
37
CALMON DE PASSOS, J.J. – op.cit.
38
Daí o fracasso de tantas "capacitações" (?) de agentes públicos, operadores do chamado "sistema de garantia dos direitos
de crianças e adolescentes" (conselheiros tutelares, conselheiros dos direitos, educadores, agentes de saúde, trabalhadores
sociais, policiais, magistrados etc.): um "conhecer" superficial e formalista do Estatuto da Criança e do Adolescente,
meramente alienador e não conscientizador.
39
CALMON DE PASSOS, J.J.

22
dominação  ‐  que,  em  última  análise,  todo  ordenamento  econômico,  político  e,  portanto 
jurídico institui ‐ só se faz operacional se alcançar um ʺmínimo de adesão dos dominadosʺ. Esta 
adesão  é  construída  à  base  de  uma  fundamentação  legitimadora  do  poder,  o  que  se  dá  de 
modo  indireto,  via  ideologia.  40    O  Direito  e  o  Poder  (político‐ideológico,  econômico  e 
cultural) estão intimamente relacionados. Não há como fugir disso.  CALMON DE PASSOS 
ensina  a  esse  respeito:  “O  Direito  é  a  técnica  pela  qual  se  dá  a  integração  entre  esses  três  poderes 
(político,  econômico  e  ideológico),  de  modo  a  se  lograr  segurança  e  operacionalidade  à  ordem  social 
impositivamente  implementável  (...)  Apenas  é  possível,  ao  Direito,  emprestar  alguma  segurança  e 
previsibilidade  à  convivência  social,  mediante  a  decisão  de  conflitos,  por  um  processo  previamente 
institucionalizado, dentro de expectativas compartilhadas pelo grupo social, com o que contribui para 
consolidar e operacionalizar um sistema de produção e uma organização política que o precedem e lhe 
ditam a fisionomia e o destino (...)”41.   Autores como ARNOLD e RADBRUCH42 consideram o 
direito  como  um  elemento  de  primeira  importância  na  conformação  cultural  de  uma 
sociedade. Enquanto HELLER43, avançando ainda mais nesse sentido, entendia que o “direito 
é  a  forma  mais  avançada  de  domínio”.  No  que  concorda  GARCIA  MENDES:  “se  este  último 
(autor)  está  certo  em  termos  gerais,  isto  é,  para  as  formações  sociais  do  capitalismo  central,  tanto 
passadas como contemporâneas, o é com muito mais intensidade no contexto do capitalismo periférico; 
neste  caso,  ficou  mais  que  demonstrada  a  importância  e  sobre‐determinação  da  esfera  política,  esfera 
política  que  está  composta  por  dois  níveis  claramente  diferenciáveis,  ainda  que  nem  sempre 
diferenciados, o estritamente político (o Estado) e o estritamente jurídico (o direito)”.44
 
Mitos  a  serem  desfeitos  quanto  ao  Direito  ‐  Assim  um  mito  basilar  precisa  ser 
desfeito:  
9 “A normalização jurídica escapa de qualquer contaminação político-econômica-
ideológica, existindo, pois, ‘Direito Puro’, ordem jurídica neutra. Em sendo assim, a norma jurídica
se basta, em si”.
E, em conseqüência disso, outros mitos decorrentes precisam mais ser descontruídos, 
para possibilitar o enfrentamento dos conflitos sociais: 
9 “A normalização jurídica é o saber único ou prevalecente e reducionista de um
determinado fenômeno social”;
9 “A normalização jurídica é a solução única ou prevalecente e desarticulada para uma
determinada questão social”.
Todos  esses  mitos  impossibilitam  ou  dificultam  o  enfrentamento  efetivo  de 
determinadas  questões  sociais,  que  nascem  desses  conflitos  de  interesses  econômicos, 
políticos e ideológicos. 
 

40
Entendendo-se aqui ideologia como representação da realidade que justifica o sistema de poder
41
in “Direito, Poder, Justiça e Processo”. 1999
42
ARNOLD, Willhelm & RADBRUCH, Gustav
43
apud GARCIA MENDES, Emilio
44
GARCIA MENDES, Emílio in “Autoritarismo y Control Social”. 1987

23
Efetividade e eficácia das normas jurídicas ‐ Por que legislações, reconhecidas como 
avançadas,  que  procuram  regular,  da  melhor  maneira  possível,  relações  humanas  e  ao 
mesmo  tempo  pretendem  funcionar  como  vetor  na  evolução  do  pensamento  e  da  prática, 
coletivos,  muitas  vezes  dão  a  impressão  de  ʺineficazesʺ  (fenômeno  jurídico)  e/ou  ʺinefetivasʺ  
(fenômeno metajurídico) ? Por que, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem 
dado  essa  falsa  impressão,  a  grandes  segmentos  da  opinião  pública,  mesmo  uma  década 
depois  de  sua  promulgação?  De  qualquer  maneira,  a  aplicação  defeituosa  ou  a  baixa 
aplicação  de  uma  lei  podem  levar  seus  destinatários  à  idéia  de  que  aquela  determinada 
legislação  é  inadequada  social  e  eticamente,  perdendo  essa  norma,  conseqüente  e 
paulatinamente efetividade político‐institucional e eficácia jurídica. Para efeito desta análise, 
considerar‐se‐á que a efetividade político‐institucional de uma lei decorre, 
• da  sua  capacidade  real  de  provocar  uma  cadeia  de  reordenamentos  normativos 
decorrentes  e  satisfatórios,  em  nível  local  (estadual  e  municipal),  com  a  edição  de  leis  e  normas 
regulamentares específicas, a partir das normas gerais do Estatuto, p. ex.; 
• da  sua  capacidade  real  de  deflagrar  um  processo  irreversível  de  reordenamento 
institucional,  onde  a  máquina  do  Estado,  em  nível  federal,  estadual  e  municipal,    venha  a  ser 
adequada  ao  novo  paradigma  político‐jurídico,  com  a  implantação  e  implementação/fortalecimento 
de  serviços/atividades  e  programas/projetos  públicos,  responsáveis  pela  satisfação  das  necessidades 
básicas de crianças e adolescentes, através da promoção e defesa dos direitos correspondentes;  
• da  sua  capacidade  real  de  levar  a  uma  flagrante  melhoria  do  atendimento  público 
direto a essas necessidades e direitos, que resulte na qualificação da demanda e do serviço público45. 
Igualmente para esta análise, considerar‐se‐á que a eficácia jurídica de uma lei decorre:  
• da sua aplicabilidade a casos em concreto; 
• da sua imperatividade, impositividade e coercitividade; 
• da  imprescindibilidade  e  exigibilidade  dos  direitos  que  ela  reconhece,  constitui  e 
assegura. 
O Direito apenas ʺelaboradoʺ, enquanto ʺenunciado juízo de valorʺ, ainda não é o Direito – 
é  de  todo  impotente,  ʺdesarmadoʺ.  O  Direito  é  o  que  faz  dele  seu  processo  de  produção,  em 
concreto. O Direito é eficácia, a cada ato de sua produção e concretiza‐se com sua aplicação. 
As leis carregam em si o germe da inefetividade político‐institucional e da ineficácia jurídica 
quando  lhes  faltam,  em  primeiro  lugar,  legitimidade  social.  Isso  acontece,  por  exemplo, 
quando  essas  normas  jurídicas  são  outorgadas,  quando  a  produção  do  Direito  se  faz  de 
maneira  heteronômica,  provocando  um  estado  de  anomia,  de  resistência  e  desrespeito  à 
ordem jurídica posta, isto é, ao direito positivo estatal vigente. Igualmente, as leis carregam 
em  si  o  germe  da  inefetividade  político‐institucional  e  da  ineficácia  jurídica,  quando  se 
limitam  a  estabelecer  apenas  princípios  programáticos,  conceitos  abstratos  e  quando  não 
prevêem  instrumentos  que  operacionalizem  sua  implementação  (mecanismos  e  espaços 
públicos), isto é, quando não permitem a construção de um sistema de garantia dos direitos. 
Quando não isso, os textos normativos também são portadores da sua própria inefetividade 

45
GOMES DA COSTA, Antonio

24
político‐institucional  e  ineficácia  jurídica,  quando  contém  igualmente  o  gérmen  da 
ʺsobrecargaʺ,  isto  é,  quando  o  Direito  traz  mais  “mundo  exterior”  para  dentro  de  si  do  que  é 
capaz  de  suportar.  Uma  ʺsobre‐politização  e  uma  sobre‐socialização  da  norma  jurídica”  46  –  um 
excesso. O Direito não existe para ʺcriar mundo exterior”, mas normalizar as condutas sociais 
vividas nesse mundo exterior a si, a partir de uma utopia, de determinados valores. Mas, é de 
se reconhecer minimamente que se está hoje vivendo um tempo de transição paradigmática: 
a  emancipação  social  de  segmentos  sociais  em  desvantagem  (entre  eles,  as  crianças  e  os 
adolescentes)  é  uma  aspiração  óbvia,  almejada  e  em  processo  de  construção.  Um  valioso 
instrumento  de  mediação  e  de  contra‐hegemonização  pode  ser  a  luta  pelos  Direitos 
Humanos.  Nesse  sentido,  necessário  se  torna  construir  uma  contra‐hegemonia  jurídica  em 
favor  das  necessidades  e  dos  desejos,  de  crianças  e  adolescentes,  a  partir  daí,  tornados 
direitos e liberdades fundamentais, exigíveis juridicamente. 
 
B. DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO 
 
Direito dos Direitos Humanos ‐ Em função disso, a formulação dos instrumentos de 
promoção  e  proteção  de  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  isto  é,  da  normativa  jurídica 
(nacional  e  internacional)  e  a  sua  aplicação  em  concreto  através  do  dos  mecanismos  de 
promoção e proteção desses direitos, isto é, do aparato estatal47 ‐ ambas devem ser norteadas 
pelos princípios universais e indivisíveis do Direito dos Direitos Humanos.  
 
Dimensão jurídica estrita das relações geracionais ‐ Essa visão crítica da efetividade e 
eficácia do Direito e a opção política pelo tratamento das relações geracionais sob a ótica do 
Direito  dos  Direitos  Humanos  –  esses  dois  pressupostos  permitem  estabelecer  melhores 
perspectivas estratégicas, a serviço dos interesses dos ʺdominadosʺ, no caso deste estudo, das 
crianças  e  dos  adolescentes.  Em  função  disso,  necessário  se  torna  trabalhar  nas  lacunas  do 
discurso  e  da  prática  ideológica,  produzidos  pelo  poder  político  e  econômico  dominante, 
hegemônico,  por  força  do  atual  processo  de  ʺmundialização  do  mercado”  e  de  reforço  do 
modelo  cultural  adultocêntrico,  machista‐patriarcalista,  homofóbico,  racista,  ocidentalista.  É 
preciso  se  ter  cuidado  para  que  um  determinado  tipo  de  discurso  jurídico  (no  fundo, 
meramente  ideológico  e  reprodutor  do  discurso  da  mundialização  do  mercado  e  do 
adultocentrismo)      não  seja  produtor  de  um  direito  positivo,  que  venha  normatizar  as 
relações  de  geração,  a  partir  da  ótica  daqueles  a  que  interessa  manter  a  situação  de 
dominação do mundo adulto sobre o mundo infanto‐adolescente – de violência, exploração, 
abusos, discriminações, negligências. Diante do atrás exposto e questionado, é de se concluir 
que  qualquer  esforço  para  (a)    se  levantar  e  analisar  (conhecer)  a  dimensão  jurídica  das 
relações  de  geração,  e  para  (b)  se  produzir/elaborar  uma  normativa  nacional,  internacional, 
46
HABERMAS, J.
47
Visão ampliada do Estado, onde se incluem tanto a "sociedade política" (governo dos funcionários") quanto a "sociedade
civil organizada" (cfr. Antonio GRAMSCI)

25
multinacional/regional,  visando  prevenir  e  combater  todas  as  formas  de  dominação  contra 
crianças e adolescentes – esse esforço tem seus riscos, desafios.  Mas, como neutralizar esses 
riscos?  Em  primeiro  lugar,  aceitando‐se  o  desafio!  Não  fugindo  do  risco!  Reconhecendo‐se 
que  a  ʺordem  de  geraçãoʺ  (ou  ʺsistemaʺ)  está  a  serviço  de  determinados  interesses  sócio‐
econômico‐políticos‐culturais48  ‐  isso  significa  que  esse  bloco  dominante,  para  se  manter, 
depende da construção de uma aparente legitimidade, apelando para uma forma constante e 
permanente  de  coação,  assegurando  sua  manutenção  como  hegemônica.  Os  blocos 
dominantes, na História, sempre sustentaram sua hegemonia econômico‐político também na 
construção de uma hegemonia cultural e de uma hegemonia jurídica49. Aí o risco: a solução 
da  produção  de  um novo  Direito  que  normatize  as  ʺrelações  de geraçãoʺ  pode  resultar  numa 
normatização  jurídica  que  tenha  efeitos  perversos  de  regular‐controlar,  numa  linha 
assistencialista‐repressora.    E  não  de  emancipar  a  criança  e  o  adolescente50  numa  linha  de 
promoção  social,  de  proteção  jurídico‐social  e  de  extensão  de  sua  cidadania.  Aos  blocos 
dominantes  (e  suas  franjas  subterrâneas,  marginais  e  criminosas)  interessam,  pois  a 
construção  de  sua  hegemonia  jurídica,  reforçadora  da  sua  hegemonia  econômica,  social, 
política  e  cultural.  Dois  sinais  são  claras  expressões  das  possibilidades  de  sucesso  da 
tendência  à  hegemonização  jurídica  sorrateira  por  parte  de  certos  blocos  dominantes,  em 
nosso contexto brasileiro e latino‐americano, especialmente:  
• A  aguda  escassez  de  trabalhos  críticos  no  campo  do  jurídico:  a  discussão  tem  sido 
prevalentemente  ʺabstrata,  formal,  dogmáticaʺ;  numa  linha  mais  de  citação  e  exegese  de  textos  legais, 
isto é, positivista.  Uma discussão a justificar a manutenção do status quo existente ou a mera reforma 
epidérmica de leis. Em disciplinas como a sociologia, a psicologia e em menor medida na economia, o 
pensamento  crítico  é  hegemônico  ou  tenta  mais  fortemente  sê‐lo.  Talvez,  tudo  isso  se  deve  muito  à 
composição e função das nossas Faculdades de Direito. 
• A baixa efetividade e eficácia da normativa internacional e nacional: quando a norma 
jurídica  se  afasta  da  utilidade  instrumental  de  garantir  a  supremacia  desses  multicitados  ʺblocos 
dominantes”  51  ,  ela  perde  muito  essa  capacidade  de  se  tornar  efetiva  politico‐institucionalmente  e 
eficaz juridicamente. 
Se  não  se  conseguir  reverter  esse  quadro  apresentado,  não  se  poderão  criar  novas  e 
mais libertadoras condições sociais e políticas para a produção do Direito, para a reforma e 
ampliação da legislação nacional e elaboração de normativa multinacional e internacional. Só 
interessa a ʺjurídicialização das relações geracionaisʺ (crianças/adolescente, jovens e idosos) se os 
movimentos  e  organizações  sociais  tiverem  capacidade  de  fazer  prevalecer  sua  reflexão  e 
48
Mundialização do mercado, ajustes estruturais, enfraquecimento do poder nacional, androcentrismo etc.
49
"A inexistência de hegemonia plena en el plano de lo económico e do lo político-ideológico, en la relación entre el bloco
dominante e los sectores populares, puede ser atenuada en parte de sus consecuencias negativas para los primeros por la
existencia de relaciones hegemónicas en el plano de lo jurídico" – GARCIA MENDEZ, Emilio. 1987: "Autoritarismo y
control social". Buenos Aires: Ed. Hammurabi
50
E igualmente qualquer outro segmento ou grupo vulnerabilizado ou desabilitado ("handicapé") ou de alguma minoria
(nacionais, culturais, étnicas e lingüísticas).
51
No caso da "violência sexual", por exemplo, identificar-se-iam blocos dominantes, economicamente capitalistas,
politicamente neo-liberais, culturalmente androcêntricos/patriarcais, sexualmente homofóbicos, etnicamente arianos,
esteticamente efébicos etc

26
prática. E poderem se apropriar e se beneficiar desse processo ‐  num contexto de correlação 
de  forças,  de  construção  de  contra‐hegemonia,  na  ótica  do  Direito  dos  Direitos  Humanos.  
Será  que  a  norma  jurídica  e  seus  espaços  públicos  produtores  (legislativo)  e  aplicadores 
(judiciário  e  administração  pública)  não  podem  ser  vistos  e  trabalhados  também  como 
ʺinstâncias e mecanismos de mediaçãoʺ?  Ora, obter o ʺconsenso socialʺ, a ʺharmonização52 entre os 
cidadãosʺ  é  aspiração  de  muitos  governantes  para  alcançar  a  legitimidade  de  suas  decisões 
político‐administrativas: a busca da almejada ʺpaz socialʺ. Mas, com isso, realmente só se está 
se  visando  (sob  o  manto  desse  discurso  escamoteador)  a  neutralização  das  ações  dos 
movimentos  sociais  organizados,  evitando‐se  que  os  interesses,  necessidades  e  desejos  da 
população  infanto‐adolescente  se  tornem  de  alguma  maneira  hegemônicos.  Na  verdade,  o 
que essa ʺpaz socialʺ só quer proteger não são esses interesses contra‐hegemônicos de todos os 
ʺdominadosʺ,  mas  os  interesses  dos  grupos  que  detém  a  hegemonia  econômica,  política, 
cultural  e  jurídica,  numa  determinada  conjuntura.  ʺA  harmonização  pretendida  é  vista  como 
neutralidade  e  a  neutralidade  apresentada  como  harmonização,  mas  numa  relação  de  forças  em  que 
predominam  os  interesses  do  capital,  a  longo  e  não  raro  em  curto  prazoʺ  53.    Dessa  maneira  os 
problemas sociais não conseguem ser visto de forma estrutural, mas apenas como problemas 
pontuais, isolados, conjunturais – ʺdisfuncionalidades sociaisʺ? E a solução desses problemas é 
entendida como fácil, acima dos reais conflitos sociais. E para tanto, necessitar‐se‐iam apenas 
de algumas instituições públicas como verdadeiros ʺaparelhos funcionais”, capazes de ʺresolver 
paliativamenteʺ  os  problemas  sociais.  Muitas  vezes,  a  partir  dessa  visão  factual  e  casuística, 
entre nós, assim são tratadas questões como a do trabalho infantil, da violência intrafamiliar, 
da exploração sexual‐comercial, do extermínio e da tortura, do conflito com a lei etc. etc.  Há 
um  certo  perigo  dos  órgãos  do  ʺsistema  de  justiça  e  segurançaʺ  e    de  entidades  de  defesa  de 
direitos  humanos  se  tornarem  esse  ʺaparelho  funcionalʺ,  na  busca  de  falsos  consensos, 
escamoteando  os  conflitos  de  interesses  reais  da  vida  social  e  tentando  essa  ʺharmonizaçãoʺ: 
buscando uma ʺpaz dos cemitériosʺ. De outra parte, como bem alerta DONIZETI54,  há o perigo 
de  se  cair  no  oposto  e  se  ver  nas  instituições  públicas  meramente  um  ʺaparelho  ideológico  do 
Estado”, ou seja, instrumentos reprodutores de relações sociais, reprodutores do poder que se 
encontra  monoliticamente  nas  mãos  das  classes  dominantes,  a  seu  serviço  exclusivo,  de 
direção,  dominação  e  exploração  das  classes  subalternas.  Mas,  há  a  possibilidade  de  uma 
terceira  visão.  Apesar  do  Estado  e  suas  instituições  darem  prevalência  aos  interesses  dos 
grupos  que  detém  as  hegemonias  sociais,  econômicas,  cultural,  política  e  jurídica  num 
determinada conjuntura,  existem todavia algumas brechas nesse poder, algumas ʺinstâncias 
de mediaçãoʺ, onde se pode fazer a luta pela incorporação de determinados interesses dos mais 
fracos – no caso em discussão dos interesses de crianças e adolescentes. A depender de certa 
correlação  de  forças.  Ensina  FALEIROS:  ʺO  Estado  mediatiza  as  relações  sociais,  segundo  a 
correlação  de  forças  da  sociedade  civil.  Ou  seja,  ele  não  está  somente  em  função  dos  interesses  das 
52
No sentido do positivismo sociológico de Max Weber
53
FALEIROS, Vicente. 1980. "A Política Social do Estado Capitalista"
54
Op. cit.

27
classes  dominantes,  podendo  também  integrar,  aceitar,  ou  transformar  certos  interesses  das  classes 
dominadas” ∙ No caso, por exemplo, isso ocorreria com a incorporação e defesa dos interesses 
da  criança  e  do  adolescente,  privilegiando‐os  como  proteção  de  seus  Direitos  Humanos  – 
direitos fundamentais, econômicos, sociais e culturais.  E se poderia construir politicamente 
ʺinstâncias  e  mecanismos  de  mediaçãoʺ,  em  favor  dos  interesses  da  criança  e  do  adolescente, 
priorizados  como  Direitos  Humanos,  a  partir  dos  operadores  sociais,  inclusive  dos 
operadores  do  direito?  Verdadeiramente,  só  será  possível  se  construir  essa  capacidade  real 
de ʺmediatizarʺ nesses moldes, se incorporada for a essa intervenção jurídica, uma sociedade 
civil  forte,  organizada/mobilizada,  política  e  tecnicamente  qualificada,  realmente 
participativa.  E  nesse  jogo,  os  fóruns,  frentes  e  demais  instâncias  não  institucionais  da 
sociedade têm um rico papel a exercer, verdadeiramente de ʺdireção culturalʺ, de formação de 
quadros para as diversas organizações sociais, fortalecendo principalmente aquelas que têm 
compromissos reais com as lutas emancipatórias. 
 
Igualdade  ‐  Deve‐se  eleger,  como  princípio  basilar  para  o  processo  de  contra‐
hegemonização jurídica (a partir da ótica do Direito dos Direitos Humanos), os princípios da 
“igualdade  perante  a  lei”  (formal)  e  da  “igualdade  na  lei”  (material).  Eles  nortearão  todo  o 
reordenamento normativo e institucional.   
 
Igualdade  formal  ‐  O  princípio  da  igualdade  formal  (“todos  são  iguais  perante  a  lei”) 
exige  a  aplicação,  sem  exceção,  do  direito  vigente,  sem  consideração  da  pessoa:  todos  são 
obrigados e autorizados pelas normas jurídicas de forma igual. Ou seja, é proibido a todas as 
autoridades  estatais  não  aplicar  direito  vigente  em  favor  ou  em  detrimento  de  algumas 
pessoas. Esse é o princípio da universalização das normas jurídicas tendo como destinatário 
todo  e  qualquer  cidadão  (inclusive,  crianças  e  adolescentes),  enquanto  “sujeito  de  direitos”. 
Nesse  “significado  negativo”,  a  igualdade  formal  só  deixa  espaço  para  a  aplicação 
absolutamente  igual  da  norma  jurídica,  sejam  quais  forem  as  diferenças  e  as  semelhanças 
constatadas  entre  os  sujeitos  e  as  situações  envolvidas  –    sejam  homens,  mulheres, 
heterossexuais,  homossexuais,  transgêneros,  crianças,  adultos,  jovens,  negros,  brancos, 
índios,  ciganos,  soropositivos,  portadores  de  necessidades  especiais,  marginalizados, 
mendicantes,  delinqüentes  ou  infratores,  etc.  Vedado  fica  assim  o  reconhecimento  e  a 
garantia  de  direitos  que  resultem  em  discriminação,  exploração  e  violência  em  razão  da 
classe  social,  da  idade,  do  gênero  (inclusive,  orientação  sexual),  da  raça  do  sujeito,  da 
situação  socioeconômica  por  exemplo.  O  princípio  da  igualdade  formal  faz  prevalecer  a 
identidade  de  todos,  como  cidadãos,  de  maneira  uniforme,  independentemente  de  suas 
diversidades, de suas identidades enquanto crianças, mulheres, homossexuais, negros etc. 
 
Igualdade  material  ‐  Já  o  princípio  da  igualdade  material,  tem  um  conteúdo 
afirmativo,  e  exige  a  diferenciação  no  regime  normativo  jurídico  em  face  de  sujeitos  e 
situações distintas, diversas: respeito à diversidade na igualdade. Só aquilo que é exatamente 

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igual deve ser tratado igualmente. Fora daí, a verdadeira “igualdade será tratar‐se desigualmente 
seres  desiguais”.55  A  questão  é  a  seguinte:  quais  fatos  não  são  iguais  e  por  isso  devem  ser 
regulados desigualmente? Quais os critérios para identificação de semelhanças e diferenças, 
para  efeito  de  equiparação  ou  diferenciação  do  tratamento  jurídico?  Para  isso,  temos  que 
lançar  mão  do  conceito  de  “arbitrariedade”:  isto  é,  indagar‐se  se  existe  uma  diferenciação 
arbitrária  no  tratamento  desigual,  quando  da  formulação  e  da  aplicação  do  direito?  Ou  há 
uma justificação para tanto? Uma “razão razoável” a ser levantado, caso a caso? O princípio da 
igualdade material faz prevalecer a diversidade de cada um como pessoas com identidades 
próprias.  No  Brasil,  a  Constituição  federal  de  1988,  em  princípio,  coloca  como  um  dos 
objetivos fundamentais da nossa República a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de 
origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação”. (art.3, IV) e afirma que ʺtodos são 
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art.5). Assim, é de se concluir que, em 
especial, pra isso se efetivar, a legislação infraconstitucional, o Estado e a sociedade deverão 
se  propor  prioritariamente  a  reconhecer  e  garantir  de  modo  afirmativo  os  direitos  dos 
segmentos  sociais  mais  susceptíveis  de  discriminações,  explorações  e  violências:  mulheres, 
crianças,  adolescentes,  idosos,  negros,  índios,  por  exemplo.  Particularmente,  de  relação  às 
relações de gênero, a norma maior, determinou claramente: “homens e mulheres são iguais em 
direitos  e  obrigações”  (art.  5,  I).  E,  em  decorrência  disso,  estabelece  mais:  “os  direitos  e  deveres 
referentes  ã  sociedade  conjugal  são  exercidos  igualmente  pelo  homem  e  pela  mulher”.  A  legislação 
civil  e  penal  brasileira  aos  poucos  vem  se  adaptando  a  essas  novas  normas  constitucionais 
criando  sistemas  de  garantia  dos  direitos  da  mulher,  protegendo‐as  em  especial  contra  as 
diversas  formas  de  opressão  –  em  especial  as  variadas  formas  de  violência  sexual.  Já,  no 
tocante  à  infância  e  adolescência,  a  Constituição  privilegiou  o  reconhecimento  e  a  garantia 
dos seus direitos, acolhendo nos seus artigos 227 e 228, de maneira precisa e fiel, a Doutrina 
da  Proteção  Integral,  consagrada  pela  Convenção  das  Nações  Unidas  sobre  os  Direitos  da 
Criança, reconhecendo, à infância e à adolescência, os direitos e liberdades fundamentais de 
todo o cidadão (artigo 5° – loc. cit.) e mais alguns outros direitos especiais, a serem atendidos 
com prioridade absoluta. 
 
Uma luta pela superação de paradigmas ‐ Mas é preciso cuidado para não se cair em 
armadilhas  engessadoras  e  alienadoras,  quando  nos  apropriamos  do  conceito  liberal  de 
“igualdade”, puramente formal, para tentar dar‐lhe novo alcance, possibilitando o respeito à 
diversidade e o exercício da criatividade, nas relações entre gerações (como nas relações entre 
gêneros  e  raças).  O  projeto  maior,  a  utopia buscada,  deverá  ser  o  de  superação  de  todos  os 
paradigmas  tradicionais  e  justificadores  das  diversas  formas  de  dominação,  mesmo 
escamoteadas  sob  o  manto  da  “igualdade  meramente  formal”:  dever‐se‐á  garantir  a  desejada 
“igualdade de direitos”, sem prejuízo da “liberdade de ser diferente e singular”. A radicalidade está 
em  ir  além  da  tradicional  “igualdade  de  direitos”,  isto  é,  está  em  buscar  se  assegurar  a 

55
BARBOSA, Rui

29
possibilidade de se “inventar e reinventar formas de ser, estar e se relacionar, descobrindo maneiras 
de  ser  e  de  combinar  corpos  sem  caminhos  pré‐mapeados”  (CASTRO.  2003).  Especificamente  na 
luta pela emancipação da população infanto‐adolescente, necessário se torna que se garanta 
tanto  sua  “identidade  de  direitos”,  isto  é,  sua  condição  de  “sujeito  de  direitos”,  quanto  sua 
“liberdade  de  ser  diverso  e  singular”,  ou  seja,  sua  condição  de  pessoa  em  crise,  quanto  à  sua 
essência humana e identidade geracional. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

30
 
IV ‐ INSTRUMENTOS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS 
DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ENQUANTTO 
DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO. 
 
A ‐ INSTRUMENTOS NORMATIVOS INTERNACIONAIS DE PROMOÇÃO E 
PROTEÇÃO: A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA 
 
O  reconhecimento  e  a  garantia  dos  Direitos  Humanos  de  Geração  ‐  Tudo  isso 
implica,  inicialmente,  em  se  reconhecer,  consolidar  e  garantir  especificamente  os  Direitos 
Humanos de Geração (em particular, os direitos de crianças e adolescentes); transformando‐
se “moral rights” em “legal rightsʺ, isto é, transformando afirmações de interesses políticos dos 
movimentos pela infância, em direitos positivados pelo Estado e pela ordem mundial. Essa a 
grande  luta  no  próprio  campo  dos  Direitos  Humanos,  em  geral:  seu  reconhecimento  e 
garantia  pelo direito internacional  e pelo direito nacional, através sua formulação normativa 
e  instituição  de  espaços  e  mecanismos  de  proteção.  Emblematicamente,  em  nível  mundial, 
isso significou a superação da Declaração Mundial pela Criança pela Convenção das Nações 
Unidas  sobre  os  Direitos  da  Criança  (1989).  E,  em  nível  nacional,  a  superação  das  ʺpráticas 
alternativas de atendimentoʺ e da ʺaplicação alternativa do direitoʺ, pela promulgação do Estatuto 
da  Criança  e  do  Adolescente  (lei  federal  8.069/90).  Em  ambos  os  casos,  superações 
confirmatórias,  sem  propriamente  negação.    Em  resumo:  a  novidade  do  discurso  jurídico, 
baseado  na  ʺdoutrina  da  proteção  integral56ʺ  está  na  qualificação  do  atendimento  de 
necessidades e desejos de crianças e adolescentes, como atendimento ou garantia de direitos ‐ 
exatamente  aí  ele  faz  diferença,  na  prática.  O  novo  essencial  está  no  encarar  a  ʺsatisfação  de 
necessidades  e  desejosʺ  sob  a  ótica  do  Direito  dos  Direitos  Humanos,  mais  especificamente 
como  Direitos  Humanos  de  Geração.  Mas,  às  vezes,  essa  afirmação  não  tem  um  conteúdo 
mais consistente pela falta de um discurso crítico sobre o Direito, em si. 
 
A  chamada  “proteção  integral”:  cuidado  e  responsabilidade  ‐  A  Convenção  das 
Nações  Unidas  sobre  os  Direitos  da  Criança  convida  a  assegurar  as  duas  prerrogativas 
maiores  que  a  sociedade  e  o  estado  devem  conferir  à  criança  e  ao  adolescente,  para 
operacionalizar  a  proteção  dos  seus  Direitos  Humanos:  “cuidados”  e  “responsabilidades”.  As 
crianças  e  os  adolescentes  têm  direitos  subjetivos  e  exigíveis,  à  liberdade,  à  dignidade,  à 
integridade física, psíquica e moral, à educação, à saúde, à proteção no trabalho, à assistência 
social,  à  cultura,  ao  lazer,  ao  desporto,  á  habitação,  a  um  meio  ambiente  de  qualidade  e 
outros direitos individuais indisponíveis,  sociais, difusos e coletivos. E conseqüentemente se 
postam,  como  credores  desses  direitos,  diante  do  Estado  e  da  sociedade,  devedores  que 

56
BOLBI, John

31
devem  garantir  esses  direitos.  Não  apenas  como  atendimento  de  necessidades,  desejos  e 
interesses,  mas  como  Direitos  Humanos  indivisíveis,  como  os  qualifica  a  normativa 
internacional  ‐  como  direito  a  um  desenvolvimento  humano  econômico  e  social.  Mas,  são 
pessoas  que  precisam  de  alguém,  de    grupos  e  instituições,  responsáveis  pela  promoção  e 
defesa  da  sua  “participação,    proteção,    desenvolvimento  e  sobrevivência”,  responsáveis  por  seu 
cuidado, em especial.  Em seu preâmbulo e em muitos dos seus artigos a Convenção, define 
os direitos da criança realmente num sentido próximo da Declaração dos Direitos da Criança, 
da ONU, em 1959, apenas como direito a uma proteção especial:  “a criança tem necessidade de 
uma proteção especial e de cuidados especiais, notadamente de uma proteção jurídica, antes e depois de 
seus  nascimento”.  Todavia,  em  outros  pontos,  a  Convenção  avança  e  acresce a  esse  “direito  à 
proteção  especial”,  outros  tipos  de  direitos  que  só  podem  ser  exercidos  pelos  próprios 
beneficiários: o direito à liberdade de opinião (art.12), à liberdade de expressão (artigo 13), à 
liberdade de pensamento, de consciência e de religião (artigo 14), à liberdade de associação 
(art.15). Direitos que pressupõem certo grau de capacidade, de responsabilidade, isto é,  que 
pressupõem  sujeitos  de  direitos  como  titulares.    As  crianças  e  os  adolescentes  são,  eles 
próprios, seres essencialmente autônomos, mas com capacidade limitada de exercício da sua 
liberdade  e  dos  seus  direitos.  Responsáveis  por  seus  atos,  por  sua  vida  –  mas  em  nível 
diverso que o adulto. Têm deveres, portanto. 
 
Falso antagonismo entre princípios da Convenção ‐ Difícil, porém, tem sido conciliar 
o  pólo  do  “cuidado”  (proteção  especial)  e  o  da  “responsabilização”;  principalmente  porque  se 
firmam  em  dois  conceitos,  vistos  equivocadamente  como  antagônicos  e  inconciliáveis:  
criança e o adolescente, enquanto (a) sujeitos de direitos e, simultaneamente, (b) pessoas em 
desenvolvimento. Principalmente, quando se trata de crianças e adolescentes em crise, isto é,  
em  desvantagem  social  (handicap),  como  os  discriminados  e  negligenciados  em  razão  de 
gênero,  orientação  sexual,  estado  de  morbidade,  raça,  etnia,  origem  geográfica  etc.),  em 
situações de vulnerabilidade social (risco pessoal e social, como a exploração sexual, os maus 
tratos intra‐familiares, a tortura e custódias ilegais, o abandono, o trabalho infantil  etc.) ou 
em  conflito  com  a  lei  penal  (infratores).    Difícil  se  torna  quando  se  trata  da  infância  e  da 
adolescência  que  foi  negligenciada,  discriminada,  explorada,  violentada,  oprimida  e 
marginalizada.  Quando  se  trata  daqueles  que  ocupam  as  manchetes  da  mídia  e  que 
provocam certo alarme social. Óbvio que é bem mais fácil falar‐se em “direitos de crianças ou 
adolescentes e dever do estado ou da sociedade”, quando se trata da criança e do adolescente, em 
tese – do nosso “bom menino”, idealizado! A dificuldade da promoção e da garantia do direito 
da infância e da adolescência reside, quando a realidade é má, quando as circunstâncias de 
vida  dos  seus  titulares  incomodam‐nos,  ameaçam‐nos,  agridem‐nos.  Aí  o  discurso 
epistemológico e político‐institucional de proteção (promoção/garantia) de direitos, firmado 
na Convenção, torna‐se, para o senso comum, pretensamente, inócuo, descolado da realidade 
e  perigoso:  mil  meninos‐de‐rua  seriam  capazes  de  provocar  maior  escarcéu  na  opinião 
pública que 10 mil crianças e adolescentes fora da escola; por sua vez, os 21.500 adolescentes 

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infratores  no  Brasil  nos  fazem  esquecer  que  estão  num  universo  de  mais  de  19  milhões  de 
adolescentes e jovens entre 15 e 19 anos (cfr. “Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei 
‘Reflexões  para  uma  Prática  Qualificada”  n  CADERNO  01  ‐DCA‐SNDH‐MJ  /  org.  Wanderlino 
Nogueira Neto / 1998). Não há realmente como escapar à ambigüidade permanente do papel 
dos  pais,  dos  educadores,  dos  trabalhadores  sociais,  da  mídia,  dos  magistrados,  da 
sociedade, do Estado, quando se trata dessas situações de “crise”, em face da poderosa carga 
de  preconceito  social  que  cerca  a  questão.  A  tentação  de  “vitimar”,  de  “execrar”,  de 
marginalizar se torna sufocante e tolda o senso crítico dos operadores sociais. E aquilo que se 
chama  de  “paradigma  civilizatório”  da  Convenção  é  facilmente  obliterado  e  torna‐se  de 
operacionalização difícil e pouco praticada (nunca, impraticável...).  
 
Proteção  integral,  proteção  especial  e  tutela  ‐  Todas  as  crianças  e  os  adolescentes 
precisam  de  “proteção  integral”,  intrinsecamente.  Mas,  em  determinadas  circunstâncias, 
situações,  condições,  momentos,  quando  vulnerabilizados  ou  em  desvantagem  social, 
algumas  crianças  e  alguns  adolescentes  exigem  medidas  especiais  de  proteção  ou  ações 
afirmativas  em  favor  do  seu  direito  (“discriminações  positivas”).    Em  outras,  quando  em 
conflito  com  a  lei  penal,  exigem  medidas  (sancionadoras)  socioeducativas.  As  necessárias 
limitações ao exercício de seus direitos devem ser entendidas como estratégias para garantir 
a plenitude desses direitos. Isto é, limita‐se a autonomia deles para assegurar a plenitude da 
sua cidadania e não para torná‐los menos ‐ cidadão, cidadãos de segunda classe, ainda mais 
marginalizados.  Não  se  protege  uma  pessoa  como  se  protege  um  pequeno  animal  feroz  e 
perigoso ou um anjo – jaula ou altar. Não se pode esquecer que ela, de qualquer maneira, é 
um ser que já tem todos os direitos de um cidadão e como tal deve ser tratado; revertendo‐se 
todo  e  qualquer  processo  que  resulte  no  abortamento  da  sua  cidadania  !    A  eles  há  que  se 
garantir, além do mais, sua participação proativa e não meramente reativa, na construção de 
sua  vida,  nos  processos  de  extensão  de  sua  cidadania.  Sua  participação  igualmente  de 
alguma  forma    no  desenvolvimento  dos  serviços  e  programas/projetos  públicos, 
administrativos e judiciais, governamentais e não governamentais, num sentido lato.  
 
Duas  posições  ‐  Mas,  tem‐se  registrado  a  ocorrência  de  duas  posições  antagônicas 
diante  dessa  questão  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  em  função  da  Convenção. 
Exatamente,  reproduzindo  o  embate  dos  discursos  e  práticas  hegemônicos  e  contra‐
hegemônicos,  como  se  explanou,  de  maneira  genérica,  na  primeira  parte  deste  livro.  Uns 
acentuam  exacerbadamente  a  necessidade  da  “tutela”,  quase  que  anulando  a  autonomia 
ontológica deles; vendo‐os como “vulneráveis” em si (não, vulnerabilizados socialmente), sem 
responsabilidade  alguma  por  seus  atos  –  necessitando  de  verdadeira  tutela  da  família,  da 
sociedade  e  do  estado  e  de  respostas  puramente  assistencialistas.  Para  esses,  a  triagem,  a 
apartação (institucionalização), o controle ainda é o melhor caminho: o lugar dessas crianças 
e adolescentes é no “ninho ‐ gaiola”.  Quando não por essa linha, outros por sua vez colocam 
exageradamente a tônica da sua reflexão e da sua ação, numa “autodeterminação” quase que 

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absoluta  da  criança  e  do  adolescente  e  repudiam  como  “castradoras”  quaisquer  formas  de 
proteção.  E  acabam,  de  um  lado,  anulando  todo  e  qualquer  resquício  da 
responsabilidade/poder  parental  e  da  responsabilidade  do  Estado  e  da  sociedade  pela 
sobrevivência,  pelo  desenvolvimento  e  pela  proteção  da  criança  e  do  adolescente.  Como  se 
fosse  possível  reeditar  com  sucesso  absoluto,  teorias  e  experiências  como  as  de  Summerhil, 
Christiana,  Children’s  Liberationists,  kiddy‐libbers  e  congêneres...  Emblematicamente,  dentro 
dessa  segunda  perspectiva,  para  alguns  trabalhadores  sociais,  conselheiros  tutelares,  juizes, 
promotores,  advogados,  o  direito  de  ir‐e‐vir  implicaria  no  exercício  ilimitado  desse  direito 
por uma criança de 7 anos  e assim passaria ela a ter um pretenso direito a estar na rua, em 
qualquer  circunstância,  em  qualquer  local  e  a  qualquer  hora.    Os  adolescentes  em  conflito 
com  a  lei,  por  sua  vez,    seriam  apenas  “inadaptados  sociais”,  irresponsáveis;  susceptíveis 
apenas  de  “encaminhamentos  do  serviço  social”,  de  “psicoterapias”,  de  “análises”,  de 
profissionalização  etc.,  sem  qualquer  medida  jurídico‐judicial  de  caráter  sancionador.  E 
assim, não se instaura procedimento apuratório de ato infracional, não se faz apreensão em 
flagrante,  fecham‐se  os  olhos  a  situações  de  abandono...  Finge‐se  uma  liberalidade  falsa  de 
relação  a  tudo  isso  ou  assume‐se  uma  sensação  de  incapacidade  e  de  impossibilidade. 
Posições  como  essas  contribuem  para  as  práticas  dos  arrastões  e  banimentos  ilegais  e  do 
extermínio  sistemático  ou  massivo  de  crianças  e  adolescentes,  exatamente  por  sua 
irrealidade.    Dentro  desse  quadro  ainda  de  deformações  ideológicas  do  discurso 
epistemológico e político‐institucional e das suas práticas decorrentes – por oposição àquela 
primeira  posição,  alguns  outros  juizes  têm  aplicado  medida  socioeducativa  de  internação 
(sanção excepcional e  mais grave!) a adolescentes, não  especificamente pela prática de uma 
determinada  infração,  que  se  confunda  com    crime  ou  contravenção  praticada  por  adultos. 
Mas por sua condição de marginalidade, de desviante (não, conflito real) de relação à ordem 
social local e às normas. Assim, sentenciam esses adolescentes por serem “useiros e vezeiros na 
prática de atos anti‐sociais”, por viverem “em conflito com sua família e/ou com a comunidade local”, 
por  “não  se  encontrarem  aptos  para  voltarem  a  sociedade,  apesar  de  já  terem  cumprido  a  medida 
socioeducativa  imposta”  e  “para  garantir  a  proteção  dele  e  da  comunidade  pelo  fato  de  ser 
soropositivo”  (sic).  Isso,  mesmo  na  vigência  da  Convenção  como  lei  interna  no  Brasil.  Da 
mesma  visão  compartilham,  pelo  país  afora,  também,  inúmeros  conselheiros  tutelares,  com 
práticas  tuteladoras  (no  mal  sentido!)  e  institucionalizadoras;  vendo  o  abrigamento,  por 
exemplo, como a única medida especial protetiva adequada em situações de risco pessoal e 
social. Constada uma situação dessa, qualquer que seja ela, determinam o encaminhamento a 
abrigos...  e  quando  nessa  criança  ou  nesse  adolescente  sente‐se  o  “cheiro  da  marginalidade”  
procuram‐se  institucionalizações  em  “abrigos  especiais”,  que  já  começam  a  existir, 
reconhecidamente  como    de    “contenção  máxima”.  A  criança  ou  o  adolescente,  em  certas 
circunstâncias  mais  difíceis,  é  visto  como  aquele  que  tem  uma  tendência  nata  a  se  “rebelar” 
contra  as  medidas  educativas,  assistenciais,  protetivas.  E  o  conselho  tutelar  (quando  não,  o 
juiz) reconhece uma verdadeira impossibilidade de atendimento eficaz e eficiente, fora dessa 
linha  “disciplinadora/sancionadora”.  As  medidas  em  meio  aberto  não  conseguem  convencer, 

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porque nelas não se investe, em nenhum sentido. Ainda há muito caminho pela frente para 
que  se  desconstrua  todo  esse  discurso  ideológico  que  mascara  o  nosso  discurso 
epistemológico e político‐institucional da garantia do direito da criança e do adolescente e da 
sua proteção integral. E muito mais caminho para que construa uma prática de atendimento 
público  eficaz  e  eficiente,  que  respeite  os  direitos  das  crianças  e  dos  adolescentes  e  os 
responsabilize por seus deveres; vendo‐os como cidadãos.  
 
Riscos na efetivação das normas da Convenção ‐ Assim sendo, esse novo discurso do 
Direito, oriundo da Convenção, atrapalha o tradicional discurso e prática dos “podres poderes” 
(Caetano  Velloso).  E  em  função  disso  pode  ser  tornado  de  difícil  operacionalização.  Esse,  o 
risco. Mais das vezes se espera mais da Convenção sobre os Direitos da Criança do que ela 
poderia  dar,  só  pelo  simples  fato  de  ter  sido  ratificada  por  um  Estado‐Parte  e  se  tornado 
direito  interno  ou  pelo  fato  de  ter  sido  promulgado  e  estar  vigendo.  A  Convenção  pode  e 
deve ser poderoso aliado num luta política pela garantia de parcela de poder para a infância 
e  a  adolescência,  em  um  novo  modelo  de  convivência  que  não  faça  da  criança  e  do 
adolescente  “coisas”,  objetos,  dominados.  Aliado  no  processo  de  transformação  da  nossa 
cultura  institucional  autoritária  de  relação aos  reconhecidos  por ela  como  “mais  fracos”,  dos 
dominados.  A  Convenção,  em  verdade,  teve  o  grande  condão  de  tornarem  indisponíveis  e 
exigíveis  os  direitos  de  todas  as  crianças  e  de  todos  os  adolescentes.  De  colocá‐los,  com 
prioridade, na ordem do dia da agenda política mundial e particularmente de cada país que a 
ratificou.  De  forçar  a  prevalência  do  seu  interesse:  do  seu  “melhor  interesse”.  O  mais 
importante  dessa  Convenção  não  terá  sido  a  criação  de  “novos  direitos”  da  criança  e  do 
adolescente, propriamente. Mas a tônica que coloca na necessidade da efetivação da norma, 
da implantação e implementação (operacionalização) de um sistema de proteção de direitos, 
isto  é,  espaços  públicos  institucionais  e  mecanismos  de  promoção,  controle  e  garantia 
(proteção)  dos  direitos.  Ela  deve  ser  entendida  como  um  apelo,  uma  incitação  para  que  a 
sociedade  e  os  Estados  signatários  assegurem  com  efetividade  esses  direitos, 
prioritariamente.  De  outra  parte,  um  verdadeiro  compromisso  que  assumem  esses  Estados 
no  sentido  do  cumprimento  do  seu  dever  de  responsabilidade  ‐  seu  dever  de  proteger 
integralmente  suas  crianças/adolescentes;  garantindo‐lhes  a  sobrevivência,  o 
desenvolvimento  e  proteção  especial.  Mas  sem  que,  com  isso,  se  prescinda  da  participação 
desses atores, a lhes garantir autonomia.  
 
Em  síntese  ‐  Essa  dicotomia  entre  autonomia/participação  e  capacidade 
limitada/proteção  é  só  uma  aparente  contradição  criada  pelo  “discurso  jurídico  repressivo 
menorista”: a Convenção quando fala em “direitos”, quer abarcar os direitos fundamentais da 
pessoa  humana,  os  direitos  civis,  os  direitos  específicos  de  proteção,  os  direitos  sociais  e 
culturais e os princípios que fundam o direito (e por isso o purismo dos seus críticos é muito 
mais  ideológico  que  epistemológico).  Ela  quando  nos  induz  a  falar  em  capacidade  limitada 
para  o  exercício  de  direitos,  absolutamente  não  nos  quer  induzir  a  reconhecer  que  a 

35
incapacidade  pode  estar  integrada  na  capacidade  ou  vice‐versa.  Exatamente  atacando  essa 
lacuna  do  discurso  jurídico‐ideológico  tradicional  é  que  se  poderá  fazê‐lo  desmoronar  de 
dentro  para  fora;  demonstrando  em  nossas  práticas  de  atendimento  público  (no  sentido 
amplo)  que  é  possível  conciliar  e  equilibrar  proteção  e  participação.  E  isso  é  possível!    A 
Liberdade  e o Direito são categorias axiológicas. Já a capacidade de exercício limitado de um 
direito  ou  de  fruição  da  liberdade  é  uma  categoria  operacional  estratégica.    Não  se 
contrapõem.  Complementam‐se.  Como  salienta  BAUMANTT57,  a  limitação  e  a  liberdade 
estão casadas, para o bem e para o mal e o seu conúbio só será dissolvido se fosse possível o 
retorno  à  primeva  e  inocente  unidade  entre  o  homem  e  sua  condição;  tornando  a  natureza 
novamente  não  problemática  Há  absoluta  impossibilidade  de  conviverem  liberdades  sem 
que  limitações  sejam  postas  ao  seu  exercício  –  isso  vale  inclusive  para  o  mundo  adulto, 
quando discutimos as relações entre o Direito e o Poder. Inexiste, pois convivência humana 
livre  de  relações  de  poder,  nem  há  relação  de  poder  em  que  se  mostre  ausente  a 
desigualdade  dos  que  dela  participam,  nem  há  relação  de  poder  a  salvo  dos  binômios 
dominador x dominado, controlador x controlado ‐  comando/obediência. A questão não é a 
eliminação do poder nas relações entre o mundo adulto e o infanto‐adolescente, por exemplo.  
Deveríamos  nos  esforçar  para  “domesticar  o  poder”;  para  “funcionalizá‐lo  o  mais  adequado 
possível, minimizando o negativo da pura dominação e fazendo excelente a sua dimensão de integração 
e solidariedade” (RUSSEL)  58. A Convenção sobre os Direitos da Criança pode ser instrumento 
valioso  de  domesticação  do  poder  castrador  e  tutelar.  Depende  isso  do  seu  nível  de 
realização, efetividade, na ordem internacional e nacional. 
 
Falta a parte dos princípios 
 
B ‐ LEGISLAÇÃO NACIONAL DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS 
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, ENQUANTO DIREITOS HUMANOS DE 
GERAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. 
 
O  reconhecimento  dos  direitos  ‐  Complementando  as  normas  constitucionais, 
programáticas  e  auto‐aplicáveis  (artigo  226,  227  e  228  –  CF),  o  Estatuto  da  Criança  e  do 
Adolescente  (lei  federal  8.069,  de  13  de  julho  de  1990),  estabeleceu  normas  gerais  para  a 
ʺproteção  integral  à  criança  e  ao  adolescenteʺ;  reconhecendo‐os  como  ʺsujeitos  de  direitosʺ  e 
simultaneamente  como  ʺpessoas  em  condição  peculiar  de  desenvolvimentoʺ.  59  A  partir  desse 
ʺparadigma emancipatório e garantista de direitosʺ, o Estatuto reconhece e garante, em favor da 
infância e da adolescência, Direitos Fundamentais, isto é direitos humanos positivados. 
 

57
BAUMANTT, Zigmunt. 1977. “Por uma sociologia crítica”
58
RUSSEL, Bertrand. 1979.  “O Poder”
59
Artigos 1° a 6° – Estatuto cit.

36
A realização dos direitos pela via político‐institucional – O Estatuto da Criança e do 
Adolescente  estabelece  um  sistema  de  promoção  e  proteção  de  direitos  fundamentais, 
visando  a  realização  desses  direitos,  através  de  medidas  administrativas  e  judiciais. 
Norteando  a  implementação  desse  sistema  garantidor  de  direitos,  o  Estatuto  (artigo  88)  
institucionaliza‐o em obediência aos seguintes princípios: 
(a) prioridade absoluta para o atendimento direto de crianças e adolescentes;  
(b) prevalência do melhor interesse da infância e da adolescência,  
(c) descentralização política e administrativa do atendimento,  
(d) participação popular paritária na gestão pública,  
(e) manutenção de fundos públicos especiais,  
(f)  integração  operacional,  em  determinadas  circunstâncias  de  atendimento  inicial 
(adolescente infrator, p.ex.), e  
(g) mobilização social.  
 
 
Mais... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

37
 
V ‐ MECANISMOS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS 
DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, ENQUANTO 
DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO. 
 
A ‐ MECANISMOS INTERNACIONAIS E INTERAMERICANOS DE 
PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 
ENQUANTO DIREITOS HUMANOS DE GERAÇÃO 
 
Promoção  e  proteção  de  direitos  humanos.  Sistemas,  internacional  e  regional 
(interamericano)  –  A  tradição  do  Direito  Internacional  dos  Direitos  Humanos,  no  mundo 
inteiro, leva à utilização corrente da expressão ʺpromoção e proteção dos direitos humanosʺ, a se 
fazer  através  dos  “mecanismos”  internacionais  e  nacionais  próprios,  com  base  nos 
“instrumentos”60  respectivos.  É  só  conferir‐se,  a  respeito  o  que  estatuem  esses  instrumentos 
(convenções, acordos, declarações e outros documentos internacionais ou multinacionais61 a 
respeito). É só conferir‐se a farta doutrina em torno do Direito dos Direitos Humanos, no país 
e no mundo62.  
 
No  mundo  ‐  Em  nível  internacional,  a  promoção  e  proteção  dos  direitos  humanos, 
tanto  gerais,  quanto  especiais  (mulheres,  crianças,  refugiados,  descapacitados  etc.), 
operacionalizam‐se  através  de  organismos,  grupos  de  trabalho,  tribunais  e  relatores 
especiais, no bojo do Sistema da Organização das Nações Unidas – ONU:  
• Órgãos de controle e monitoramento da implementação dos instrumentos: Comissão 
dos  Direitos  Humanos  do  Conselho  Econômico  e  Social  das  Nações Unidas  e  sua  Sub‐Comissão  de 
Promoção e Proteção de Direitos Humanos, Escritório do Alto‐Comissariado das Nações Unidas para 
os  Direitos  Humanos,  Comitê  dos  Direitos  da  Criança,  Comitê  contra  Tortura,  Comitê  sobre  os 
Direitos  Econômicos,  Sociais  e  Culturais,  Comitê  sobre  a  Eliminação  da  Discriminação  contra  a 
Mulher,  Comitê  sobre  a  Eliminação  da  Discriminação  Racial,  Relatoria  Especial  sobre  Tráfico  de 
Crianças  e  Prostituição,  Relatoria  Especial  sobre  Violências  contra  Mulheres,  Grupos  de  Trabalho 
sobre  Formas  Contemporâneas  de  Escravidão,  Grupo  de  Trabalho  sobre  Desaparições  Forçadas  e 
Involuntárias, Mecanismos de Monitoramento da OIT para a Convenção 182. 

60
Aqui usada a expressão no sentido de “normativa”:
61. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Pacto Universal dos Direitos Civis e Políticos (1966), Pacto
Universal dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas
Cruéis, Desumanos e Degradantes (1984), Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a
Mulher (1979), Convenção sobre a Eliminação de todas formas de Discriminação Racial (1965), Convenção sobre os
Direitos da Criança (1990), Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura (1985), Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Eliminar a Violência contra a Mulher (1994).
62
Por exemplo: PIOVESAN, Flávia. 1997: “Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional”. 2ª edição. São
Paulo. Max Limonad Ed.; CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. 1991. “A proteção internacional dos direitos
humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos”. São Paulo: Saraiva Ed.

38
• Órgãos de proteção e garantia63, quando da violação dos direitos: Corte Internacional 
de  Justiça  (Haia  –  Países  Baixos),  Tribunal  Internacional  Penal  (Roma)  e  Tribunais  extraordinários 
(como os tribunais penais internacionais para Ruanda, a ex‐Iugoslávia, por exemplo), e  
• Órgãos de promoção de políticas e programas afirmativos: Fundo das Nações Unidas 
para a Infância ‐ UNICEF, Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Mulher ‐ UNIFEM, 
Organização  das  Nações  Unidas  para  a  Educação,  a  Ciência  e  a  Cultura  –  UNESCO,  Organização 
Internacional  do  Trabalho  –  OIT  (Programa  Internacional  sobre  a  Eliminação  do  Trabalho  Infantil), 
Organização Mundial de Saúde ‐ OMS.  
 
Nas Américas e Caribe ‐ Em nível regional interamericano e caribenho64, um sistema 
de  promoção  e  proteção  especial  de  crianças  e  adolescentes  desponta  mais  estruturado, 
articulado e visível, podendo servir de modelo65 para o Brasil, atualmente, no afã precioso de 
sistematizar,  estruturar,  organizar  e  fazer  funcionar  o  sistema  de  promoção  e  proteção 
(garantia)  dos  direitos  de  crianças  e  adolescentes66.  Nesse  sistema  interamericano,  a  missão 
do controle da efetivação dos direitos humanos está entregue à Comissão Interamericana de 
Direitos Humanos67 da Organização dos Estados Americanos – OEA, a quem compete fazer 
recomendações  aos  governos  dos  Estados‐partes  para  adoção  de  medidas  adequadas  à 
proteção  desses  direitos,  preparar  estudos  e  relatórios  necessários,  solicitar  aos  governos 
informações e submeter um relatório anual à Assembléia Geral da OEA. Em resumo, se diz 
que ela tem funções de “(a) conciliação, (b) assessoramento, (c) crítica, (d) legitimação, (e) promoção 
e  (f)  proteção”  68.  Se  esgotadas  todas  as  providências  cabíveis,  no  âmbito  da  Comissão  – 
quando da violação de direitos humanos em concreto – o caso poderá ser submetido à Corte 
Interamericana de Direitos Humanos, ou pela Comissão ou por qualquer dos Estados‐partes. 
Por  sua  vez,  a  garantia  dos  direitos  humanos  é  papel  da  Corte  Interamericana  de  Direitos 
Humanos  (São  José  da  Costa  Rica),  órgão  jurisdicional  do  sistema  regional,  que  tem 
competência  consultiva  (pareceres  de  interpretação  das  normas  da  Convenção 
Interamericana  de  Direitos  Humanos)  e  contenciosa  (sentenças  com  determinações  aos 
Estados‐partes  para  adoção  de  medidas  restauradoras  do  direito  violado  ou  pagamento  de 
justa compensação a vítimas). E, por fim, a promoção da realização dos direitos da criança e 
do adolescente tem, nas Américas, como seus pólos mais importantes e efetivos, o Instituto 
Interamericano das Crianças69, o UNICEF70, algumas agências das Nações Unidas de caráter 

63
Judicialiformes
64
Outro sistema regional com elevado grau de efetividade é o europeu
65
Exatamente o que está acontecendo, se levarmos em conta que o start do NUDIN/Bahia tinha essa ótica originalmente
66
E isso deve valer também para os sistemas de proteção especial dos direitos da mulher, dos afro-descendentes, dos
índios, dos portadores de deficiências, das minorias eróticas (homossexuais, p.ex.)
67
Bem conhecida, entre nós, como “Comissão de Washington”, para onde muitos casos de violação de direitos da criança e
do adolescente já foram levados por organizações não governamentais brasileiras
68
FIX-ZAMUDIO, HECTOR. 1991: “Protección jurídica de los derechos humanos”. México: Comisión Nacional de
Derechos Humanos
69
Instituto Interamericano de los Niños - Montevidéu (Uruguai)

39
mais  geral,  mas  com  atuação  também  na  área  da  infância  e  da  adolescência71  e  algumas 
organizações não governamentais interamericanas ou internacionais com atuação regional72. 
Compete a esses organismos formular e desenvolver, numa linha eminentemente estratégica, 
uma  verdadeira  “política  regional  interamericana  de  promoção  de  direitos  de  crianças  e 
adolescentes”,  mobilizando  a  sociedade  em  favor  desses  direitos,  advogando  politicamente 
interesses  determinados73,  potencializando  a  participação  de  crianças  e  adolescentes74, 
construindo  parcerias  e  alianças75,  apoiando  institucionalmente  determinadas  intervenções 
públicas76, construindo competências77 entre os agentes públicos e militantes do movimento 
social, promovendo estudos e pesquisas, acompanhando e avaliando determinadas situações 
etc.etc. 
 
B. MECANISMOS NACIONAIS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS 
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, ENQUANTO DIREITOS HUMANOS DE 
GERAÇÃO. 
   
54.  Promoção  e  proteção  de  direitos.  Conceituações  e  rotulações  –  Como  se  viu,  a 
tradição do Direito dos Direitos Humanos, no mundo, leva à utilização corrente da expressão 
ʺpromoção e proteção dos direitos humanosʺ. É só se conferir convenções, acordos, declarações e 
outros  documentos  internacionais  ou  multinacionais  a  respeito.  É  só  se  conferir  a  farta 
doutrina  em  torno  do  Direito  dos  Direitos  Humanos,  no  país  e  no  mundo.  É  só  conferir  o 
registrado  capítulos  atrás  quando  se  falou  da  normativa  e  dos  sistemas  de  proteção  global 
dos  direitos  humanos.  A  própria  Constituição  federal  ao  extinguir  implicitamente  o 
malfadado ʺDireito de Menoresʺ, em seu artigo 24 , XV e no parágrafo 1 do mesmo artigo, não 
cria nenhum outro ramo autônomo do direito e sim uma legislação sobre ʺnormas geraisʺ de 
ʺproteção da infância e da juventudeʺ  78 (grifei) e determina que em determinadas circunstâncias 
crianças  e  adolescentes  fazem  jus  a  uma  ʺproteção  especialʺ  79.  Quando  se  trata  de  ramo 
autônomo  e  sistemático  a  Constituição  (art.  22)  menciona  como  tal:  ʺcivil,  comercial,  penal, 
processual, eleitoral, agrário, marítimo (...)ʺ. Porém, os que lutam pelos direitos da criança e do 
adolescente,  geralmente,  têm  uma  certa  resistência  ao  uso  dessa  expressão  ʺpromoção  e 
70
Através do seu Escritório Regional para a América Latina e Caribe - TACRO, sediado na Cidade do Panamá (Panamá) e
dos seus Escritórios-do-País, sediados em várias capitais das Américas, como Brasília, Santiago etc. e, em raros casos, de
Escritórios Zonais, como os de Belém, São Luís, Fortaleza, Recife, Salvador e São Paulo, no Brasil
71
OIT, OMS, UNESCO, UNIFEM, UNODC, PNUD etc.
72
Por exemplo, Escritório Internacional Católico da Infância - BICE, Rädda Barnen, Kindern in der Knell, Terre des
Hommes, Save the Children Funds (Suécia e Reino Unido), ECPAT
73
advocacy
74
empowerment
75
Pactos, agendas mínimas etc.
76
Apoio técnico e/ou financeiro a determinadas intervenções públicas (governamentais e não governamentais) de caráter
referencial, com capacidade de alteridade e multiplicação (“boas práticas”)
77
Capacitações, treinamentos, aperfeiçoamentos, especializações etc.
78
Artigo 24, XV – CF
79
Artigo 227, § 3°, I a VII - CF

40
proteção  de  direitosʺ,  preferindo  ʺgarantia  de  direitosʺ  (num  sentido  genérico  e  não  no  seu 
verdadeiro sentido específico) ou ʺatendimento de direitosʺ (a‐tecnia consagrada no Estatuto da 
Criança  e  do  Adolescente80).  Uns,  evitam  a  expressão  de  maneira  equivocada  por  não 
considerarem  essa  normatização  jurídica  das  relações  geracionais  como  parte  integrante  da 
esfera  do  Direito  dos  Direitos  Humanos,  como  uma  especialização  desse  ramo  do  Direito  e 
sim  como  ramo  autônomo,  um  ʺsucessorʺ  do  Direito  Menoril,  no  afã  de  se  formular  uma 
reducionista  ʺcriançologiaʺ,  visando  construir‐se  uma  irreal  ʺcriancidadeʺ  –  talvez  na  melhor 
das intenções, mas, no fundo, aprofundando‐se, de outra forma o processo de apartação da 
criança  e  do  adolescente  do  mundo  da  cidadania.  Outros  evitam  a  expressão  ʺpromoção  e 
proteçãoʺ,  estrategicamente,  apenas  para  evitar  confusões  com  a  velha  linha  ʺtutelarʺ  da 
ʺdoutrina  da  situação  irregularʺ  que  utilizava  particularmente  a  expressão  “proteção”  num 
sentido deformado. De qualquer maneira, a expressão “garantia de direitos” tem a seu favor, 
no  Brasil  bem  especificamente,  a  circunstância  do  texto  constitucional  pátrio  consagrá‐la81, 
quando se trata de assegurar, através mecanismos de exigibilidade específicos,  a efetividade 
dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais dos cidadãos.  
 
55.  Possíveis  e  indesejados  reducionismos  ‐  De  qualquer  maneira,  passaram‐se  a 
reforçar  mais  os  mecanismos  de  ʺgarantia  de  direitosʺ  e,  por  via  de  conseqüência,  a 
denominar‐se a genérica ʺpromoção e proteção de direitosʺ, como  ʺgarantia de direitosʺ. A questão 
não é tanto de rotulação ou de conjuntural prevalência estratégica de uma linha ... até aí tudo 
bem! Na verdade, é preciso que a utilização de uma expressão ou a priorização estratégica de 
uma linha (ʺgarantia ou defesa de direitosʺ) não sejam feitas em absoluto detrimento dos outros 
dois tipos de mecanismos, também imprescidíveis: isto é, (a) dos mecanismos de ʺpromoçãoʺ 
da efetivação dos direitos e (b) dos mecanismos de “controle” (tanto dessa “promoção”, quanto 
dessa  “defesa”  ou  “garantia”).  Todas  os  mecanismos  estratégicos  de  ʺpromoção  e  proteção  dos 
direitos  humanosʺ  (isto  é,  os  espaços  e  os  mecanismos  estratégicos)  precisam    de 
implementação simultânea e harmônica – nunca uma prevalecendo sobre o outro. 
 
56. Registrando a história recente – Para melhor se entender a reflexão, no Brasil, em 
torno  dos  “instrumentos  e  mecanismos  de  promoção  e  proteção  de  direitos  humanos”, 
especificamente  quando  em  favor  da  infância  (crianças  e  adolescentes)  e  da  juventude 
(jovens‐adolescentes e jovens‐adultos) e em torno da necessidade de se construir um discurso 
e  uma  prática  sobre  a  articulação  política  ampla  e  a  integração  operacional    pontual  desses 
mecanismos, em rede ‐  é de se lembrar um pouco o passado recente. Tal discussão se fazia, 
de maneira sistemática e ainda tímida, em 1991, no Núcleo de Estudos Direito Insurgente – 
NUDIN82,  em  Salvador.  Essa  reflexão  e  seus  produtos83  eram  apresentados  em  termos 

80
Artigo 86 – lei cit.
81
Artigo 5º - CF
82
Organização não governamental de estudos, pesquisas e ação social, formada por professores e alunos, associados, da
Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA, que atuava no campo dos Direitos Humanos especiais de

41
amplos,  quando  se  discutia  a  promoção  e  proteção  dos  Direitos  Humanos  das  chamadas 
“minorias  políticas”  (negros,  mulheres,  minorias  eróticas,  crianças  e  jovens).  Naquela 
oportunidade,  em  especial,  procurava‐se  inserir,  dentro  desse  contexto  geral,  o  recém‐
editado  Estatuto  da  Criança  e  do  Adolescente  e  a  recém‐ratificada  Convenção  sobre  os 
Direitos da Criança. Posteriormente, o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social 
– CENDHEC, no Recife, em seus seminários de avaliação e planejamento, em parceria com o 
Save  the  Children  Fund  (UK),  aprofundou  mais  essa  reflexão,  dando  destaque,  especifica  e 
parcialmente,  ao  que  se  chamou  de  “Sistema  de  Garantia  dos  Direitos  da  Criança  e  do 
Adolescente”84;  sem  porém  abandonar  a  discussão  sobre  o  campo  genérico  da  promoção  e 
proteção  dos  Direitos  Humanos85.  Essa  discussão  logo  se  ampliou  para  o  âmbito  da 
Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED  86 e em 
seguida chegou ao CONANDA, que a consagrou em uma Conferência Nacional dos Direitos 
da  Criança  e  do  Adolescente  (1999);  usando‐se,  daí  em  diante,  a  expressão  “garantia  de 
direitos”, vezes no seu sentido particular e técnico (incluindo apenas os mecanismos de defesa 
de  direitos  quando  violados),  vezes  outras,  amplamente,  como  sinônimo  de  “promoção  e 
proteção  de  direitos”.  A  partir  daí,  muito  se  produziu  de  doutrina  a  respeito  da  matéria, 
especialmente  por  fomento  e  provocação  da  Associação  Brasileira  dos  Magistrados  e 
Promotores da Infância e Juventude – ABMP, do Fundo das Nações Unidas para a Infância – 
UNICEF e do próprio CONANDA – tudo isso ainda sem uma sistematização completa e sem 
que se construísse certos consensos mínimos a respeito dos marcos teóricos, que só o tempo e 
o  debate  assegurarão.  No  momento,  ainda  há  uma  preocupação  maior  na  configuração  do 
sistema  (e  portanto  no  desenho  de  diagramas  didáticos),  do  que  na  sua  sinergia  interna  e 
externa (articulação e integração ad intra et ad extra).  
 
57.  O  Sistema  e  o  Estatuto  ‐  Em  verdade,  o  Estatuto,  em  nenhum  momento,  é 
suficientemente  claro  quanto  a  esse  “sistema  de  garantia  de  direitos”:  trata‐se  mais  de  uma 
inferência,  especialmente  a  partir  dos  artigos  86  a  90  e  de  uma  transposição  dos  modelos 

grupos vulnerabilizados (“minorias políticas”), integrando a Rede dos Núcleos de Estudo do Fórum Nacional DCA. O
NUDIN, à época, desenvolvia atividades acadêmicas de extensão para a cadeira Direito Internacional Público da Faculdade
de Direito da Universidade Federal da Bahia
83
Apostilas do Curso de Pós-Graduação (latu sensu) em Direito Constitucional da Criança (Cooperação NUDIN, UNICEF,
CBIA e a Fundação Faculdade Livre de Direito da Bahia). 1990: textos de Wanderlino Nogueira (org.), Vera Leonelli,
Carlos Vasconcellos, Maria Auxiliadora Minahim et alterii.
84
Interessava, naquela ocasião, no CENDHEC, discutir-se, mais especifica e aprofundadamente, a posição dos centros de
defesa da criança e do adolescente, enquanto integrantes do “eixo da defesa de direitos” (ou garantia de direitos, no sentido
estrito) e enquanto entidades de defesa responsáveis pela “proteção jurídico-social” de crianças e adolescentes com direitos
violados (art.87, V – Estatuto da Criança e do Adolescente)
85
CABRAL, Edson Araújo (org.); NOGUEIRA NETO, Wanderlino; BOSCH GARCIA, Margarita; PORTO, Paulo César
Maia; NEPOMUCENO, Valéria et alterii. 1999: “Sistema de Garantia de Direitos. Um caminho para a proteção integral”.
Recife: CENDHEC / BID. Coleção Cadernos Cendhec – vol.8
86
NOGUEIRA NETO, Wanderlino. “A Proteção Jurídico-Social” (tese aprovada em Assembléia Geral da ANCED).
Revista da ANCED vol. 2. 1998

42
internacionais  e  regional  (inter‐americano).  Esse  sistema  nasce  muito  mais  do  espírito  da 
Convenção do que propriamente do Estatuto. 
 
58. O espírito da época ‐ À época da edição do Estatuto87, a reflexão sistemática sobre 
“instrumentos e mecanismos de promoção e proteção dos Direitos Humanos” não tinha alcançado o 
alto  nível  que  alcançou  nos  dias  de  hoje,  no  Brasil:  intuía‐se  a  necessidade  de  se  “atender 
direitos”,  num  esforço  para  se  superar  o  velho  paradigma  do  “atendimento  de  necessidades”, 
pelo  novo  da  “garantia  de  direitos”.    Em  verdade,  a  própria  discussão  sobre  a  promoção  e 
proteção  dos  Direitos  Humanos  dos  cidadãos  em  geral,  como  mecanismo  de  efetivação  e 
como política de Estado, ainda era incipiente.  
 
59. Dogmática jurídica ‐ Mas, mesmo assim, não se pode negar que o Estatuto dispõe 
inquestionavelmente  sobre  “proteção  de  direitos  da  infância  e  juventude”88,  isto  é,  ele  foi 
promulgado  como  norma  reguladora  dos  artigos  227  e  228  da  Constituição  federal.  Assim 
sendo,  conseqüentemente,  ele  tem  que  ser  considerado  com  uma  norma  de  “promoção  e 
proteção  dos  direitos  humanos”,  especificamente  de  crianças  e  adolescentes,  vez  esses 
dispositivos citados da Carta Magna têm essa natureza, equiparados que são ao artigo 5º da 
Carta  Magna89.  Deste  modo,  dever‐se‐á  interpretar  o  Estatuto  a  partir  dos  princípios  e 
diretrizes  do  Direito  dos  Direitos  Humanos,  fazendo‐se  uma  interpretação  sistemática  dos 
seus  dispositivos,  em  harmonia  com  as  demais  normas  desse  campo  do  direito,  tanto  na 
ordem jurídica nacional, quanto internacional.  
 
60.  Questões  semânticas  ‐  Porém,  os  que  lutam  pelos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente, no Brasil, geralmente, têm uma certa resistência ao uso da expressão ʺpromoção e 
proteção  de  direitosʺ,  preferindo  ʺgarantia  de  direitosʺ  (num  sentido  genérico  e  não  no  seu 
verdadeiro  sentido  específico)  ou  ʺatendimento  de  direitosʺ  (estranha  a‐tecnia  consagrada  no 
Estatuto da Criança e do Adolescente90). Uns, evitam a expressão de maneira equivocada por 
não considerarem essa normatização jurídica das relações geracionais como parte integrante 
da esfera do Direito dos Direitos Humanos, como uma especialização desse ramo do Direito. 
E sim como ramo autônomo, um ʺsucessorʺ (melhorado...?) do  Direito Menoril,  no afã de se 
formular  uma  reducionista  ʺcriançologiaʺ,  visando  construir‐se  uma  irreal  ʺcriancidadeʺ  – 
talvez na melhor das intenções, mas, no fundo, aprofundando‐se, de outra forma o processo 

87
Não se pode deixar de registrar que esse enfoque, no sentido da conformação ao modelo internacional/regional, já era
advogado por alguns participantes determinados do movimento de luta pelos direitos da criança e do adolescente que se
empenhavam pela formulação do Estatuto citado de início e pela sua efetivação posteriormente: por exemplo, Aninna
Lahalle, Maria Josephina Becker, Césare de Florio La Rocca, Yves de Roussan, Emílio Garcia Mendes, Irene Rizzini,
Jaime Benvenuto, Valdênia Brito e outros.
88
Art. 24 - CF
89
O artigo 1º do Estatuto citado deixa isso meridianamente claro e, em função disso, se tem sustentado em certas ocasiões
que os artigos 227 e 228 da CF devem ser equiparados a “cláusulas pétreas”.
90
Artigo 86 – lei cit.

43
de apartação da criança e do adolescente do mundo da cidadania. Outros evitam a expressão 
ʺproteçãoʺ,  estrategicamente,  apenas  para  evitar  confusões  com  a  velha  linha  ʺtutelarʺ  da 
ʺdoutrina da situação irregularʺ que utilizava a expressão “proteção” num sentido deformado. A 
própria  Constituição  federal  ao  extinguir  implicitamente  o  malfadado  ʺDireito  de  Menoresʺ, 
em  seu  artigo  24  ,  XV  e  no  parágrafo  1  do  mesmo  artigo,  não  cria  nenhum  outro  ramo 
autônomo  do  direito  e  sim  uma  legislação  sobre  ʺnormas  geraisʺ  de  ʺproteção  da  infância  e  da 
juventudeʺ  91 (grifei) e determina que em determinadas circunstâncias crianças e adolescentes 
fazem  jus  a  uma  ʺproteção  especialʺ  92.  Quando  se  trata  de  ramo  autônomo  e  sistemático,  a 
Constituição (artigo 22) menciona como tal: ʺcivil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, 
marítimo  (...)ʺ.  De  qualquer  maneira,  em  certas  oportunidades,  passou‐se  a  reforçar  mais  os 
mecanismos de ʺgarantia (ou defesa) de direitosʺ e, por via de conseqüência, a denominar‐se a 
genérica ʺpromoção e proteção de direitosʺ, como  ʺgarantia de direitosʺ. A questão não é tanto de 
rotulação  ou  de  conjuntural  prevalência  estratégica  de  uma  linha  em  especial  ...  até  aí  tudo 
bem! A expressão “sistema de garantia de direitos” já ganhou, no Brasil, foros de legitimidade, 
por  sua  ampla  consagração.  Na  verdade,  é  preciso  que  a  utilização  de  uma  expressão  ou  a 
priorização  estratégica  de  uma  linha  (ʺgarantia  de  direitosʺ)  não  sejam  feitas  em  detrimento 
dos outros  imprescindíveis mecanismos. Os mecanismos de promoção e proteção (especial) 
dos Direitos Humanos de crianças e adolescentes precisam  de implementação simultânea e 
harmônica – nunca um prevalecendo sobre o outro. 
 
61.  Exemplificando,  com  a  operacionalização  dos  mecanismos  de  promoção  e 
proteção dos direitos de crianças e adolescentes, em especial  ‐ Quando se procura enfrentar 
a  chamada  ʺviolência  sexual  contra  crianças  e  adolescentesʺ  (ou  seja,  o  abuso  e  a  exploração 
sexual‐comercial) não se deveria restringir as intervenções públicas exclusivamente, apenas à 
responsabilização penal dos abusadores e exploradores ‐ maniqueistamente. Mas também, se 
deveria  assegurar,  simultânea  e  articuladamente,  (1)  o  atendimento  médico  e/ou  psico‐social 
do(a)s  abusado(a)s  e  do(a)s  explorado(a)s,  em  serviços  ou  programas  especializados,  (2)  a  sua 
inclusão com sucesso na escola, (3) o seu atendimento especializado por serviços do sistema único de 
saúde,  (4)  a  inclusão  das  suas  famílias  (ou  dos  próprios  beneficiários,  conforme  a  idade)  em 
programas  de  geração  de  ocupação,  emprego  e  renda,  (5)  ou  em  programas  de  erradicação  do 
trabalho infantil (especialmente, os de eliminação imediata de piores formas de trabalho) etc. etc. E 
além do mais, igualmente,  nesses casos de violência sexual, se deve assegurar um eficiente e 
eficaz  monitoramento  e    avaliação  (=  controle),  tanto  das  intervenções  jurídico‐judiciais 
(ʺacesso  à  justiçaʺ)  93,  quanto  desse  atendimento  direto  pelas  políticas  públicas, 
administrativamente  94. A mera e isolada responsabilização dos violadores, geralmente, leva 
91
Artigo 24, XV – CF
92
Artigo 227, § 3°, I a VII - CF
93
Pelas respectivas Corregedorias, Conselhos Superiores e Ouvidorias, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da
Defensoria Pública etc.
94
Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fóruns de Entidades Não Governamentais, Fóruns temáticos
mistos, Tribunais de Contas, Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores

44
à re‐vitimização da criança ou do adolescente com seus direitos à sexualidade, violados.  A 
visão reducionista da promoção e proteção de direitos humanos, que a faz se esgotar na linha 
exclusivamente da ʺdefesa de direitos / responsabilizaçãoʺ , igualmente,  pode levar a um hiper‐
dimensionamento  da  figura  do  juiz  dentro  do  sistema  de  proteção  espacial  de  direitos,  em 
oposição  a  todo  avanço  que  se  conseguiu  nesse  ponto  de  relação  à  rançosa  e  corporativista 
ʺdoutrina  da  situação  irregularʺ,  firmada  na  idéia  do  juiz‐pai,  do  juiz‐administrador,  do  juiz 
higienista  e  terapeuta.  Não  cabe  ao  juiz  (e  conseqüentemente  ao  promotor,  ao  delegado  de 
polícia,  ao  conselho  tutelar  –  mutatis  mutandi)  fazer  indevidamente  o  papel  de  gestores 
(formuladores, coordenadores e executores) de políticas públicas. São resquícios dessa visão 
reducionista,  por  exemplo,  os  juizes  que  normalizam  amplamente  através  portarias,  os  que 
procuram  desenvolver  diretamente  serviços  e  programas  públicos,  os  que  confundem 
controle judicial dos atos administrativos com supervisão hierárquico‐administrativa, os que 
transformam  conselhos  tutelares  em  suas  equipes  multiprofissionais  etc.  E  assim,  esses 
magistrados esquecem seu papel primordial de prestadores da jurisdição, de ʺadministradores 
de justiça à população que dela necessitaʺ ‐ papel indelegável e de suprema importância para o 
funcionamento  do  sistema  como  um  todo.  Por  sua  vez,  o  oposto  deve  ser  igualmente 
condenado:  a  redução  da  proteção  integral  especial  dos  direitos  dessas  crianças  e 
adolescentes  submetidos  a  abusos  e  explorações  sexuais,  exclusivamente    ao  atendimento 
direto  em  programas  e  serviços  de  assistência  social,  educação  e  saúde,  sem  a 
responsabilização  jurídica  (civil,  penal,  administrativo‐disciplinar  etc.)  dos  violadores.  Essa 
postura  equivocada  leva  à  impunidade  e  à  perpetuação  do  ciclo  perverso  de  violações  de 
direitos. O hiper‐dimensionamento dos programas e serviços das  políticas públicas também 
tem  suas  mazelas  e  remete  ao  assistencialismo,  à  filantropia,  ao  higienismo,  à  tutela  –  a 
satisfação de necessidades, desejos e interesses, sem a marca da qualificação dessa satisfação 
enquanto proteção de direitos humanos é um retrocesso, contra o qual se precisa igualmente 
lutar.  Esse  enfoque  abastarda  a  vítima  da  violência  sexual,  ao  ter  seu  direito  a  uma 
sexualidade livre e prazerosa reduzido a um mero interesse a ser tutelado, não como dever 
do Estado.  
 
C – O SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DOA 
DOLESCENTE, ESPECIFICAMENTE, NO BRASIL 
 
62. A promoção de direitos ‐ O eixo estratégico da ʺpromoção da efetivação dos direitos de 
crianças  e  adolescentesʺ,  como  mecanismo  de  promoção  e  proteção  de  Direitos  Humanos, 
consubstancia‐se, no desenvolvimento de uma ʺpolítica de atendimento dos direitos da criança e 
do  adolescenteʺ  95,  que  integra  o  âmbito  da  política  de  promoção  dos  direitos  humanos96; 
estrategicamente cortando, de maneira transversal e intersetorial, todas as políticas públicas 

95
Artigo 86 – Estatuto cit.
96
Ver Capítulo seguinte: “Política de Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes”

45
(institucionais, econômicas e sociais); reforçando a idéia de que a satisfação das necessidades 
básicas, por qualquer dessas políticas públicas  é um direito do cidadão‐criança e do cidadão‐
adolescente e ao mesmo tempo um dever do Estado, da família e da sociedade. Esta é uma 
política que se operacionaliza através duas linhas estratégicas: 
• serviços e programas de proteção especial e  socioeducativos; e 
• serviços  e  programas  das  demais  políticas  públicas,  especialmente  das  políticas 
sociais . 
97

 
63.  Políticas  e  estratégias  de  promoção  de  direitos  humanos  geracionais, 
especialmente  da  infância/adolescência  ‐  A  primeira  linha  tem  um  caráter de  atendimento 
inicial, integrado, emergencial e ao mesmo tempo alavancador da inclusão moral e social de 
seus  beneficiários  (vítimas  de  violações  de  direitos):  “cuidados  &  cuidadores”.  Aí  estão  os 
programas  de  abrigamento  (ou  abrigo),  de  colocação  familiar,  de  orientação  sócio‐familiar, 
de  localização  de  desaparecidos,  de  prevenção/apoio  médico  e  psico‐social  a  vítimas  de 
maus‐tratos, abusos, violências, explorações etc. – serviços e programas de proteção especial. 
Aí  estão,  igualmente,  os  programas  de  internação,  semiliberdade,  liberdade  assistida  etc.  – 
programas socioeducativos. A segunda, implica na facilitação do acesso aos serviços públicos 
básicos  (educação,  saúde,  proteção  no  trabalho,  previdência,  segurança  pública  etc.)  e  no 
asseguramento  do  sucesso  deste  atendimento  público  para  um  público  com  “necessidades 
especiais”: aí, seus beneficiários estarão sob acompanhamento especial.  
 
64. A defesa dos direitos  ‐ O eixo da defesa98 dos direitos da criança e do adolescente 
(como  mecanismo  de  promoção  e  proteção  especial  dos  direitos  humanos  geracionais)  se 
consubstancia,  na  garantia  de  acesso  à  justiça,  ou  seja,  no  recurso  aos  espaços  públicos 
institucionais e mecanismos jurídicos de ʺproteção legalʺ daqueles direitos humanos (gerais e 
especiais)  e  das  liberdades  fundamentais,  da  infância  e  da  adolescência;  para  assegurar  a 
impositividade daqueles direitos e liberdades e sua exigibilidade, em concreto. Nesse eixo, se 
situa  a  atuação  dos  órgãos  judiciais  (varas  da  infância  e  da  juventude,  varas  criminais, 
tribunais  do  júri,  tribunais  de  justiça),  dos  órgãos  público‐ministeriais  (promotorias  de 
justiça,  centros  de  apoio  operacional,  procuradorias  de  justiça),  dos  órgãos  da  defensoria 
pública  e  da  polícia  judiciária  (inclusive  os  da  polícia  técnica),os  conselhos  tutelares 
(enquanto contenciosos administrativos, isto é, “não jurisdicionais”). 
 
65.  Estratégias  de  controle  da  efetivação  dos  direitos  ‐  Por  fim,  o  enfrentamento  de 
todas  formas  de  violação  de  direitos,  enquanto  mecanismo  de  promoção  e  proteção  de 
direitos  humanos,  deveria  se  explicitar  mais  efetivamente  através  dos  espaços  públicos  e 
mecanismos  de  acompanhamento,  avaliação  e  monitoramento,  isto  é,  do  controle  social‐

97
A partir da classificação das políticas públicas, em (1) políticas de infra-estrutura, (2) políticas econômicas, (3) políticas
institucionais e (4) políticas sociais.
98
Defesa dos direitos dos violados e responsabilização dos violadores

46
difuso  (pela  sociedade  civil  organizada,  especialmente,  via  seus  fóruns,  comitês)  e 
institucional  (pelos  Conselhos  dos  Direitos  da  Criança  e  do  Adolescente).  Para  que  esse 
sistema  de  acompanhamento‐avaliação‐monitoramento  seja  implementado  e  funcione 
eficiente e eficazmente é preciso preliminarmente o seguinte: 
• discussão  ampla  no  meio  da  organização  social,  especialmente  via  essas  instâncias 
articuladoras da sociedade civil (fóruns), de modo a pautar politicamente as questões e a mobilizar a 
sociedade; 
• elaboração  de  diagnóstico  da  situação99,  com  atualizações  periódicas,  tanto  pela 
sociedade civil organizada, quanto pelos Conselhos; 
• construção  de  ʺmatrizesʺ,  com  a    construção  de  indicadores  para  o  acompanhamento, 
avaliação  e  monitoramento,  inicialmente,  tanto  por  essas  instâncias  da  sociedade  civil,  quanto  pelo 
governo, com indicações (ʺplanos sócio‐políticosʺ); 
• exame  e  referendo,  pelos  conselhos  dos  direitos,  desse  material,  a  ser  promulgado  
como  ʺnormas  administrativas  regulamentaresʺ,  em  caráter  deliberativo  e  vinculante,  no  que  for 
cabível, isto é, na esfera estrita de sua competência legal. 
Esses  mecanismos  de  controle  (acompanhamento‐avaliação‐monitoramento),  dentro  do 
amplo sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente, tem campos de atuação 
dos mais importantes, mas na verdade estão sendo pouco explorados, pela maior parte dos 
órgãos  governamentais,  das  entidades  sociais  (especialmente  através  de  seus  fóruns)  e  dos 
conselhos. Exemplificando: o controle do desenvolvimento da própria política de promoção 
dos direitos, através do cumprimento do disposto no parágrafo único do art. 90 e no caput do 
artigo 91 (Estatuto cit.), que trata do registro de entidades sociais e  do registro de programas 
governamentais  e  não  governamentais,  pelos  conselhos  municipais  dos  direitos.  Outro 
exemplo:  a  montagem  do  chamado  ʺOrçamento‐Criançaʺ  e  a  partir  daí  o  acompanhamento‐
monitoramento  tanto  da  elaboração  orçamentária,  quanto  da  sua  execução.  Mais:  o 
acompanhamento  do  funcionamento  dos  programas  socioeducativos  (unidades  de 
internação  e  semiliberdade,  unidades  de  acautelamento  inicial,  programas  de  liberdade 
assistida). Idem, quanto a abrigos etc. 
 
65. Em síntese ‐ Falar‐se hoje em ʺpromoção e proteção de direitos humanos da criança e do 
adolescenteʺ tem um novo sentido: acentua a vinculação das normas reguladoras e do sistema 
institucional  de  efetivação  e  realização  dessas  normas  aos  instrumentos  e  mecanismos, 
globais e especiais, internacionais e nacionais, de promoção e proteção de direitos humanos. 
Significa  a  assunção  de  um  compromisso  maior  com  a  ótica  do  Direito  dos  Direitos 
Humanos,  afastando  toda  a  tentação  de  se  criar  um  ramo  de  direito  e  um  sistema  de 
proteção,  autônomos  e  isolados,  afastando  a  tentação  de  desvincular  o  movimento  de  luta 
pela  emancipação  de  crianças  e  adolescentes,  do  movimento  maior  pela  emancipação  dos 
cidadãos,  especialmente  dos  ʺdominadosʺ,  em  especial:  pobres,  mulheres,  negros,  sem‐terra, 

99
Nesse ponto, necessário se torna envolver mais o meio acadêmico (Universidades), sem prejuízo da atuação dos Centros
de Estudos e Pesquisas (autônomos) etc.

47
sem‐tetos,  homossexuais,  índios,  ʺhandcapèsʺ,  soropositivos,  marginalizados,  delinqüentes,  
nordestinos  etc.  É  preciso  retirar  a  criança  e  o  adolescente  do  nicho  de  sacralização  e 
idealização  em  que  muitas  vezes  nosso  discurso  os  entroniza,  para  lutar  mais  concreta  e 
criticamente  pela  retirada  deles  dos  círculos  do  inferno  a  que  estão  condenados,  isto  é,  da 
tríplice danação na fogueira, no gueto ou na solidão.  
 

VI ‐ PROMOÇÃO DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO: A POLÍTICA DE 
PROMOÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES 

A ‐ NATUREZA E CARACTERÍSTICAS 
 
66. Uma política intersetorial – O Estatuto prevê, no seu artigo 86, o desenvolvimento 
de  uma  ʺpolítica  de  atendimento  de  direitos  da  criança  e  do  adolescenteʺ.    Isto  é,  dentro  do  vasto 
campo  da  proteção  dos  direitos  humanos,  uma  política  de  promoção  dos  direitos  e 
liberdades  fundamentais  da  criança  e  do  adolescente  –  isto  é,  dos  Direitos  Humanos 
Geracionais.  Obviamente,  não  se  trata  aqui  de  nenhuma  política  setorial,  como  as  políticas 
sociais básicas (educação, saúde, assistência social etc.). Mas sim de uma política intersetorial, 
a  cortar  transversalmente  todas  as  políticas  públicas,  para  assegurar  que  a  satisfação  de 
determinadas  necessidades  básicas  desse  segmento  da  população  seja  reconhecida  e 
garantida  como  direitos  fundamentais,  prioritariamente;  obedecidos  determinados 
princípios.  Essa  política  citada    teria  o  condão  –  através  de  suas  instâncias  públicas  de 
formulação,  coordenação,  execução  e  controle  (interno)    e  dos  seus  mecanismos  políticos‐
administrativos  –  de  promover,  como  Direitos  Humanos  Geracionais  (crianças  e 
adolescentes),  certos  direitos  da  área  da  educação,  da  saúde,  da  assistência  social,  da 
segurança pública, da previdência social, da proteção no trabalho, da segurança alimentar, da 
habitação  etc.  Seria  como  uma  hierarquização,  pois  segundo  a  Constituição  brasileira,  os 
direitos  humanos  são  direitos  de  hierarquia  superior,  consagrados  em  normas‐princípio, 
acima das normas‐regra. 
 
67.  Confusões  reducionistas  ‐  Dessa  maneira,  é  realmente    absurda  a  confusão  que 
muitos  ainda  fazem  entre  essa  ʺpolítica  de  atendimento  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescenteʺ 
(Estatuto  e  Conselhos  dos  Direitos,  citados)  e  a  ʺpolítica  de  assistência  socialʺ.  Puro  ranço  da 
velha  ʺdoutrina  da  situação  irregularʺ,  na  qual  se  fundamentava  o  revogado  Código  de 
Menores, onde o assistencialismo e a repressão eram seus dois pilares. Só que a atual Política 
de Promoção dos Direitos Humanos Geracionais (e aí, os direitos da criança e do adolescente) 
se firma na doutrina da ʺproteção integralʺ. E, ao mesmo tempo, a Política de Assistência Social 
constrói  um  novo  caminho  de  negação  do  clientelismo,  do  ʺprimeiro‐damismoʺ,  do 
assistencialismo. Novos paradigmas para ambas, mas, que confirmam a autonomia de cada 
uma.    Alguns  querem  reduzir  simplesmente  o  Estatuto  e  os  Conselhos  dos  Direitos  da 

48
Criança  e  do  Adolescente  a  meras  ʺespecializaçõesʺ  da  Lei  Orgânica  da  Assistência  e  dos 
Conselhos  de  Assistência  Social.  Como  se  os  primeiros  tratassem  apenas  de  um  setor  da 
assistência  social  :  o  das  crianças  e  adolescentes  vulnerabilizados  ou  em  situação  de  risco 
pessoal  e  social.  Enquanto  os  Conselhos  de  Assistência  Social  seriam  mais  genéricos,  mais 
abrangentes. Ora, o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite tal visão corporativa, 
reducionista e equivocada da abrangência de ação dos Conselhos dos Direitos. Na verdade, 
não se trata de um ter prevalência sobre o outro ou concorrer com o outro. E sim realmente 
de abrangência. Os Conselhos intersetoriais (como os dos Direitos da Criança, da Mulher, da 
Condição  Negra,  dos  Portadores  de  Deficiência  etc.)  têm    uma  abrangência  maior  que 
qualquer  dos  conselhos  setoriais  (saúde,  educação,  assistência  social).  Mas,  não  uma 
importância  maior,  pois  suas  funções  são  bastante  díspares,  sem  confusão,  superposição  e 
concorrência.    Programas  de  proteção  a  clientelas  específicas  existem  em  qualquer  das 
políticas sociais. Inclusive e principalmente no campo da  Política de Assistência Social, como 
os programas de proteção de crianças e adolescentes que deles necessitem: vulnerabilizados, 
por exemplo. Mas, programas e atividades não se confundem com Políticas, no seu sentido 
amplo  e  puro  –  e  sim  as  integram  como  partes.  Por  exemplo,  toda  e  qualquer  forma  de 
exploração  laboral  da  criança  e  do  adolescente100  deverá  se  prevenida  e  erradicada  (ou 
proibida  e  eliminada  imediatamente,  conforme  o  caso),  através  de  serviços/atividades  e 
programas/projetos  de  proteção  especial  da  política  de  promoção  de  direitos  humanos, 
articulados    e    integrados,    com  programas/projetos  e  serviços/atividades  das  políticas  de 
saúde, de educação, de cultura, de assistência social, de proteção no trabalho101, de segurança 
pública, de agricultura, das relações exteriores etc. etc. A erradicação do trabalho infantil no 
Brasil não é uma questão puramente de assistência social. Mas, o é também... 
 
68.  Modelo  institucional  federal  –  No  passado,  depois  da  promulgação  do  Estatuto 
da  Criança  e  do  Adolescente,  o  governo  federal  especificamente  entregou  a  coordenação 
dessa  política  intersetorial  de  promoção  de  direitos,  à  Fundação  Centro  Brasileiro  para  a 
Infância e Adolescência – CBIA, vinculada ao Ministério do Bem Estar Social, que a nomeava 
como “política de proteção especial”. A vinculação do CBIA ao Ministério do Bem Estar Social, 
naquela  época,  tinha  um  certo  ranço  do  ʺvelho  regimeʺ:  um  órgão  novo,  com 
responsabilidades  novas  e  revolucionárias  (e  que  a  isso  se  propunha  e  estava  alcançando 
realmente antes de sua extinção...), preso, ainda que formal e institucionalmente, ao modelo 
assistencial  do  passado.  E,  por  sua  vez,  nidificou  o  Conselho  Nacional  dos  Direitos  da 
Criança  e  do  Adolescente  –  CONANDA,  responsável  pela  formulação  e  controle  dessa 
política, na Presidência da República, reforçando, com isso, a natureza de intersetorialidade 
ao fazê‐lo responsável pela concertação nacional em favor dos direitos infanto‐adolescentes. 
Posteriormente, com a apressada extinção da Fundação CBIA, o CONANDA foi vinculado ao 
100
Trabalho precoce, trabalho doméstico, prostituição, narcotráfico, trabalho noturno, trabalho perigoso, insalubre e penoso,
trabalho escravo etc.
101
Idem Nota 34

49
Ministério  da  Justiça,  responsável  pela  ʺpolítica  de  defesa  da  cidadaniaʺ.  E  nesse  Ministério  de 
Estado se criou o Departamento da Criança e do Adolescente, na estrutura da transformada 
Secretaria  Nacional  dos  Direitos  Humanos,  ficando  ele  responsável  pela  coordenação,  em 
nível  nacional,  dessa  política  de  promoção  dos  direitos  humanos  da  infância/adolescência. 
Atualmente,  firmando‐se  (ao  que  parece),  o  Ministério  da  Justiça  como  um  “Ministério  da 
Segurança Pública”, toda as políticas de proteção de direitos humanos foram deslocadas para 
a  Presidência  da  República,  sob  a  responsabilidade  direta  de  Secretarias  de  Estado  (mais 
estratégicas que operacionais), em nível de Ministérios Extraordinários:  Secretaria de Estado 
dos  Direitos  Humanos  (com  sua  Subsecretaria  de  Promoção  dos  Direitos  da  Criança  e  do 
Adolescente), Secretaria Nacional da Mulher e Secretaria Nacional pela Igualdade Racial.  
 
69.  Modelos  estaduais  e  municipais  ‐  Nas  esferas  estadual  e  municipal,  o  nicho 
institucional  das  Políticas  de  Promoção  dos  Direitos  Humanos  (crianças/adolescentes, 
mulheres, idosos, portadores de necessidades especiais, negros etc.) varia de um lugar para 
outro. Em uns, está ela nidificada em Secretarias de Ação Social, de Desenvolvimento Social, 
de Solidariedade Humana (até de Educação). Em outros estados, em Secretarias de Justiça ou 
de Segurança Pública – algumas poucas. Em outros raros, diretamente vinculadas ao Chefe 
do  Poder  Executivo  –  Casa  Civil,  Gabinete  do  Governador.  A  primeira  experiência,  em 
determinados governos e em certos momentos, tem levado ao risco de confundir a Política de 
Promoção  dos  Direitos  Humanos  com  a  Política  de  Assistência  Social,  de  maneira 
reducionista,  desprezando  a  ótica  da  priorização  absoluta,  da  intersetorialidade  e  da 
exigibilidade  de  direitos.  Nesse  caso,  transforma  esta  ʺpolítica  de  direitos  humanosʺ  em  um 
mero ramo especializado da Assistência Social: os Conselhos desta última seriam ʺconselhos de 
política públicaʺ , enquanto os Conselhos dos Direitos (crianças, mulheres, idosos etc.) seriam 
apenas ʺconselhos temáticosʺ (?). Essa distorção pode nos levar aos tempos da ʺPolítica do Bem 
Estar do Menorʺ, em boa hora extinta (Sistema FUNABEM‐FEBEM).  A segunda experiência, 
tem o perigo de fazer repetir modelos do passado (Sistema SAM‐SEAM) de triste memória, 
onde a questão dos ʺmenores abandonados e delinqüentesʺ era uma questão de segurança e seu 
atendimento  se  fazia  de  maneira  assemelhada  ao  atendimento  prisional:  as  Secretarias  de 
Justiça  estaduais,  ainda  não  conseguiram  construir  uma  prática  renovada  de  ʺdefesa  da 
cidadaniaʺ,  apesar  do  nome  e  das  boas  intenções.  Seu  quadro  de  pessoal  tem  razoável 
competência  (e  inclusive  os  vícios  também)  no  trabalho  com  determinadas  linhas 
tradicionalmente suas:  trabalhar na articulação política do Poder Executivo com os Poderes 
Legislativo  e  Judiciário,  com  o  Ministério  Público,  com  os  Poderes  municipais  e  com  a 
Sociedade  (quando  isso  não  perderam  para  a  Casa  Civil  ou  Secretarias  de  Governo,  em 
alguns Estados), no trabalho de supervisão geral de órgãos como as Ouvidorias Gerais e as 
Defensorias  Públicas  e  principalmente  no  trabalho  de  administração  do  sistema  prisional. 
Quando  não,  em  determinadas  experiências,  funcionam  em  conjunto  com  a  Segurança 
Pública.    A  conjuntura  local  dirá  qual  a  melhor  vinculação  administrativa,  levando‐se  em 
conta  uma  série  imensa  de  variáveis:  de  qualquer  maneira,  a  melhor  solução  está  na 

50
vinculação a um Ministério, Secretaria estadual ou municipal ou outro órgão público que a 
reconheça como política autônoma, que tenha maior abertura para a intersetorialidade, que 
tenha maior capacidade de articulação interinstitucional e que tenha realmente força política. 
 
B. OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE PROMOÇÃO DE DIREITOS DA 
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: PROGRAMAS E SERVIÇOS  
 
70. Ações sistemáticas, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente ‐ O Estatuto 
citado,  nos  seus  artigos  87  e  90,  estabelece  que  essa  Política  de  Promoção  dos  Direitos  da 
Criança  e  do  Adolescente  (como  Proteção  dos  Direitos  Humanos)  se  desenvolve,  isto  é,  é 
operacionalizada,  principalmente,  através  de  dois  (2)  tipos  ações  permanentes,  contínuas  e 
sistemáticas:  
ƒ programas e serviços específicos de proteção especial e socioeducativos 
ƒ programas e serviços das demais políticas  
 
 
 
C. PROGRAMAS E SERVIÇOS DE PROTEÇÃO ESPECIAL  
 
71. Os programas e serviços específicos de proteção especial – Esses são dirigidos a 
um público‐alvo e a situações próprias, que os distingue dos demais “programas de proteção” 
de outras políticas públicas (por exemplo, os programas de proteção especial para crianças e 
adolescentes  em  situação  de  risco  ou  vulnerabilizados,  típicos  da  Política  de  Assistência 
Social).  Os  programas  e  serviços  de  proteção  especial  (de  direitos  humanos)  de    crianças  e 
adolescentes  se  dirigem  a  todo  o  segmento  infanto‐adolescente  que  tenha  seus  direitos 
ameaçados  ou  violados  (art.98  –  Estatuto  citado)  –  universais  e  focalistas,  a  um  só  tempo! 
Não é uma situação social (vulnerabilização, carência etc.) que justifica a intervenção desses 
programas previstos no Estatuto e sim uma situação jurídica: isto é, o não reconhecimento ou 
não‐garantia de direitos fundamentais na área da educação, da saúde, a convivência familiar 
e  comunitária,  da  cultura,  do  lazer,  do  trabalho,  da  dignidade,  do  trabalho.    O  Estatuto 
discrimina  exemplificativamente  (mínimo  legal),  nos  citados  artigos  87  e  90  citados,  alguns 
tipos  de  programas  e  serviços  de  proteção  especial  (direitos  humanos)  da  criança  e  do 
adolescente:
• Programa de orientação e apoio socio‐familiar; 
• Programa de apoio socioeducativo em meio aberto; 
• Programa de abrigo (ou abrigamento temporário); 
• Programa judicial de colocação familiar ‐ guarda, tutela e adoção; 
• Serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psico‐social às vítimas de negligência, 
maus tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; 
• Serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; 

51
• Proteção jurídico‐social, por entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes.  
 
72.  Característica  maior  desses  serviços  e    programas  de  proteção  especial  ‐  Os 
Programas e Serviços de Proteção Especial de Direitos Humanos, de modo geral, são vistos 
por  MESQUITA  NETO102  como  ʺações  que  visam  prevenir  a  ocorrência  de  violações  de  direitos 
humanos,  direcionadas  à  população  em  geral,  a  grupos  de  pessoas  especialmente  vulneráveis  a  essas 
violações ou a grupos de pessoas que já foram vítimas dessas agressões. São ações que visam prevenir a 
ocorrência  de  violações  de  direitos  humanos  antes  que  elas  aconteçam  ou  atender  às  vítimas 
imediatamente  após  a  ocorrência  das  violações  ou  no  longo  prazo  que  devem  ser  preservados  e 
fortalecidos.ʺ    Tal  característica  deveria  ter  os  serviços  e  programas  de  proteção  especial  dos 
direitos  humanos  geracionais.  Esses  serviços  e  programas  específicos  de  proteção  especial 
deveriam  ser  como  ʺunidades  de  cuidados  básicosʺ,  como  ʺcentros  integrados  de  atendimento 
inicialʺ, dirigidos à população infanto‐adolescente, numa linha preventiva e de atendimento 
emergencial,  precário  e  encaminhador,  funcionando  inclusive  e  principalmente  como 
ʺretaguardaʺ  para  os  conselhos  tutelares  e  varas  da  infância  e  da  juventude  (e  os  órgãos  do 
Ministério  Público,  da  Defensoria  Pública).  Seus  operadores  são  basicamente  ʺcuidadoresʺ, 
qualquer que seja sua formação acadêmica e profissional.  São esses serviços e programas de 
proteção  especial    os  preferenciais  ʺprovedores  da  redeʺ.  Através  deles  e  após  um  trabalho 
integrador e preparatório, as crianças e adolescentes, adjetivados de alguma forma por suas 
circunstâncias  de  vida  (explorados  ou  abusados  sexualmente,  em  situação  de  rua, 
soropositivos, torturados, vítimas de maus tratos, narcotraficantes, abandonados, drogaditos, 
explorados no trabalho etc.) poderão ser encaminhados a serviços e programas das políticas 
sociais  básicas  e/ou  de  certas  políticas  institucionais  e  econômicas,  como  ʺsitesʺ  desta  ʺredeʺ 
maior de atenção integral à população infanto‐adolescente.  Nestas características apontadas, 
certamente  estão  a  essencialidade  e  o  diferencial  dos  programas  e  serviços  de  proteção 
especial,  de  relação  aos  serviços  e  programas  das  demais  políticas  públicas  que  podem 
incidir  sobre  essas  crianças  e  adolescentes  credores  de  direito,  concorrente  e 
superpostamente.  O Estatuto, por ser norma nacional e geral de proteção, pouco detalhou a 
respeito,  apenas  rotulando  os  serviços  e  programas  em  questão.  O  ideal  seria  que  leis 
federais, estaduais e municipais e normas administrativas regulamentares dos conselhos dos 
direitos  da  criança  e  do  adolescente  (nos  três  níveis,  também),  em  complementação,  após 
esses anos de experiência de efetivação do Estatuto, viessem melhor definir esses serviços e 
programas de proteção especial, aqui em análise. 
 
73.  Serviços  de  prevenção  e  atendimento  médico  e  psico‐social  a  vítimas  de 
violências, explorações, negligências (...) ‐  Aí, o grande buraco da nossa ʺrede de atendimentoʺ 
e um dos que mais falta faz: serviços institucionalizados, permanentes, com funcionamento 
sistemático e contínuo que recebam e cuidem (promovendo seus direitos em todas as áreas 

102
MESQUITA NETO, Paulo de. 2002. "Segundo Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos"

52
de  políticas  públicas)  de  crianças  e  adolescentes,  vítimas  especialmente  de  maus‐tratos,  de 
violência sexual, de exploração no trabalho, de discriminações por seu estado de morbidade 
(soropositividade – HIV, deficientes físicos e mentais, por exemplo) – nos termos do inciso III 
do  artigo  87  do  Estatuto.    Esse  público  enumerado  exemplificativamente  é  o  que  mais 
necessita  de  um  serviço  dessa  natureza,  que  funcione  como  um  ʺcentro  integrado  de 
atendimento inicialʺ, como apoio principalmente aos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério 
Público  e  da  Segurança  Pública  ou  mesmo  aos  Conselhos  Tutelares,  como  sua  verdadeira 
ʺretaguarda  primáriaʺ.  Sem  tais  serviços  de  proteção  especial,    a  responsabilização  dos 
agressores,  dos  violadores  da  lei,  por  exemplo,  poderá  se  transformar  num  verdadeiro 
processo  de  re‐vitimização.  Não  deveria  caber  ao  Poder  Judiciário  ou  à  Polícia  Judiciária 
assumir  mais  essa  tarefa  e  sim  serem  apoiados  por  serviços  dessa  natureza,  com 
características de órgão executor de política pública. Seria um bom exemplo da ʺpromoção de 
direitosʺ  se  articulando  com  a  ʺdefesa  ou  garantia  (estrita)  de  direitosʺ  e  a  apoiando,  dentro  do 
sistema  geral  de  proteção  integral  de  direitos  humanos.    Esse  serviço  deve  fazer,  além  do 
trabalho  preventivo  previsto,  um  atendimento  direto  emergencial,  enquanto  não  se  decide 
que  outros  tipos  de  serviços  e  programas  de  educação,  de  assistência  social,  de  saúde,  de 
habitação  (dentre  outros),  precisam  ser  agregados,  para  que  se  assegure  realmente  uma 
proteção  integral  a  essas  vítimas  das  variadas  formas  de  discriminação,  negligência, 
exploração  e  violência.  Esse  serviço,  no  caso,  se  tornaria  também  o  responsável  pelo 
encaminhamento desse vitimizado a outros programas ou serviços de atendimento protetivo 
especial, previstos no Estatuto: unidades de abrigos? programas de apoio socioeducativo em 
meio  aberto?  programas  de  orientação  e  apoio  socio‐familiar?  programas  de  colocação 
familiar? A situação dirá e a submissão do caso concreto ao Conselho Tutelar definirá melhor 
o  encaminhamento  a  ser  feito  por  este  serviço,  em  cumprimento  a  uma  decisão  desse 
contencioso  administrativo  (ou  do  juiz,  se    matéria  estiver  sob  sua  jurisdição).  Algumas 
experiências  concretas  estão  se  desenvolvendo  no  país,  nessa  linha,  que  poderiam  se 
consideradas referências metodológicas: por exemplo, os CRAMI.s no interior de São Paulo, 
a ABRAPIA no Rio de Janeiro, o Programa Sentinela (enfrentamento da violência sexual) e o 
Programa  de  Erradicação  do  Trabalho  Infantil  ‐  PETI  do  Ministério  da  Assistência  e 
Promoção Social.  Implementados, os dois  últimos, em alguns poucos municípios do país e 
ainda pecando mais pelo fato de terem se institucionalizados, no momento, como ʺprogramasʺ 
e não como serviços permanentes103, deixando em risco sua sustentabilidade e permanência, 
em  face  do  seu  caráter  temporário  (típico  dos  programas/projetos).  E  pelo  fato  de  estar 
nidificado numa política setorial (assistência social) e não, como previa o Estatuto, como um 

103
Seria ingenuidade imaginar que na atual conjuntura e dentro do presente quadro estrutural se vá eliminar completamente
o trabalho infantil e adolescente precoce e a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes,através de um
programa público. Esses programas/projetos têm sua validade na medida que agendam politicamente essas questões e
permitem desenvolver uma tecnologia social viável e efetiva para que se criem e implementem serviços permanentes, a
partir dessas experiências.

53
serviço  de  proteção  especial  de  uma  política  intersetorial  como  a  de  Promoção  de  Direitos 
Humanos: é só se analisar sistematicamente os incisos II e III do seu artigo 87. 
  
75.  Programas  de  apoio  socioeducativo  em  meio  aberto  –  Mais  uma  vez,  o  fato  do 
Estatuto  só  contemplar  normas  gerais  (e  de  não  se  ter  outras  leis  e  atos  administrativo‐
regulamentares,  com  normas  específicas  e  operacionais)  leva  a  muitas  confusões  a  respeito 
da  natureza  e  do  funcionamento  desse  programa  de  proteção  especial,  em  análise.  Ainda 
mais que o Estatuto é realmente confuso, nesse ponto, usando a mesma expressão com dois 
sentidos. A expressão ʺsocioeducativoʺ é usada, ora para  designar  programa  de execução de 
medidas  de  natureza  sancionatórias  e  pedagógicas,  aplicadas  a  adolescentes  autores  de  ato 
infracional,  ora  para  designar  programa  de  execução  de  medidas  de  proteção  especial, 
aplicadas a crianças e adolescentes com direitos violados ou ameaçados (ʺcredores de direitoʺ). 
De  maneira  precisa  e  ousada,  BRANCHER104  classifica  isso  como  ʺfalha  terminológicaʺ  e 
pontua: ʺ(...) a lei se valeu equivocadamente da expressão ʹapoio socioeducativo em meio abertoʹ, no 
mesmo  contexto  em  que  logo  depois  se  refere  à  medida  de  liberdade  assistida  (essa  sim  uma  medida 
socioeducativa  em  meio  aberto  –  inc.  V)  e  ainda  omite  do  rol  aquela  que  seria  a  outra  medida  de 
natureza  jurídica  equivalente,  a  prestação  de  serviços  à  comunidadeʺ  (...)  Noutras  palavras  uma 
grande  confusão  conceitualʺ.  Em  verdade,  a  intervenção  “socioeducativa”   é  peculiar  ao  campo 
da  Educação  Social,  cujo  discurso  fundante  e  justificador    e  prática  cotidiana  e  efetiva 
produziram,  de  certa  forma,  o  discurso  subjacente  à  norma  do  Estatuto  da  Criança  e  do 
Adolescente  ‐  o  seu  paradigma  político‐utópico105.  O  Estatuto  tem  como  seus  inspiradores, 
tanto  o  discurso  jurídico  protetivo‐garantista  internacional  (caudatário  do  Direito  dos 
Direitos  Humanos),  quanto  a  práxis  da  Educação  Social  (FREIRE,  BULGARELLI)  que  se 
desenvolveu  inicialmente  como  ʺatendimento  alternativoʺ  no  Brasil,  através  da  Pastoral  do 
Menor  e  do  Movimento  Nacional  dos  Meninos  e  Meninas  de  Rua,  principalmente.  A 
Educação  Social  hoje  foi  incorporada  por  inúmeras  entidades  sociais  e  órgãos  públicos,  em 
todo  o  país.  Essa  ação  socioeducativa  estava  tradicionalmente  muito  mais  ligada  ao 
atendimento dos chamados ʺmeninos de ruaʺ e portanto de toda uma população em situação 
social de vulnerabilidade, de risco social e pessoal. Assim sendo, tradicionalmente para nós, 
ʺsocioeducaçãoʺ  é  fruto  da  Educação  Social,  isto  é,  uma  forma  de  intervenção  protetiva  em 
favor  de  socialmente  excluídos.  E  não  tanto  uma  forma  de  intervenção  sancionatória  na 
questão  do  atendimento  dos  adolescentes  infratores,  estabelecida,  no  Estatuto,  como  uma 
definição  jurídico‐formal,  resultando  na  aplicação  de  uma  medida  sancionatória106.  Seria  o 

104
BRANCHER, Leoberto Narciso. 1998. "Semântica da Exclusão"
105
No sentido progressista, em contra-oposição ao sentido conservador político-ideológico – apud Michael Lowi
106
Na verdade, não existem socialmente "adolescentes infratores". Não é essa uma categoria sociológica ou psicológica. E sim uma
categoria jurídica. São eles aqueles que o juiz os constitui como tal, após um procedimento processual formal e uma declaração também
formal, final. O juiz não "reconhece" o adolescente que comete crime como em uma situação social preexistente, intrínseca, não
"diagnostica" nenhum "erro social", nem declara a criminalidade como uma "situação de risco" ou uma "situação irregular". O juiz
não faz um "encaminhamento social" no caso, nem lhe prescreve uma "terapia social", na velha linguagem higienista do menorismo.
Na verdade, o juiz enquadra a ação do adolescente (não o adolescente, em si) em um tipo penal e lhe aplica uma sanção de natureza

54
caso,  de  se  ter  reservado  a  expressão  ʺsocioeducativoʺ  apenas    para  as  medidas  de  proteção, 
procurando‐se  uma  outra  expressão  para  designar  as  medidas  sancionatórias  especiais, 
aplicáveis aos adolescentes inimputáveis que praticavam crimes e contravenções (ʺinfraçõesʺ).  
Sob esse rótulo ambíguo, os programas de ʺapoio socioeducativo em meio abertoʺ são vistos, por 
alguns, como programas de ʺprevenção secundáriaʺ no enfrentamento das situações de conflito 
com  a  lei,    de  exploração  sexual  comercial,  de  exploração  laboral,  de  marginalização  e/ou 
abandono nas ruas... e por aí se vai. Excetuada a situação dos adolescentes em conflito com a 
lei  (autores  de  ato  infracional),  pelos  motivos  acima  expostos,    esse  tipo  de  programa  de 
proteção especial, desenvolvido para enfrentar tais circunstâncias de vida (como violações de 
direitos  humanos),  para  seu  sucesso  tem  que  se  desdobrar  em  tecnologias  sociais 
alternativas,  de  ponta,  ousadas,  especialmente  buscando  embasamento  nas  reflexões  e 
práticas  da  Educação  Social.  Esses  programas  de  apoio  socioeducativo  em  meio  aberto 
precisam    superar  o  que  de  tradicional  e  cediço  se  tem  oferecido,  através  das  políticas 
públicas sociais, para atender esse público, em caráter emergencial e vestibular, preparando‐
o  para  sua  inserção  em  programas  e  serviços  das  políticas  sociais  básicas,  nas  áreas  da 
assistência social, educação, saúde, trabalho, habitação etc.  Mutatis mutandi, é de se aplicar a 
este  programa  de  proteção  o  que  se  disse  atrás  de  relação  aos  serviços  de  ʺprevenção  e  apoio 
médico e psico‐social a vítimas (...)ʺ, na medida em que ambos são ações de proteção de direitos 
humanos  e  portanto  ambos  trazem  em  si  essa  característica  comum:  ʺcentros  de  atendimento 
inicial  integradoʺ,  ʺnúcleos  básicos  de  cuidadosʺ.  De  ordinário,  esses  programas  de  apoio 
socioeducativo  em  meio  aberto  têm‐se  consubstanciado,  principalmente  em  atividades  de 
cultura, lazer, esporte, profissionalização, realizadas em jornada alternada e complementar à 
jornada escolar. Tudo isso, com o fito maior de elevar os níveis de auto‐estima dos violados, 
considerando‐se  que  a  baixa  de  auto‐estima  (com  todas  as  suas  decorrências)  se  configura 
como a maior seqüela de determinadas violações dos Direitos Humanos Geracionais. Nesse 
ponto,  esta  o  nó  da  questão.  A  capacitação  profissionalizante,  a  arte,  o  esporte,  o  lazer,  por 
exemplo, não são objetivos em si desses programas, pois eles podem ser mais bem atingidos 
pelos  programas  próprios  de  suas  respectivas  políticas  públicas.  Na  verdade,  é  atividade‐
meio, são estratégias para se assegurar, inicial, precária e emergencialmente, uma promoção 
de  direitos  humanos.  Um  muito  bom  exemplo  de  um  serviço  dessa  natureza  parece  ser  o 
ʺCentro  Projeto  Axéʺ  (Salvador  –  Ba),  com  suas  oficinas  de  moda,  de  estamparia,  de 
reciclagem,  de  percussão,  de  dança  etc.,  com  seu  trabalho  de  apoio  à  inserção  na  escola 
formal (com garantia de permanência e sucesso), seu trabalho de re‐inserção familiar ou em 
habitações autônomas comunitárias. Dentro dessa linha, pode‐se mais registrar a experiência 
da  Casa  Renascer  em  Natal  (Natal  ‐  RN),  da  Casa  de  Oxum  da  Fundação  Cidade  Mãe 
(Salvador – BA), da Casa de Passagem e do SOS Corpo (Recife – PE). 
 

especial (não penal-retributiva, mas psico-pedagógica): Não existe no fundo nenhum "adolescente infrator" e sim "adolescente ao qual
se atribui a prática de ato infracional" ou "adolescente autor de ato infracional" - como precisamente o Estatuto define.

55
76.  Programas  de  abrigo    –  Por  fim,  aí  estão,  os  programas  protetivos  especiais,  em 
regime de abrigo temporário, desenvolvidos e operacionalizados ou, no modelo tradicional‐
institucionalizado,    por  entidades  (governamentais  ou  não  governamentais)  de  abrigo 
(abrigamento)  ou,  no  modelo  aberto,  por  “famílias  de  apoio”  (experiência  de  Franca  –  SP, 
p.ex.).  Ambos  válidos,  pois  só  a  conjuntural  local  definirá  a  necessidade  de  implantação  de 
um  ou  do  outro  modelo  (ou  de  um  modelo  misto!).  Esses    programas  específicos  (e 
conseqüentemente,  suas  unidades  de  execução)    servem  para  acolher  temporariamente 
crianças e adolescentes, enquanto se tenta re‐colocá‐los em suas famílias naturais (através dos 
programas  de  apoio  e  orientação  familiar  –  art.  90,  I  –  Estatuto)  ou  colocá‐los  em  famílias 
substitutas    (através  dos  programas  judiciais  de  guarda  e  adoção).  Seu  eixo  central  está  na 
restauração de vínculos familiares e comunitários – o mais vem por acréscimo. O objetivo de 
uma unidade de abrigo... é a de não ser necessitada, é sua precariedade, sua incompletude! 
Uma  boa  unidade  de  abrigo  (ou  família  de  apoio)  deve  se  preocupar  com  a  mais  breve 
permanência  possível  ali  do  abrigado.  Não  tem  ela  que  colocar  como  seu  objetivo  a 
construção  ali  de  um  verdadeiro  lar,  pois  ela  será  sempre  um  simulacro.  Sua  preocupação 
deve ser o retorno do abrigado à sua família e comunidade (se possível) ou articular‐se para 
que  seja  ela  entregue,  por  exclusiva  determinação  judicial,  a  outra  família,  em  regime  de 
adoção  ou  guarda  ou  ao  nomeado  tutor.    Às  unidades  de  execução  desse  programa  de 
abrigo,  vão  ser  levadas  crianças  e  adolescentes,  nessas  circunstâncias  acima,  por  decisão 
exclusiva  dos  juizes  da  infância  e  da  juventude  e  dos  conselhos  tutelares,  em  cada  caso 
concreto, apreciado individualmente107. E não por decisões de dirigentes ou agentes de outros 
programas  de  proteção  especial  (SOS‐CRIANÇA,  por  exemplo)  em  caráter  definitivo.  Em 
caráter  emergencial,  excepcionalmente,  um  dirigente  de  unidade  de  abrigo  poderá  receber 
criança  ou  adolescente  sem  prévia  autorização  da  autoridade  judiciária  ou  do  conselho 
tutelar,  mas  deverá  proceder  na  forma  do  art.  92  do  Estatuto,  fazendo  a  imediata 
comunicação a essas autoridades competentes, para sanar o vício.  
 
77. Pólos genéricos de atendimento protetivo especial. O chamado SOS‐CRIANÇA ‐ 
Interessante, porém, se torna registrar e analisar uma experiência disseminada pelo Brasil e 
denominada como Pólos ou Centros “SOS CRIANÇA”, Complexos de Defesa da Cidadania 
etc.    ‐  alguns  criados  com  bastante  clareza  a  respeito  das  ações  que  deveriam  desenvolver, 
outros  fazendo  lamentáveis  confusões.  São  eles  os  melhores  exemplos,  no  momento  de 
institucionalização concreta de certos serviços e programas outros de proteção especial para 
crianças  e  adolescentes  credores  de  direitos.  O  ideal  é  que  esses  “centros  integrados  de 
atendimento  inicial  a  crianças  e  adolescentes  vítimas  de  violações  de  direito”  (ou  melhor  dito,  
centros  integrados  de  proteção  especial  de  direitos)  se  disseminassem  mais  (em  nível  de 
municipalização) e se adaptassem um pouco mais aos princípios do Estatuto da Criança e do 
Adolescente.  Essencialmente,  devem  ser  eles  formatados  como  um  ʺserviço‐poloʺ,  isto  é,  um 

107
Nunca, indiscriminada e genericamente, através das higienistas e fascitóides "operações-arrastão"!

56
somatório  de  programas  ou  serviços  de  proteção  especial  de  direitos;  explicita  e 
assumidamente  implantados  e  implementados  como  órgãos  de  execução  da  política  de 
promoção dos direitos humanos geracionais. O importante é que de nenhuma maneira esse 
pólo  integrador  de  programas  de  proteção  especial  invada  atribuições  de  outros  órgãos  do 
sistema amplo de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente, como às vezes isso está 
acontecendo,  especialmente  de  relação  aos  Conselhos  Tutelares.    Se  eles  se  desenvolverem 
como  órgãos  de  execução  de  programas  de  proteção  especial  de  direitos  humanos  
geracionais,  eles  deverão  ser  considerados  ʺentidades  de  atendimentoʺ,  na  forma  do  Estatuto, 
sujeito às regras de funcionamento dessas entidades e integrando o Sistema de Promoção de 
Direitos. Daí porque nunca se deverão ser confundidos com  
ƒ os  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  já  que  esses  são  órgãos 
colegiados de normalização/monitoramento desses programas/serviços de proteção especial (Sistema 
de Controle dos Direitos);  
ƒ os  conselhos  tutelares,  vez  que  esses  são  órgãos  colegiados  que  funcionam  como 
contenciosos  administrativos  dirimindo  administrativamente  (não  jurisdicionalmente)  conflitos 
sociais, aplicando medidas especiais de proteção (Sistema de Garantia de Direitos);  
ƒ as  varas  da  infância  e  da  juventude,  órgãos  que  prestam  a  jurisdição,  administram 
justiça à população, dirimindo jurisdicionalmente conflitos de interesse, aplicando sentenças e outros 
despachos judiciais (Sistema de Garantia de Direitos). 
Tais “centros” (SOS‐CRIANÇA e assemelhados), desse modo, devem ser considerados 
como    “retaguardas  primárias”  para  os  órgãos  dirimidores  de  conflitos  e  aplicadores  de 
medidas restauradoras de direitos ameaçados ou violados (juizes da infância e da juventude 
e  conselhos  tutelares).  Esses  órgãos  precisam  de  serviços/programas  públicos 
governamentais e não governamentais que executem programas de atendimento, nos termos 
das medidas aplicadas. Por exemplo: se um conselho tutelar aplicar uma medida de proteção 
especial  de  “orientação,  apoio  e  acompanhamento  temporário”  (art.136,  II  –  Estatuto),  ele  deverá 
requisitar  ao  Poder  Público  (de  preferência  municipal)  que  um  programa  ou  serviço  de 
proteção especial atenda inicialmente, de maneira integrada essa criança ou esse adolescente, 
indicando  posteriormente  o  atendimento  complementar  e  definitivo  por  um  programa  ou 
serviço  das  demais  políticas  públicas  (assistência  social,  educação,  saúde  etc.).  Ora,  eles 
poderão funcionar como um pool de programas/serviços em regime protetivo especial (arts. 
87, III a IV e 90). Na verdade, ele não é nenhum órgão autônomo, permanente e obrigatório 
na rede de atendimento protetivo especial do Sistema de Promoção dos Direitos da Criança e 
do Adolescente, segundo o Estatuto. Ele deve obrigatoriamente ser criado por lei estadual ou 
municipal  (imprescindível,  nos  termos  da  Constituição)  e  regulamentado  por  ato 
administrativo  do  governo  estadual  ou  municipal.  E  nesse  ato  de  implantação  e 
implementação  se  dará  seu  perfil  institucional,  conforme  a  conveniência  administrativa  do 
ente público responsável por sua criação e manutenção. E aí se deverá definir: que tipos de 
programas de proteção especial de direitos humanos de crianças e adolescentes, previstos no 

57
Estatuto ou que a necessidade local indicar, deverão ser incluídos no rol de atribuições de um 
SOS‐CRIANÇA e seus assemelhados ?  Por exemplo:  
ƒ atendimento  (preventivo  e  curativo)  psico‐social,  médico  e  jurídico,  a  vítimas  de 
crimes sexuais, de maus tratos ou de torturas e maus tratos, que sejam partes em inquéritos policiais e 
ações  judiciais  e  que  estejam  submetidas  à  autoridade  de  um  conselho  tutelar  ou  de  uma  vara  da 
infância e da juventude;  
ƒ identificação  e  localização  e  recambiamento  de  crianças  e  adolescentes  desaparecidas  
(fuga do lar, por exemplo); 
ƒ prevenção e apoio em meio aberto a crianças e adolescentes nas variadas situações de 
abandono material ou intelectual (situação ʺde rua)ʺ; etc. etc. 
Seria  o  caso  de  se  definir:  onde  não  justifique  ainda  uma  unidade  autônoma  que  assuma 
especializadamente um dos programas  ou serviços de proteção especial (arts. 87, III e IV e 90 
– Estatuto), esses serviços e programas poderiam ser operacionalizados genericamente pelos 
Centros  SOS  CRIANÇA  (e  seus  assemelhados):  um  berçário  de  serviços  e  programas  de 
proteção especial. O cuidado na implantação e implementação deles deve ser no sentido de 
se  evitar  invasão  nas  atribuições  dos  conselhos  tutelares  –  estes  sim,  órgãos  permanentes, 
funcionalmente  autônomos,  a  funcionarem  como  contenciosos  administrativos  (ʺnão‐
jurisdicionaisʺ).  Devem  existir  para  atender  às  necessidades  dos  conselhos  tutelares  (e  juizes 
da  infância  e  da  juventude)  e  não  o  contrário.  A  dúvida  fica  agora  sobre  a  questão  dos 
centros  integrados  de  proteção  especial  de  direitos  (SOS‐CRIANÇA  etc.),  como  ʺportal 
emergencialʺ,  antecedendo  o  atendimento  pelos  conselhos  tutelares.  Pelo  Estatuto,  o  plantão 
dos conselhos tutelares deveria dar conta desse atendimento primeiro e vestibular. Assim se 
pensa seja um conselho tutelar: o primeiro atendimento para apuração da situação e solução 
pela  via  administrativa.  Mas,  isso  não  acontecendo,  poder‐se‐ia  pensar  em  atribuir  a  tais 
centros integrados de proteção especial de direitos esse papel emergencial e extraordinário, 
contanto  que  de  imediato  repasse  o  caso  ao  conselho  tutelar,  para  regularização  do 
atendimento emergencial extraordinário, para apuração e solução legal e legítima. 
 
D. OS PROGRAMAS SOCIOEDUCATIVOS 
 
78. Características gerais – Esses programas (?) foram previstas como instrumentos de 
enfrentamento  das  situações  de  conflito  com  a  lei,  isto  é,  destinados  ao  atendimento  dos  
adolescentes aos quais se atribui a prática de ato infracional ou adolescentes autores de atos 
infracional  (programas  de  internação,  de  semiliberdade  e  de  liberdade  assistida).  Os 
programas socioeducativos são, em princípio, uma prestação direta de serviço administrativo 
pelo  Poder  Executivo,  sob  controle  processual  difuso  ou  direto  do  Poder  Judiciário, 
fiscalização do Ministério Público e das entidades competentes da sociedade civil e controle 
interna  (gestão)  dos  Conselhos  dos  Direitos.  Como  programas  do  campo  dos  Direitos 
Humanos,  são preenchidos substantivamente, com conteúdos da áreas das políticas públicas 
que se quer especificamente proteger, em cada situação em concreto: direitos fundamentais 

58
na área da educação, saúde, cultura, lazer,  trabalho e profissionalização, segurança pública, 
assistência  social,  habitação  etc.  Dentro  dessa  linha,    têm  uma  função  ética  e  educativa,  de 
impulso histórico  para a elevação moral e intelectual do seu público‐alvo. E formalmente são 
apresentados  através dos  mecanismos  de  proteção  jurídica‐social  daqueles  que  têm  direitos 
violados  e  de  responsabilização/sanção  daqueles  que  estão  em  conflito  com  a  lei.  Desse 
modo,  os  programas  socioeducativos,  sendo  programas  de  promoção  de  direitos  humanos, 
devem  se  apresentar  portanto  como  programas  formalmente 
responsabilizadores/sancionadores  jurídicos e substancialmente educativos 
 
 
E. SERVIÇOS E PROGRAMAS DAS DEMAIS POLÍTICAS PÚBLICAS  
 
79.  Características  gerais  ‐  Em  uma  segunda  linha  estratégica  de  atendimento,  a 
política de promoção de direitos da criança e do adolescente108 (como a política de promoção 
de direitos humanos o faz, de maneira geral) deve fomentar, facilitar, articular a inclusão de 
seu  público‐alvo  de  credores  de  direitos,  a  partir  daqueles  seus  serviços  e  programas 
específicos  de  proteção  especial  e  socioeducativos  (primeira  linha  estratégica,  atrás 
analisados),  nos  programas  e  serviços  das  demais  políticas  públicas,  especialmente  das 
políticas sociais básicas: educação, saúde, assistência social, trabalho, previdência, segurança 
pública,  cultura,  desporto  etc.Assim  sendo,  a  política  de  promoção  dos  direitos  (e  seu 
decorrente  Sistema  político‐institucional)  lança  seu  público  de  crianças  e  adolescentes 
credores  de  direitos  de  adolescentes  em  conflito  com  a  lei  ‐  ad  intra  ‐  aos  braços  dos 
“cuidadores”, operando nos seus serviços e programas de proteção especial (cuidado premial) 
e de socioeducação (cuidado sancionatório). Entretanto, essa missão da política de promoção 
de  direitos    ‐  ad  extra  do  seu  estrito  Sistema  de  Promoção  –  de  inclusão  privilegiada  e 
acompanhada  nos  serviços  e  programas  das  demais  políticas  públicas  (educação,  saúde, 
assistência  social  etc.),  na  prática  cotidiana,  sofre  algumas  ambigüidades:  algumas  vezes,  a 
política  de  promoção  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  é  vista  apenas  como  mera 
articulação  das  políticas  sociais  (garantir  acesso  à  escola,  por  exemplo),  outras  vezes,  ela  é 
reduzida aos seus programas de proteção especial (abrigo, por exemplo) ou socioeducativos 
(internação,  por  exemplo).  O  ideal  é  se  assegurar  que  ela  (como  toda  política  em  favor  de 
Direitos  Humanos)  tem  como  missão  última  o  asseguramento  do  acesso  qualificado  de  seu 
público  a  quaisquer  dos  serviços  e  programas  de  todas  as  políticas  públicas.  E  ao  mesmo 
tempo, para isso atingir como ponto‐ômega, essa política aqui em foco precisa do apoio dos 
seus serviços e programas específicos109, numa linha nitidamente estratégica. 
 
80. Exemplificando ‐ Assim, poder‐se‐iam elencar, como metas estratégicas da política 
de  promoção  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  algumas  das  inúmeras  indicações  – 
108
Insistindo na lembrança: a mesma coisa que “política de atendimento de direitos” – cfr. art.86 – Estatuto cit.
109
Arts. 87, III e V e 90 – Estatuto cit.

59
por  exemplo  –  contempladas  no  “Relatório  da  Sociedade  Civil  sobre  a  Situação  dos  Direitos  da 
Criança  e  do  Adolescente  no  Brasil”110;  tanto  referentes  especificamente  aos  Sistemas  de 
Garantia,  Promoção  e  Controle  dos  Direitos  da  Criança  e  do  Adolescentes111  (por  exemplo, 
“implementação de programas oficiais de proteção a testemunhas e vítimas de crimes contra crianças e 
adolescentes”,  “criação  de  unidades  de  internação  provisória  em  espaço  físico  de  das  unidades  de 
internação  provisória”)  ,  quanto  referentes  genericamente  aos  Sistemas  de  Educação  e  de 
Saúde112 (por exemplo, “investimento em programas de nutrição infantil, com ênfase ma faixa entre 
12  e  60  meses”,  “fortalecimento  do  acompanhamento  e  do  controle  social  da  totalidade  dos  recursos 
destinados  à  educação”).  Em  ambos  casos,  se  estaria  procurando  operacionalizar  a  política  de 
promoção dos direitos da criança e do adolescente, em suas 2 linhas estratégicas de ação, na 
forma do artigo 87 do estatuto da Criança e do Adolescente. 

 
VII. A DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: A 
EXPERIÊNCIA EMBLEMÁTICA DOS CONSELHOS TUTELARES 
 
A. A ESSÊNCIA DOS CONSELHOS TUTELARES 
 
81. Generalidades ‐ Nos tempos atuais, talvez sejam os conselhos tutelares os espaços 
públicos  institucionais  mais  controvertidos,  como  instrumento  de  proteção  e  direitos 
humanos,  dentro  no  Sistema  de  Garantia  dos  Direitos  da  Criança  e  do  Adolescente.  E,  ao 
mesmo  tempo,  os  mais  emblemáticos  do  “novo  regime”...  dos  novos  tempos.  No  fundo,  são 
eles o que de mais original e inovador se criou com o Estatuto da Criança e do Adolescente, 
de  relação  à  nossa  tradição  jurídico‐normativa  e  político‐institucional.  Caminhos  novos  a 
serem trilhados... razão de confusões, ambigüidades, descaminhos, tropeços, surpresas. Com 
tudo  isso,  porém,  temos  muito  caminho  andado...  mas  com  muito  caminho  a  se  andar 
também.  Talvez,  ao  se  refletir  sobre  a  essencialidade  desses  conselhos  tutelares,  sobre  sua 
intrínseca natureza, boa luz poder‐se‐ia lançar sobre esse  novo modo de caminhar: sobre as 
novas  estratégias  (espaços  e  mecanismos  estratégicos)  de  proteção  dos  direitos  humanos 
geracionais e mais especificamente sobre o Sistema de Garantia de Direitos.  
 
82. Natureza jurídica dos conselhos tutelares - Os conselhos tutelares são órgãos públicos, instituídos, criados,
organizados e com seu funcionamento regulado, por normas legais: o Estatuto da Criança e do Adolescente e leis
municipais. São eles órgãos públicos e não instâncias organizativas da sociedade civil: eles integram o Poder Público, a
Administração Pública. O fato de serem compostos por agentes públicos, escolhidos pelas comunidades que integram a
sociedade, não faz deles “organizações representativas da sociedade” (arts. 204, II e 227, §7° - Constituição federal), isto
é, entidades sociais, organizações não governamentais. Estão eles incumbidos "pela sociedade de zelar pelos direitos de
crianças e adolescentes"; mas, quando o povo investe de poder político-administrativo um determinado operador, ele o
está institucionalizando como agente público estatal.Certo ranço antiestatal, a permear ainda o ideário das nossas

110
Relatório apresentado ao Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas (Genebra), pela ANCED, com a adesão do
Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – DCA e de outras entidades (2004)
111
Capítulos 1, 4 e 5 – Relatório citado
112
Capítulos 2 e 3 – Relatório citado

60
organizações sociais, leva às vezes a se marcar a máquina do estado como intrinsecamente antidemocrática; propugnando
por instâncias não-estatais paralelas alternativas (mas sem capacidade de alteridade...) de relação ao estado. Esquecidos que
a verdadeira luta do atual momento histórico é a democratização real do estado, é a ampliação da sua concepção para
incluir nela tanto a sociedade política113), como a sociedade civil organizada - uma marcando a outra. Se fossem
organizações representativas da sociedade não poderia uma norma estatal, uma lei, criá-los, organizá-los. A Constituição
federal (art. 5º, XVII) consagra o princípio da plenitude da liberdade de associação para fins lícitos. As organizações
representativas da sociedade nascem da vontade da própria sociedade, dos seus componentes. Leis, nacional e municipal,
devem instituí-los, criá-los e regulá-los. A norma nacional de proteção os institui, dando-lhes atribuições e define
parâmetros gerais para que leis municipais os criem, os estruturem, organizem, disponham sobre seu funcionamento e sobre
o regime jurídico de seus membros. 
Em  face  disso,  o  Estatuto  citado  não  poderia  ir  além  do  que  foi  na  instituição  dos 
conselhos  tutelares.    Essa  lei  federal  em  verdade  é  uma  norma  nacional  de  “proteção  da 
infância  e  da  juventude”,  como  prevista  no  art.  24,  XV  da  Constituição  federal.  Compete    à 
União legislar, como fez com o Estatuto, sobre esta matéria concorrentemente com os Estados 
federados,  estando  ela  limitada  à  expedição  de  “normas  gerais”  (§1°  –  art.  cit.).  Por  sua  vez, 
normas legais estaduais poderão, em caráter “complementar” (§2° – art. cit.), legislar a respeito 
dos conselhos tutelares, respeitados os limites estabelecidos no art.30 da Constituição federal, 
no que diz respeito à competência dos municípios para legislarem.  
Em conclusão, em termos práticos: 
ƒ O  Estatuto,  em  princípio,  como  norma  programática  de  aplicação  imediata 
institucionaliza os conselhos tutelares obrigatoriamente como integrantes de um sistema de 
garantia dos direitos de crianças e adolescentes, em todo o país. 
ƒ Mas,  a  regulamentação  complementar  do  seu  papel  de  proteção  especial,  nos 
casos de violação/ameaça de direitos, poderá vir contemplada em leis estaduais; 
ƒ Todavia, obrigatoriamente, uma lei municipal, deverá dispor sobre sua criação 
formal  no  âmbito  de  um  determinado  município,  sobre  sua  estruturação,  organização  e 
funcionamento e sobre o regime jurídico de seus membros. 
ƒ A não‐criação do conselho tutelar pelo município deverá implicar numa sanção, 
como impõe o Estatuto (artigo 261): fica vedado o repasse de verbas pelo Estado e pela União 
para  o  desenvolvimento  de  programas  na  área  da  infância  e  da  adolescência,  nesse 
município, enquanto essa providência não for cumprida; inclusive ensejando o ajuizamento 
de  competente  ação  civil  pública  pelo  Ministério  Público  ou  por  entidade  social  que  tenha 
legitimidade processual. 
 
Os  conselhos  tutelares  são  órgãos  públicos  integrantes  do  Poder      Executivo 
municipal  ‐  Os  conselhos  tutelares  integram  o  Poder  Executivo,  uma  vez  que,    em  se 
tratando  de  órgãos  públicos  estatais,  forçosamente    terão  eles  que  se  inserir  em  um  dos  3 
Poderes  estatais,  independentes  e  harmônicos,  entre  si:  Legislativo,  Executivo  ou  Judiciário 
(salvo  no  caso  do  Ministério  Público,  por  força  de  dispositivos  expressos  da  Constituição 
federal).  

113
GRAMSCI. Antonio - “governo dos funcionários”

61
Ora, considerando‐se sua função de aplicador da lei em casos concretos e sua condição 
de  ʺórgão  não  jurisdicionalʺ  (Estatuto  cit.),  aplicando  medidas  administrativas  especiais  de 
proteção a todas as crianças e todos os adolescentes que delas necessitarem – obviamente há 
que se tê‐lo como órgão especial do Poder Executivo. Mais especificamente: órgãos do Poder 
Executivo municipal. 
O Estatuto remete a leis municipais sua criação e regulação. Cai essa normalização no 
âmbito  da  competência  legislativa  do  município  (art.30  –  Constituição  federal),  para  dispor 
sobre “organização de serviços públicos de interesse local”. Aqui está muitas vezes o calcanhar de 
Aquiles do funcionamento de alguns conselhos tutelares: a má normalização. Como se trata 
de  exercício  de  atividade  legisferante  complementar,  os  legisladores  municipais  disso 
esquecem e acabam abandonando as normas gerais nacionais (ou estaduais, nos raros casos 
existentes),  incluindo  disposições  que  se  conflitam  com  essas  normas.  Todavia,  o  mais 
comum  é  a  lei  municipal  normalizar  de  maneira  incompleta,  deixando  de  regular  alguns 
pontos  básicos  da  implementação,  organização  e  funcionamento  dos  conselhos  tutelares 
naquele  município.  E  –  mais  comum  ainda!  –  deixando  de  regular  o  regime  jurídico  dos 
conselheiros tutelares. 
É  imprescindível  que,  na  elaboração  das  leis  municipais  referentes  aos  conselhos 
tutelares, o poder público municipal (Chefe do Poder Executivo) leve em conta dois pontos 
de partida fundamentais. O primeiro diz respeito à participação da população especialmente 
das  suas  organizações  representativas  (num  sentido  amplo,  envolvendo  também  as 
comunidades,  associações,  as  organizações  eclesiais,  os  sindicatos  etc.).  O  segundo  diz 
respeito à observação das normas legais de hierarquia superior e os parâmetros orientadores 
estabelecidas pelos conselhos dos direitos da criança e do adolescente (em seus três níveis).  
Em conclusão:  
a) Devem  as  leis  municipais  dispor  livremente  sobre  criação,  estruturação, 
organização  e  funcionamento  dos  conselhos  tutelares  e  sobre  o  regime  jurídico  dos 
conselheiros tutelares;  
b) Devem todavia obedecer aos parâmetros mínimos estabelecidos no (*) Estatuto, 
(*)  nas  leis  estaduais  de  proteção  à  infância  e  adolescente  (caso  editadas),  (*)  nas  normas 
regulamentares específicas do CONANDA114  e (*) dos conselhos dos direitos da criança e do 
adolescente115. 
 
Órgãos  especiais,  funcionalmente  autônomos  e  administrativamente  vinculados  a 
um  Órgão  de  Administração  Superior  do  Poder  Executivo  municipal  ‐  Os  conselhos 
tutelares,  em  face  da  dogmática  jurídica,  são  órgãos  da  administração  centralizada,  sem 

114
"Parâmetros para criação de Conselhos Tutelares" - Resolução n. 75
115
Por exemplo: CEDCA-CEARÁ - "Guia Metodológico para criação dos Conselhos Tutelares e dos Direitos da Criança e
do Adolescente". Tomo I – Coleção Ciranda dos Direitos.

62
personalidade jurídica própria  116. E portanto sem possibilidade, por exemplo, de  possuírem 
CGC próprio, diverso daquele da entidade estatal. Nos municípios que lhes são concedidos 
equivocadamente  CGC  pelos  órgãos  fazendários  federais,  são  esses  conselhos  classificados, 
na Fazenda Nacional, como ʺassociaçõesʺ, isto é, entidades não governamentais, o que implica 
numa situação ilegal, a merecer urgente reparo, pena de responsabilização (inclusive penal) 
dos responsáveis pela declaração falsa e conseqüente  situação.  
Autonomia  administrativa  e  financeira  não  têm  esses  conselhos,  aos  moldes  das 
entidades  da  administração  descentralizada:  o  artigo  172  do  decreto‐lei  200/67  dispõe  que  
essa  se  concederá  pelo  estado,  ʺno  grau  conveniente,  aos  serviços  aos  serviços,  institutos  e 
estabelecimentos  incumbidos  da  execução  de    atividades  de  pesquisa  ou  de  ensino  ou  de  caráter 
industrial,  comercial  ou  agrícola,  que  por  suas  peculiaridades  de  execução  e  funcionamento  exijam 
tratamento diverso do aplicável aos demais órgãos da administração direta (...)ʺ.  
Assim sendo, só o reconhecimento, formal e explícito, por lei, de determinados graus 
de autonomia administrativa e financeira garantirá tal condição a esses colegiados. Nenhuma 
inferência, em sentido diverso, se poderá fazer a partir do texto do Estatuto, pois onde essa 
autonomia administrativo‐financeira não estiver claramente permitida, proibida está: este, o 
princípio de direito aplicável à espécie, no campo do Direito Administrativo. O Estatuto não 
a explicita em nenhum dos seus dispositivos. Quando ele fala em ”autonomia” dos conselhos 
tutelares, o faz, no sentido da autonomia funcional, como se verá adiante. 
Esses  conselhos  são  órgãos  públicos  administrativos  especiais:  estão  apenas 
vinculados  administrativamente,  em  linha  lateral,  a  um  órgão  administrativo  superior,  de 
âmbito  municipal  (Secretaria  municipal,  por  exemplo),  que  lhes  assegura  uma  ʺtutela 
administrativa de apoio institucionalʺ: isto é, dotação orçamentária, recursos humanos de apoio 
e material, equipamento e instalações.  
Todavia,  são  funcionalmente  autônomos,  isto  é,  sem  qualquer  subordinação 
hierárquica a nenhuma instância administrativa superior. Essa autonomia funcional garante‐
lhes  que  de  suas  decisões  deliberativas  não  cabe  recurso  administrativo  hierárquico  para 
nenhuma  instância,  qualquer  que  seja.  E  sim,  controle  judicial  da  legalidade  dos  seus  atos, 
por provocação de quem tenha legitimidade processual para tanto.  
Muitas  vezes,  se  tem  observado  que  juizes  e  promotores  de  justiça  intervêm 
indevidamente  nos  Conselhos  Tutelares,  como  se  foram  seus  ʺsuperiores  administrativos 
hierárquicosʺ,  desrespeitando  a  autonomia  funcional  dos  conselhos  tutelares,  prevista  no 
Estatuto.  Prática  estranha  e  perigosa  essa,  pois  se  configura  numa  franca  usurpação  de 
poderes,  numa  intervenção  ilegal  de  um  Poder    (Judiciário  e  Ministério  Público,  estaduais) 
sobre outro (Executivo, municipal) Não existe nenhuma linha de subordinação ou vinculação 
administrativa  entre  juizes,  promotores  e  delegados  de  polícia  –  por  exemplo  –  e  os 
conselheiros tutelares. 

116
DONIZETI LIBERATI, Wilson & CYRINO, Público Caio B. 1997: "Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do
Adolescente". São Paulo. Malheiros Editores.

63
Existe sim, o poder do Ministério Público de fazer “recomendações” ao conselho tutelar, 
nos  termos  do  art.  201,  §  5°,  ʺcʺ,  do  Estatuto  –  como  a  qualquer  autoridade  pública.  O 
conselho  tutelar,  na  esfera  da  sua  autonomia,  cumpre  ou  não  a  ʺrecomendação  público‐
ministerialʺ. Em não cumprindo, se sujeita a ser pólo passivo de uma ação judicial, ajuizada 
pelo  representante  do  Ministério  Público,  se  couber  –  caindo  assim  na  esfera  do  controle 
judicial dos atos administrativos. 
De relação ao Poder Judiciário, prevê o Estatuto uma única forma de intervenção legal 
e  legítima  dele,  de  relação  às  deliberações  de  um  conselho  tutelar:  processualmente,  via 
sentença.  Insurgindo‐se  o  Ministério  Público  ou  qualquer  interessado  (isto  é,  quem  tenha 
legitimidade  processual,  como  pais  ou  responsável  legal  da  criança  ou  adolescente)  de 
relação  a  uma  decisão  do  conselho  tutelar  ou  de  um  conselheiro  singular,  poderão  eles 
ajuizar  ações  (ação  civil  pública,  mandado  de  segurança  etc.),  perante  a  Vara  Infância  e  da 
Juventude,  para  controle  judicial  (formal)  do  ato  administrativo  emanado  do  conselho 
tutelar. 
 
Os Conselhos Tutelares são órgãos colegiados e não singulares ‐ Outra peculiaridade 
que  integra  sua  natureza  jurídica,  faz  do  conselho  tutelar  (como  obviamente  diz  o  nome) 
essencialmente um colegiado. Isto é, um órgão integrado por vários agentes públicos, o que 
faz com que seus atos administrativos sejam atos jurídicos complexos formais, emanados de 
uma decisão colegiada e não de um agente singular.  
Em  situações  especiais  (situações  emergenciais  e  urgentes  ou  atos  protocolares  de 
representação),  sempre  previstas  na  própria  lei  e  no  seu  regimento  ou  decorrentes  de 
delegação expressa do plenário colegial, esses atos podem ser praticados pela sua direção ou 
por  qualquer  dos  seus  membros  isoladamente    e  referendados  posteriormente  pelo 
colegiado. 
No  dia  a  dia,  os  conselheiros  tutelares  atendem  separadamente  as  mais  diversas 
situações  de  ameaças  ou  violações  de  direitos  de  crianças  e  adolescentes.  Principalmente, 
quando  estão  em  plantões  ou  em  regime  de  sobre‐aviso.  Mas  precisa  ficar  bastante  claro  o 
seguinte: seus atos deliberativos (aplicação de medidas, representações ao Ministério Público, 
encaminhamentos  ao  Judiciário,  requisições,  notificações  etc.  etc.)    só  podem  ser  emanados 
do  colegiado,  originalmente  ou  referendados.  Atos  decisórios  isolados  de  conselheiros 
tutelares não têm validade jurídica. 
 
Natureza  político‐institucional  dos  conselhos  tutelares.  Mecanismos  politico‐
institucionais  de  construção  de  um  novo  modelo  de  gestão  pública  ‐    A  experiência  dos 
conselhos tutelares, no Brasil, se justifica ‐  política e institucionalmente ‐ como forma de se 
garantir a  

64
9 participação  popular  na  gestão  do  poder,  no  desenvolvimento  dos  negócios 
públicos pelo estado117.;  e a 
9 desjudicialização da operacionalização das políticas sociais. 
Os  conselhos  tutelares,  por  sua  natureza,    são  contenciosos  administrativos,  criados 
para assumirem a solução de conflitos pela via administrativa, para aplicarem a lei em casos 
em concreto. Diz o Estatuto, com má técnica legislativa: ʺórgãos não jurisdicionaisʺ; como se a 
declaração de uma condição negativa fosse uma definição de sua natureza, pois não se diz o‐
que‐  algo‐é,  dizendo‐se  o‐que‐ele‐não‐é.  Seria  o  caso  de  se  interpretar  a  expressão  como 
ʺórgão contencioso não‐jurisdicionalʺ,  em função das suas atribuições. 
No passado recente, as questões sociais que envolviam crianças e adolescentes, típicas 
de solução por via de políticas públicas, eram levadas e submetidas ao contencioso judicial, 
isto  é,  aos  antigos  Juízes  de  Menores  –  um  misto  de  magistrado,  assistente  social,  prefeito, 
primeira‐dama, “pai e provedor”. 
Assim, as confusões maiores sobre a real natureza e missão político‐institucional dos 
conselhos tutelares nascem de um entendimento equivocado sobre o que sejam intervenção 
judicial  e  intervenção  político‐administrativa,  isto  é,  entre  prestação  jurisdicional 
(administração  de  justiça)  e  gestão  dos  negócios  públicos  (desenvolvimento  de  políticas 
públicas). 
 
Relações  entre  conselhos  tutelares,  estado  e  democracia:    a  marca  dominante  da 
participação  popular,  como  essência  da  experiência  desses  conselhos  ‐  Os  conselhos 
tutelares não são mais, nem menos democráticos que aqueles órgãos públicos constituídos ou 
através  da  representação  da  sociedade  por  eleição  (senadores,  governadores,  prefeitos, 
vereadores etc.) ou através da participação direta (conselheiros dos direitos, p. ex.) ou através 
da investidura legal por nomeações, livres118 ou via concurso público (secretários de estado, 
funcionários  públicos,  juizes,  promotores  etc.).  Os  conselhos  tutelares  são  instrumentos  do 
Estado Democrático de Direito como os outros o são. A questão é se saber que entendimento 
se  tem  de  estado  e  de  democracia,  para  se  entender  a  natureza  político‐institucional  desses 
conselhos .  
 
Papel  político‐administrativo  dos  conselhos  tutelares:  a  marca  dominante  da 
desjudicialização  da  execução  de  políticas  públicas,  como  essência  da  experiência  desses 
conselhos  ‐  A  partir  dessa  visão  ampliada  do  Estado  Democrático,  os  espaços  públicos  de 
linha  participativa,  como  os  conselhos  tutelares,  do  mesmo  modo  como  os  conselhos  dos 
direitos  da  criança  e  do  adolescente  (como  se  verá  adiante)  devem  ser  vistos  sob  dupla 
perspectiva: 
‰ organizações burocráticas; e 

117
Constituição federal – artigos 227, §7º e 224, II.
118
Cargos ou funções comissionadas, de livre nomeação e exoneração ad nutum

65
‰ espaços de poder político. 
 
Organizações  burocráticas  ‐  Os  conselhos  tutelares  precisam  se  fortalecer, 
preliminarmente, como ʺorganizações burocráticasʺ. A idéia de ʺequipamento burocrático estatalʺ 
não pode realmente esgotar toda a potencialidade e a riqueza do papel político‐institucional 
de um conselho dessa natureza. Mas, não se a pode desprezar como sem importância nesse 
trabalho de construção geral desse papel, a fazê‐los instrumento efetivo do poder estatal. O 
asseguramento  de  condições  mínimas  de  estruturação  e  funcionamento,  dignos  para  o 
conselho é condição essencial para a construção do seu papel político‐institucional. 
Um espaço público institucional, como esse , não sendo eficiente administrativamente, 
muito dificilmente se tornará eficaz. Isto é, sem bons resultados administrativos, difíceis bons 
impactos sociais e políticos. 
Um conselho tutelar que esteja mal instalado, quanto à sua sede, que não tenha apoio 
administrativo suficiente e com a devida qualificação, que não tenha equipamentos essenciais 
atualizados (computador, telefone, fax, copiadora – por exemplo) – obviamente vai ter o seu 
desempenho  bastante  comprometido.  Não  que  a  falta  disso  impeça  absolutamente  o  
fortalecimento desses conselhos como ʺlugares de poder políticoʺ ‐  essas mazelas burocráticas 
são fatores condicionantes e não rigidamente determinantes.  
Na verdade e na prática, tudo isso se torna um autêntico  ʺcírculo viciosoʺ. Pois quanto 
mais efetivo seu ʺpoder políticoʺ, mais se fortalece burocraticamente um conselho tutelar. E ao 
mesmo  tempo,  quanto  mais  fortalecido  burocraticamente  um  conselho  desses,  mais  efetivo  
deveria  se  tornar  esse  seu  ʺpoder  políticoʺ.  São  como  duas  frentes  de  luta  que  se 
complementam. 
O  perigo  é  quando  conselheiros  tutelares  se  esquecem  do  papel  político,  da  missão 
maior  do  conselho  e  se  reduzem  a  uma  luta  corporativa  para  criar  melhores  condições  de 
trabalho para si, colocando a atividade‐meio acima da atividade‐finalística. 
O  fortalecimento  burocrático  dos  conselhos  tutelares  depende  visceralmente  de  que 
tenham,  uma  estrutura  organizacional  pública  que  lhe  dê  apoio  administrativo.  Em  sendo 
órgãos administrativamente vinculados a um órgão da administração superior do município 
(Gabinete  do  Prefeito,  Secretaria  Municipal  de  Desenvolvimento  ou  Ação  Social,  por 
exemplo) compete a esse órgão de tutela administrativa garantir obrigatoriamente tudo isso: 
instalações,  equipamentos,  material  permanente,  material  de  consumo,  transporte  quando 
necessário, pessoal técnico e de apoio administrativo. 
A depender do tamanho do município, da sua população, dos níveis de violação dos 
direitos de crianças e adolescentes essa estrutura administrativa poderá variar.  
Num grande município (Capital, por exemplo) se justifica que o conselho tutelar tenha 
sua sede, em prédio destinado a ele especificamente, com um número de dependências que 
permita  a  instalação  de  sua  secretaria  de  apoio,  de  sua  sala  de  reuniões,  de  gabinetes  de 
atendimento reservado – por exemplo. Justifica‐se que o conselho tenha seu veículo próprio, 
computadores para cada conselheiro, telefone privativo. Justifica‐se que tenha servidores de 

66
apoio administrativo, colocados especialmente a sua disposição  Ora, qualquer Setor, Secção 
ou  Divisão  da  máquina  pública  tem  esse  mínimo,  sem  provocar  escândalos  ou  desfalques 
maiores.  Pelo  menos,  que  se  trate  esse  “filho  mais  moço”,  com  os  mesmos  cuidados  e 
privilégios que garante aos seus “irmãos mais velhos”. É só uma questão de vontade política, 
de  se  reconhecer  que  a  proteção  e  garantia  dos  direitos  de  crianças  e  adolescentes  é  uma 
prioridade absoluta, como reconhece a Constituição federal. 
Mas, em cidades menores, justificável seria que o conselho ocupasse, no mínimo, duas 
salas de um próprio municipal, que fosse compatível com a dignidade de suas funções e com 
as  necessidades  tanto  de  privacidade,  no  atendimento  do  seu  público,  quanto  de 
proximidade  dessa  população.  O  transporte  poderia  ser  compartilhado  e  requisitado 
justificadamente  para  atuação  na  sua  área  de  competência  (território  do  Município).  O 
telefone se torna muito difícil de compartilhamento diante das peculiaridades e necessidades 
do  conselho,  que  o  precisa  como  instrumento  de  trabalho  cotidiano  e  como instrumento  de 
integração  ao  Sistema  de  Informação  para  a  Infância  e  Adolescência  –  SIPIA  (em  nível 
estadual e  nacional). O pessoal administrativo poderá se reduzir a um servidor burocrático 
ali lotado e a técnicos designado ad hoc, quando se fizer necessário , em cada caso concreto, 
mediante  requisição  do  conselho  ao  dirigente  municipal  competente  (assistentes  sociais, 
psicólogos, advogados, pedagogos etc.). 
O  não  atendimento  dessas  necessidades  desse  órgão  permanente  e  essencial  do 
chamado  ʺSistema  de  Garantia  dos  Direitos  de  Crianças  e  Adolescentesʺ,  salvo  melhor  juízo, 
justifica (por provocação expressa e formal do conselho tutelar prejudicado) a intervenção do 
Ministério  Público:  ou  fazendo  as  recomendações  público‐ministeriais,  ou  propondo 
ajustamentos  de  conduta  ou  instaurando  inquéritos  civis  ou  ajuizando  diretamente  ações 
civis públicas, contra o Poder Público Municipal, na forma da legislação vigente. 
 
Espaço  de  poder  político  ‐  Mas,  a  autoconstrução  como  ʺespaço  de  poder  político” 
deverá ser a grande tarefa, no momento, dos conselhos tutelares, dos conselhos dos direitos 
da  criança  e  do  adolescente  e  dos  seus  membros.  Eles  têm  que  se  tornar  grandes  aliados, 
nessa autoconstrução, um fortalecendo o outro. Estrategicamente, na atual conjuntura, esse é 
o objetivo mais urgente e importante a ser alcançado, pelo movimento de luta pelos Direitos 
Humanos  de  Geração  (crianças  e    adolescentes)  –  fazer  desses  conselhos,  reais  espaços  de 
poder político! O conselho tutelar, bem como os conselhos dos direitos, não podem ser ʺmais 
um  órgão  burocrático  dentre  muitosʺ,  sempre  caudatários,  a  reboque  de  outras  instâncias  da 
sociedade civil e do governo – meramente, reativos.  
Eles  precisam,  ambos,  construir  urgentemente  sua  proatividade,  sua  participação 
protagônica nas discussões e nas deliberações a respeito do atendimento (na defesa, um, na 
promoção  o  outro)  dos  direitos  de  crianças  e  adolescentes:  real  e  efetivo  ʺespaço  político  de 
poderʺ.  E  tal  poder  político,  eles  adquirem,  quando  se  abrem  para  a  sociedade,  ouvindo‐a  e 
possibilitando  a  sua  participação,  a  explicitação  dos  conflitos  de  interesses  entre  classes 
sociais, entre categorias, gerações, gêneros, orientações sexuais, regiões, etnias, raças etc.  

67
Eles  devem  exercitar  seu  papel  político‐administrativo,  que  faz  com  este  tipo  de 
intervenção  o  diferencie  de  um  órgão  de  intervenção  judicial.  Para  tanto  os  conselhos 
tutelares precisam se tornar potencializadores estratégicos das políticas públicas em favor da 
infância e da adolescência, atuando como : 
‰ aparelhos coercitivos e de integração;  
‰ instâncias de mediação; e 
‰ dirimidores de conflitos sociais 
E  como  tal,  eles  devem  exercitar  seu  papel  político‐administrativo,  que  faz  com  este 
tipo de intervenção o diferencie de um órgão de intervenção judicial.  
 
Instrumentos de integração e coerção ‐  A capacidade de integrar operacionalmente, 
de maneira ampla, os diversos atores sociais, com legitimidade reconhecida é realmente uma 
importante estratégia potencializadora.  
Enquanto  os  conselhos  dos  direitos  são  os  grandes  articuladores  políticos,  os 
conselhos tutelares são os integradores operacionais. O primeiro na normalização e controle 
da política de promoção dos direitos da criança e do adolescente e o segundo na execução em 
concreto dessa mesma política, prevista no Estatuto (art. 86). 
Quando  um  direito  for  violado  ou  ameaçado,  compete  ao  conselho  tutelar  aplicar 
especiais  de  proteção  e  isso  ele  faz  requisitando  serviços  da  área  da  “saúde,  educação, 
segurança, serviço social, trabalho e previdência” (art. 136, III, “a” ‐ Estatuto) – isto é, integrando  
operacionalmente  esse  serviços,  como  forma  de  reconhecimento  e  garantia  dos  direitos 
violados  ou  ameaçados.  Quando  um  conselho  tutelar  coloca  esses  serviços  públicos  como 
chamada “retaguarda” para o cumprimento das suas decisões protetivas, ele está exatamente 
dando concretude a esse princípio, fazendo‐se agente  integrador  político, realmente efetivo 
– espaço de poder. Aí está o diferencial para um conselho tutelar. 
Mas,  para  isso,  os  conselhos  tutelares  precisam  igualmente  fazer  valer  sua 
coercibilidade,  isto  é,  a  capacidade  de  fazer  respeitadas  suas  deliberações  vinculantes,  pelo 
Estado.  E  isso  não  é    apenas  uma  questão  técnico‐jurídica,  é  uma  questão  político‐
institucional, a ser construída dentro daquela correlação de forças e na conjuntura atual. 
 
Instrumentos  de  mediação  ‐  A  segunda  estratégia  para  se  construir  um  conselho 
tutelar, como ʺespaço político de poderʺ, é sua transformação em ʺinstância de mediatizaçãoʺ.  
Obter  o  ʺconsenso  socialʺ,  a  ʺharmonização”  ∙  entre  os  cidadãos  “é  aspiração  de  muitos 
governantes  para  alcançar  a  legitimidade  de  suas  decisões  político‐administrativas:  a  busca  da 
almejada”  paz  social  “.    Realmente,  se  visa  –  sob  o  manto  desse  discurso  escamoteador  –  a 
neutralização  das  ações  dos  movimentos  sociais  organizados,  evitando‐se  que  os  interesses 
das ditas classes subalternas se tornem de alguma maneira hegemônicos. Na verdade, o que 
se quer proteger não são interesses comuns entre os cidadãos, mas os interesses dos grupos 
que detém a hegemonia econômica, política e jurídica, numa determinada conjuntura. 

68
ʺA  harmonização  pretendida  é  vista  como  neutralidade  e  a  neutralidade  apresentada  como 
harmonização, mas numa relação de forças em que predominam os interesses do capital, a longo e não 
raro em curto prazo” ∙ 
Há  um  sério  perigo  dos  conselhos  tutelares  se  tornarem  esse  ʺaparelho  funcionalʺ,  na 
busca  de  falsos  consensos,  escamoteando  os  conflitos  de  interesses  reais  da  vida  social  e 
tentando essa ʺharmonizaçãoʺ: buscando uma ʺpaz de cemitériosʺ. 
De outra parte, como bem alerta DONIZETI LIBERATI119, há o  perigo de cairmos no 
oposto  e  vermos  nas  instituições  públicas  meramente  um  ʺaparelho  ideológico  do  Estado”  ‐ 
instrumento  reprodutor  de  relações  sociais,  reprodutor  do  poder  que  se  encontra 
monoliticamente  nas  mãos  das  classes  dominantes,  a  seu  serviço  exclusivo,  de  direção, 
dominação e exploração das classes subalternas. 
A partir dessa visão, nenhum sentido realmente tem o funcionamento de um conselho, 
escolhido  pelas  comunidades,  como  o  conselho  tutelar:  as  Políticas  de  Estado  seriam  os 
reflexos  apenas  dos  interesses  das  classes  dominantes,  não  havendo  nenhum  espaço  e 
possibilidade para a defesa e incorporação dos interesses das classes dominadas. 
Mas,  há  a possibilidade  de  uma  terceira  visão  do  papel  de  conselhos  tutelares,  nesse 
processo: garantia da pluralidade através do respeito à pluralidade e ao dissenso.  Dimensão 
importante  do  pluralismo,  na  concepção  de  democracia120,  diz  respeito  à  valorização  do 
dissenso.    Já  alertava  BOBBIO.1986121  a  respeito:  ʺDesde  que  mantido  dentro  de  certos  limites 
estabelecidos  pelas  denominadas  regras  do  jogo,  (o  dissenso)  não  é  destruidor  da  sociedade,  mas 
solicitador, e uma sociedade em que o dissenso não seja admitido é uma sociedade morta ou destinada a 
morrerʺ. 
Apesar do estado e suas instituições darem prevalência aos interesses dos grupos que 
detém  a  hegemonia  social,  econômica,  política  e  jurídica  num  determinada  conjuntura,  
existem todavia algumas brechas nesse poder, algumas ʺinstâncias de mediaçãoʺ, onde se pode 
fazer  a  luta  pela  incorporação  de  determinados  interesses  dos  mais  fracos.  A  depender  de 
uma certa correlação de forças.  
ʺO Estado mediatiza as relações sociais, segundo  a correlação de forças da sociedade civil. Ou 
seja, ele não está somente em função dos interesses das classes dominantes, podendo também integrar, 
aceitar, ou transformar certos interesses das classes dominadasʺ122  
Em nosso caso, por exemplo, isso ocorreria com a incorporação e defesa dos interesses 
da  criança  e  do  adolescente,  privilegiando  o  atendimento  de  seus  direitos  fundamentais  – 
principalmente  enquanto  grupo  vulnerabilizado,  discriminado,  violentado,  explorado, 
ʺcredor de direitosʺ.  
E  isso  se  faria  numa  a  tentativa  de  se  deflagrar  e  fortalecer  um  processo  de 
hegemonização  dos  interesses  dos  excluídos,  dos  mais  vulneráveis  ‐  da  criança  e  do 

119
Op. cit.
120
Contextualizado, atrás, neste texto: 1.3.1. "Visões da Democracia e do Estado. Um novo-corporativismo social?"
121
BOBBIO, Norberto – obra citada
122
FALEIROS , Vicente de Paula. 1980: "A Política Social do Estado Capitalista"

69
adolescente (em nosso caso concreto). A ser feito nas brechas do poder hegemônico do bloco 
dominante  (capitalista,  racista,  androcêntrico‐patriarcal,  adultocêntrico,  homofóbico  etc.), 
com  um  discurso  crítico  e  uma  prática  transformadora,  na  linha  da  “grande  narrativa  da 
transformação social”. 
Essa  hegemonização  não  se  chocará  com  a  democracia  almejada123,  se  a  colocarmos 
sem  oposições  ao  paradigma  da  pluralidade,  pois  se  trata  de  um  falso  dilema:  é  preciso  se 
ʺconstruir hegemonia na pluralidadeʺ124 É preciso se ter espaços públicos, onde a pluralidade de 
interesses  e  sujeitos,  consolidados  através  ʺorganizações  corporativasʺ,125  possa  negociar  a 
construção da ʺvontade coletiva majoritáriaʺ, através de processos democráticos de tomada de 
decisão. 
Os  conselhos  tutelares  podem  perfeitamente  se  apresentar  como  ʺinstâncias  de 
mediaçãoʺ, pluralistas  e hegemonizadoras, em favor dos interesses priorizáveis da infância e 
da adolescência. Desse modo, esses conselhos têm que se transformar também em “pólos de 
extensão  da  cidadania”,  orientando  a  população,  fazendo  educação  para  os  direitos,  num 
sentido amplo – como se verá adiante, quando se tratar das atribuições legais dos conselhos 
tutelares. 
Só  realmente  dirigentes  políticos  com  compromisso  com  a  causa  da  democracia  têm 
interesse  no  fortalecimento  dos  conselhos    tutelares,  nessa  linha;  pois  os  corruptos, 
autoritários  e  tecnocratas  só  podem  ver,  em  colegiados  tais,  um  grande  entrave  aos  seus 
projetos políticos a ser inviabilizado ou um possível cúmplice a ser manipulado. 
 
SEÇÃO 2 
ATRIBUIÇÕES DOS CONSELHOS TUTELARES 
 
Generalidades ‐ O conselho tutelar, muitas vezes, trabalha demais, mas atuando fora 
das suas atribuições, isto é, faz pouco da sua missão específica e muito da missão alheia. 
Tratando‐se  de  órgão  público,  funcionalmente  autônomo,  de  um  contencioso 
administrativo  municipal,  aplicador  de  medidas  especiais  de  proteção  ‐ o  limite  de  atuação 
de um conselho tutelar está na lei, como qualquer instância pública institucional.  
O  Estatuto  elenca  as  atribuições  dos  conselhos  tutelares  de  maneira  clara,  dentro  de 
um  contexto  de  rede,  integrando  um  sistema  de  proteção  dos  direitos  fundamentais  de 
crianças  e  adolescentes,  onde  as  atribuições  administrativas  de  outros  órgãos  e  as 
competências  jurisdicionais  estão  também  claramente  explicitadas.  Esta  é  uma  marca  típica 
do Estado Democrático de Direito: ao cidadão só vedado fazer o que lhe veda lei e o Estado 
só é permitido fazer o que lhe permite a lei. 
Assim  sendo,  os  conselhos  tutelares  podem  e  devem  fazer  o  que  o  Estatuto  e  a  lei 
municipal de criação autorizarem. Não podem agir segundo o desejo dos seus integrantes ou 
123
Conferir atrás, neste texto: "Uma visão de Democracia e de Estado. Um novo corporativismo social?
124
SOUZA FILHO, Rodrigo – obra citada.
125
SOUZA FILHO, Rodrigo – obra citada.

70
dos  demais  operadores  do  chamado  “sistema  de  garantia  de  direitos”.  E,  principalmente,  não 
podem atuar para suprir ausências, faltas, omissões de outros órgãos, como por exemplo de 
uma  Vara  do  Poder  Judicial,  de  um  órgão  do  Ministério  Público,  de  uma  Delegacia  de 
Polícia,  de  uma  Secretaria  Municipal  de  Desenvolvimento  Social  (ou  homólogas),  de 
entidades governamentais e não governamentais  de proteção especial ou de socioeducação 
etc. etc.. 
Os  registros  do  SIPIA  demonstram  que  vários  conselhos  tutelares  estão  atuando 
completamente  fora  de  sua  estrada,  invadindo  as  atribuições  e  atribuições alheias  (às  vezes 
de boa‐fé, outras por ignorância).   
Tem‐se constatado, por exemplo, as seguintes invasões abusivas: 
a) autorizações  para  crianças  e  adolescentes  viajarem  ‐  a  competência  é  exclusiva  e 
indelegável dos juizes,  em todos os casos de viagem, quando se trata de criança e em casos de viagens 
para o exterior, quando se trata de adolescentes; 
b) acordos  extra‐judiciais  de  alimentos,  com  recepção  de  valores  de  pensão  ‐    trata‐se  de 
matéria da competência do Ministério Público ou do Poder Judiciário (acordo ou ação, extra‐judiciais 
ou judiciais); 
c) procedimentos  de  investigação  de  paternidade  ‐  a  competência  é  privativa  do  Poder 
Judiciário; 
d) determinações  de  registro  civil  das  pessoas  naturais  (nascimento  e  óbito),  através 
requisições aos Ofícios Judiciais competentes,  quando o Estatuto prevê apenas a requisição de certidão 
do  registro,  para  instruir  procedimento  apuratório  do  Conselho  Tutelar  ‐  a  determinação  e  a 
autorização  de  registro  compete  a  Juiz  específico,  com  competência  para  controlar  os  Registros 
Públicos; 
e) fiscalizações e autuações infracionais de bares, boates, restaurantes, diversões públicas, 
quanto  à  freqüência  de  pessoas  menores  de  idade  e  quanto  à  venda  de  bebidas  aos  mesmos  e  as 
chamadas ʺblitzsʺ para apreender meninos em situação de rua  –  compete ao Conselho  Tutelar aplicar 
medidas  de  proteção  à  criança  e  ao  adolescente  nessa  situação,  requisitando  medidas 
responsabilizadoras  contra  os  abusadores,  vez  que  o  poder  polícia  é  atribuído  por  lei  aos  órgãos  de 
segurança  pública,  aos  órgãos  próprios  de  fiscalização  da  Prefeitura  (concessora  do  alvará  de 
funcionamento),  à  Vigilância  Sanitária,  ao  Poder  Judiciário  (através  seus  Agentes  de  Proteção  ou 
Comissários de Vigilância, como a lei estadual de organização judiciária dispuser) , por exemplo; 
f) concessão de guarda, com destituição ou suspensão  do poder parental ‐   a definição de 
estado, ou seja, a colocação em família substituta (guarda, tutela e adoção) é da exclusiva competência 
do Poder Judiciário; 
g) atendimento socioeducativo aos adolescentes em conflito com a lei (ato inflacionar) ‐  a 
matéria é da competência dos órgãos de Segurança Pública, do Ministério Público e do Poder Judiciário 
As  aberrações  pululam,  como  se  vê.  Mas,  de  outra  parte,  o  cumprimento  de  sua 
missão legal institucional tem produzido intervenções referenciais e exemplares de conselhos 
tutelares,  no  país.  Intervenções  salutares  no  sentido  de  fazerem  reconhecidos  e  garantidos  
direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Isso de bom porém só acontece, quando os 

71
conselhos  tutelares  se  submetem  às  leis  vigentes  e  exercem  suas  atribuições  próprias 
fielmente: elas já são muitas e importantes.  
Em  face  disso,  necessário  se  torna  imperiosamente  que  os  conselhos  tutelares 
conheçam suas atribuições e as exerçam. Mister se faz que os conselheiros tutelares procurem 
cada vez se aprofundar no estudo dessas suas atribuições, uma por uma, avaliando o alcance 
e as conseqüências delas.  
Um  órgão  incumbido  de  zelar  pelo  cumprimento  dos  direitos  não  poderá  ser  nunca 
um órgão que margeie a expressão mais nítida do direito, que é a lei. Por melhor que seja sua 
intenção, um conselheiro tutelar não pode se considerar acima da lei. 
 
A potencialização estratégica ‐  O Conselho Tutelar deve fomentar a valorização e a 
qualificação  das  ações  de  políticas  públicas  e  deve  lutar  pela  extensão  da  cidadania  de 
crianças e adolescentes que atenderem. 
As  leis  municipais  de  criação  dos  Conselhos  Tutelares  podem  (e  devem!)  atribuir  a 
esses colegiados certas funções que chamaríamos de atividades de potencialização estratégica,  a 
se manifestarem em duas linhas: 
9 valorização e qualificação das ações de políticas públicas; 
9 extensão da cidadania do seu público alvo (empowerment). 
 
A  valorização  e  qualificação  estratégica    tem  características  próprias  e  está  fora  do 
campo  do  poder  deliberativo  e  coercitivo  do  conselho  tutelar  ‐  A  chamada    valorização  e 
qualificação  estratégica  de  políticas  públicas  implica  em  se  construir  e  desenvolver 
estratégias políticas consagradas pelas Ciências Sociais: mobilização social, defesa política de 
interesses (advocacy), empoderamento do usuário (empowerment), parcerização etc. 
Assim sendo, importante que essas leis municipais, que estabelecem normas especiais 
(complementares de relação às normas gerais do Estatuto), criem atribuições para o conselho 
tutelar  que  contemplem  essas  linhas  estratégicas,  fazendo‐o,  também  potencializador 
estratégico  de  políticas,  valorizando  e  qualificando  essas  políticas,  na  forma  que  a  lei 
municipal dispuser, amplamente. 
Como  tal,  o  conselho  tutelar  atua  para  deflagrar  um  processo  de  reordenamento 
normativo,  de  reordenamento  institucional  e  de  melhoria  da  atenção  direta  à  criança  e  ao 
adolescente (cfr. GOMES DA COSTA, Antonio Carlos). 
Ele  se  preocupa,  por  exemplo,  em  levantar  dados,  informações  e  argumentos  que 
tenham  validade  nos  processos  de  elaboração  legislativa,  fornecendo  esses  subsídios  ao 
Poder  Executivo  nos  momentos  próprios  (sanção‐promulgação)  ou  diretamente  ao  Poder 
Legislativo. 
Ele  fornece  esses  mesmos  subsídios,  de  outro  lado,  ao  Ministério  Público,  para  que 
promova suas recomendações, acordos de conduta, inquéritos civis e ações civis públicas (ou 
mandados de segurança). 

72
Ou por fim, pode remeter esse mesmo material ‐ tudo conforme a situação levantada – 
aos conselhos dos direitos da criança e do adolescente (nacional, estadual e municipal) para o 
desempenho de suas atribuições normalizadoras/formuladoras e controladoras. 
 
A  extensão  da  cidadania  tem  também  suas  características  próprias,  fazendo  com  o 
conselho  tutelar  fomente  a  participação  proativa  (ou  protagônica)  do  seu  público  ‐ Como 
extensor  da  cidadania,  os  conselhos  tutelares,  nos  limites  de  sua  possibilidade,  devem 
procurar atender e aconselhar  crianças, adolescentes, pais e responsáveis, a respeito de seus 
direitos  e  deveres.  (art.  136,  I  e  II  –  Estatuto).  Nessa  linha  ele  atua  como  um  verdadeiro 
“balcão‐da‐cidadania”. 
Numa fase preliminar, preventiva, assim procederá o conselho tutelar, mesmo quando 
não  se  justificar  uma  intervenção  mais  forte  e  efetiva  sua,  isto  é,  mesmo  quando  não  for  o 
caso da aplicação de medida especial de proteção, ou de representação ao Ministério Público 
ou de encaminhamento ao Poder Judiciário. 
Ele  deverá  fazer  o  papel  de  co‐construtor  da  cidadania  do  seu  público‐  alvo,  de 
extensor  da  cidadania:  cidadão  todos  o  somos,  o  que  ocorre  é  o  que  o  exercício  dessa 
cidadania  precisa  ser  ampliado,  aprofundado,  radicalizado,  estendido,  quando  se  trata  de 
determinados segmentos da população (índios, negros, mulheres, crianças, jovens, sem‐terra 
e sem‐teto, homossexuais etc.).  
E  aí  entra  o  conselho  tutelar  estrategicamente  promovendo  o  empowerment 
(participação  proativa  ou  protagônica)  de  crianças,  adolescentes  e  de  suas  famílias,  que 
atender de alguma forma. 
  
Tipos  de  atividades    ‐  No  exercício  dessas  atribuições  o  conselho  tutelar  estará 
zelando  pelo  atendimento  dos  direitos  de  crianças  e  adolescentes  (art.  131  –  Estatuto),  de 
maneira bem concreta. 
São típicas atividades desse tipo ação potencializadora estratégica: 
ƒ palestras, conferências, debates em escolas, associações comunitárias etc. 
ƒ participação em programas radiofônicos ou televisivos; 
ƒ participação  em  campanhas  de  social‐marketing  (distribuição  de  folders, 
cartazes etc.); 
ƒ participação em eventos públicos, reuniões de instâncias de articulação (fóruns, 
frentes etc.); 
ƒ help desk para orientação inicial, por telefone ou pessoalmente, de pessoas que 
tenham  dúvidas  a  respeito  de  direitos  e  deveres  de  crianças,  adolescentes,  seus  pais  e 
responsáveis 
ƒ etc. 
O  cuidado  maior  nessa  linha  deve  ser  evitar  que  o  conselho  tutelar  invada,  sob  essa 
justificativa ampla, as atribuições dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, das 
câmaras de vereadores, dos órgãos de coordenação e execução de políticas sociais (secretarias 

73
da assistência,  social, da educação, da saúde etc.), do ministério público, do poder judiciário, 
dos órgãos policiais – como está sendo freqüente acontecer. 
Ou  que  as  atividades  do  conselho  tutelar  se  reduzam  a  isso:  não  exerça  ele  suas 
demais  atividades,  resumindo‐se  a  esse  papel  potencializador  estratégico  –  mobilizador  e 
capacitador, principalmente. 
 
A  proteção  de  crianças  e  adolescentes  com  direitos  ameaçados  ou  violados  é  a 
atividade  mais  importante  de  um  conselho  tutelar  e  se  manifesta  com  a  aplicação  de 
medidas especiais de proteção, previstas no Estatuto  ‐ Aqui está a mais importante e efetiva 
das  atividades  de  um  conselho  tutelar,  isto  é,  quando  ele  presta  proteção  especial  a  crianças  e 
adolescentes  credores  de  direito,  isto  é,  com  seus  direitos  ameaçados  ou  violados,  quando  ele 
luta pelo reconhecimento e pela garantia desses direitos.  
um  conselho  tutelar  que  não  aplique  medidas  especiais  de  proteção  não  tem 
funcionamento  efetivo,  como  o  Estatuto  propõe.  Pode  praticar  inúmeras  outras  atividades 
importantes, mas sem a prática dessa, ele deixa de cumprir sua missão maior. 
 
Natureza  das  medidas  especiais  de  proteção:  são  atos  decisórios  e  requisitórios, 
emanados de um contencioso administrativo, que dependem de execução pelos serviços e 
programas  públicos  (nas  áreas  de  educação,  saúde,  assistência  social,  trabalho, segurança 
pública  etc.)  ‐  muitas  vezes,  certos  operadores  do  aqui  estudado  Sistema  de  Proteção  dos 
Direitos  Humanos  da  Criança  e  do  Adolescente  (juizes,  promotores,  delegados  de  polícia, 
defensores  públicos,  dirigentes  de  órgãos  públicos  e  de  organizações  representativas  da 
sociedade etc.) e mesmo o público, em geral, imaginam que, quando o conselho tutelar atua, 
ele  na  verdade  está  na  obrigação  de    “proteger”  crianças  e  adolescentes,  diretamente  –  o 
conselho tutelar se confundiria com um órgão de execução das políticas de assistência social 
(mais vezes!), de saúde, de educação, de proteção no trabalho, de segurança pública etc.  
Os  conselhos  tutelares  estariam  pois  a  disposição  dos  juizes,  promotores  e  outras 
autoridades públicas para darem execução a decisões desses. Como se esses colegiados não 
tivessem  competência  originária  para  apreciar  uma  situação  de  violação  ou  ameaça  de 
direitos e aplicar uma medida jurídica de reconhecimento e garantia de direitos. em verdade, 
é  isso  que  o  estatuto  prevê  para  os  conselhos  tutelares:  um  contencioso  administrativo,  um 
órgão não jurisdicional de solução de conflitos de interesses.  
Na verdade, o conselho tutelar não executa nenhum programa ou serviço público. ele 
requisita  esse  atendimento  ao  órgão  próprio  do  poder  público.  Os  mais  consagrados 
comentarista  do  Estatuto  reconhecem  que o  conselho  tutelar  foi  criado  para  exercer  antigas 
funções do juiz de menores e não para serem órgãos de execução, serviço de retaguarda, para 
outros órgãos.  
A leitura do art.136 do Estatuto seria suficiente para confirmar esse entendimento: ali 
estão  as  atribuições  típicas  do  conselho  tutelar.  O  Estatuto  em  nenhum  momento  o  faz 
executor de programa ou serviço, o faz órgão de atendimento direto.  

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Aliás,  só  excepcionalmente    o  Estatuto  faz  algo  semelhante,  quando  no  inciso  VI  do 
artigo  136,  atipicamente,  lhe  comete  a  função  de  “providenciar  medida  estabelecida  pela 
autoridade  judiciária,  dentre  as  previstas  nos  artigos  101,  de  I  a  VI,  para  o  adolescente  autor  de  ato 
infracional”. De qualquer maneira, mesmo aí, ele não executa a medida aplicada pelo juiz, ele 
intermedia,  ele  ratifica  a  decisão  judicial  e  toma  as  providências  cabíveis  (requisição  de 
serviços,  por  exemplo).  O  Estatuto  explicita  bem  essa  hipótese  de  ratificação  da  decisão 
judicial  em  caso  de  adolescentes  em  conflito  com  a  lei..  Assim,    não  há  que  se  falar  em 
conselho  tutelar  exercendo  aí  funções  assemelhadas  a  de  “equipe  multiprofissional”  ou  de 
“agente  de  proteção”  das  varas  da  infância  e  da  juventude,  como  abusivamente  isso  está 
acontecendo.  
Essas  distorções,  tanto  partem  de  alguns  juizes,  que  na  falta  de  apoio  técnico  no 
campo  próprio  do  Poder  Judiciário  (como  o  Estatuto  determina  nos  seus  artigos  150  e  151) 
usam  dos  serviços,  distorcidamente,  dos  conselhos  tutelares,  quanto  elas  partem  de  alguns 
conselheiros  tutelares  que,  para  fugirem  do  pouco  caso  ou  da  oposição  de  determinados 
prefeitos, abdicam de sua autonomia funcional. 
Reforçando  esse  entendimento,  é  de  se  lembrar  que  o  Estatuto  prevê  no  seu  art.  262 
que “enquanto não instalados os Conselhos Tutelares, as atribuições a eles conferidas serão exercidas 
pela  autoridade  judiciária”  –  isso  mostra  a  semelhança  (não  igualdade)  de  funções  entre  o 
contencioso  judicial  (vara  da  infância  e  da  juventude)  e  o  contencioso  administrativo 
(conselho tutelar), sem nenhum traço de subordinação de um ao outro.  
 
Conteúdo:  proteção,  como  medida  premial  ‐  As  medidas  especiais  de  proteção, 
aplicadas a crianças e adolescentes com seus direitos violados ou ameaçados (art.136, comb. 
com  art.98  –  Estatuto  cit.),  têm  natureza  eminentemente  premial.  E  nunca  sancionatórias, 
punitivas. 
Nesse sentido, ensina L. XAVIER DE CASTRO (in ʺEstatuto da Criança e do Adolescente 
Comentadoʺ  –  artigo  99ʺ‐  Ed.  Malheiros),  referindo‐se  às  medidas  de  proteção  especial, 
aplicáveis pelo conselho tutelar: ʺEstes instrumentos não poderão ser compreendidos como castigo 
ou  pena;  nem  tampouco,  ter  o  caráter  de  ʹaliviarʹ  a  responsabilidade  jurídica  daqueles  que  estão 
causando danos à criança e ao adolescenteʺ. 
Por  exemplo,  não  existe  nenhum  respaldo  legal  para  um  conselho  tutelar  apreender 
crianças e adolescentes, colocá‐las em celas, coagi‐las a praticar nenhum ato, destituir o poder 
parental dos seus pais etc. etc.  
A  medida  de  advertência,  por  exemplo,  não  existe  para  ser  aplicada  pelo  conselho 
tutelar  a  crianças  e  adolescentes,  a  título  de  medida  e  proteção.  Ela  existe  como  medida 
socioeducativa  aplicada  por  juiz  a  adolescente  infrator.  E  como  medida  responsabilizadora 
aplicada pelo conselho tutelar a pais e responsáveis. A juÍza CONCEIÇÃO MOUSNIER ((in 
ʺEstatuto  da  Criança  e  do  Adolescente  Comentadoʺ  –  artigo  101ʺ‐  Ed.  Malheiros),  apesar  de  não 
concordar com a limitação do Estatuto, nesse ponto, reconhece claramente: ʺAndou bem a lei 
em  não  estender  à  criança  infratora,  menor  de  12  anos,  com  pouca  idade,  as  medidas  mais  severas 

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previstas  nos  incs.  II  a  VI  do  art.  112.  Quanto  à  medida  de  advertência  porém  o  legislador,  melhor 
agiria,  se  a  tivesse  prescrito  também  para  a  criança  infratoraʺ.  Traduzindo:  mesmo  os  que 
advogam a advertência como medida especial de proteção, reconhecem que o Estatuto não a 
prevê e por tanto vedada está sua aplicação. 
As  medidas  de  proteção  espacial,  previstas  no  Estatuto,  no  art.  101,  são  “benefícios” 
concedidos  a  pessoas  em  condições  peculiares  de  desenvolvimento  e  não  “seres  inferiores”, 
fracos, vítimas, desajustados. 
Mas,  nossa  cultura  popular  e  mesmo  institucional  está  indelevelmente  marcada  pela 
concepção  autoritária  e  patriarcalista  de  que  se  protege  um  mais  fraco...  “castigando”, 
infligindo sofrimento, ou pelo menos vitimizando. 
 
O público alvo do conselho tutelar é composto por todas as crianças e adolescentes 
que  estejam  na  situação  de  ʺcredores  de  direitoʺ,  isto  é,  que  tenham  quaisquer  de  seus 
direitos  ameaçados  ou  violados  e  não  as  crianças  e  os  adolescentes  em  situação  de  risco, 
isto é, vulnerabilizados sociais ‐ Um verdadeiro mito se criou, com o passar dos tempos, de 
que  a  política  de  promoção  dos  direitos,  prevista  no  Estatuto,  tinha  como  seu  público‐alvo, 
ʺcrianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou socialʺ. Mais especificamente: aventou‐se 
que as medidas especiais de proteção deveriam ser aplicadas a crianças e adolescentes nessa 
situação de vulnerabilidade social. 
O Estatuto não pode ser invocando para justificar essa interpretação do Estatuto e essa 
abrangência  da  política  de  promoção  dos  direitos.    Em  nenhum  dispositivo  dessa  lei  se 
utiliza  tal  expressão  (ʺsituação  de  riscoʺ).  E  o  seu  art.  98  é  claríssimo  em  determinar  que  tais 
medidas  são  ʺaplicáveis  a  crianças  e  adolescentes  sempre  que  os  direitos  previstos  nesta  lei  forem 
ameaçados ou violados (...) por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, (...) por falta, omissão ou 
abuso dos pais ou responsável (...) em razão de sua condutaʺ. 
As  situações  de  vulnerabilidade  social  (situações  de  risco)  são  típicas  da  política  de 
assistência  social,  isto  é,  justificam  a  intervenção  assistencial,  através  dos  seus  dos  seus 
benefícios e das suas ações continuadas, próprios. 
Ensina WANDA ENGEL (in ʺEstatuto da Criança e do Adolescente Comentado – artigo 98ʺ 
–  Ed.  Malheiros)  a  respeito  da  universalidade  dessa  política  de  garantia  dos  direitos, 
apontando um primeiro segmento: ʺSeriam, pois, sujeitos‐alvos das medidas de proteção todas as 
crianças que, por omissão destes dos agentes (sociedade e Estado), tivessem aqueles direitos ameaçados 
ou  violados.  Crianças  e jovens  com a  saúde  ou a  própria  vida  ameaçadas  pelas  condições  de  pobreza, 
desnutrição  e  insalubridade  ambiental,  sem  acesso  a  uma  assistência  médica  de  qualidade;  fora  da 
escola ou submetidos a um processo educacional que os leva ao fracasso escolar, à estigmatização e à 
exclusão, inseridos num trabalho que os explora e afastado convívio familiar e comunitário, da escola e 
do lazer.ʺ 
E explica mais a autora, apontando outro segmento: ʺComporiam esse conjunto, por um 
lado,  crianças  e  adolescentes  vítimas  históricas  de  políticas  econômicas  concentradoras  de  renda  e  de 
políticas  sociais  incompetentes  em  sua  tarefa  de  assegurar  a  todos  os  cidadãos  seus  direitos  sociais 

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básicos. (...) Estariam neste grupo também, por outro lado, crianças cujas famílias se omitem do dever 
de  assisti‐las  e  educá‐las,  praticam  maus‐tratos,  opressão  ou  abuso  sexual  ou  simplesmente  as 
abandonam.ʺ 
Finalmente  ENGELS  descreve  o  terceiro  segmento  do  público  alvo  para  as  medidas 
especiais de proteção: ʺSurge, porém, na letra da lei, entre os responsáveis pela ameaça dos direitos 
da criança, um terceiro agente – ela própria, em função de sua conduta. Reconhece a legislação que a 
criança e o adolescente, em função de uma dada conduta – crime ou contravenção – reconhecida como 
ato infracional, possam vir a ter direitos ameaçados ou violadosʺ.  
Só  como  exemplo:  imagine‐se  uma  adolescente  de  17  anos  submetida  à  exploração 
sexual  comercial,  isto  é,  vítima  em  um  crime  de  lenocínio.  Além  da  óbvia 
responsabilização/punição do lenão (nos termos do Código Penal), isto é, do seu explorador, 
a ela se deve garantir imprescindivelmente uma atenção especial, articulada e integrada, das 
políticas públicas – punição de explorador não substitui a proteção da explorada. 
A área da assistência social deveria assegurar a ela (a depender da idade) sua inclusão 
em  programas  de  renda‐mínima  familiar,  de  geração  de  emprego,  ocupação  e  renda  etc. 
Enquanto  isso,  a  área  dos  direitos  humanos  (garantia  de  direitos)  se  incumbiria  de  dar  
retaguarda  às  decisões  dos  juizes  da  infância  e  da  juventude  e  dos  conselhos  tutelares,  ou 
seja,  de  dar  cumprimento,  por  seus  serviços  e  programas  específicos,  às  medidas  daquelas 
autoridades.  
O Estatuto elenca uma série de programas e serviços típicos da política de promoção 
dos  direitos  humanos,  nos  seus  artigos  90  e  87,  III,  IV  e  V,  que  poderiam,  em  princípio, 
atender  essa  adolescente  explorada  sexualmente  –  principalmente  o  programa  de  apoio 
socioeducativo em meio aberto (não confundir com medida socioeducativa  em meio aberto, 
isto  é,  liberdade  assistida  e  prestação  de  serviço  à  comunidade!),  serviços  de  proteção 
jurídico‐social, serviços de apoio médico e psico‐social.  
Dentro  dessa  linha,  no  país,  temos  equipamentos  com  trabalhos  emblemáticos:  Casa 
Renascer (Natal – RN), Casa de Passagem e SOS‐CORPO (Recife – PE), Centro Projeto Axé – 
Moda Axé e Fundação Cidade Mãe – Casa de Oxum, CEDECA Yves De Roussan (Salvador – 
BA), CRAMI (Campinas – SP), CEDECA EMAÚS (Belém – PA)  etc. 
Essa  adolescente,  tanto  é  uma  pessoa  em  situação  em  situação  de  risco  social    e 
pessoal, quanto uma pessoa credora de direitos (= com direitos violados). E assim necessita, 
como um direito seu e dever do Estado, de atendimento cumulativo, articulado e integrado 
das  várias  políticas    públicas,  tanto  as  institucionais  (direitos  humanos,  segurança  pública 
etc.), quanto as sociais (assistência social, saúde, educação, cultura etc.). 
Tanto assim é que, por exemplo, o conselho tutelar, como um equipamento‐chave do 
chamado  “sistema  de  garantia  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente”,  quando  atende  essa 
menina explorada na prostituição, aplica‐lhe medida de proteção especial, requisitando, para 
tanto, serviços públicos que integrem o amplo leque da proteção social, que se faz necessária, 
com  atendimentos  variados  e  cumulativos  nas  ʺáreas  da  saúde,  da  educação,  do  serviço 
social, trabalho, segurança públicaʺ (art. 136, III, letra ʺaʺ – Estatuto). E culminando tudo isso, 

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como forma de garantir a priorização e integração desse atendimento multisetorial, requisita 
a  inclusão  dessa  adolescente  em  programa  previsto  no  inciso  II  do  artigo  90  e  em  serviço 
previsto  no  inciso  IV  do  art.  87,  ambos  do  Estatuto  –  serviço  e  programa,  específicos,  que 
poderão, em alguns locais, serem desenvolvidos pelo SOS‐CRIANÇA. 
 
O  conselho  tutelar  é  responsável  também  pela  aplicação  de  medidas  especiais  de 
proteção  a  crianças  em  conflito  com  a  lei,  já  que  elas  não  são  responsáveis  por  seus  atos 
infracionais,  nem  recebem  medidas  socioeducativas  ‐    O  Estatuto  da  Criança  e  do 
Adolescente só reconhece como responsável pela prática de crimes e contravenções penais (a 
que chama infrações) o adolescente, isto é, aqueles com 12 anos completos. E assim sendo, só 
os  adolescentes  podem  ser  responsabilizados  e  sancionados  pela  prática  de  crimes  e 
contravenções,  como  autores  de  ato  infracionais,  aos  quais  o  juiz  competente  aplicará  uma 
Medida Socioeducativa (internação, semiliberdade, liberdade assistida etc.). 
As  crianças  (menores  de  12  anos)  não  são  submetidas  ao  juiz  da  infância  e  da 
juventude, para o procedimento de ato infracional previsto no Estatuto, nem receberão nunca 
uma  medida  socioeducativa  (nem  advertência!).  elas  deverão  ser  atendidas  pelo  conselho 
tutelar, que lhes aplicará medidas especiais de proteção,  previstas no art. 136 do Estatuto. 
 
O conselho tutelar tem uma participação bastante limitada no processo judicial de 
apuração de ato infracional atribuído a adolescente, não sendo competente para apurar os 
fatos  nem  aplicar  medidas  socioeducativas  ‐  O  conselho  tutelar  só  participa 
secundariamente  do  procedimento  judicial  de  apuração  do  ato  infracional  atribuído  a 
adolescente: quando o juiz da causa, constatando que o adolescente, além de se imputar a ele 
a  prática  de  um  ato  infracional,  igualmente  tem  qualquer  dos  seus  direitos  ameaçados  ou 
violados  e  se  encontra  também  enquadrado  nas  hipóteses  do  art.  98  do  Estatuto.  Isto  é, 
quando o juiz reconhece que esse adolescente necessita igualmente ou de apoio e orientação 
familiar,  ou  de  apoio  médico  e  psico‐social,  ou  de  tratamento  médico  hospitalar  ou 
ambulatorial,  ou  matrícula  escolar  etc.  etc.  (art.  101  –  Estatuto  citado).  Nesse  caso,  o  artigo 
136,  VI  do  Estatuto  estabelece  que  cabe  ao  juiz  aplicar  também  uma  medida  de  proteção  e 
determinar  que  o  conselho  tutelar  competente  atue:  ʺprovidenciar  a  medida  estabelecida  pela 
autoridade  judiciária,  dentre  as  previstas  no  art.  101,  de  I  a  VI  para  o  adolescente  autor  de  ato 
infracionalʺ. 
O  conselho  tutelar  aí  está  dando  execução  a  uma  decisão  do  juiz  da  infância  e  da 
juventude,  uma  vez  que  esse  colegiado  não  tem  competência  alguma  para  intervir  na 
apuração de ato infracional atribuído a adolescente ‐ matéria judicial processual. 
Duas questões estão todavia surgindo na prática, ao arrepio da lei e que merecem se 
provoque uma discussão jurídica em torno delas: 
 a)  Existem  conselhos  tutelares  usurpando  a  função  judicante,  apurando  a  prática  de 
atos  infracionais,  que  se  configuram  como  crime  ou  contravenção,  quando  praticados  por 
adolescentes, inclusive aplicando advertência. Quando no SIPIA se pede o registro da prática 

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de  atos  infracionais  por  adolescentes  quer  apenas  que  se  registre  que  o  conselho  tutelar 
recebeu  notícia  do  crime  (infração)  e  a  remeteu  de  imediato  ao  representante  do  Ministério 
Público  e/ou  juiz.  Além  do  mais  um  conselho  tutelar  pode  também  acompanhar  o 
acautelamento  do  adolescente  apreendido  em  flagrante  na  Delegacia  de  Polícia  para  evitar 
que sofra torturas ou coisas semelhantes. Nunca substituir o delegado de polícia, o promotor 
de  justiça  e  o  juiz  da  infância  e  da  juventude,  na  apuração  de  ato  infracional  e  no  seu 
sancionamento! 
b) Alguns magistrados estão aplicando medida de abrigo em entidade a adolescentes 
aos quais se atribui a prática de ato infracional (em processo), depois de esgotado o prazo de 
45 dias  da internação provisória. Ou a aplica ao final do processo, quando ele aplica medida 
socioeducativa  em  meio  aberto,  substituindo  assim  o  atendimento  assistencial  ao  egresso 
previsto no Estatuto, mas de outra natureza. O Estatuto expressamente proíbe isso, ao prever 
que  no  caso  do  artigo  136,  VI  só  as  medidas  previstas  nos  incisos  I  a  VI  do  artigo  101  são 
aplicáveis nessa hipótese, isto é, o Estatuto exclui as medidas dos incisos VII e VIII (ʺabrigo em 
entidadeʺ e ʺcolocação familiarʺ). 
 
O sancionamento administrativo de pais e responsáveis ‐ O Estatuto prevê também 
que  o  Conselho  Tutelar  é  competente  para  aplicar  medidas  responsabilizadoras,  de  caráter 
orientador e sancionador, a pais e responsável por infrações às normas do Estatuto. Nesse rol 
está, por exemplo, a advertência. 
Não  se  tratando  de  medida  premial,  de  benefício  protetivo,  mas  sim  de  verdadeira 
sanção  administrativa,  entendo,  salvo  melhor  juízo,  que  não  pode  o  Conselho  Tutelar  aplicar 
qualquer  dessas  medidas  a  pais  e  responsáveis,  sem  respeitar  o  disposto  na  Constituição 
federal,  no  tocante  à  garantia  da  ampla  defesa  e  do  contraditório:  trata‐se  de  um  litígio,  de 
um possível conflito de interesses dos pais ou responsável e da criança ou adolescente. 
 
ʺSe  esses  pais  simplesmente  resolverem  não  acatar  a  decisão  do  Conselho  Tutelar  eles  estarão 
sujeitos  a  multa  por  infração  administrativa  pelo  artigo  249  do  Estatuto  :  ʹDescumprir,  dolosa  ou 
culposamente  os  deveres  inerentes  ao  pátrio  poder  ou  de  correntes  da  guarda  ou  tutela,  bem  assim 
determinação  da  autoridade  judiciária  ou  do  conselho  tutelar.  Pena:  multa  de  3  a  20  salários  de 
referência,  aplicando‐se  o  dobro  em  caso  de  reincidênciaʹʺ  –  assim  ensinam,  a  respeito  dessas 
medidas,  DONIZETI  e  CYRINO  (obra  citada).  E  com  isso  mais  alicerça  o  entendimento  de 
que  essas  medidas,  aplicáveis  a  pais  e  responsável  não  têm  a  mesma  natureza    puramente 
premial das medidas especiais de proteção, aplicáveis a crianças e adolescentes. 
 
Assessoramento  ao  poder  público,  no  campo  da  orçamentação  ‐  Os  conselhos 
tutelares devem anualmente apresentar ao prefeito subsídios (dados, informações e análises) 
para a elaboração da proposta orçamentária do município; advogando a alocação de recursos 
para  a  criação  ou  manutenção/fortalecimento  de  serviços  e  programas  específicos  para 

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atendimento dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente os previstos no Estatuto 
(arts. 87, III a V e 90). 
Esse  oferecimento  de  subsídios  deve  ser  feito  numa  linha  de  assessoramento,  isto  é, 
numa linha consultiva, sem poder vinculante. 
Raramente,  nos  relatórios  para  o  SIPIA,  encontra‐se  o  registro  de  que  o  conselho 
tutelar  tenha  cumprido  essa  sua  obrigação  legal.  Mais  das  vezes  os  conselheiros  muito  se 
queixam da falta da chamada “retaguarda” para atender suas requisições, isto é, de serviços e 
programas nas “áreas da saúde, educação, trabalho, serviço social, previdência e segurança pública” 
para atenderem os direitos violados e ameaçados de crianças e adolescentes. Mas, um gesto 
concreto  construtivo  na  busca  da  solução  seria  tornar  a  orçamentação  pública  mais 
participativa. E esse assessoramento dos conselhos tutelares seria um bom instrumento nesse 
sentido. É importante pois, que os conselheiros tutelares se capacitem para exercerem regular 
e sistematicamente essa função no seu município. 
 
SEÇÃO 3 
 
FUNÇÕES EXECUTÓRIAS 
 
O conselho tutelar não executa diretamente suas medidas especiais de proteção ou 
as medidas aplicáveis a pais e responsável – Eles promovem, indicam, determinam que suas 
decisões devem ser obrigatoriamente  pelas entidades governamentais e não governamentais 
que  prestam  serviços  ou  desenvolvam  programas/projetos  de  atendimento  dos  direitos  de 
crianças e adolescente. Para promover a execução de suas deliberações colegiadas, o conselho 
tutelar tem o poder de: 
(a) requisitar,  formalmente,  por  escrito,  serviços  públicos  nas  áreas  da  saúde, 
educação, serviço social (assistência social), previdência, trabalho e segurança pública; 
(b) representar  junto  à  autoridade  judiciária  nos  casos  de  descumprimento 
injustificado  de  suas  deliberações,  solicitando  as  necessárias  providências  para  garantir  a 
executoriedade da sua deliberação desrespeitada. 
Ainda  para  garantir  a  possibilidade  de  aplicar  medidas  especiais  de  proteção,  o 
conselho  tutelar,  durante  o  procedimento  apuratório  da  situação  de  violação  ou  ameaça  de 
direito,  poderá  expedir  notificações  dirigidas  a  determinadas  pessoas  para  prestarem 
declarações, expedir requisições de documentos 
 
O conselho tutelar remete um caso ao juiz da infância e da juventude inicialmente, 
quando  a  matéria    não  é  da  competência  do  colegiado  ‐    DONIZETI  e  CYRINO  (obra 
multicitada)  ensinam  com  clareza:  ʺ(...)  todos  os  casos  que  envolvam  questões  litigiosas, 
contraditórias,  contenciosas,  de  conflito  de  interesses,  com  a  destituição  do  pátrio  poder,  como  a 
guarda,  a  tutela,  a  adoção  e  as  enumeradas  nos  artigos  148  e  149  do  Estatuto,  ao  chegarem  ao 

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conhecimento  do  Conselho  Tutelar,  deverão  ser  encaminhadas  à  Justiça  da  Infância  e  da  Juventude 
onde os interessados terão orientação certa da solução da solução de seus problemasʺ. 
Muitas vezes, um conselheiro tutelar decide intervir em certos casos que são da estrita 
competência  do  Poder  Judiciário,  pensando  que  está  ʺajudandoʺ  a  população.  Mas,  sua 
intervenção, mesmo de boa‐fé, poderá ter efeitos desastrosos, criando uma falsa expectativa 
na  população  e  a frustrando  de  relação  ao conselho  tutelar.  Se  a  questão  não  diz  respeito  a 
sua esfera de atribuição, nada tem o conselheiro tutelar de ser ʺporta‐vozʺ do juiz ou ʺassessor 
jurídicoʺ  de  quem  o  procura,  por  exemplo,  para  resolver  questões  de  investigação  de 
paternidade, guarda de filhos, partilha de bens, alimentos, prática de crimes etc. etc. 
 
O  conselho  tutelar  encaminha  um  caso  ao  juiz  da  infância  e  da  juventude 
igualmente quando sua decisão for descumprida pelo dirigente do órgão público ao qual 
se dirigiu uma requisição do colegiado ‐ Essa matéria já foi analisada atrás em item anterior, 
como forma de garantir o cumprimento de suas decisões. 
                                            
A  remessa  do  caso  ao  promotor  de  justiça  (Ministério  Público)  não  pode  ser 
injustificada e como uma forma do conselho tutelar se desobrigar do cumprimento de sua 
missão  institucional,  mas  sim  quando  for  obrigado  por  lei  a  fazer  uma  determinada 
comunicação ou representação formal a esse órgão público‐ministerial – O conselho tutelar 
está  obrigado  a  comunicar  ‐  oficialmente,  de  imediato,  por  escrito  e    justificativamente  ‐  ao 
promotor da infância e da juventude local (ou àquele que responda pela função, caso ausente 
o  titular  ou  vago  o  cargo,  na  cidade  em  que  estiver),  quando  ele,  conselho,  tomar 
conhecimento,    de  todo  e  qualquer  fato  que  se  configure  como  crime  ou  infração 
administrativa  contra  crianças  e  adolescentes,  previstos  no  Código  Penal  ou  no  Estatuto  da 
Criança e do Adolescente. 
Às vezes, o conselho tutelar, quando tem dificuldades para atender uma determinada 
criança  ou  adolescente  ou  para  lhes  aplicar  uma  medida  especial  de  proteção,  ele  ʺfaz  um 
encaminhamentoʺ  (sic)  ao  Ministério  Público,  mais  das  vezes  indevido,  pois  o  faz  fora  dos 
casos  previstos  no  Estatuto  e  fugindo  do  exercício  de  suas  funções.  O  representante  do 
Ministério Público não é um ʺpadrinhoʺ, um ʺprotetorʺ do conselho tutelar, a ser chamado em 
casos em que a atuação era para ser do conselho tutelar. Nem o Ministério Público é ʺórgão de 
execução  ou  de  atendimento  diretoʺ.  Ele  tem  sua  função  constitucional  e  legal  que  precisa  ser 
respeitada. 
 
                                                         SEÇÃO 4 
 
REGIME JURÍDICO DOS CONSELHEIROS TUTELARES 
 

81
Natureza  da  função  de  conselheiro  tutelar  ‐  Esta  é  a  matéria  mais  controversa  no 
Estatuto,  a  respeito  dos  conselhos  tutelares  e  raiz  de  muitos  problemas  :  a  real  natureza 
jurídica da função de conselheiro tutelar ! 
Pelo  fato  de  ser  o  conselho  tutelar  um  órgão  público,  como  se  argumentou  atrás,  os 
conselheiros tutelares são obviamente agentes públicos – a classificação mais ampla, onde se 
incluem os agentes públicos honorários (jurados), os funcionários públicos sob regime único, 
os  empregados  públicos,  os  titulares  de  cargos  eletivos  (vereadores  etc.),  os  militares,  os 
magistrados etc. etc. etc. Mas, isso é insuficiente: que tipo de agente público? 
Na  primeira  versão  do  Estatuto,  antes  de  sua  alteração  pela  lei  federal  n.8.242/91, 
poder‐se‐ia falar que se tratava de cargo eletivo, assemelhado ao de vereador, por exemplo. E 
toda a disciplina do seu regime jurídico deveria ser buscada nas normas que disciplinam os 
cargos  eletivos.  A  primeira  versão  falava  em  ʺprocesso  eleitoral  presidido  pelo  Juiz  Eleitoralʺ. 
Desse modo, se aplicaria literalmente o Código Eleitoral e nenhuma dúvida haveria. Salvo a 
que surgiu na época: se assim fora, nenhuma lei municipal poderia regular a matéria, por ser 
da competência exclusiva da União.. 
 
Todavia a reforma resolveu criar uma forma especial de provimento: livre nomeação 
pelo prefeito, após escolha de nomes e indicação pela comunidade. 
Assim  sendo,  pode‐se  afirmar  que  se  trata  de  uma  função  pública  comissionada, 
vinculada  a  mandato  certo  popular,  com  regime  jurídico  especial,  a  ser  estabelecido    na  lei 
municipal  que  expressamente  criar  as  funções  de  conselheiros  tutelares  (titulares  e 
suplentes). 
 
Natureza jurídica do processo de escolha dos conselheiros tutelares ‐ A escolha dos 
conselheiros  tutelares  e  sua  investidura  na  função  se  fazem  através  de  um 
processo/procedimento  administrativ,o  que  se  esgota  na  esfera  do  Poder  Executivo 
municipal,  ao  qual  estão  vinculados  administrativamente  os  conselhos  dos  direitos  e  os 
conselhos  tutelares.  Um  procedimento  que  se  completa  com  a  nomeação  e  posse  desses 
conselheiros tutelares,  pelo Chefe do Poder Executivo municipal126. 
Não  um  processo/procedimento  judicial  (eleitoral),  como  na  redação  original  do 
Estatuto, posteriormente reformada.  
 
Formas  legais  e  legítimas  de  processos  de  escolha  pela  comunidade  ‐  O  grande 
perigo,  a  macular  a  legalidade  e  legitimidade  desse  procedimento,  tem  sido  na  prática  se 
manter  a  idéia  de  que  se  trata  de  um  ʺprocesso  eleitoralʺ,  de  uma  ʺeleiçãoʺ.  Essa  concepção 
errônea tem parido verdadeiros monstros, na prática. 

126
Procedimento de nomeação absurdo se tratasse de processo eleitoral, onde ocorreria a diplomação dos eleitos pelo Poder
Judiciário.

82
Os conselheiros tutelares não exercem sua função como representantes da população, 
da  sociedade  como  um  todo  ‐  na  linha  da  democracia  indireta,  como  previsto  na  primeira 
parte do parágrafo único do artigo 1º da Constituição federal. Não são ʺeleitosʺ, como prevê 
esse dispositivo citado. 
Exercem‐na,  sim,  como  forma  de    participação  direta  da  população,  nos  termos  da 
Constituição – segunda parte do dispositivo constitucional citado. Tão democrático quanto...! 
Supera‐se,  sem  se  negar,  o  restrito  conceito  da  democracia  representativa.  A  democracia 
direta no país se faz igualmente através da participação da sociedade por suas organizações 
representativas, por suas comunidades em concreto, no seio da sociedade, geral e difusa. 127
A  Constituição  federal  tem  como  cláusula  pétrea  que  a  democracia  brasileira  é 
representativa e participativa, concomitantemente, uma linha complementando a outra – isto 
é, uma não é prevalecente e mais importante que a outra.  
Óbvio, que o processo de escolha com a participação de toda a sociedade é uma forma 
legal  e  legítima  –  possível  e  defensável!  Não  porque  os  conselheiros  se  tornam  mais 
ʺrepresentativosʺ. A justificativa é outra, diversa daquela aplicável ao prefeito e vereador, que 
precisam ter legalidade/legitimidade de sua representação ‐ como se viu atrás.  Mas por que a 
sociedade,  como  um  todo,  é  o  somatório  das  comunidades.  Escolhidos  pela  sociedade 
significarão  escolhidos  pelas  comunidades,  num  sentido  amplo  e  numa  interpretação  mais 
ampliada do Estatuto. 
A  favor  desse  sistema  de  escolha  direto  pela  população  milita  mais  o  fato  de  ter  o 
CONANDA  incluído,  na  sua  Resolução  nº  75128,  a  recomendação  de  que  se  adote  esse 
sistema.  Isso  vale  como  um  parâmetro  político  respeitável  e  não  como  uma  norma  jurídica 
coercitiva. A partir desse indicativo do CONANDA, as leis municipais devem  preferenciar 
essa forma de escolha. 
Mas, é bom que se faça um difícil exercício de tolerância e de superação de conceitos 
políticos tradicionais: a escolha de conselheiros tutelares,  através de parcelas da sociedade, 
das  comunidades,  de  organizações  sociais,  também  é    legítima.  Escolhidos  através  das 
organizações  comunitárias  significam  escolhidos  pela  sociedade,  numa  interpretação  até 
mais  literal  e  sistemática  do  Estatuto.  Tanto,  que  assim  se  procede  para  a  definição  da 
participação  direta  da  população  no  conselhos  dos  direitos  –  através  das  organizações 
representativas da sociedade. Por que, politicamente, em um conselho, essa forma é legítima 
e no outro (o tutelar) não o é...?! 
Ainda  mais,  é  de  se  lembrar  que  se  tratando  de  estruturação,  organização  e 
funcionamento  de  um  serviço  público  municipal,  as  leis  municipais  têm  um  campo  de 

127
Conferir 1.4.1. atrás, neste texto: "Visões da Democracia e do Estado. Um novo corporativismo social?" Ali, se discutiu
a questão do modelo dicotômico da democracia brasileira, mostrando-se a importância da participação das organizações
corporativas sociais no Estado, como construtoras da Democracia
128
“Parâmetros para a Criação e Funcionamento dos Conselhos Tutelares no Brasil”

83
abrangência e prevalência maior, podendo ir, em certos pontos – em matéria organizacional e 
procedimental – a lateri (não, contra) Estatuto da Criança e do Adolescente129. 
Trata‐se  aqui  de  se  assegurar  o  respeito  ao  princípio  constitucional  da  autonomia 
municipal. O município hoje, pela Constituição federal é um ente federativo. Os seus artigos 
29 e 30 isso asseguram, no tocante à organização do serviço público municipal. 
Inconstitucional  seria  o  Estatuto,  se  invadisse  essa  esfera  do  poder  legisferante 
municipal.  Aqui  não  prevalece  o  dispositivo  constitucional130  que  estabelece  que  compete 
concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre proteção à criança 
e  adolescente.  Formalmente  os  dispositivos  sobre  estruturação  e  organização  dos  conselhos 
tutelares  estão  em  uma  lei  de  “proteção  à  infância  e  à  juventude”  (Estatuto  citado),  mas 
substancialmente são matéria de direito administrativo municipal, só podendo a União editar 
normas gerais. Tanto que exatamente por isso o Estatuto deixou que regular o procedimento 
para  aplicação  de  medida  de  proteção  pelo  conselho  tutelar,  por  se  tratar  de  um 
procedimento  administrativo  municipal,  a  ser  regulado  por  lei  municipal.  De  maneira 
diversa,  regulou  o  mesmo  Estatuto,  quanto  ao  procedimento  para  apuração  do  ato 
infracional  praticado  por  adolescente  e  aplicação  de  medidas  socioeducativas,  que  foi  ali 
bastante  esmiuçado131:  trata‐se  aqui  de  procedimento  processual132,  cuja  competência 
legislativa é da União. 
Legal também o é essa segunda forma: o que deve prevalecer na exegese dos textos do 
Estatuto deve ser a prevalência do ʺmelhor interesse da criança e do adolescenteʺ133. E se deveria 
levar  em  conta  também  a  motivação  histórica,  a  mens  legislatoris134.  O  dispositivo  do 
Estatuto,  em  questão,  fala  em  ʺcomunidadeʺ  e  não  em  ʺpopulaçãoʺ,  ʺsociedadeʺ  etc.  E  basta  se 
consultar  dicionários  para  se  constatar  que  “comunidade”  significa  segmento  da  sociedade, 
“parcela  da  população  agrupada  por  interesses  comuns,  por  razões  geográficas”  etc.  No  sentido  da 
possibilidade  legal  de  se  adotar  indiferentemente  ambas  as  formas  (ʺdireta  ou  indiretaʺ)  se 
pronunciam, em sua obra multicitada DONIZETI & CYRINO. 
Todavia,  necessário  se  torna  evitar  um  equívoco  que  tem  grassado  em  alguns 
municípios:  incluírem‐se  autoridades  públicas  governamentais  (prefeitos,  secretários 
municipais, promotores de justiça, dirigentes de órgãos públicos, diretores de escolas etc.) no 
mal chamado “colégio eleitoral”. Enquanto cidadãos poderão participar do processo de escolha 
aberto,  isto  é,  a  escolha  universal.  Mas,  nunca  quando  o  processo  de  escolha  se  proceder 
através  de  representações  comunitárias,  pois  eles  são  representantes  do  Poder  Público  – 
coisas que não se confundem na ótica do Estatuto. O  Estatuto faz nítida  distinção, em todo 
seu corpo, entre as esferas do “governamental” e do “não governamental”.   

129
O principio da hierarquia das leis não é tão simplista e de aplicação esquemática, da linha do quem pode mais pode
menos. Há que se respeitar o princípio da reserva de competência legislativa de cada esfera.
130
Artigo 24 - CF
131
Artigo 171 e ss. – Estatuto cit.
132
Artigo 152- Estatuto cit. : aplicação subsidiária da legislação processual
133
Artigo 6º do Estatuto cit.
134
Ver registro do histórico do processo legislativo de reforma do Estatuto, aqui feito, no início deste item

84
A  participação  de  qualquer  representante  de  órgão  governamental  no  processo  de 
escolha de conselheiros tutelares, quando não se tratar do voto universal facultativo, o torna 
susceptível de anulação, requerida pelo Ministério Público, por qualquer entidade .  
 
Em  conclusão:  nos  termos  do  Estatuto,  como  acima  se  expôs,  possível  se  torna  o 
desenvolvimento do processo de escolha referido, através três formas de procedimentos mais 
comuns e consagradas pelo uso, hoje, no país: 
ƒ Facultativamente,  todas  as  pessoas  indiscriminadamente  (eleitoras  ou  não), 
acima  de  dezesseis  anos  e  que  residam  no  município,  isso  comprovando  de  qualquer 
maneira (exibição de documentos e elaboração de listas de votantes a posteriori); 
ƒ Facultativamente,  todas  as  pessoas  que  se  inscreverem  ou  cadastrarem, 
previamente, na forma definida pela lei municipal (e regulado o procedimento de inscrição, 
pelo  edital  do  conselho  dos  direitos),  igualmente  com  os  mesmos  requisitos  de  idade  e 
residência. 
ƒ Somente  os  representantes  da  sociedade  civil  organizada,  isto  é,  os 
representantes  de  comunidades  (associações,  entidades  de  atendimento,  sindicatos, 
ministérios eclesiais e toda ou qualquer expressão da organização comunitária). 
 
Papel dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente no processo de escolha 
‐  A organização e presidência do processo de escolha de conselheiros tutelares ficaram como 
uma atividade especial dos conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente de 
discutível definição de sua natureza jurídica e política. E isso ele faz, não tanto numa linha de 
gestão  de  meios135,  mas  de  controle  do  poder/atribuição  do  Poder  Executivo  municipal,  de 
investir agentes públicos.  
De  ordinário,  há  certa  dificuldade  de  se  entender  a  natureza  dessa  intervenção  dos 
conselhos  dos  direitos,  que  a  primeira  vista  parece  discrepar  das  suas  demais  atividades, 
dentro  do  espectro  geral  das  atribuições  desses  colegiados  municipais.  Realmente,    tem‐se 
reconhecido  que  –  em  função  dos  seus  papéis  jurídico‐legal  e  político‐institucional,  como 
visto atrás ‐  os conselhos dos direitos não devem assumir nenhuma função de ʺexecução de 
política públicaʺ, isto é, desenvolver atividades (através de um determinado serviço público) 
ou projetos (no bojo de um programa público): isso ficou bastante claro!  
Assim,  essa  sua  função  de  organização  e  presidência  do  processo  de  escolha  dos 
conselheiros  tutelares  (que  lhe  foi  atribuída  posteriormente)  precisa  encontrar  seu  nicho 
jurídico  e  político‐institucional.  E  aqui  se  propõe  que  seja  no  campo  do  controle  das  ações 
públicas136, mesmo se reconhecendo que assim se fará de maneira bem pouco ortodoxa. 
Assim  sendo,  aos  conselhos  municipais  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente 
compete  essa  atípica  atribuição,  em  caráter  extraordinário  e  explicitado    no  Estatuto: 

135
Exercício de atividade-meio, isto é, administrativo-burocrática
136
"Controle" aqui no sentido amplo, não se confundindo com "fiscalização", como se faz algumas vezes.

85
organizar  e  presidir  o  processo  administrativo  de  escolha  dos  conselheiros  tutelares, 
obedecendo à determinação do Estatuto. 
O  conselho  dos  direitos  fica  absolutamente  adstrito  às  normas  da  lei  municipal,  não 
podendo  ‐  através  do  seu  edital  de  convocação  do  processo  de  escolha  –  alterar  nenhum 
dispositivo  expresso  da  referida  norma  legal,  como  muitas  vezes  se  está  constando  na 
prática, com sérios prejuízos para a realização do processo de escolha, que assim poderá ser 
anulado pela Justiça, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado.  
Por  exemplo,  se  a  lei    municipal  estabelecer  um  limite  de  idade,  uma  condição  de 
escolaridade (nível médio ou fundamental), não pode o edital do conselho dos direitos isso 
alterar. Se a lei , em outro exemplo, não prever a apresentação de comprovação da aprovação 
em curso sobre o Estatuto, o edital não pode criar essa exigência. 
DONIZETI & CYRINO (in ʺConselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescenteʺ) 
vão  mais  longe  e  explicitam:  ʺ(...)  o  Conselho  dos  Direitos  só  poderá  dispor  sobre    processo  de 
escolha se lei municipal conceder‐lhe autorização expressaʺ. 
Os referidos autores ensinam que (a) ou a lei municipal dispõe minudentemente sobre 
o processo de  escolha  dos  conselheiros  tutelares,  não  prevendo  assim  que  os  conselhos  dos 
direitos  tracem  nenhuma  norma  complementar  reguladora  quando  da  convocação  de  cada 
processo  de  escolha  (b)  ou  a  mesma  lei  traz  algumas  normas  gerais  sobre  a  matéria,  como 
mínimos  legais  e  expressamente  autoriza  o  conselhos  dos  direitos  a  regular  a  matéria, 
suplementarmente. 
  
Histórico  ‐  Os  conselhos  municipais  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente 
receberam do Estatuto (redação reformada) essa atribuição nova, exatamente para garantir ao 
máximo  a  autonomia  funcional  dos  conselhos  tutelares:  quanto  menos  ingerência  da 
prefeitura  municipal,  mais  autônomo  seria  esse  contencioso  administrativo,  que  tem    entre 
suas atribuições  legais a de requisitar serviços públicos aos órgãos municipais. 
Nasceu  essa  atribuição  posteriormente  à  edição  do  Estatuto,  em  lei  federal137  que  lhe 
alterou a redação original, motivada por decisão judicial.  
Quando editado o Estatuto, previa ele que os conselheiros tutelares seriam eleitos para 
um  mandato  certo,  em  processo  e  eleitoral    presidido  pelo  juiz  eleitoral  da  comarca,  sob  a 
fiscalização  do  representante  do    Ministério  Público.  Mas,  dizia  também  que  lei  municipal 
disporia a respeito desse ʺprocesso eleitoralʺ (sic).  
Em  São  Paulo,  em  1991,    com  toda  propriedade,  questionou‐se  a  constitucionalidade 
de  tais  dispositivos  do  Estatuto;  apontando‐se  que  nenhuma  lei  municipal  poderia  dispor 
sobre  a  matéria,  tratando‐se  de  processo  eleitoral.  Ter‐se‐ia  que  aplicar  as  disposições  do 
Código Eleitoral. Assim sendo, a natureza das funções do conselheiro tutelar seria como a de 
um  mandatário  de  cargo  eletivo  (prefeito,  vereador  etc.),  com  todas  as  decorrências  disso:  
candidatura partidária, voto universal obrigatório, inelegibilidade etc. 

137
Lei federal 8.242 de 12 de outubro de 1991, que cria o CONANDA e dá outras providências.

86
Em  função  disso,  a  matéria  foi  discutida  amplamente,  à  época,  no  Fórum  Nacional 
DCA , decidindo‐se por se fazer um lobby junto à Presidência da República, com apoio do 
138

CBIA  e  UNICEF,  para  que  se  alterasse  o  Estatuto  nesse  ponto,  evitando‐se  esse  vício  de 
inconstitucionalidade.  Na  época,  elaborava‐se  o  projeto  de  lei  que  criava  o  Conselho 
Nacional  dos  Direitos  da  Criança  e  do  Adolescente  –  CONANDA  (1991)  e  aproveitou‐se  a 
oportunidade  para  se  incluir  dispositivo  que  alterava  os  artigos  132  e  136  do  Estatuto,  no 
tocante ao provimento da função de conselheiro tutelar. 
Depois  de  grande  discussão  no  seio  das  organizações  sociais  que  militavam  no 
movimento de defesa dos direitos da criança e do adolescente (DCA), com assessoramento de 
juristas que participaram da elaboração do Estatuto ‐ decidiu‐se que se abandonaria a idéia 
de processo eleitoral, mandato eletivo, aplicação do Código Eleitoral, condução do processo 
pela justiça eleitoral etc. etc..  
E optou‐se por uma forma de provimento atípica: um mandato certo, mas não fruto de 
um  processo  eleitoral  judicial  (federal).  Seria  um  ʺprocesso  para  escolha  (...),  realizado  sob 
responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescenteʺ e fiscalizado pelo 
Ministério Público139. Essa a intenção do legislador – importante elemento para exegese dos 
artigos  reformados  do  Estatuto.  Testemunham  DONIZETI  &  CYRINO  (obra  citada):  ʺA 
redação  do  dispositivo  legal  acima  foi  dada  pela  Lei  federal  8.242  de  12.10.91  (DOU  16.12.91),  que 
definitivamente  afastou o  questionamento  de  constitucionalidade  da  disposição  anterior, que  previa  a 
ʹeleiçãoʹ dos conselheiros através de ʹprocesso eleitoralʹ, sob a presidência de juiz eleitoralʺ. 
Um  procedimento  de  provimento  de  cargo  ou  função  mais  democrático  e  mais 
próximo  do  espírito  desses  conselhos  –  uma  outra  alternativa  às  duas  outras  formas 
possíveis, em termos constitucionais, isto é, no lugar da mera nomeação ad nutum para cargo 
comissionado ou após aprovação em concurso público140. 
 
A  participação  do  representante  do  Ministério  Público  e  do  juiz,  no  processo  de 
escolha  ‐  A  imprescindível  intervenção  do  Ministério  Público,  participando  do  processo 
administrativo de escolha (qualquer que seja a sua forma ‐ ʺdiretaʺ ou ʺindiretaʺ), tem que ser 
entendida como função fiscalizadora.  
Ele  não  pode  participar,  deliberando  sobre  os  procedimentos  de  organização  e 
realização  desse  processo  administrativo  de  escolha  dos  conselheiros  tutelares.  O  Estatuto 
não lhe dá esse poder e nenhuma lei municipal pode ampliar seu papel nesse sentido, pois 
seria  uma  franca  ingerência  administrativa  do  parquet  na  gestão  dos  negócios  públicos 
municipais. Já o papel fiscalizador, ele é típico do Ministério Público: da sua própria essência 
institucional.  A  ele  a  Constituição  brasileira  garantiu  o  papel  de  ʺórgão  corregedor  maiorʺ, 
138
O Autor integrava o Secretariado Nacional dessa articulação de organizações não governamentais, representando a Rede
Nacional dos Núcleos de Estudo e Pesquisa
139
Artigo 139 citado
140
É de se lembrar a limitação que a Constituição federal impõe para o provimento de qualquer cargo ou função pública.
Tinha-se mais, como certo, que o conselheiro tutelar é um agente público, em que pese não ser um funcionário ou
empregado público, no sentido estrito do termo (regime único ou CLT)

87
fiscalizador,  controlador  –  incontestado  e  independente.  A  efetividade  do  Estado 
Democrático de Direito depende disso.  
Por  isso,  não  pode  ele  se  imiscuir  na  prática  de  atos  administrativos,  como  se  fora 
apenas um agente publico municipal, no caso. Seu papel é bem maior! Está ele atuando junto 
aos  conselhos  dos  direitos,  nesse  caso  específico,  para  fiscalizar  os  procedimentos  ‐  
promovendo  a  aplicação  da  lei,  a  defesa  dos  interesses  individuais  indisponíveis,  os 
interesses difusos, coletivos e sociais e a defesa do regime democrático141. Lutando para que 
esses  atos  administrativos  (escolha,  nomeação  e  investidura  de  conselheiros  tutelares) 
obedeçam  aos  princípios  constitucionais  da  legalidade,  economicidade,  moralidade, 
impessoalidade e publicidade.  
Assim, compete a ele impugnar atos da comissão competente (delegação do conselho 
municipal),  durante  o  processo  de  escolha,  perante  a  própria  plenária  do  conselho.  Ou 
ajuizar  ações  judiciais  próprias  para  assegurar  o  respeito  a  direitos  ameaçados  ou  violados 
(ao seu ver autonomamente), na forma da legislação processual civil.  
Já a participação dos juízes, diretamente, no processo administrativo de escolha deve 
ser...    nenhuma!  Ou  aliás:  maior,  mas  diversa!  Os  juizes  de  direito    intervirão,  prestando  a 
jurisdição,  quando  provocados  pelas  partes  que  tenham  interesses  contrariados  e  pelo 
Ministério  Público  –  quando  estes  buscarem  quem  diga  o  Direito  –  via  sentenças  judiciais. 
Sua intervenção, nessa linha da prestação jurisdicional, garantirá o império da lei e o respeito 
aos direitos de quem possivelmente possa estar sendo lesado. 
Esse  o    papel  do  Poder  Judiciário,  do  qual  não  deveria  se  afastar  nessa  questão  da 
escolha dos conselheiros tutelares. Sem prejulgamentos! Sem querer ser ʺadministradorʺ, mas 
sim verdadeiro magistrado – esse o espírito do Estatuto, quando extinguiu a figura do ʺjuiz‐
administrador‐legisladorʺ do revogado Código de Menores142
 
Requisitos  exigíveis  dos  candidatos  à  função  de  conselheiro  tutelar  ‐  Quando  do 
início de vigência do Estatuto, houve certa dúvida se as leis municipais poderiam inovar ou 
não  de  relação  a  essa  norma  geral  nacional,  que  estabelecia,  no  seu  artigo  133,  apenas  03 
requisitos  para  que  alguém  se  habilitasse  a  conselheiro  tutelar:  (a)  reconhecida  idoneidade 
moral; (b) idade superior a 21 anos; (c) residir no município.  
Esses  são  requisitos  mínimos,  que  as  leis  municipais  estão  obrigadas  a  respeitar. 
Argumentava‐se que o Estatuto não previa a ampliação desses requisitos, sendo tal listagem 
taxativa e não exemplificativa. Algumas decisões judiciais vieram a lume, de início, sob esse 
enfoque. 

141
Artigo 157 e 159 da Constituição federal
142
Na prática do dia-a-dia lamentavelmente ainda se encontram alguns poucos magistrados que insistem em intervir
administrativa e indevidamente na vida dos Conselhos Tutelares, como se fossem eles suas equipes multiprofissionais,
inclusive procurando participar do processo de escolha dos conselheiros tutelares, por exemplo.

88
Com  o  passar  dos  tempos,  passou  a  ganhar  força  uma  linha  de  exegese  diferente, 
dentro  da  linha  que  este  presente  ensaio  sustentou  atrás:  o  Estatuto  dispõe  sobre  normas 
gerais de “proteção à infância e à juventude” (Constituição federal – art.24) 
Essa  lei  federal  em  verdade  é  uma  norma  nacional  de  “proteção  da  infância  e  da 
juventude”, como prevista no art. 24, XV da Constituição federal. Compete  à união legislar, 
como  fez  com  o  Estatuto,  sobre  esta  matéria  concorrentemente  com  os  estados  federados, 
estando ela limitada à expedição de “normas gerais” (§1° – art.cit.). Por sua vez, normas legais 
estaduais poderão, em caráter “complementar” (§2° – art.cit.), legislar a respeito dos conselhos 
tutelares, respeitados os limites estabelecidos no art.30 da Constituição, no que diz respeito à 
competência dos municípios para legislarem. Leis, nacional e municipal, devem instituí‐los, 
criá‐los  e  regulá‐los.  A  norma  nacional  de  proteção  os  institui,  dando‐lhes  atribuições  e 
define  parâmetros  gerais  para  que  leis  municipais  os  criem,  os  estruturem,  organizem, 
disponham sobre seu funcionamento e sobre o regime jurídico de seus membros. 
Assim sendo, respeitados os requisitos do Estatuto, a lei municipal poderá criar novos 
requisitos  compatíveis  com  a  natureza  da  função  de  conselheiro  tutelar:  grau  de 
escolaridade,  aprovação  em  capacitações  sobre  ʺlegislação  de  proteção  à  infância  e  juventudeʺ, 
experiência  no  trabalho  de  atenção  integral  à  infância  /  adolescência,  número  de  anos  de 
residência no município etc.  
A  questão  da  idade  mínima  tem  merecido  uma  discussão  nova:  após  a  vigência  do 
novo  Código  Civil  dever‐se‐á  entender  que  revogada  ficou  a  exigência  do  limite  de  idade 
fixado  em  21  anos,  devendo‐se  se  entender  que  passa  ele  agora  para  18  anos?  Data  venia, 
entendo  que  o  Estatuto  não  atrelou  expressamente  o  limite  de  idade  para  o  exercício  da 
função  de  conselheiro  tutelar  à  maioridade  civil.  Não  exige  que  o  conselheiro  tenha 
adquirido  de alguma forma a maioridade civil ‐ em outras palavras. Tanto  que na vigência 
do antigo Código Civil nunca se defendeu a tese de que os maiores de 18 e menores de 21, 
emancipados  de  alguma  forma,  pudessem  se  candidatar  a  conselheiro  tutelar.  O  juiz  e 
tratadista  Judá  Jessé  de  Bragança  SOARES  já  ensinava  no  passado:  ʺQuanto  à  idade  exigida, 
coincide com a maioridade civil, mas não se confunde com elaʺ (grifo nosso). 
As  leis  criam  limites  de  idade  para  o  exercício  de  determinadas  funções  públicas, 
como  para  Presidente  da  República,  Senadores  etc.  etc.  E  o  Estatuto,  na  mesma  linha, 
instituiu  esse  limite  em  21  anos.  Considerando‐se  de  futuro  politicamente  conveniente, 
poder‐se‐á  alterar  (ou  não!)  o  Estatuto,  para  reduzir  o  limite  para  18  anos  ou  fixar  em 
qualquer  outro  patamar  (argumentando  ad  absurdum:  25?  35?).  Mas  enquanto  essa 
providência legislativa, no âmbito do Congresso Nacional, não ocorrer, a idade mínima fica 
em 21 anos, salvo melhor juízo.  
Outro  ponto  que  merece  um  aclaramento  diz  respeito  à  diferença  legal  entre 
ʺresidênciaʺ  e  ʺdomicílioʺ:  exige  o  Estatuto  que  o  candidato  a  conselheiro  tenha  residência  no 
município, isto é, aquele município enquanto lugar onde ele tem, de fato, sua morada atual, 
com ou sem a intenção de aí permanecer (o domicílio exige residência com ânimo definitivo). 
 

89
Investidura  por  mandato  certo:  não‐prorrogação  e  recondução  ‐  A  lei  municipal 
deverá  prever  a  investidura  na  função  de  conselheiro  tutelar.    Ela  se  inicia  com  a 
proclamação de resultados do processo de escolha, pelo conselho municipal dos direitos da 
criança  e  do  adolescente,  com  a  indicação  e  divulgação  por  edital  dos  escolhidos  pela 
comunidade  (titulares  e  suplentes).  Desse  ato  caberá  impugnação  do  ministério  público  ou 
recurso  administrativo  dos  interessados,  ambos  perante  o  próprio  conselho  municipal  dos 
direitos,  que  os  apreciará  e  decidirá  em  instância  administrativa.  Desses  atos  do  conselho 
municipal dos direitos cabe igualmente o apelo a remédio judicial (mandado de segurança, 
por ex.), tanto do ministério público, quanto dos interessados, dirigido ao juiz da infância e 
da  juventude  da  comarca  –  lembrando‐se  sempre  que  o  juiz  não  é  instância  derradeira, 
cabendo  mais  recursos  de  suas  decisões  para  a  segunda  instância  do  Poder  Judiciário 
(Tribunal de Justiça do Estado). 
Após  a  edição  desse  ato  complexo  formal  do  conselho  municipal  dos  direitos  da 
criança  e  do  adolescente  de  proclamação  de  resultados  e  após  também  o  julgamento  dos 
recursos administrativos e judiciais (caso tenham sido interpostos), em se tratando de agentes 
públicos,  ato  de  nomeação  deverá  ser  expedido  pelo  prefeito  municipal  (ato  vinculado  aos 
resultados do processo de escolha, não podendo ele ignorar a ordem de escolha). Isso posto, 
a  mesma  autoridade  dará  posse  aos  escolhidos  e  nomeados,  podendo  delegar  essa  função, 
por exemplo, ao conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente. 
Todavia, uma verdadeira aberração jurídica começa a se espalhar sorrateiramente pelo 
país,  sob  o  manto  de  uma  falsa  legalidade  e  às  vezes  lamentavelmente  com  o  respaldo  do 
ministério público e da justiça da infância e da juventude: a chamada “prorrogação do mandato 
dos conselheiros tutelares”. 
Ora,  tratando‐se  de  mandato  certo,  por  3  anos,  concedido  pela  sociedade  e 
homologado  pelo  chefe  do  poder  executivo  municipal,  impossível  juridicamente  seria  se 
prorrogar mandatos de agentes públicos.  Possível sim a recondução do conselheiro por mais 
um  mandato:  mas  aí  ele  se  submete  a  novo  processo  de  escolha,  se  submete  ao  que  mal 
chamaríamos de “re‐eleição ʺ, isto é, dependeria da vontade da comunidade. 
Tem‐se  entendido  de  modo  geral,  que  só  uma  reforma  constitucional  (disposição 
transitória)  poderia  prorrogar  mandatos  do  presidente  da  república  ou  de  outros  agentes 
públicos investidos em mandato certo. 
Findo  o  mandato  do  conselheiro  tutelar,  no  dia  imediato,  não  havendo  novos 
conselheiros escolhidos pela comunidade e nomeados pelo prefeito, as funções protetivas do 
conselho tutelar passam a ser exercida provisoriamente pelo juiz da infância e da juventude, 
nos termos do art. 262 do Estatuto, aplicado extensivamente. 
Nenhuma  autoridade  pública  pode  prorrogar,  por  via  administrativa,  o  mandato  de 
um  conselheiro  tutelar.  Caso  um  juiz  de  direito  o  faça,  em  processo  judicial,  formalmente 
através de sentença, será o caso de obviamente se cumprir, recorrendo a prefeitura da decisão 
judicial,  para  o  Tribunal  de  Justiça,  por  sua  manifesta  inconformidade  com  o  ordenamento 
jurídico.. 

90
Dentro  dessa  linha  da  impossibilidade  da  prorrogação  de  mandato  de  conselheiros 
tutelares, em janeiro de 2003, o jornal A TARDE (17.01.2003), de Salvador, Bahia, noticia que 
um  juiz  da  infância  e  da  juventude  da  comarca  de  Salvador  indeferiu  um  pedido  de 
prorrogação  de  mandato  e  determinou  que  o  novo  procedimento  de  escolha  ocorresse  em 
cinco dias, sob pena de pagamento de multa diária, pelo poder público municipal.  
 
Exatamente  por  isso  tudo  é  que  o  CONANDA,  através  da  resolução  nº  75,  de  22  de 
outubro de 2001, em seu artigo 10 determina o seguinte: “Em cumprimento ao que determina o 
Estatuto da Criança e do Adolescente, o mandato do conselheiro tutelar é de três anos, permitida uma 
recondução,  sendo  vedadas  medidas  de  qualquer  natureza  que  abrevie  ou  prorrogue  esse  período”  . 
(grifei) 
Por fim, é de se ressaltar que, quando o Estatuto prevê a ʺreconduçãoʺ, o faz nesta ótica. 
Absolutamente, não está  prevendo de forma tácita a prorrogação de mandato do conselheiro 
tutelar por mais um mandato. Mas, quer dizer que o conselheiro tutelar não pode continuar a 
se  habilitar  indefinidamente  em  procedimentos  de  escolha.  Significa  aquela  norma  do 
Estatuto  que  ele  se  tornará  “inelegívelʺ,  após  ter  permanecido  no  cargo  por  dois  mandatos, 
escolhidos para ambos de maneira legítima, pela população, de alguma forma. É portanto ʺa 
comunidade  que  irá  autorizar  a  recondução  do  membro  do  conselho,  através  de  novo  sufrágioʺ 
(DONIZETI & CYRINO – obra citada) 
O  CONANDA,  em  sua  resolução  nº  75  citada,  também  expressamente  defende  isso, 
como parâmetro para criação e funcionamento de um Conselho Tutelar (parágrafo único do 
art.10):  “A  recondução,  permitida  por  uma  única  vez,  consiste  no  direito  do  conselheiro  tutelar  de 
concorrer  ao  mandato  subseqüente,  em  igualdade  de  condições  com  os  demais  pretendentes, 
submetendo‐se  ao  mesmo  processo  de  escolha  pela  sociedade,  vedada  qualquer  outra  forma  de 
recondução” . (grifei) 
 
Remunerações  e  vantagens  ‐  O  Estatuto  traz  apenas  uma  norma  programática, 
aventando a dupla possibilidade de se remunerar ou não o conselheiro tutelar, no exercício 
de  suas  funções.  Uma  vez  que  expressamente  vedou  a  remuneração  dos  conselheiros  dos 
direitos,  ele  contempla  a  questão  dos  conselheiros  tutelares  de  maneira...  ʺsalomônicaʺ:  ʺLei 
municipal disporá (...) inclusive sobre sua eventual remuneração de seus membrosʺ (art. 134). 
De qualquer maneira, é imprescindível que a lei municipal declare expressamente que 
a  função  de  conselheiro  tutelar,  naquele  município,  é  remunerada.  E  que  alguma  lei 
municipal  fixe  o  padrão  de  remuneração.  Nunca  o  conselho  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente!  Lei  municipal  não  poderá  jamais  delegar  a  esse  colegiado  a  fixação  da 
remuneração de conselheiro tutelar. 
Por  sua  vez,  as  verbas  para  pagamento  da  remuneração  dos  conselheiros  tutelares 
deverão  ser  provenientes  do  orçamento  público  municipal  e  previstas  regularmente  na  lei 
própria, como despesas da secretaria municipal, à qual esteja vinculado administrativamente 
por lei os conselhos tutelares. O fundo municipal para os direitos da infância e adolescência 

91
não pode financiar o pagamento dessa remuneração, pois se trata de fundo público especial 
de  investimento,  devendo  seus  recursos  ficar  destinados  a  suas  atividades‐fim,  isto  é,  ao 
financiamento  de  programas  e  projetos  de  proteção/promoção  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente. 
 
Exercício  das  funções,  afastamentos  e  substituições  ‐  A  matéria  referente  a  férias, 
licenças, faltas, ausências, impedimentos e conseqüentes substituições deverá ser prevista na 
lei municipal – coisa que não ocorre geralmente nas leis municipais vigentes. 
 
Regime  correcional  e  disciplinar,  destituição  e  perda  da  função  ‐    Há  necessidade 
que  a  lei  municipal  obrigatoriamente  traga  previsão  das  hipóteses  específicas  em  que  o 
conselheiro  tutelar  perderá  a  função  e  será  destituído.  E  essa  lei  deverá  mais  disciplinar  os 
procedimentos  disciplinares  para  a  declaração  da  perda  da  função  e  para  a  conseqüente 
destituição,  estabelecendo  quem  é  o  responsável  pela  condução    desse  procedimento 
apuratório (o conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente...?) e pela aplicação 
da sanção administrativa de destituição da função (prefeito municipal...?). 
Todavia,  se  a  lei  municipal  for  absolutamente  omissa  a  esse  respeito,  o  ministério 
público, as autoridades públicas municipais e qualquer interessado que se julgar prejudicado 
por  ato  do  conselheiro  tutelar,  todos  eles  poderão  ajuizar  ação  judicial  própria,  contra  o 
conselheiro tutelar, visando a declaração da perda de função. 
 
CAPÍTULO VII 
O CONTROLE NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: CONSELHOS DOS 
DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 
 
SEÇÃO I 
A ESSÊNCIA DOS CONSELHOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO 
ADOLESCENTE 
 
Generalidades  ‐  A  maior  parte  da  confusão  que  cerca  a  estruturação, 
organização  e  funcionamento  dos  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente,  no  Brasil,  nasce  de  deformações  no  entendimento  de  sua  natureza 
jurídica  e    político‐institucional  –  de  sua  essência.  Mais  das  vezes,    há  uma 
frustração  infundada  e  injusta  de  relação  a  esses  colegiados.  É  que  se  pretende 
deles coisa diversa do que eles deveriam ser e fazer; se levar em consideração a 
vigente  normativa  legal  que  os  institui  e  a  decorrente  missão  político‐
institucional que devem cumprir. Alguns esperam que eles sejam  instâncias da 
sociedade  civil,  absolutamente  autônomos,  sem  nenhuma  vinculação  com  o 
estado.  Outros,  em  oposição,  os  vêem  meramente  como  órgãos  administrativos 

92
do  governo.  De  um  lado,  uns  o  entendem,  como  ʺtudoʺ.  De  outro  lado,  como 
ʺnadaʺ. E no meio... a grande planície pasmacenta dos que nem os conhecem. 
 
Natureza  jurídica  ‐  Juridicamente,  nos  termos  da  lei  federal  6.089/90  ‐ 
Estatuto da Criança e do Adolescente, a aparente confusão se encontra resolvida 
(pelo  menos  em  termos  da  dogmática  jurídica143),  a  depender  muito  pouco  de 
maiores exercícios de interpretações do texto legal que os institui  (artigo 88, II – 
Lei  federal  8.069  de  13  de  julho  de  1990).  Leis  federais,  estaduais  e  municipais 
deveriam  criar  formalmente  esses  conselhos  e  dessa  criação  dependerá    sua 
estruturação, organização e funcionamento. 
 
Natureza  das  leis  de  criação  dos  conselhos  dos  direitos  ‐  Todavia, 
importante  se  faz,  que  ‐  de  logo  ‐  se  tenha  como  bastante  claro  o  seguinte:  o 
Estatuto  não  esgota  toda  a  possibilidade  de  regulação  legal  da  estruturação, 
organização  e  funcionamento  dos  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente144.  Ele  dispõe  sobre  a  ʺproteção  integral  de  crianças  e  adolescentesʺ 
(artigo 1º ‐ Estatuto cit.), isto é, estabelece ʺnormas gerais de proteção da criança e do 
adolescente  (artigo  23  –  Constituição  federal)  –  isto  é,  normas  gerais  nacionais. 
Mas,  em  seu  bojo  encontramos  também  normas  gerais    penais  e    processuais 
procedimentais,  de  organização  administrativa,  de  organização  judiciária  e  de 
organização  público‐ministerial  –  tanto  como  normas  gerais  nacionais,  quanto 
como normas especiais federais.145   
Segundo  a  Constituição  federal  a  competência  para  legislar  sobre  esses 
campos enumerados é  
9 concorrente da união e dos estados e do distrito federal no tocante à 
legislação de proteção da criança/adolescente e juventude,  
9 concorrente  e/ou  conjunta  da  união,  estados  e  municípios  no 
tocante aos demais campos de organização146 e  
9 privativa da união no campo penal e processual. 
Na  falta  de  norma  especial  local  (quando  se  trata  de  legislação 
concorrente) as normas da união poderiam ir além da sua abrangência genérica, 
estabelecendo  essas  normas  específicas,  que  prevalecerão  em  cada  estado  ou 
município, até que esses entes públicos editem suas normas específicas, quando 

143
Isto é: texto expresso de lei vigente
144
Ver adiante, neste texto, maior explicitação a respeito disso, quando se tratar das "atribuições" dos
conselhos dos direitos da criança e do adolescente, por partes
145
A federação é um ente nacional, formado pelos entes federados, união, estados, distrito federal e
municípios, daí a possibilidade de distinção entre esfera nacional e federal, em alguns momentos, refletindo
isso – cfr. CASALI JR..2000: "Tratados internacionais". Salvador.
146
DONIZETI LIBERATI, Wilson & CYRINO, Públio Caio B.: "Conselhos e Fundos do Estatuto da
Criança e do Adolescente"- São Paulo. Ed. Malheiros

93
então  aquelas  determinadas  normas  federais  –  ʺpermissivamente  invasorasʺ    ‐  
teriam sua vigência suspensa, na forma da Constituição federal.  
Talvez,  o  grande  mal  na  luta  pela  efetividade  político‐institucional  e 
eficácia  jurídica  do  Estatuto  da  Criança  e  do  Adolescente    tem  sido,  nesses 
últimos  10  anos,  esse  imobilismo  do  poder  legisferante  estadual  e  municipal, 
complementando  o  Estatuto,  tanto  de  relação  a  seus  dispositivos  ‐  formal  e 
substancialmente ‐ de proteção da infância, quanto de relação a seus dispositivos, 
formalmente,  de  proteção,  mas,  substancialmente,  de  organização 
administrativa, judiciária e público‐ministerial.  
Mais  das  vezes,  a  insatisfação  que  surge,  pressionando  no  sentido  da 
reforma do Estatuto, decorra disso: em lugar de reformá‐lo, ʺcompletá‐loʺ, dever‐
se‐ia regulamentá‐lo ‐ via legislativa ou administrativa 147.  
Nota‐se uma incipiente tentativa nesse sentido, quando da elaboração das 
leis  municipais  e  estaduais  de  criação  de  conselhos,  que  diziam  dispor  também 
sobre  a  ʺpolítica  de  atendimento  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescenteʺ,  naquele 
estado  ou  município.  Lamentavelmente,  elas  ficaram  presas  a  um  modelo, 
divulgado,  com  a  melhor  das  intenções,  por  Escritórios  locais  da  extinta 
Fundação  Centro  Brasileiro  para  a  Infância  e  Adolescência  ‐  CBIA,  mas  que  o 
legislador  local    não  ousou  ampliar  e  adaptar  à  sua  realidade  local,  indicando 
diretrizes para a formulação administrativa posterior dessa política.  
Lamentavelmente,  vozes  as  mais  respeitáveis,  aqui  e  ali,  se  levantam, 
defendendo  a  impossibilidade  de  se  dispor  em  caráter  complementar  sobre 
determinados  pontos  estabelecidos  no  Estatuto,  dificultando  que  se  melhor 
regule o chamado ʺsistema de garantia de direitosʺ.  
Mas, na verdade, data venia, uma lei federal como o Estatuto não poderia 
–  sob  pena  de  inconstitucionalidade  –  detalhar,  por  exemplo,  o 
organização/funcionamento  da  justiça  da  infância  e  da  juventude,  das  suas 
equipes multiprofissionais (artigos 149 e 150 do Estatuto cit.) e dos seus agentes 
de execução148, dos conselhos de direitos, dos conselhos tutelares, dos serviços e 
programas    administrativo  em  regime  protetivo  ou  socio‐educativo  (artigo  90  – 
Estatuto cit.).  
Todavia,  muitas  vezes  constata‐se  o  contrário:  ameaça‐se  ferretear  como 
inconstitucionais  as  normas  estaduais  e  municipais  (as  últimas,  principalmente) 
que ousam complementar legitima e legalmente o Estatuto. Com isso não se quer 
dizer que não há normas municipais e estaduais, nesse campo, inconstitucionais. 

147
Poder normatizador amplo dos Conselhos dos Direitos, como se verá adiante ou do Presidente da
República, Governadores e Prefeitos, por decretos (funcionamento dos Fundos para os Direitos da Infância
e Adolescência, por exemplo)
148
Os antigos Comissários de Menores, que as leis estaduais de organização judiciária deveriam extinguir
ou transformar, à luz do Estatuto (artigo 149)

94
Existem!  e  pululam  pelo  país...  contendo  absurdos  e  heresias,  a  merecerem 
repúdio.  
Mas  isso  se  corrige  com  a  produção  cada  vez  maior  de  boa  doutrina  e  a 
construção  de  uma  jurisprudência  comprometida  com  os  princípios  e  diretrizes 
da doutrina da proteção integral, acolhidos pela Convenção sobre os Direitos da 
Criança.  
Por que não se reconhecer que o Estatuto estabelece apenas normas gerais 
sobre  criação,  estruturação,  organização  e  funcionamento  dos  conselhos  dos 
direitos  da  criança  e  do  adolescente;  competindo  às  unidades  federadas  e  aos 
municípios disporem, de maneira complementar, sobre essa matéria.?  
Na verdade,  compete: 
9 à  União  estabelecer  normas  gerais  de  proteção  da  infância  e  da 
adolescência,  de  organização  judiciária  e  público‐ministerial  e  de  organização 
administrativa 
9 aos estados e ao Distrito Federal estabelecerem normas especiais de 
proteção da infância e da adolescência   
9 aos estados e ao Distrito federal estabelecerem normas especiais de 
organização judiciária e público‐ministerial, inclusive também para possibilitar a 
operacionalização dessa proteção (ʺsistema de garantia de direitosʺ) e  
9 aos estados e municípios149, essas normas especiais de organização 
administrativa, na mesma hipótese (idem). 
Essa regra deveria se aplicar à criação de conselhos dos direitos da criança 
e do adolescente e à regulação da sua organização e funcionamento 
 
Os  Conselhos  enquanto  órgãos  públicos  estatais  ‐  Ora,  entendendo‐se 
que leis federais, estaduais e municipais podem criar e organizar conselhos tais, é 
de se recordar que a lei só poderá instituir instâncias estatais, isto é, organizações 
estatais. Ou mais amplamente,  ʺespaços públicos institucionaisʺ.150  
Não  poderia  assim  fazê‐lo  de  relação  a  instâncias  sociais:  fóruns  de 
articulação  não  institucionais  (Fórum  DCA,  Comitê  de  Enfrentamento  da 
Violência Sexual, Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), ong.s, 
associações,  movimentos  sociais,  movimentos  reinvidicatórios,  pastorais  e 
ministérios  eclesiais  etc.  ‐  isto  é,  organizações  da  sociedade.  Não  poderia  criar 
espaços  públicos  não  institucionais,  já  que isso  feriria  o  princípio  constitucional 
da  livre  associação  e  organização  da  sociedade.  A  lei  (e  portanto  o  Estado)  não 
pode  criar  entes  privados,  organizações  sociais.  No  máximo,    poderá  regular  o 

149
Dispõe o artigo 30 da CF que compete ao Município "organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local".
150
Assim a lei federal 8.242 de 12 de outubro de 1991 denomina o CONANDA – Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente

95
funcionamento  delas,  nas  suas  relações  com  o  poder  público  governamental:  
registros públicos, convênios etc. .  
Tanto assim é que se tem por inconteste hoje não poder a lei instituidora 
desses conselhos – sob pena de inconstitucionalidade – estabelecer taxativamente 
em  seus  dispositivos  previamente  quais  as  entidades  sociais  que  os  integrarão, 
invadindo  o  papel  da  vida  societária,  usurpando  a  legítima  representatividade 
da organização social. 
Donde se deduz que os conselhos dos direitos da criança e do adolescente 
são  órgãos  estatais,  isto  é,  instâncias  públicas.  E  não,  instâncias  da  sociedade 
civil. 
 
Enquanto órgãos administrativos, integrantes do Poder Executivo ‐ Mas, 
em se tratando de órgão publico estatal, qualquer deles há que se enquadrar em 
um  dos  três  Poderes  ‐  segundo  o  princípio  constitucional  da  separação  e 
soberania dos Poderes  constitucionais.  
Salvo a exceção constitucional explícita referente ao ministério público, ao 
qual a Constituição federal (artigos 157 a 159 – CF) reconhece  status equiparado 
ao  de  Poder,  como  ʺinstituição  autônomaʺ  e  ʺfunção  essencial  à  Justiçaʺ,  mas  sem 
subordinação ou vinculação ao poder judiciário ‐ fora do capítulo próprio desse 
Poder. Por exemplo, a Constituição federal considera crime de responsabilidade 
do  presidente  da  República  atentar  contra  a  autonomia  do  poder  judiciário,  do 
poder  legislativo  e  do  ministério  público.  Ao  chefe  do  ministério  público  se 
assegura  a  competência  para  a  iniciativa  de  leis  e  para  nomear  e  exonerar  seus 
membros e servidores 
Exatamente  por  se  tratarem  de  órgãos  públicos,  integrantes  da  estrutura 
do poder executivo  e com atribuições para praticar atos de gestão pública ‐  tais 
conselhos  só  podem  ser  criados  através  de  leis  cuja  iniciativa  do  processo 
legislativo  seja  da  exclusiva  competência  do  chefe  do  poder  executivo151.  Isso 
valendo  para  qualquer  lei  posterior,  modificativa  da  sua  estruturação 
organizacional ou do seu funcionamento.  
Em  face  disso,  é  de  se  reconhecer  que  tais  colegiados  ‐  como  órgãos 
públicos  estatais  que  são  ‐    exercem  funções  administrativas  que  os  fazem 
incluídos na esfera do poder executivo:  atribuições típicas de desenvolvimento 
de  políticas  públicas.  E  não  as  funções  judicantes  e  legisferantes,  próprias  e 
peculiares  dos  poderes  legislativo  e  judiciário.  Esses,  quando  praticam  atos 
administrativos,  o  fazem  na  gestão  dos  negócios  internos  da  esfera  de  cada 
Poder, respectivamente, em face do princípio da sua autonomia administrativo‐

151
Presidente da República, Governadores das Unidades Federadas e Prefeitos Municipais- aplica-se aqui
por simetria o disposto no artigo 61, §1º, II da CF

96
financeira.  Isto  é,  os  conselhos  dos  direitos  praticam  atos  administrativos  de 
execução  das  leis  emanadas  do  poder  legislativo  ‐    regulamentando‐as, 
deliberando  sobre  a  formulação  de  políticas  públicas,  controlando  as  ações 
públicas  governamentais  e  não  governamentais,  potencializando 
estrategicamente as políticas públicas (mobilização social etc. etc.)152.  
Não há, todavia, previsão e permissão legal no Estatuto e na lei federal de 
criação  do  CONANDA  (e    não  deveria  haver  nas  leis  estaduais  e  municipais 
correspondentes)  para  a  prática  de  atos  de  coordenação  e  execução  de  políticas 
públicas,  da  responsabilidade  dos  órgãos  próprios,  governamentais  e  não 
governamentais. A coordenação de políticas públicas é típica de órgãos públicos 
governamentais. A execução pode ser concorrente. Em que pese se encontrar em 
todo país, inúmeros casos de conselhos dos direitos da criança e do adolescente 
que  coordenam  e/ou  executam  diretamente  ações  públicas,  de  maneira 
equivocada, salvo melhor juízo.  
Em  resumo:  tais  conselhos  participam  de  determinada  parte  do  processo 
de desenvolvimento das políticas de estado153, o que implica em: 
9 normatização/formulação dessas políticas; 
9 controle das ações públicas governamentais e não governamentais; 
9 potencialização estratégica dessas políticas (mobilização, p.ex.). 
 
Órgãos  especiais,  funcionalmente  autônomos  e  administrativamente 
vinculados    ‐    O  mesmo  registrado  atrás,  a  respeito  dos  conselhos  tutelares, 
aplica‐se aqui aos conselhos dos direitos da criança e do adolescente. 
 
Órgãos  colegiados  ‐  Outra  peculiaridade  que  integra  sua  natureza 
jurídica,  faz  do  conselho  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  (como 
obviamente  diz  o  nome)  essencialmente  um  colegiado.  Isto  é,  um  órgão 
integrado  por  vários  agentes  públicos,  o  que  faz  com  que  seus  atos 
administrativos  sejam  atos  jurídicos  complexos  formais,  emanados  de  uma 
decisão colegiada e não de um agente singular. Em situações especiais (situações 
emergenciais e urgentes ou atos protocolares de representação), sempre previstas 
na  própria  lei  e  no  seu  regimento  ou  decorrentes  de  delegação  expressa  do 
plenário  colegial,  esses  atos  podem  ser  praticados  pela  sua  direção  ou  por 
qualquer  dos  seus  membros  isoladamente  (presidente,  vice‐presidente  ou 
conselheiro‐relator)  e  referendados  posteriormente  pelo  colegiado  ou  não,  a 
depender da definição jurídica ou da delegação. 
 
152
Conferir, adiante, neste texto, os capítulos referentes às atribuições dos conselhos dos direitos da criança
e do adolescente
153
= políticas públicas, em oposição a políticas governamentais

97
Órgãos  colegiados  paritários  ‐  Determina  mais  o  Estatuto  que  tais 
conselhos  tenham  composição  paritária  (art.88,  II).  E  tal  é  repetido  pelas  leis 
estaduais e municipais correspondentes. 
Em  primeiro  lugar,  isso  significa  paridade  quantitativa  entre 
representantes do governo e das organizações sociais: meio a meio. Já no tocante 
à  chamada  paridade  qualitativa,  a  matéria  é  mais  complexa  e  controversa. 
Algumas questões, em todo o país, têm surgido a provocar polêmicas e mesmo 
ações judiciais.  
 
Questões  polêmicas  na  composição  da  parcela  governamental  ‐  A 
primeira  delas  diz  respeito  à  participação  de  representação  dos  outros  Poderes 
(judiciário  e  legislativo)  e  do  ministério  público,  integrando  a  parcela  dita 
ʺgovernamentalʺ.  Como  o  próprio  nome  diz  e  entendendo‐se  que  se  trata  de  um 
ʺórgão  deliberativo  do  poder  executivoʺ,  a  participação  dos  demais  Poderes  e  do 
ministério público configura uma clara invasão de um Poder sobre outro. 
No caso, teríamos parlamentares e magistrados154 praticando verdadeiros 
atos  administrativos,  atos  de  gestão  pública,  como  se  viu  acima:  normatizando/ 
regulamentando,  deliberando  sobre  a  formulação  de  políticas  públicas 
controlando  as  ações  públicas  governamentais  e  não  governamentais, 
articulando e integrando essas ações, mobilizando a sociedade etc. etc.  Os juizes 
e  representantes  do  ministério  público  não  têm,  por  força  da  sua  missão 
institucional,  essa  atribuição  controladora,  nessa  linha  administrativa, 
gestionária.  Os  parlamentares  a  têm,  mas  a  serem  exercidas  no  espaço  do  seu 
colegiado  próprio (parlamento) e na forma definida pela Constituição. 
O  Estatuto  citado  reconhece  o  impedimento  dos  conselheiros  tutelares 
(mutatis  mutandi,  analogamente,  dos  conselheiros  de  direitos),  de  relação  à 
autoridade  judiciária  e  ao  representante  do  ministério  público  (parágrafo  único 
do artigo 140). 
Esse  óbice  à  participação  nos  conselhos  dos  direitos  não  existiria  se  tal 
integração dos Poderes citados, nesses colegiados especificamente, ocorresse com 
previsão  expressa  na  Carta  Magna:  ou  com  atribuições  meramente  consultivas   
(conselhos  penitenciários,  onde  há  participação  do  ministério  público  –  por 
exemplo)  ou  para  a  prática  dos  chamados  ʺatos  de  impérioʺ  (por  exemplo,  o 
Conselho  de  Segurança  Nacional  e  o  Conselho  da  República)  e  não  aqueles  de 
ʺgovernoʺ ou gestão. 
Tratando  dessa  matéria,  em  1993,  o  CONANDA  editou  resolução  nesse 
sentido, solicitando mais à Procuradoria Geral da República que ajuizasse ações 
diretas de inconstitucionalidade, em litisconsórcio ativo com o ministério público 

154
Aqui incluídos os magistrados judiciais e os público-ministeriais

98
estadual,  contra as leis estaduais e municipais que previssem tais participações – 
indicação com êxito em uns lugares e nenhuma providência em outros.  
De  qualquer  maneira,  a  questão  se  encontra  ainda  em  aberto,  para 
discussão  e  produção  de  doutrina155,  enquanto  não  se  firma  uma  tendência 
jurisprudencial clara, com decisões dos tribunais superiores, principalmente. 
Tais razões podem ser invocadas igualmente para justificar a não inclusão, 
na  parcela  governamental  dos  conselhos  dos  direitos  citados,  de  representantes 
de  órgãos  mesmo  do  poder  executivo,  mas  de  outras  esferas:  isto  é,  órgãos 
estaduais  e  municipais  no  CONANDA,  órgãos  federais  e  municipais  nos 
conselhos  estaduais  e  órgãos  federais  e  estaduais  nos  conselhos  municipais. 
Aqui,  seria  a  invasão  de  uma  esfera  da  federação  em  outra,  integrando  órgãos 
administrativos  com  poder  deliberativo  vinculante,  participando  da  gestão 
pública de outra esfera. Igualmente,  essa questão se encontra em aberto. 
 
Questões  polêmicas  na  composição  da  parcela  não  governamental  ‐ 
Outras  questões  dizem  respeito  à  ʺparticipação  direta  da  população  através  suas 
organizações representativasʺ156, nesses colegiados. Ou ʺparticipação da comunidadeʺ, 
na  linguagem  utilizada  pela  Constituição  federal  e  pela  legislação  federal,  na 
instituição  e  regulação  do  sistema  único  de  saúde  e  do  respectivo  Conselho 
Nacional de Saúde. 
A  lei  de  criação  do  CONANDA  e  a  maior  parte  das  leis  estaduais  e 
municipais  exigem  que  sejam  entidades  sociais  (ou  organizações  sociais)  de 
ʺatendimento  dos  direitos  de  crianças  e  adolescentesʺ157  ou  de  ʺatendimento  direto  e 
defesa de direitosʺ.  
Duas questões, neste ponto, precisam ser aprofundadas e aclaradas: 
9 que  se  deve  entender  por  ʺentidades  sociaisʺ,  ʺorganizações  da 
sociedadeʺ, ʺa população por suas organizações representativasʺ, ʺcomunidadesʺ ? 
9 que  se  deve  entender  por  ʺentidade  de  atendimento  de  crianças  e 
adolescentesʺ e expressões assemelhadas ? 
Essa  discussão  não  encontra  solução  no  campo  específico  da  composição 
possível  dos  conselhos  deliberativos  e  paritários.  Seu  locus    é  mais  amplo:  a 
discussão sobre as categorias ʺsociedadeʺ, ʺsociedade civil organizadaʺ e o chamado 
ʺterceiro setorʺ, nas suas relações com as de ʺestadoʺ e   ʺmercadoʺ. 
Na verdade, essa é uma discussão mais política que jurídica: a dimensão 
jurídica  que  se  dará  a  essas  categorias,  depende  do  seu  conteúdo  socio‐político 

155
Em apoio a esse entendimento: DONIZETI LIBERATI, Wilson & CYRINO, Público Caio: op.cit.
156
Artigo 204, II – Constituição federal
157
Expressões mais próximas do Estatuto, considerando-se o consagrado no seu artigo 86

99
delas158.  Uma  discussão  que  nos  leva  ao  terreno  escorregadio  e  ainda  pleno  de 
discussões a respeito dos conceitos de ʺpúblicoʺ e ʺprivadoʺ. 
Quando a Constituição federal fala em participação direta da sociedade na 
democracia brasileira, pressupõe‐se que admite uma esfera do público que não se 
confunde  com  a  meramente  ʺgovernamentalʺ:  admite  um  ʺpúblico  não 
governamentalʺ. E isso mais se reforça com o disposto no Estatuto da Criança e do 
Adolescente,  que prevê política de estado através de ʺações governamentais e não 
governamentaisʺ (art.86). 
É óbvio que tais leis não poderiam, nesse ponto, fechar mais do que fecha 
o  Estatuto  em  seus  dispositivos  próprios:  além  de  se  tratar  de  norma  especial 
federal,    estruturadora  de  órgão  público  da  União,  o  Estatuto  igualmente  é 
norma  geral  nacional,  reguladora  de  um  sistema  nacional  de  proteção  dos 
direitos humanos da criança e do adolescente159. Por exemplo, a exigência de que 
só  ʺentidade  de  atendimento  diretoʺ  ‐  como  creches,  abrigos,  entidades    de 
promoção de direitos etc. ‐ poderiam integrar os conselhos não encontra respaldo 
no Estatuto.  
Equivocado seria também o entendimento  de que não poderiam integrar 
esses  colegiados,  as  entidades  sociais  das  categorias  profissionais    (sindicatos  e 
associações de classe) e do meio empresarial, que atendem direitos de crianças e 
adolescentes.  
Posteriormente,  a  Lei  Orgânica  da  Assistência  Social  –  LOAS  torna  isso 
mais  claro  quando  trata  da  composição  do  Conselho  Nacional  de  Assistência 
Social  ‐  CNAS,  definindo  mais  claramente  os  tipos  de  entidades  sociais  que 
garantiriam  essa  participação  direta  da  sociedade  no  colegiado  em  tela,  não 
deixando margem de dúvidas quanto a essas questões. 
ʺO  uso  mistificado  de  ʹpopulaçãoʹ,  ʹcomunidadeʹ,  ʹgrupos  sociaisʹ,  é  utilizado 
como  forma  de  negar  a  existência  de  classes,  de  interesses  conflitivos,  buscando 
despolitizar as diferenças observadas nos grupos e tentando apresentar os mesmos como 
uma  coleção  neutra,  passivaʺ160  –  isso  parece  bem  claro  quando  se  discute  essa 
legitimidade  e  legalidade  da  inclusão  ou  não  de  determinadas  expressões  do 
movimento social. 
Emblematicamente,  quando  da  inicial  composição  do  CONANDA,  esta 
matéria  foi  discutida  na  primeira  assembléia  geral  para  escolha  dos 
representantes  das  organizações  sociais:  discutia‐se  o  enquadramento  de 
determinadas  entidades  nos  critérios  legais  (centrais  trabalhistas,  entidades  de 

158
Ver adiante neste texto o item seguinte: "Natureza político-institucional"
159
A Federação é um ente nacional, formado pelos entes federados, União, Estados, Distrito Federal e
Municípios – cfr. CASALI JR..2000: "Tratados internacionais". Salvador.
160
AROUCA, Sérgio apud DONIZETI LIBERATI, Wilson & CYRINO, Público Caio B.: "Conselhos e
Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente"

100
proteção  jurídico‐social,  núcleos  de  estudos  e  pesquisas,  pastorais  e  ministérios 
eclesiais  etc.).  Desde  aquele  momento  ‐  com  parecer  favorável  da  Procuradoria 
Geral da República que fiscalizava, então, o processo de escolha ‐  a assembléia 
geral  decidiu  pela  ampliação  do  conceito  de  ʺsociedade  civil  organizadaʺ, 
especialmente  para  admitir  a  participação  de  representações  das  classes 
trabalhadoras161. 
 
Natureza político‐institucional ‐ A experiência dos conselhos dos direitos 
da criança e do adolescente, no Brasil, se justifica ‐  politicamente ‐ como forma 
de  se  garantir  a  participação  popular  na  gestão  do  poder,  no  desenvolvimento 
dos  negócios  públicos  pelo  estado162.  Assim,  as  confusões  maiores  sobre  a  real 
missão político‐institucional dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente 
nascem de um entendimento também equivocado a respeito da democracia e do 
estado.  
Esse papel político dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente 
(como  de  todos  os  conselhos  deliberativos)  depende  muito  da  concepção  de 
democracia e de estado que se acolhe e que se pretende operacionalizar. 
 
Visões  da  democracia  e  do  estado.  Conselhos  deliberativos:  um  neo‐ 
corporativismo  ?    ‐  A  compreensão  da  democracia  precisa  superar 
dialeticamente    (sem  propriamente  negar...)    a  tradicional  concepção  liberalista, 
enquanto  ʺmétodo  de  governarʺ163,  para  uma  concepção  mais  atual  e  radical, 
enquanto ʺforma e conteúdo de existência socialʺ164. Uma utopia verossímil e viável, 
por  se  fazer,  para  realização  paulatina  e  irreversível  de  seus  princípios: 
liberdade, igualdade, pluralidade e participação . Especialmente – a centralidade 
na pluralidade. Democracia é respeito e  tolerância pela diversidade.  
A pluralidade é tanto de conteúdo (diversos interesses), quanto de sujeitos 
políticos (movimentos sociais, igrejas,  partidos, sindicatos, ong etc.).  Mas, esse 
respeito  á  ʺdiversidade  de  valoresʺ    possui,  como  limites  seus,  certos  paradigmas 
éticos  voltados  para  a  convivência  humana  pacíficaʺ165:  assim,  a  liberdade  e  a 
igualdade são paradigmas limitativos pois para a pluralidade.  

161
Cfr. Atas do CONANDA. Registre-se mais, a respeito, que o Autor secretariou esta primeira assembléia
geral para constituição do CONANDA, representando a Rede dos Centros de Defesa.
162
Constituição federal – artigos 227, §7º e 224, II.
163
BOBBIO, Norberto.1986: "O futuro da Democracia". Rio de Janeira Ed. Paz e Terra – "Conjunto de
regras primárias ou fundamentais que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com
quais procedimentos".
164
COUTINHO, C. N. 1992: "Gramsci, um estudo sobre o pensamento político". Rio de Janeiro. Ed.
Campus
165
LEVY, N. 1992: "Uma Reinversão da Ética Socialista" in NOVAES, A. (org.): "Ética". São Paulo. Ed.
Companhia das Letras

101
Enquanto isso, a participação ressurge como paradigma operativo para os 
outros  três.  Ela  é  caminho  privilegiado  para  se  construir  relações  libertárias, 
igualitárias e pluralistas. 
Um outro aspecto a ser enfrentado nessa discussão sobre uma concepção 
mais  real  de  democracia  e  de  suas  possibilidades  de  realização  histórica,  diz 
respeito  aos  aspectos  de  organização  político‐institucional  dela,  principalmente 
no  que  diz  respeito  ao  estado.  Diz  respeito    à  visão  que  se  tenha  do  estado  – 
decorrente daquela que se tem de democracia. 
Para  tanto,  há  que  se  abandonar  as  visões  clássicas,  tanto  a  liberal  do 
Estado  do  Bem  Estar  Social,  quanto  a  marxista  ortodoxa  da  “ditadura  do 
proletariado”,  em  favor  de  uma  ʺvisão  ampliada  do  estadoʺ166,  adotada  inclusive  no 
modelo político‐constitucional brasileiro (Constituição federal – parágrafo único 
do  artigo  1º)  onde  ʺsociedade  políticaʺ  (governo)  e  ʺsociedade  civil  organizadaʺ  se 
articulam  e  se  integram,  no  espaço  jurídico‐político  do  estado.  O  campo  estatal 
amplo  que  se  erige  ao  lado  do  campo  do  mercado:  o  público  em  face  do 
eminentemente privado. 
O  Brasil,  dogmático‐constitucionalmente,  ficou  sendo  uma  democracia 
mista  ‐  direta  e  indireta.  Uma  democracia  tanto  representativa,  quanto 
participativa. E isso foi uma conquista dos movimentos populares, na época do 
funcionamento do Congresso Nacional como Constituinte167: teve‐se um processo 
de  luta  social,  marcado  pela  pluralidade,  com  construção  de  hegemonia  no 
interior  do  campo  democrático‐popular  –  como  reconhece  SOUZA  FILHO168. 
Assim,  preciso  é  que  se  aperfeiçoem  hoje  os  espaços/mecanismos  de 
representação  (sistema  eleitoral,  partidos  políticos,  funcionamento  dos 
parlamentos,  p.ex.)  e  os  espaços/mecanismos  de  participação  (conselhos 
paritários  deliberativos,  plebiscito,  referendo,  iniciativa  popular  do  processo 
legislativo p.ex.). 
As  instituições  tradicionais  da  democracia  representativa  (parlamento, 
processo  eleitoral,  governantes  eleitos,  justiça,  segurança  etc.)  continuam  com 
papel fundamental a desenvolver.  
Porém  é  de  reconhecer  hoje  que  elas  se  mostraram  limitadas  para 
promover uma real democratização da sociedade e, por conseguinte, uma maior 
ampliação  daqueles  seus  princípios  citados:  liberdade,  igualdade,  pluralidade  e 
participação.  
Atualmente  estão  nítidas  as  limitações  existentes  no  sistema  de 
representação  democrática.  Autores  dos  mais  diversos  matizes  ideológicos 

166
GRAMSCI, Antônio. 1978 : "Concepção Dialética da História". São Paulo. Ed. Civilização Brasileira.
167
Através da "Plenária Pro-Participação Popular na Constituinte"
168
Loc. cit.

102
corroboram  esta  mesma  visão  (BOBBIO,  1986;  COUTINHO,  1992,  DAHL,  1991; 
POULANTZAS, 1985; RIBEIRO FILHO, 1999 etc.).  
Importante  pois,  que  se  promova  à  transformação  do  estado  e  a 
radicalização  da  democracia,  através  do  desenvolvimento  aperfeiçoado  da 
democracia  representativa  e  de  novas  formas  de  democracia  participativa  de 
base. E, simultaneamente, através do ʺestímulo de redes e focos autogestoresʺ169
Interessa  aqui  a  esta  análise,  em  especial,  a  questão  da  democracia 
participativa  e  dos  espaços  e  mecanismos  públicos  de  participação:  isso  porque 
os  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  (e  todos  os  conselhos 
estatais  deliberativos)  são  reconhecidos  e  legítimos  espaços  públicos  de 
participação170. 
ʺA  legitimidade  dos  conselhos  sustenta‐se  na  legitimidade  da  democracia 
participativa como arranjo institucional que amplia a democracia política Por sua vez a 
legitimidade  da  democracia  participativa  fundamenta‐se  no  reconhecimento  de  que  o 
arranjo neo‐corporativo possibilita a construção de espaço público de conflito/negociação, 
baseado  em  ações  estratégicas  e  discursivas  complementares  à  ação  parlamentar 
representativa partidáriaʺ 171.  
Isso implica em se reconhecer que, numa sociedade complexa como as dos 
tempos atuais, as ʺorganizações sociais participantes do mercadoʺ (sindicatos, centrais 
sindicais,  associações  profissionais,  associações  empresariais,  instituições 
filantrópicas organizadas e mantidas por empresas etc.) e as ʺorganizações sociais 
produtoras/receptoras  de  políticas  públicasʺ  (movimentos  de  defesa  dos  direitos  de 
negros, mulheres, crianças, homossexuais, sem‐terra, associações de bairros,  de 
usuários  da  saúde,  por  exemplo)  configuram‐se  ambas  como  ʺorganizações 
corporativas  sociaisʺ172  ‐    base  para  o  funcionamento  dos  espaços  e  mecanismos 
públicos de participação democrática. 

169
PULANTZAS, N. apud SOUZA FILHO, R. – op. cit.
170
NOGUEIRA NETO, Wanderlino. 1995: "Papel político dos Conselhos dos Direitos da Criança e do
Adolescente e dos Conselhos Tutelares, dentro de um modelo de democracia participativo-representativa.
Uma visão gramsciana". Porto Alegre. Procuradoria Geral do Município de Porto Alegre.
171
SOUZA FILHO, Rodrigo.1999: "Conselhos deliberativos: neo-corporativismo brasileiro?"- in "Direitos
Humanos, Democracia e Senso de Justiça". Rio de Janeiro. Edição Fundação Bento Rubião. KROART
Editores.
172
Tem-se utilizado, de último, a expressão “terceiro setor”, mais ampla e mais ligada à linha do
voluntariado americano e canadense, que tem permitido incluir todo o tipo de organização corporativa
social, mesmo as que tradicionalmente não se incluíam na categoria consagrada de "sociedade civil
organizada" (enquanto expressões do movimento social, organizações comunitárias e assemelhadas). Nesse
chamado "terceiro setor" poder-se-ia incluir partidos políticos, sindicatos, pastorais e ministérios eclesiais,
fundações mantidas por empresas etc. Um "terceiro setor" em contraste com o Estado, como “primeiro
setor" (nessa concepção entendido apenas como Governo) e com o Mercado, como "segundo setor". De
qualquer maneira, a expressão permanece plurívoca, pois outros autores defendem um definição oposta,
fazendo do "terceiro setor" uma espécie do gênero "sociedade civil".

103
Essa  idéia  de  participação  da  sociedade  na  formulação/controle  das 
políticas  de  estado,  através  das  organizações  corporativas  sociais,  estruturou‐se 
com base em algumas ʺtesesʺ construídas principalmente pelo movimento social: 
‰ institucionalização  de  um  espaço  público,  com  representação  do 
estado‐governo  e  participação  direta  do  estado‐sociedade173  (os  conselhos 
paritários deliberativos); 
‰ reconhecimento,  nesses  espaços,  da  autonomia  da  sociedade  civil 
em  indicar    ampla  e  conjunturalmente  determinadas  ʺorganizações  corporativas 
sociaisʺ, como suas expressões e seus instrumentos de participação direta; 
‰ obediência  a  critérios  que  garantissem  a  participação  direta  ‐  
efetiva e preponderante ‐ nesses espaços, mais particularmente dos atores sociais 
estatais  não  governamentais,  que  se  expressam  como  ʺorganizações  corporativas 
sociais produtoras/receptoras de políticas públicasʺ; 
‰ indicação  de  orientação  nacional,  sem  prejuízo  das  especificidades 
locais,  para  o  conjunto  das  políticas  públicas,  através  da  distribuição  de 
atribuições entre esses espaços.  
Segundo  SOUZA  FILHO,  ʺforjou‐se  um  arranjo  corporativo  setorial  (pois, 
próprio para cada área – saúde, assistência, criança) para negociar e construir hegemonia 
na  esfera  das  políticas  públicas  sociais,  através  de  sistema  formal,  articulado 
nacionalmenteʺ.  Vê,  o  mesmo  autor,  nessa  construção  do  que  ele  chama  de 
ʺengenharia  institucional,  uma  base  ʺneo‐corporativaʺ,  isto  é,  ʺcorporativo‐societalʺ174, 
fruto de luta dos setores mais progressistas da sociedade e que se configura como 
estratégia concreta e legítima de luta social.  
Através  dessas  ʺorganizações  corporativas  sociaisʺ  e  desses  conselhos 
deliberativos  se torna possível a estruturação de uma ordem social alternativa ao 
ʺcorporativismo‐estatalʺ  e  ao  ʺliberal‐corporativismoʺ.  O  primeiro  tem  um  escopo 
nitidamente autoritário, onde as organizações são meros factóides, extensões do 
poder estatal175. O segundo pretende promover a defesa de interesses puramente 
privatistas, os quais seriam regulados pela lógica do ʺmercado políticoʺ, através da 
implementação de lobbies junto aos poderes representativos tradicionais. 
O  corporativismo‐social  baseia‐se  numa  ʺorganização  societal  orgânica,  que 
busca combinar hegemonia com pluralidadeʺ (...) ʺonde os institutos políticos  com base 
neo‐corporativa  facilitam a organização e expressão dos diversos interesses em pautaʺ176
Em  conclusão:  a  definição  de  atores  sociais  no  processo  de  participação 
direta  na  gestão  pública,  principalmente  na  escolha  dos  que  integrarão  os 

173
Sociedade civil organizada
174
Em oposição aqui ao modelo do "corporativismo estatal" e do "corporativismo neo-liberal".
175
Como o que se teve no Brasil, nos períodos do Estado Novo (1937) e da Ditadura Militar (1964), por
exemplo
176
SOUZA FILHO, R. – loc. cit.

104
conselhos  deliberativos  (no  caso,  especialmente  os  conselhos  dos  direitos  da 
criança e do adolescente e os conselhos tutelares) nada tem com os processos que 
legitimam  a  democracia  representativa  (processo  eleitoral).  Estes  atores  sociais, 
no  viés  da  democracia  participativa,  são  legitimados,  através  seus  processos  de 
escolha próprios, garantindo a participação direta das organizações corporativas 
sociais.177
 
Decorrentes  papéis  político‐institucionais  desses  espaços  públicos 
participativos  ‐  A  partir  dessa  visão  ampliada  do  “estado  democrático  de  direito”, 
esses  espaços  públicos  da  linha  participativa,  os  conselhos  paritários 
deliberativos (e entre eles, em especial, os conselhos dos direitos da criança e do 
adolescente) devem ser considerado, ao mesmo tempo: 
‰ organizações burocráticas; e 
‰ espaços políticos de poder. 
E  como  espaços  políticos  de  poder,  esses  Conselhos  devem  se  tornar, 
conseqüentemente: 
‰ aparelhos coercitivos e de integração;  
‰ instâncias de mediação para a práxis social; e 
‰ potencializadores estratégicos das políticas de estado; 
Nessa ótica, os conselhos dos direitos da criança e do adolescente devem 
construir  um  papel  político‐institucional  para  si178,  que  os  façam 
espaços/instrumentos  do  poder  estatal  e  possibilitem  a  participação  direta  da 
população no exercício desse poder, de maneira operativa e efetiva.  
Não  são  eles  espaços  únicos  e  exclusivos,  para  assegurar  a  participação 
popular. Porém, importantes e estratégicos para a transformação do perfil estatal 
brasileiro.  A  estrutura  organizativa  e  a  prática  de  funcionamento  desses 
conselhos  podem  fortalecer  o  estabelecimento  da  cultura  democrática,  que  os 
ajudou a criar.  
Deles  são  e  serão  inimigos  ferrenhos,  obviamente,  todos  aqueles  que  se 
opõem  ao  estabelecimento  dessa  cultura  democrática:  conselhos  dessa  natureza 
não combinam com corruptos e autoritários. 
 
Organizações  burocráticas  ‐  Os  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente  precisam  se  fortalecer,  preliminarmente,  como  ʺorganizações 
burocráticasʺ.  
 

177
Conferir adiante, neste texto: "Função Controladora dos Conselhos dos Direitos. (...) Procedimento de
escolha dos conselheiros tutelares".
178
Construção política, por não se tratar de uma definição normativo-jurídica. A lei não lhes pode dar esse
papel político, que extrapola a mera definição normativa, como fenômeno meta-jurídico.

105
A  idéia  de  ʺequipamento  burocrático  estatalʺ  não  pode  realmente  esgotar 
toda a potencialidade e a riqueza do papel político‐institucional de um conselho 
dessa  natureza.  Mas,  não  se  a  pode  desprezar  como  sem  importância  nesse 
trabalho  de  construção  geral  desse  papel,  a  fazê‐los  instrumentos  efetivos  do 
poder estatal.  
O asseguramento de condições mínimas de estruturação e funcionamento, 
dignos  para  o  conselho  é  condição  essencial  para  a  construção  do  seu  papel 
político‐institucional. Um espaço público institucional, como esse colegiado, que 
não seja eficiente administrativamente, muito dificilmente se torna eficaz: isto é, 
sem bons resultados administrativos, difícil bom impacto social e político. 
Aplica‐se  aqui  o  expendido  atrás  a  respeito  dos  conselhos  tutelares,  no 
tocante ao seu papel burocrático.  
 
O  apoio  administrativo  aos  conselhos:  as  chamadas  secretarias‐
executivas ‐ O  fortalecimento  burocrático  dos  conselhos  depende  visceralmente 
de  que  tenham,  apoiando‐os,  uma  estrutura  organizacional  pública  que  lhe  dê 
apoio  administrativo.  Algo  como  uma  secretaria‐executiva  dos  conselhos  dos 
direitos da criança e  do adolescente. 
Normalmente,  as  leis  de  criação  desses  conselhos  trazem  a  previsão  de 
algo  semelhante.  Ou  particularmente  criando  uma  secretaria  executiva  do 
conselho dentro da estrutura organizacional do órgão de vinculação (ver atrás),  
ou  especificando  que  determinada  repartição  preexistente  funcione  como 
secretaria‐executiva  ou  determinando  que  o  órgão  público  de  vinculação  do 
conselho (ministério, secretaria de estado ou do município, gabinete do chefe do 
poder  executivo  etc.)  faça  esse  papel  de  maneira  genérica,  deixando  a  matéria 
para ato regulamentador. 
 
Espaço político de poder ‐ Mas, a autoconstrução como ʺespaço político de 
poder  ʺ    deve  ser  a  grande  tarefa,  no  momento,  dos  conselhos  dos  direitos  da 
criança e do adolescente, dos seus conselheiros. E da sociedade civil organizada, 
de  maneira  mais  especial179.  Estrategicamente,  na  atual  conjuntura,  esse  é  o 
objetivo mais urgente e importante a ser alcançado! 
Ele  precisa  construir  urgentemente  sua  proatividade,  sua  participação 
protagônica  nas  discussões  e  nas  deliberações  a  respeito  do  atendimento  dos 
direitos de crianças e adolescentes: real e efetivo ʺespaço político de poderʺ. E não, 
apenas fortalecedor e legitimador de outras instâncias públicas. Precisa ter luz e 
brilho próprio! 
179
Mais interessa conjunturalmente à sociedade civil, esse fortalecimento dos Conselhos, pois se tratam
eles de espaços e mecanismos de participação direta da população na gestão dos negócios públicos, na vida
do Estado.

106
E  tal  ʺpoder  políticoʺ,  ele  adquire,  quando  se  abre  para  a  sociedade, 
ouvindo‐a  e  possibilitando  a  sua  participação,  a  explicitação  dos  conflitos  de 
interesses  entre  classes  sociais,  entre  categorias,  gerações,  gêneros,  orientações 
sexuais, regiões, etnias, raças etc. Igualmente, tal poder ele adquire quando passa 
a  ser  ouvido  pelo  governo,  possibilitando  a  democratização  real  do  regime 
político,  o respeito aos conflitos explicitados. SEDA lembra que os conselhos de 
direitos são ʺexatamente onde o governante se encontra com os governados para, juntos, 
conferirem se o ato de governar provoca desvios ou correção de desvios entre realidade e s 
normas escolhidas pelo país para reger a infância e adolescência”.180
Estratégias! os conselhos dos direitos da criança e do adolescente precisam 
assumir que é preciso se fortalecer como núcleo estratégico‐conceitual. Urge que 
se torne, nesta estratégia de luta, mais “tanque‐pensanteʺ, que ʺtanque‐combatenteʺ. 
Dentro  dessa  ótica,  tais  conselhos  poderão  exercer  um  rico  papel  na 
potencialização  estratégica  das  políticas  públicas,  valorizando  a  sua  qualidade: 
em  termos  concretos  é  isso  que  objetiva  também  o  torna‐se  ʺespaço  de  poder 
políticoʺ.  E  essa  “potencialização  e  valorização  estratégica”  ocorrem,  quando  ele 
se faz ʺinstrumento de articulação e coerçãoʺ e  ʺinstância de mediaçãoʺ. 
 
Instrumentos de articulação e coerção  ‐ Essa sua capacidade de ʺarticular 
politicamenteʺ,  de  maneira  ampla,  os  diversos  atores  sociais,  com  legitimidade 
reconhecida,  se  torna  uma  importante  estratégia.  E  a  partir  dessa  ʺarticulação 
políticaʺ  efetiva,  nasce‐lhe  a  capacidade  de  propor  e  fomentar  ʺintegrações 
operacionaisʺ para enfrentar determinadas situações emergentes e pontuais181. 
Há  que  se  construir,  como  decorrência  desse  processo  de  articulação/ 
integração,  por  meio  desses  conselhos  principalmente,  a  necessária 
intersetorialidade  das  políticas  públicas,  num  corte  transversal  sobre  todas  elas 
(institucionais,  sociais  e  econômicas),  para  garantir  a  prioridade  absoluta  do 
atendimento dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. 
Além  disso,  o  conselho  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  precisa 
fazer  valer  politicamente  sua  coercibilidade,  isto  é,  a  capacidade  de  fazer 
respeitadas suas deliberações vinculantes, pelo estado. E isso não é  apenas uma 
questão  técnico‐jurídica,  é  uma  questão  político‐institucional,  a  ser  construída 
dentro daquela correlação de forças e na conjuntura atual. 
A terceira estratégia para se construir um conselho dos direitos da criança 
e do adolescente, como ʺespaço político de poderʺ, é sua transformação em ʺinstância 
de mediaçãoʺ, como se verá adiante. Essa, a mais importante das três. 

180
"(SEDA, Edson. 1993: "Construir o Passado ou Como Mudar Hábitos, Usos e Costumes, tendo
Instrumento o Estatuto da Criança e do Adolescente". São Paulo. Ed. Malheiros)
181
DE ROUSSAN, Yves T. 1994: "Entidades de defesa de direitos: articulações e integrações". Salvador.
Unicef (mimeog.)

107
A  esse  respeito,  leia‐se  atrás  o  que  se  disse  a  respeito,  quando  se 
analisavam  os  conselhos  tutelares  –  perfeitamente  aplicável  aos  conselhos  dos 
direitos, também. 
           Assim,  da  mesma  maneira  que  os  conselhos  tutelares,  os  conselhos  dos 
direitos  da  criança  e  do  adolescente  podem  perfeitamente  se  construir 
politicamente  como  tais  ʺinstâncias  de  mediaçãoʺ,  pluralistas  e  hegemonizadoras, 
em  favor  dos  interesses  priorizáveis  da  infância  e  da  adolescência.  Mas,  só 
teremos  um  conselho  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  com  capacidade 
real  de  ʺmediatizarʺ  nesses  moldes,  se  esses  colegiados  incorporarem,  em 
princípio,  uma  sociedade  civil  forte,  organizada/mobilizada,  política  e 
tecnicamente qualificada, realmente participativa. E nesse jogo, os fóruns, frentes 
e demais instâncias não institucionais da sociedade têm um rico papel a exercer, 
verdadeiramente  de  ʺdireção  culturalʺ,  de  formação  de  quadros  para  as  diversas 
organizações  sociais,  fortalecendo  principalmente  aquelas  que  têm 
compromissos reais com as lutas emancipatórias. 
Para que seja possível essa ʺmediatizaçãoʺ apontada,  a sociedade civil  (na 
vigente  conjuntura,  tentando  modificar  a  correlação  de  forças  estabelecida) 
deverá : 
9 fazer  crescer  seus  níveis  de  organização/organicidade  e  de 
mobilização;  
9 qualificar suas demandas e  
9 assumir  politicamente  os  interesses  da  população  infanto‐
adolescente, para fazê‐los valer como direitos (indisponíveis e exigíveis)  e como 
dever do Estado. 
Além  do  mais,  isso  só  acontecerá  igualmente182,  se  esses  colegiados 
incorporarem,  de  outra  parte,  uma  participação  governamental  preocupada  em 
construir  um  real  estado  democrático  de  direito,  através  da  participação  da 
sociedade.  
Para  que  seja  possível  essa  ʺmediatizaçãoʺ  apontada,  da  mesma  forma,    o 
governo    (na  vigente  conjuntura,  tentando  ser  sensível  a  essa  modificação  na 
correlação de forças estabelecida, em favor dos interesses dos mais necessitados) 
deverá: 
9 fazer  crescer  seus  níveis  eficiência,  eficácia  e  efetividade  político‐
administrativa;  
9 qualificar e atender as demandas da  sociedade e  
9 incorporar  politicamente  os  interesses  da  população  infanto‐
adolescente, para fazê‐los valer como direitos  e como dever seu.  

182
Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente como "instâncias de mediação"

108
Um conselho de direitos da criança e do adolescente não é um fim em si 
mesmo. Ele existe para : 
9 satisfazer  as  necessidades  básicas  (saúde,  educação,  segurança 
alimentar,  assistência  social  etc.)  da  infância,  atendendo‐as  como  direitos 
fundamentais (sobrevivência, desenvolvimento e proteção); 
9 elevar  os  índices  de  desenvolvimento  humano  de  uma  sociedade, 
da  população  do  estado  e  mais  especificamente  do  seu  segmento  infanto‐
adolescente; 
9 fortalecer  o  processo  de  fortalecimento  da  democracia,  através 
principalmente  da  descentralização  político‐administrativa  e  da  participação  da 
população. 
Tendo  esse  quadro  como  pano‐de‐fundo,  os  conselhos  dessa  natureza 
deverão exercitar, em concreto,  suas funções políticas. 
 
SEÇÃO 2 
 
A  FUNÇÃO  DE  POTENCIALIZAÇÃO  ESTRATÉGICA  DO  SISTEMA 
DE ATENDIMENTO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO 
ADOLESCENTE  E  DE  VALORIZAÇÃO  DA  QUALIDADE  DO 
DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 
 
Uma questão preliminar: a complementação das normas do Estatuto, no 
que  diz  respeito    às  atribuições  dos  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente183    ‐  Os  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  nos 
termos  do  Estatuto  da  Criança  e  do  Adolescente,  como  se  verá  nos  capítulos 
próximos, têm como atribuições legais mínimas (artigo 88 ‐ Estatuto da Criança e 
do Adolescente):  
‰ controlar as ações governamentais e não governamentais e 
‰ formular  a  ʺpolítica  de  atendimento  dos  direitos  da  criança  e  do  
adolescenteʺ (artigo 86 – idem). 
Todavia,  tanto  a  lei  federal  que  criou  o  CONANDA,  quanto  as  leis 
estaduais  e  municipais  que  criaram  seus  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente  instituem  novas  atribuições  complementares  ou  explicitadoras,  de 
relação  às  atribuições  mínimas  estabelecidas  exemplificativamente  (não, 
taxativamente) no Estatuto.  
E  poderiam  fazê‐lo,  uma  vez  que  a  Constituição  federal  estabelece  que  a 
competência para legislar sobre ʺproteção da criança e do  adolescenteʺ é da União e 

183
Ver Capítulo 1 neste texto: a matéria foi tratada ali de maneira genérica

109
dos  estado,  concorrentemente;  competindo  á  União  apenas  a  expedição  de 
normas gerais.  
Além  do  mais,  por  respeito    ao    princípio    federativo,  compete  á  União, 
aos estados e aos municípios, respectivamente, legislarem autonomamente sobre 
sua  organização  administrativa  e  à  União  e  aos  estados  sobre  sua  organização 
administrativa,  judiciária e público‐ministerial. 
Ora,  realmente  o  conselho  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  é  um 
dos órgãos responsáveis pela proteção integral, integrando o ʺsistema de garantia 
dos  direitos  da  infância  e  da  adolescênciaʺ:  matéria  da  legislação  de  proteção  da 
criança e do adolescente184.  
E, ao mesmo tempo, um órgão público vinculado à administração pública, 
federal, estadual e municipal: matéria da legislação administrativa. 
Assim  sendo  a  regulação  da  sua  estruturação,  organização  e 
funcionamento  deverá  ser  através  das  leis  respectivas,  que  inclusive  poderá 
estabelecer  novas  atribuições  que  não  colidam  com  a  missão  institucional  dos 
conselhos,  invadindo  áreas  de  atribuições  e  competências  de  outros  órgãos 
públicos estabelecidas em lei próprias.  
Dentro dessa linha, por exemplo, a lei federal 8.242, de 12 de outubro de 
1991, amplia aquelas atribuições enumeradas no Estatuto, de relação ao Conselho 
Nacional  dos  Direitos  da  Criança  e  do  Adolescente  ‐  CONANDA.  O  artigo  2° 
dessa lei citada estabelece no seu inciso III que compete a esse colegiado federal   
“dar apoio aos conselhos estaduais e municipais  dos direitos da criança e do adolescente, 
aos órgãos estaduais, municipais e entidades não governamentais para tornar efetivos os 
princípios,  diretrizes  e  os  direitos  estabelecidos  na  lei  8.6069,  de  13  de  julho  de  1990ʺ  . 
No  inciso  VIII  do  mesmo  artigo  fala  da  competência  para    ʺapoiar  a  promoção  de 
campanhasʺ etc. 
Igualmente,  quando  se  trata,  por  exemplo,  do  Conselho  Estadual  dos 
Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará ‐ CEDCA/CEARÁ, a lei estadual 
11.889,  de  20  de  dezembro  de  1991,  cria  novas  atribuições  para  esse  colegiado, 
como a do inciso IX do artigo 2: ʺrealizar anualmente audiência pública para fins de 
prestação de contas das atividades desenvolvidaʺ . 
Essas  citações  exemplificativas,  indicam    que  o  Estatuto  não  esgota  a 
legislação  de  proteção  á  criança  e  ao  adolescente,  nem  a  legislação  de 
organização administrativa e judiciária da União, dos estados e dos municípios: 
ele só podia dispor sobre normas gerais de proteção à infância e de organização 
administrativa  e  judiciária.  Fora  disso,  estaria  invadindo  a  competência  das 
demais  esferas  se  dispusesse  sobre  normas  específicas.  Só  as  leis  estaduais  e 

184
Atentar para o fato de que a Constituição fala em "legislar sobre proteção da criança e do adolescente
(...)" e não "legislar sobre Direito do Menor" ou "Direito da Criança" etc.

110
municipais, 185, podem dispor sobre essas normas específicas, complementando o 
Estatuto. 
Algumas vezes, sente‐se ou uma ʺsacralizaçãoʺ ou uma “demonizaçãoʺ  das 
normas  do  Estatuto,  por  parte  de  alguns  aplicadores  do  mesmo.  Nem  tanto  ao 
ar.. nem tanto ao mar...!  
Politicamente, há que se lutar pela efetivação do Estatuto multicitado e da 
Convenção  sobre  os  Direitos  da  Criança,  por  consagrarem  ambos  os  princípios 
da  doutrina  da  proteção  integral.  Mas,  juridicamente,  temos  que  aplicá‐lo, 
levando  em  conta  certas  limitações  suas,  decorrentes  do  fato  dele  integrar  a 
ordem  jurídica  nacional,  como  uma  lei  ordinária  federal  que  estabelece  normas 
gerais concorrentes e comuns, no tocante à legislação de proteção à criança e ao 
adolescente e à legislação administrativa. 
 
As  atribuições  complementares  estratégicas:  a  potencialização  de 
políticas, com valorização de sua qualidade ‐ As leis estaduais e municipais de 
criação  dos  conselhos  dos  direitos,  em  suas  esferas  respectivas,  podem  (e 
devem!) atribuir aos colegiados de suas esferas, certas funções que chamaríamos 
de:  
9 potencialização  estratégica  do  desenvolvimento  de  políticas  públicas  em  favor  da 
infância e da adolescência e   
9 valorização da qualidade das ações dessas políticasʺ.186 
Ora,  a  chamada  “potencialização  e  valorização  estratégica”  implica  em  se  
construir  e  desenvolver  estratégias  políticas  consagradas:  mobilização  social, 
defesa  política  de  interesses  (advocacy),  apoio  institucional,  ʺempoderamento  do 
usuárioʺ  (empowerment),  monitoramento  e  avaliação,  articulação  /  integração, 
parceria, construção de competências etc. etc. 
Assim sendo, importante que essas leis estaduais, que estabelecem normas 
especiais complementares das normas gerais do Estatuto, criem atribuições para 
os  conselhos  dos  direitos  que  contemplem  essas  linhas  estratégicas,  fazendo‐os, 
não só (a) controladores de ações (como exclusivamente determina o Estatuto) e 
(b)  formuladores  de  políticas,  mas  também  potencializadores  estratégicos  de 
políticas (na forma que as leis estaduais e municipais dispuserem), valorizando a 
qualificação dessas políticas. 
 

185
Com base constitucional diversa
186
PONTES JR., Felício classificou em 3 categorias as atribuições dos Conselhos de Direitos:
"conscientizadoras, modificativas e administrativas" (in "Conselhos de Direitos da Criança e do
Adolescente"/ SP – 1993). Reconhece pois o autor que o Estatuto nesse ponto é meramente
exemplificativo, fixando um standard mínimo. As "atribuições potencialidadoras" que aqui se fala muito se
aproximam em alguns pontos das chamadas, por aquele autor, "atribuições conscientizadoras"

111
Características  da  potencialização  estratégica    ‐  Potencializar 
estrategicamente uma ação pública, um programa/serviço, uma política pública, 
não  significa  desenvolver  (formular,  coordenar,  executar,  controlar)  essa  ação, 
essa política : são duas coisas distintas, mas articuladas, que quando confundidas 
levam a maus  resultados. Nessa linha da potencialização estratégica de políticas 
e  de  valorização  da  sua  qualidade,  a  intervenção  dos  conselhos  dos  direitos  da 
criança  e  do  adolescente  aparece  como  uma  intervenção  pontual,  episódica, 
conjuntural.    E  não  uma  intervenção  sistemática,  contínua  e  permanente,  que 
ocorre  em  decorrência  do  desenvolvimento  de  uma  política  em  si,  isto  é,  como 
atividade da execução da própria política187. 
Como  potencializador  estratégico,  o  conselho  atua  para  deflagrar  um 
processo  de  reordenamento  normativo,  de  reordenamento  institucional  e  de 
melhoria  da  atenção  direta  à  criança  e  ao  adolescente,  de  outras  instâncias 
públicas. Ele se torna um elemento catalisador externo: start‐line. 
 
Articulações  e  integrações:  parcerias  ‐  Os  conselhos  dos  direitos  da 
criança  e  do  adolescente  têm  uma  função  política  primordial  como 
potencializador estratégicos das políticas de estado: a construção de parcerias, em 
nível  amplo  da  articulação  ou  em  nível  pontual  das  integrações  operacionais. 
Típicos dessa linha são os pactos e as agendas‐mínimas, construídos a partir do 
trabalho  de  articulação/integração  dos  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente, junto aos órgãos governamentais, aos órgãos legislativos, judiciários 
e público‐ministeriais, às entidades sociais, aos partidos políticos,  às igrejas (suas 
pastorais  e  ministérios),  ao  meio  empresarial  e  sindical  etc.    Principalmente, 
pactos  e  agendas  temáticos:  trabalho  infantil,  violências  estrutural/social  e 
institucional,  abusos  sexuais,  conflito  com  a  lei,  situação  de  marginalização  na 
rua,  diversidade/tolerância,  desenvolvimento  infantil  necessidades  especiais, 
aleitamento  materno,  qualidade  da  educação,  protagonismo  adolescente‐juvenil 
etc. etc. 
Valiosíssimos instrumentos de articulação são também as ʺconferências dos 
direitos da criança e do adolescenteʺ, quando se cria espaço e momento para que um 
número  amplo  de  atores  governamentais  e  não  governamentais  participe,  se 
articule  amplamente:  independentemente  se  do  executivo,  legislativo  ou 
judiciário, se da União, da unidade federada ou do município, se governamental 
ou não governamental, se da área específica da ʺpolítica de atendimento dos direitos 
da criança e do adolescenteʺ (Estatuto cit.) ou não.  
 
187
O apoio institucional dentro do Sistema Unificado de Saúde – SUS é algo na sua própria essência, uma
forma de desenvolver a Política de Saúde Pública, no país, de maneira sistemática, contínua e permanente,
através órgãos próprios e competentes para tanto.

112
As conferências são o grande espaço para a construção de diagnósticos e 
de  cenários,  os  mais  legítimos  possíveis,  da  realidade  do  atendimento  dos 
direitos  da  criança  e  do  adolescente,  em  qualquer  área.  são  elas  o  rico  espaço 
para que daí surjam indicativos para o trabalho de normatização/formulação e de 
controle  de  políticas  públicas  pelos  conselhos  dos  direitos.  se  não  tem  essas 
conferências  poder  deliberativo  legal,  como  os  conselhos  estatais,  têm  elas  esse 
poder de potencializador estratégico, do qual aqui se fala. 
Os conselhos dos direitos da criança e do adolescente precisam construir 
seu  protagonismo  nesse  campo  da  pactuação  social,  evitando  que seja  colocado 
de  lado  no  processo,  como  mais  um  ator  secundário:  a  proatividade  deve  ser 
dele. 
Outro  ponto  onde  podem  eles  exercitar  esse  seu  papel  potencializador 
estratégico:  no  trabalho  preliminar  de  negociação  (articulação),  com  os  atores 
sociais responsáveis e potenciais, para possibilitar a posterior institucionalização 
de  ʺcentros  integrados  de  atendimento  inicialʺ.  Por  exemplo,  espaços  públicos 
institucionais, para atendimento inicial do adolescente ao qual se atribui a prática 
de  ato  infracional188,  para  atendimento  das  situações  emergenciais  de 
vulnerabilidade e/ou desvantagem social (abandono, desaparecimento etc.)189 .  
As  possibilidades  de  desenvolvimento  de  ações  estratégico‐
potencializadoras e valorizadoras da qualidade de políticas públicas, nessa linha 
da  construção  de  parcerias,  são  vastíssima.  mas,  dependendo  elas  de  uma 
ʺdefinição  de  estratégiasʺ,  a  análise  da  situação  do  município  ou  do  estado,  é  que 
melhor indicará os pontos nevrálgicos a serem enfrentados. 
 
Mobilização  social:  imaginário  e  processo  ‐    Mobilizar  é  “convocar 
vontades  para  atuar  na  busca  de  um  propósito  comum,  sob  uma  interpretação  e  um 
sentido  também  compartilhadosʺ190.  Garantir  prioritariamente  que  se  nutra,  se 
atenda à saúde, se eduque e se proteja da violência, o público infanto‐adolescente 
– esse o ʺpropósito comumʺ, a bandeira convocatória, agenda‐mínima pactuável 
e mobilizadora. 
A satisfação das necessidades básicas de crianças e adolescentes e de suas 
famílias,  enquanto  direitos  seus como  cidadãos  e  como  dever  do  estado,  através 
da  promoção  desses  direitos  por  um  conjunto  articulado  de  ações  públicas 
(desenvolvimento  de  políticas  públicas)  e  através  da  defesa  desses    direitos 

188
Integração essa exemplificativamente enumerada no Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo
88, V
189
Os serviços públicos chamados "SOS CRIANÇA", a serem criados por leis estaduais e municipais
190
TORO, J. Bernardo. 1997: "Mobilização Social – um modo de construir a democracia e a participação"
/ Brasília. Ed. Ministério da Justiça / SEDH.

113
(administração  de  justiça)  –  ʺa  interpretação  e  o  sentidoʺ,  a  serem  compartilhados 
por todo o povo brasileiro. 
A  elaboração  dos  ante‐projetos  e  do  projeto  de  lei,  referentes  ao  Estatuto 
da  Criança  e  do  Adolescente  e  seu  processo  de  elaboração  legislativa  no 
Congresso  Nacional  são  exemplos  ricos  do  sucesso  desse  processo  de 
mobilização social, a serviço dessa causa, desse propósito, desse sentido191
Mas,  como  se  estruturar  e  planejar  um  processo  convocatório‐
mobilizatório  desse  tipo,  construindo  esse  ʺpropósito  comumʺ  e  fazendo 
compartilhada tal ʺinterpretação e sentidoʺ? E que papel poderia desempenhar um 
conselho dos direitos da criança e do adolescente nesse processo? 
 
A formulação de um imaginário ‐ Os conselhos dos direitos da criança e 
do  adolescente,  no  desempenho  desse  seu papel  político‐institucional192,  precisa 
fomentar  a  formulação  de  um  imaginário  convocante,  no  seio  da  opinião 
pública, a respeito do ʺatendimento dos direitos das crianças e dos adolescentesʺ: uma 
utopia histórica, verossímil e alcançável, que sintetize os grandes objetivos/metas 
que  se  quer  alcançar  e  os  seus  processos.  Nesse  ponto,  não  se  deve  ser  apenas 
racional, mas igualmente ser capaz  de despertar a paixão: ‐ ʺA razão controla, a 
paixão  moveʺ193.  Aliás,  uma  frase  clássica  melhor  define  tudo  isso:  ‐  ʺQuando  um 
sonha, é apenas um sonho, mas quando dois ou mais sonham, é começo de realidadeʺ.  
Reconhecido  que  nos  encontramos  num  processo  de  transição 
paradigmática,  como se está nesse campo da infância, passando‐se do modelo de 
estado  e  direito  ʺreguladorʺ,  para  um  modelo  ʺemancipatórioʺ194  –  importa 
provocar a ʺreconstruçãoʺ do imaginário da sociedade, para que abandonemos o 
paradigma da tutela protetiva assistencialista/repressora do ʺmenor em situação 
irregularʺ e assumamos como nosso (racional e passionalmente) o paradigma da 
proteção integral e da garantia dos direitos da criança e do adolescente, enquanto 
sujeitos de direitos e pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. É dentro 
dessa ótica que se justifica por exemplo o aparente purismo em combater o uso 
pela mídia principalmente da expressão ʺmenorʺ, pelo que de emblematicamente 
negativo e perverso representa – é mais que uma questão meramente semântica!  
é uma questão estratégica! 
 

191
GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. 1990: "De Menor a Cidadão" . Brasília. Ed. Fundação CBIA
192
Inclusive tem previsão legal: ex vi, artigo 88, VI do Estatuto citado.
193
TORO, J. Bernardo – op.cit.
194
SOUZA SANTOS, Boaventura de. 2000: "A crítica da razão indolente" . São Paulo Cortez Editora..

114
Por exemplo, nos seus inícios, o CONANDA sinteticamente propôs, como 
slogan  mobilizador:  ʺLugar  de  criança  é  na  escola  e  na  famíliaʺ.  E  recentemente, 
definiu como nova bandeira: ʺViolência é covardia; as marcas ficam na sociedadeʺ 195.  
Os  slogans    são  elementos  comunicativos  essenciais  nesse  processo  de 
mobilização  social,  mas  não  esgotam  o  processo  de  re‐elaboração  e 
compartilhamento  do  imaginário,  que  é  mais  complexo,  pois  deve  levar  a 
opinião  pública  a  se  questionar  também:  ‐  ʺEm  que  medida  o  que  estou  fazendo 
contribui para alcançar esse objetivo, para provocar essa transição paradigmática? O que 
mais posso fazer ?ʺ 
 
Atores  de  um  processo  de  mobilização  social:  produtor  social,  reeditor 
social e  editor ‐  Nesse processo de formulação de um ʺimaginário convocanteʺ, na 
mobilização  social,  atuam  Produtores  Sociais,  Reeditores  e  Editores.  O  processo 
depende do bom desempenho deles, cada qual exercendo bem e articuladamente 
seus papéis próprios. 
Entende‐se  por  ʺProdutor  Socialʺ,  num  processo  de  mobilização  social,  a 
instituição  que  tem  a  capacidade  de  criar  condições  econômicas,  institucionais, 
técnicas  e  profissionais  para  que  esse  processo  ocorra.  O  ʺProdutor  Socialʺ  é 
responsável por viabilizar o movimento, por conduzir as negociações que vão lhe 
dar legitimidade social e política. É essencial que ele seja visto não como dono do 
processo (da campanha, da publicação, do evento), mas como precursor e antena, 
que reflete ele próprio uma preocupação e um desejo compartilhado por muitos. 
Já  o  ʺReeditor  Socialʺ  é  aquela  instituição  que,  por  seu  papel  social  ou 
atribuição  legal,  tem  a  capacidade  de  readequar  a  mensagem,  segundo 
circunstâncias e propósitos, com credibilidade e legitimidade. É uma instituição 
que ʺtem público próprioʺ, que é reconhecida socialmente, que tem a capacidade 
de  negar,  transformar,  introduzir  e  criar  sentidos  novos,  provocar  transições 
paradgmáticas. Por exemplo, a escola é uma ʺReeditoraʺ ativa e nata. Uma igreja, 
uma  associação  comunitária,  uma  ong,  determinadas  empresas,  um  sindicato  o 
são,  pela  mesma  razão.  O  ʺReeditor  Socialʺ  não  é    um  multiplicador  como  nas 
táticas/técnicas de “construção de competências” (estratégia de ʺapoio institucionalʺ a 
ser  analisada  em  seguida):  ele  amplia  e  interpreta  o  conteúdo  que  recebeu,  o 
transforma,  adequando‐o  ao  seu  público.  Não  se  trata  de  repassar 
conhecimentos,  conteúdos,  conceitos,  habilidades,  como  na 
capacitação/treinamento. 
Por fim, o ʺEditorʺ, na mobilização social, é o profissional que faz com que 
as  mensagens  se  convertam  em  formas,  objetos,  símbolos,  signos  adequados  ao 
campo  de  atuação  do  ʺReeditor  Socialʺ  e  adequados  ao  pensamento  primal  do 

195
IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes / Brasília - 2001

115
ʺProdutor  Socialʺ,  para  aqueles  dois  atores  mobilizadores  possam  usá‐los, 
codificá‐los, decodificá‐los segundo sua própria percepção. 
Assim  sendo,  parece  óbvio  que  quando  se  trata  de  potencialização 
estratégica de políticas públicas (não desenvolvimento de políticas públicas),via 
mobilização social, aos conselhos dos direitos da criança e do adolescente se deve 
reservar o papel de ʺProdutor Socialʺ.   
Como  ʺReeditores  Sociaisʺ  deverão  atuar  os  órgãos  governamentais  e  não 
governamentais, que tem legitimidade e competência naquele campo em que se 
vai trabalhar. 
E  como  ʺEditoresʺ,  determinadas  agências  de  publicidade,  empresas 
jornalísticas, editoras, gráficas, companhias teatrais etc. etc. 
Figure‐se  a  seguinte  hipótese:  um  determinado  conselho  dos  direitos  da 
criança  e  do  adolescente,  estabelecendo  em  suas  ʺDiretrizes  Gerais  para  uma 
Política  de  Atendimento  Integral  aos  Direitos  de  Crianças  e  Adolescentesʺ 
(normatização/formulação  de  políticas)196  que  o  ʺenfrentamento  da  violência  sexual 
contra  crianças  e  adolescentesʺ  é  uma  questão  prioritária,  decide  ʺpotencializar 
estrategicamente  e  valorizar  a  qualidade  das  ações  públicasʺ  que  interagem  nesse 
campo.  
E  dentro  dessa  potencialização/valorização  ele  se  define  (dentre  outras 
estratégias)  pela  mobilização  social  ,  em  favor  da  garantia  dos  direitos  a  uma 
afetividade e sexualidade sadia  de todas as crianças e  adolescentes, protegendo 
(prevenindo  e  atendendo)  aqueles  que  sofreram  abusos  sexuais  (violências, 
explorações,  assédios,  discriminações  etc.)  e  responsabilizando  os  violadores.  E 
para tanto, numa linha de prevenção, indica, apoia, assina uma campanha nesse 
sentido de valorização do exercício do direito e de combate ao abuso do direito. E 
o  faz  em  parceria  por  exemplo  com  outros  ʺProdutores  Sociaisʺ  típicos,  como 
UNICEF, POMMAR/USAID, Ministério da Justiça, CONANDA etc.   
Essa  campanha  terá  como  ʺReeditoresʺ  aquelas  entidades  públicas  com 
reconhecida  competência  técnica  e  legitimidade  social,  nesse  campo  da 
sexualidade  infanto‐adolescente:  ANCED  /  CEDECAs,  Pastoral  do  Menor, 
Ordem  dos  Advogados  do  Brasil,  Sociedade  Brasileira  de  Pediatria,  ABMP, 
Poder  Judiciário,  Parlamentos  (especialmente  suas  Comissões  de  Direitos 
Humanos),  Ministério  Público,  Ouvidoria  Geral,  Secretarias  de  Ação  Social 
(Assistência  Social),  de  Educação,  de  Cultura,  de  Saúde,  Segurança  Pública, 
Núcleos de Estudo e Pesquisa vinculados (ou não) a Universidades etc. etc.  
Os ʺProdutores Sociaisʺ e ʺReeditoresʺ aqui citados, neste caso emblemático,  
por  sua  vez,  em  conjunto,  escolherão  os  profissionais  que  atuarão  como 
ʺEditoresʺ: a agência de publicidade que concretizará a campanha referida. 

196
Ver Capítulo 3, seguinte: "Papel normatizador dos Conselhos"

116
 
O importante que não se misturem os papéis: que não se peça à bananeira 
que  dê  uvas!  E  isso  vale  para  eventos  mobilizadores  (encontros,  conferências, 
atos públicos etc.), publicações etc. etc. 
 
Apoio  institucional:  formação  de  recursos  humanos  (formação, 
capacitação  /  treinamento  etc.),  por  exemplo  ‐    O  apoio  institucional  a  órgãos 
governamentais  e  não  governamentais,  na  administração  pública  em  geral,    se 
explicita  ordinariamente  (tanto  como  genericamente  potencialização  estratégica 
de um serviço ou programa e de uma política, programa e serviço, quanto como 
restritamente  desenvolvimento  dessa  política,  programa  e  serviço)  nas  formas 
seguintes, exemplificativamente: 
9 formação de recursos humanos; 
9 instalação e equipamentação; e 
9 fornecimento de material. 
Esta  questão  da  ação  estratégica  de  apoio  institucional,  da  parte  dos 
conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  beneficiando  organizações 
governamentais  e  não  governamentais,  nos  remete  a  uma  outra  discussão  de 
fundo,  que  a  precede,  já  tratada  sucintamente  atrás197  neste  texto:  os  conselhos 
dessa natureza não devem coordenar e executar ações públicas: isto é, não devem 
ser os executores diretos de serviços/atividades e programas/projetos públicos.  
Muitas  das  táticas,  técnicas  e  procedimentos  da  estratégia  de  apoio 
institucional  correm  o  risco  de  induzir  esses  colegiados  a  irem  até  o  ato  de 
execução direta de ações públicas, ultrapassando suas limitações legais e político‐
institucionais198.  Assim  sendo,  o  apoio  institucional  a  organismos  públicos 
governamentais  e  não  governamentais,  a  ser  garantido  pelos  conselhos,  deverá 
ser  na  ótica  da  potencialização  estratégica  de  políticas  públicas  e  não  do 
desenvolvimento/execução de políticas públicas. 
 
Formação  de  recursos  humanos  ‐  Por  exemplo,  a  ʺformação  de  recursos 
humanosʺ (no quadro maior do ʺdesenvolvimento de recursos humanosʺ), como uma 
das  formas  mais  usuais  de  “apoio  institucional”,  deve  ter  suas  atividades 
permanentes  e  seus  projetos  transitórios  coordenados/executados  por  órgãos 
governamentais  e  não  governamentais  próprios:  universidades,  centros/núcleos 
de  estudo  e  pesquisa,  escolas  corporativas  de  formação199,  ong.s  com  esse  perfil 
197
Ver atrás, neste mesmo texto, Capítulo 1 : item 1.1.2. "Órgão do Poder Executivo"
198
Ver atrás, neste mesmo texto, Capítulo 1 ("ESSÊNCIA (...)"), especialmente os itens 1.1.2. ("Órgão
especial do Poder Executivo") e 1.4.1. ("Visões da Democracia e do Estado") e 1.4.2. ( "Papéis político-
institucionais de seus órgãos")
199
Por exemplo: Escola Superior da Magistratura, Academia de Polícia, Escola Superior de Administração
Fazendária etc.

117
etc.  Os  conselhos  não  se  equiparam  a  esses  citados:  não  deveriam  desenvolver 
atividades dessa natureza,  em  nível de coordenação e de execução.  
Em resumo: os conselhos dos direitos da criança e do adolescente  são os 
mentores,  os  alavancadores,  os  mantenedores  (quando  se  tratar  de 
financiamentos pelos fundos para os direitos da infância e adolescência).   
Eles podem definir a direção de projetos de capacitação/treinamento ou de 
reciclagem,  aperfeiçoamento  e  especialização,  que  um  órgão  público 
governamental  ou  não  governamental  lhe  apresente,  como  executor.  mas  não 
deveria desenvolvê‐lo diretamente200,como muitas vezes acontece, deformando a 
natureza jurídica e o papel político‐institucional desses conselhos. 
 
SEÇÃO 3 
A FUNÇÃO CONTROLADORA DAS  
AÇÕES PÚBLICAS  
GOVERNAMENTAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS 
 
Acompanhamento  /  monitoramento  &  avaliação  –  Aqui  está  o  coração 
dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente: sua função controladora, 
isto  é,  seu  papel  de  monitoramento  das  ações  públicas  em  favor  da  promoção 
dos direitos humanos da infância e da adolescência. 
Os  conceitos  de  monitoramento  &  avaliação  são  bastante  difundidos  na 
terminologia empregada na execução de projetos, especificamente. E de maneira 
mais ampla, no desenvolvimento de políticas públicas. Eles significam que dada 
ʺsituaçãoʺ  é  observada  (monitoramento)  para  que  posteriormente  ou 
simultaneamente  no  processo,    possa  ser  efetuada  uma  apreciação  detalhada  e 
uma validação dos dados obtidos (avaliação). 
O  monitoramento  compreende  a  observação  e  documentação  sistemática 
da  implementação  de  uma  política,  de  um  programa/serviço,  de  um 
projeto/atividade, com base no planejamento. 
A avaliação compreende a avaliação interna das informações e dos dados 
colhidos  na  monitoria,  considerando  sua  conformidade  com  os  objetivos  e 
atividades planejados.  
Essa  apreciação  acerca  da  adequação  dos  instrumentos  e  dos  meios  de 
execução  e  da  factibilidade  de  alcance  dos  objetivos  é  a  base  para  a  tomada  de 
decisão política no gerenciamento do projeto, no aperfeiçoamento do programa – 
na  potencialização  estratégica  e  na  valorização  da  qualidade  das  do 
desenvolvimento políticas públicas.  

200
Mas sim, apoiando, como fazem por exemplo, UNESCO, OIT, UNESCO, USAID/Partners (Programa
POMMAR), PNUD, BID, Save the Children Fund, Terre des Hommes etc. etc.

118
 
Assim  sendo,  monitoramento  &  avaliação  podem  ser  vistas  como 
instrumentos de apoio ao processo contínuo de controle das ações públicas a ser 
desempenhado 
 
O  registro  de  entidades  e  de  programas  ‐  Compete  aos  conselhos 
municipais  dos  direitos,  exclusivamente  (a)  proceder  o  registro  de  certas 
entidades  públicas  e  (b)    proceder  além  do  mais  o  registro  da  inscrição  de 
determinados  programas  públicos.  Não  se  trata  de  mero  registro  cartorário, 
formalista. E sim de um procedimento de controle.  
De um lado, aos conselhos municipais dos direitos compete o trabalho de 
acompanhar,  avaliar  e  autorizar  o  funcionamento  de  entidades  públicas  não 
governamentais  que  desenvolvam  programas  socioeducativos  e  de  proteção 
social,  elencados  no  artigo  90  do  Estatuto  da  Criança  e  do  Adolescente:  a 
existência  jurídica  da  entidade  não  depende  dessa  decisão  do  Conselho,  mas  o 
reconhecimento dela como executora especificamente da política de atendimento 
de direitos fundamentais da criança e do adolescente, sim. Já os órgãos públicos 
governamentais,  para  sua  instituição,  dependem  de  lei  autorizativa  –  decisão 
adotada em nível de normatização superior ao do Conselho.  
Por  sua,  de  outro  lado,  aos  conselhos  municipais  dos  direitos  compete 
igualmente o trabalho de acompanhar, avaliar e autorizar o desenvolvimento de 
programas socioeducativos e protetivos, tanto por parte de  instituições públicas 
governamentais, como não governamentais. 
 
Correição  e  o  dever  de  representação  às  instâncias  próprias  ‐  O  papel 
controlador  dos  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  não  deve  se 
esgotar  com  o  monitoramento  (acompanhamento  e  avaliação).  Ele  deve  levar 
esses Conselhos a um verdadeiro papel correicional, no seu sentido mais amplo: 
9 Orientar e prover de dados, informes e análises 
9 Indicar    ou  solicitar  correções  no  desenvolvimento  de  ações 
públicas; 
9 Representar pela responsabilização de agentes públicos. 
Constatada  a  ocorrência  de  uma  violação  aos  direitos  da  criança,  não 
atuará  o  conselho  dos  direitos  ‐  dentro  no  Sistema  de  Garantia  dos  Direitos  da 
Criança ‐  propriamente como atores sociais, na linha da Defesa de Direitos, como 
fariam  os  conselhos  tutelares,  os  órgãos  do  poder  judiciário,  do  ministério 
público e da segurança pública, os defensores públicos, as entidades de defesa201. 

201
Por exemplo, os Centros de Defesa da Criança e do Adolescente ou mais genéricos de defesa de direitos
humanos.

119
Isto  é,  não  atuariam  diretamente  garantindo  a  indisponibilidade,  a 
imprescindibilidade,  a  exigibilidade  dos  direitos  de  crianças  e  adolescentes, 
ʺcredores de direitosʺ. 
Constatada  essa  violação  de  direitos,  como  atividade  administrativa 
ainda,  na  linha  da  ʺPromoção  de  Direitosʺ,  caberia  aos  conselhos  dos  direitos 
encaminhar  o  caso  às  autoridades  competentes,  dando‐lhes  notícias  do  fato 
violador,  que  poderá,  em  algumas  vezes,  se  configurar  como  crime  ou  como 
infração administrativa (cf. Estatuto citado). 
Muitos  acusam  o  Estatuto  de  não  ter  ʺarmadoʺ  os  conselhos  dos  direitos 
para  garantir  a  exigibilidade  de  direitos  da  criança  e  do  adolescente.  Mas 
esquece‐se  que  o  Estatuto  desenha  uma  verdadeira  e  salutar  ʺrede  de 
incompletudes  institucionaisʺ,  onde  um  ator  social  complementa  o  outro:  nos 
salvando do perigo das ʺinstituições totaisʺ,  que tanto mal causaram no passado. 
Os  conselhos  dos  direitos,  como  integram  essa  ʺredeʺ,  têm  que  tomar 
consciência de sua ʺincompletude institucionalʺ e, em casos desses, acionar outros 
atores sociais que possam dar conta dessa tarefa. Eles precisam exercer mais essa 
sua função controladora, ainda muito pouco explicitada na prática, muito pouco 
explorada, lamentavelmente. 
 
Controle dos procedimentos de escolha dos conselheiros tutelares ‐ Esta 
ficou  como  uma  atividade  especial  dos  Conselhos  Municipais  dos  Direitos  da 
Criança  e  do  Adolescente202  de  discutível  definição  de  sua  natureza  jurídica  e 
política:  organizar  e  presidir  os  procedimentos  de  escolha  dos  conselheiros 
tutelares. E o faz, não tanto numa linha de gestão de meios203, mas de controle do 
poder/atribuição do Poder Executivo municipal, de investir agentes públicos.  
De  ordinário,  há  certa  dificuldade  de  se  entender  a  natureza  dessa 
intervenção  dos  Conselhos  dos  Direitos,  que  a  primeira  vista  parece  discrepar 
das  suas  demais  atividades,  dentro  do  espectro  geral  das  atribuições  desses 
colegiados municipais.  
Realmente,  tem‐se reconhecido que – em função dos seus papéis jurídico‐
legal  e  político‐institucional,  como  visto  atrás  ‐    os  conselhos  dos  direitos  não 
devem  assumir  nenhuma  função  de  execução  de  política  pública,  isto  é, 
desenvolver atividades (através de um determinado serviço público) ou projetos 
(no bojo de um programa público): isso ficou bastante claro!  
 

202
Conferir, neste texto, no Capítulo 1, a questão da abrangência do Estatuto, como norma geral e das suas
relações com as normas especiais estaduais e municipais. E, no Capítulo 2, a análise da hipótese da
legislação estadual e municipal especificamente ampliar o campo de atribuições legais dos Conselhos dos
Direitos, respectivos
203
Exercício de atividade-meio administrativo-burocrática

120
Assim,  essa  sua  função  de  organização  e  presidência  do  processo  de 
escolha dos conselheiros tutelares (que lhe foi atribuída posteriormente) precisa 
encontrar seu nicho jurídico e político‐institucional.  
E aqui se propõe que seja no campo do controle das ações públicas204, como 
acima justificado – pelo menos de maneira didática, mesmo que se reconhecendo 
que assim se fará de maneira bem pouco ortodoxa. 
 
Histórico, justificativa e procedimentos – Esta matéria já foi tratada atrás 
no capítulo referente aos conselhos tutelares. 
 
 
SEÇÃO 4 
A FUNÇÃO NORMATIZADORA DO  
DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 
 
Generalidades  –  Para  que  os  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente possam exercer sua função primordial de controle (monitoramento)  
das  ações  públicas  de  promoção  dos  direitos  humanos  importa  que  ele 
previamente  estabeleça  certos  paradigmas,  certas  diretrizes  que  sirvam  como 
matriz para o trabalho de monitoramento – o “contraste”. Para tanto, se torna da 
máxima  importância  que  esses  conselhos  normalizem,  em  determinado  nível,  a 
política  de  promoção  dos  direitos  humanos  da  infância  e  da  adolescência  e  os 
seus programas e serviços. 
 
Natureza:  atos  administrativos  regulamentares  ‐  Compete  em  princípio 
ao poder legislativo, através da lei, criar a norma jurídica  ‐  normatizar, positivar 
o  Direito.  Mas  o  papel  normatizador  do  estado  não  se  esgota  com  a  atividade 
legisferante.  Existem  outros  níveis  do  poder  normatizador  que  são  exercidos, 
inclusive,  pelo Poder Executivo: por exemplo, o ato regulamentar. 
Assim, o poder executivo não só aplica o Direito, mas o cria. Faz parte do 
processo  de  desenvolvimento  das  políticas  públicas,  a  normatização 
administrativa, isto é, a formulação dessas políticas, a definição de diretrizes. 
Os  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  são  parte  nesse 
processo  de  desenvolvimento  das  políticas  de  estado,  ao  normatizar  o 
desenvolvimento  da  chamada    ʺpolítica  de  atendimento  dos  direitos  de  crianças  e 
adolescentesʺ 205

204
"Controle" aqui no sentido amplo, não se confundindo com "fiscalização", como se faz algumas vezes.
205
Artigo 86 – Estatuto cit.

121
O Estatuto lhe dá poder “deliberativo” e não consultivo. Seus atos têm pois 
poder vinculante, como norma jurídica.  
 
Conteúdo:  diretrizes  gerais  para  o  desenvolvimento  das  políticas 
públicas  ‐    Quando  o  Estatuto  vê  os  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do 
adolescente como ʺdeliberativosʺ206, na verdade se refere ao seu poder de deliberar  
a respeito de políticas públicas; como complementam as leis federal, estaduais e 
municipais de criação desses colegiados.  
 
E, dentro do processo de desenvolvimento das políticas de estado, quando 
um  órgão  administrativo  delibera  a  respeito,  o  faz  formulando  essa  política, 
regulando‐a,  normatizando‐a  administrativamente:  formulação  normativa  de 
diretrizes  gerais  para  a  garantia,  com  prioridade  absoluta,  dos  direitos 
fundamentais  à  sobrevivência,  ao  desenvolvimento  e  à  proteção207  da  criança  e 
do adolescente. 
No  tocante  a  esse  poder  deliberativo  de  formulação/normatização  da 
política de atendimento dos direitos fundamentais da criança e do adolescente208, 
preliminarmente,  há  que  se  ressalvar  e  distinguir  o  seguinte:  não  compete  aos 
conselhos  dos  direitos  o  planejamento  dessa  política  (ou  de  qualquer  outra...), 
como  forma  de  desenvolvimento  de  políticas  públicas,  uma  vez  que  o 
planejamento já é parte da execução das políticas. 
Essa sua intervenção está numa fase precedente, como ʺnormatizadorʺ: isto 
é,  numa  linha  de  definição  de  diretrizes  gerais  para  o  planejamento, 
coordenação, execução e controle.  
A  lei  federal  que  criou  o  CONANDA  estabelece  que    a  ʺformulação  de 
políticaʺ  é  uma  de  suas  funções  básicas.  E  as  leis  estaduais  e  municipais  que 
criam,  em  suas  esferas,  os  respectivos  conselhos  desse  sistema  repetem  essa 
orientação, melhor explicitando o Estatuto. 
 
Normatizador/formulador  de  que  ramo  das  Políticas  de  Estado?  ‐ 
Todavia, a questão verdadeiramente polêmica, no tocante a esse papel específico 
dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, reside na delimitação da 
abrangência  da  intervenção    normativa  desse  conselhos:  isto  é, 
normatizador/formulador de que ramo das políticas de estado? de que tipos de 
programas/projetos e serviços/atividades? Ou mesmo: normatizador/formulador 

206
Conferir, atrás, neste texto, a respeito, no Capítulo 1, item 1.2.3. : "Natureza jurídica / Órgão público
administrativo"
207
Saúde, educação, saúde, assistência social, moradia, nutrição, trabalho etc. etc
208
Artigo 86 – Estatuto cit.

122
não  só  do  desenvolvimento  de  políticas  públicas,  mas  de  outros  campos  da 
atividade estatal (função judicante, por exemplo)?! 
Ora,  o  Estatuto  prevê,  no  seu  artigo  86,  o  desenvolvimento  de  uma 
ʺpolítica de atendimento de direitos da criança e do adolescenteʺ.  Isto é, uma política de 
promoção  dos  direitos  e  liberdades  fundamentais  da  criança  e  do  adolescente; 
uma  ação  sistemática  de  proteção  dos  direitos  humanos  desse  segmento  social. 
Assim sendo, em princípio, os conselhos referidos seriam responsáveis por essa 
política nomeada. 
 
Obviamente,  não  se  trata  aqui  de  nenhuma  política  setorial,  como  as 
políticas sociais básicas (educação, saúde, assistência social, cultura etc.).  
Mas  sim  de  uma  política  intersetorial,  a  cortar  transversalmente  todas  as 
políticas públicas, para assegurar que a satisfação das necessidades básicas desse 
segmento  da  população  seja    reconhecida  e  garantida  como  direitos 
fundamentais, prioritariamente; obedecidos mais determinados princípios. Dessa 
maneira,  é  realmente    absurda  a  confusão  que  muitos  ainda  fazem  entre  essa 
ʺpolítica de atendimento dos direitos da criança e do adolescenteʺ (Estatuto e conselhos 
dos direitos, citados) e a ʺpolítica de assistência socialʺ.  
Puro  ranço  da  velha  ʺdoutrina  da  situação  irregularʺ,  na  qual  se 
fundamentava  o  revogado  Código  de  Menores,  onde  o  assistencialismo  e  a 
repressão eram seus dois pilares. Só que a atual política de promoção dos direitos 
se  firma  na  doutrina  agora  da  ʺproteção  integralʺ.  E  enquanto  isso  a  assistência 
social  constrói  um  novo  caminho  de  negação  do  clientelismo,  do  primeiro‐
damismo, do assistencialismo.  Novos paradigmas para ambas. 
Alguns  querem  reduzir  simplesmente  o  Estatuto  e  os  conselhos  dos 
direitos da criança e do adolescente a meras ʺespecializaçõesʺ da Lei Orgânica da 
Assistência e dos conselhos de assistência social. Como se os primeiros tratassem 
apenas  de  um  setor  da  assistência  social:  o  das  crianças  e  adolescentes 
vulnerabilizados ou em situação de risco pessoal e social. Enquanto os conselhos 
de assistência social seriam mais genéricos, mais abrangentes.  Ora, o Estatuto da 
Criança  e  do  Adolescente  não  permite  tal  visão  corporativa,  reducionista  e 
equivocada da abrangência de ação dos conselhos dos direitos. Na verdade, não 
se  trata  de  um  ter  prevalência  sobre  o  outro  ou  concorrer  com  o  outro.  E  sim 
realmente de abrangência. 
Os conselhos intersetoriais (como os dos direitos da criança, o da mulher, 
o da condição negra, o dos portadores de deficiência etc.) têm  uma abrangência 
bem  maior  que  qualquer  dos  conselhos  setoriais  (saúde,  educação,  assistência 
social)  :  existem  em  função  de  todas  as  crianças  e  todos  os  adolescentes,  sem 
cortes.    Mas,  não  uma  importância  maior,  pois  suas  funções  são  bastante 
díspares, sem confusão, superposição e concorrência. 

123
Programas  de  proteção  a  crianças  e  adolescentes  que  dela  necessitem 
(vulnerabilizados, por exemplo) existem em qualquer das políticas sociais e das 
políticas  institucionais209  –  inclusive  e  principalmente  no  campo  da    política  de 
assistência social. Mas, programas e atividades não se confundem com políticas, 
no seu sentido amplo e puro – e sim as integram como partes. 
 
Desse modo, por exemplo, toda forma de exploração laboral da criança e 
do adolescente  210 deverá se prevenida, erradicada, proibida e eliminada, através 
de  serviços/atividades  e  programas/projetos  de  proteção,  articulada    e  
integradamente,  umbicados   nas  políticas  de  saúde, de  educação,  de  assistência 
social,  de  defesa  da  cidadania211,  de  segurança  pública,  de  agricultura,  das 
relações  exteriores  etc.  A  erradicação  do  trabalho  infantil  no  Brasil  não  é  uma 
questão puramente de assistência social. Mas, o é também... 
Essa  concepção  mais  ampla,  intersetorial,  transversal  e  universalista  do 
Estatuto  da  Criança  e  do  Adolescente  e  dos  seus  conselhos  dos  direitos  tem 
raízes  históricas:  quando  da  criação  originariamente  do  CONANDA  ele  foi 
vinculado ao Gabinete da Casa Civil da Presidência da República, nessa linha de 
articulação.  Posteriormente,  foi  vinculado  por  pouco  tempo  ao  Ministério  do 
Bem Estar Social, por força da vinculação a esse ministério de estado da extinta 
Fundação  CBIA212.  E  quando  esse  ministério  passou  a  assumir  especificamente 
apenas  duas  políticas  da  seguridade  social  (previdência  e  assistência  social), 
extinguindo‐se inclusive a Fundação CBIA ‐ foi ele transferido para o Ministério 
da  Justiça,  enquanto  espaço  público  federal,  responsável  pelas  políticas 
institucionais de defesa da cidadania 213.  
Nos  estados  e  municípios,  essa  vinculação  administrativa  dos  conselhos 
dos direitos da criança e do adolescente reflete o modo como, ali, concretamente, 
todas essas políticas públicas se institucionalizam, se estruturam, se organizam: 
os  conselhos  dos  direitos  estão  ora  em  secretarias  de  justiça  e  cidadania  (  ou 
direitos humanos), ora em secretarias de segurança pública, ora em secretarias de 
desenvolvimento ou ação social, ora nos gabinetes dos chefes do poder executivo 
etc.  etc.  A  conjuntura  local  dirá  qual  a  melhor  vinculação  administrativa, 
levando‐se  em  conta  uma  série  imensa  de  variáveis:  de  qualquer  maneira,  a 
melhor  solução  está  na  vinculação  a  um  ministério,  secretaria  estadual  ou 
municipal  ou  outro  órgão  público  que  tenha  maior  abertura  para  as  políticas 

209
Saúde, Educação, Assistência Social, Habitação, Trabalho, Cultura, Previdência Social, Defesa da
Cidadania, Relações Exteriores, Segurança Pública etc.
210
Trabalho precoce, prostituição, narcotráfico, trabalho perigoso, insalubre e penoso, trabalho escravo etc.
211
Idem Nota 34
212
Responsável por um gigantesco trabalho de efetivação do novo Estatuto em todo o país.
213
Crianças, negros, mulheres, índios, minorias eróticas, portadores de necessidades especiais etc.

124
inter‐sectoriais,  que  tenha  maior  capacidade  de  articulação  interinstitucional  e 
que tenha realmente força política. 
O  que  interessa  ‐  no  caso  da  definição  do  campo  de  ação  dos  conselhos 
dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente,  como  normatizador/formulador  de 
política ‐ é que não se confunda esse campo com nenhum outro e se reconheça a 
especificidade  desses  conselhos  intersetoriais,  no  formular  normativamente 
diretrizes  gerais  para  a  garantia,  com  prioridade  absoluta,  dos  direitos 
fundamentais  à    “sobrevivência,  ao  desenvolvimento  e  à  proteção  especial”  214  da 
criança e do adolescente. 
 
Normatizador/formulador  para  além  das  Políticas  de  Estado?  ‐  Fora 
desse campo do desenvolvimento de políticas públicas, surgem algumas dúvidas 
sobre  a  possibilidade  dos  conselhos  dos  direitos  formularem/normatizarem    a 
prestação  jurisdicional  (ʺadministração  de  justiça  à  populaçãoʺ)  e  a  organização  e 
funcionamento  do  poder  judiciário  ou  o  exercício  da  função  de  custos‐legis  e  a 
organização  e  funcionamento  do  ministério  público.  há  possibilidades  desses 
conselhos  formularem/normatizarem  outras  atividades  estatais  fora  do  âmbito 
da  administração  pública?    isto  é,  possibilidade  de  estabelecerem  regras, 
diretrizes para o funcionamento do poder judiciário e do ministério público, por 
exemplo !?  
A  tese,  de  início,  encontra  resistência  nos  princípios  constitucionais, 
especialmente,  na  regra  maior  da  separação  dos  Poderes,  da  harmonia  e 
independência  dos  Poderes.  Realmente,  os  conselhos  de  direitos  não  podem 
estabelecer  nenhuma  diretriz  que  obrigue,  de  alguma  forma,  os  órgãos  dessas 
citadas Instituições soberanas do estado.  
Por  exemplo,  tais  conselhos  deliberativos  podem  estabelecer  diretrizes 
para regular administrativamente a execução por parte da administração pública, 
de medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes autores de ato infracional215. 
Mas,  não  podem  estabelecer  nenhuma  norma  reguladora  do  procedimento 
processual  de  aplicação  essas  medidas  pelos  juizes  da  infância  e  da  juventude 
(poder  judiciário)  ‐    pena  de  mera  negativa  de  vigência  dessa  norma  pela 
Instituição ʺinvadidaʺ, como ato inexistente. 
Por  exemplo,  seria  estranho  ao  modo  de  ser,  constitucional  e  legal,  dos 
órgãos judiciais e público‐ministeriais, que se tentasse ‐ por essa via ‐ definir uma 
pretensa  melhor  interpretação  para  um  determinado  dispositivo  do  Estatuto, 
para efeito de sentença, despacho ou  parecer. 

214
Cúpula Mundial pela Infância. 1990: "Declaração e Plano de Ação Mundial". Nova York. ONU
215
O CONANDA, com propriedade, isso fez com suas Resoluções 48, 49 e 50, estabelecendo critérios
mínimos para o funcionamento de unidades de internação e de semiliberdade.

125
Como  seria  também  estranhável  uma  norma  administrativa  emanada  de 
conselhos tais, que pretendesse mais a ʺuniformização de condutas de magistradosʺ, 
ou a aplicação judicial de medidas socioeducativas a adolescentes infratores, ou a 
regulação  do  funcionamento  das  comissões  estaduais  judiciais  de  adoção,  ou  a 
regionalização  e  a  especialização  de  órgãos  judiciais  e  de  representações  do 
ministério  público  etc.  São  matérias  a  serem  enfrentadas  ou  por  atos 
administrativos regulamentares dessas próprias Instituições ou por leis estaduais 
(organização  judiciária  e  público‐ministerial)  e  federais  (direito  processual, 
direito civil, organização judiciária e público‐ministerial etc.). 
Aos  órgãos  normativos  e  correicionais,  internos,  próprios  e  competentes 
do poder judiciário e do ministério público (conselhos superiores, corregedorias 
gerais,  presidências  de  tribunais,  procuradorias  gerais    –  p.ex.),  é  que  compete 
cumprir seu trabalho de estabelecer diretrizes programáticas, de regulamentar o 
exercício  das  funções  jurisdicionais  e  público‐ministeriais,  no  âmbito  de  suas 
instituições216  ‐  de  ofício  ou  por  provocação  dos  conselhos  dos  direitos,  quando 
for o caso217. 
Mutatis mutandi, igualmente contrárias à lei – pelas mesmas razões – são 
as invasões de atribuições dos juizes da infância e da juventude e dos promotores 
de  justiça  correspondentes,  quando  resolvem  formular/normatizar  o 
desenvolvimento  de  políticas  públicas,  através  portarias  e  outros  atos 
administrativos – fora do âmbito estrito do permissivo do Estatuto218.  
O  velho  paradigma  da  doutrina  da  situação  irregular  ainda  influencia  o 
decisório  de  alguns  membros  do  judiciário  e  do  ministério  público,  fazendo‐os 
ʺgestores  públicosʺ  e  ʺlegisladoresʺ.  Em  função  disso,  emitem  atos  genéricos, 
estabelecendo  formas de ação pública social‐assistencial de relação a crianças e 
adolescentes  em  situação  de  vulnerabilidade  social  (ʺoperação‐arrastãoʺ  dos 
chamados  meninos  de  rua,  p.ex.).  Intervêm  como  ʺsuperiores  administrativos 
hierárquicosʺ, na gestão de órgãos administrativos do poder executivo, (unidades 
socioeducativas,  abrigos,  p.ex.).  Praticam  verdadeiros  atos  de  supervisão 
administrativa  dos  conselhos  tutelares,  fazendo‐os  funcionar  sob  ordens  ou  por 

216
Conferir atrás, neste texto, o item 2.3, sobre "Articulação & Integração".
217
Conferir adiante, neste texto, o item 4.2 , sobre "Função controladora dos Conselhos dos Direitos /.
Responsabilização"
218
O Estatuto ainda deixou a cargo dos juizes algumas funções regulamentadoras, que deveriam ter sido
transferidas para o Conselho dos Direitos ou ações fiscalizadoras que deveriam ter sido atribuídas aos
conselhos tutelares: freqüência de crianças e adolescentes em bares, espetáculos públicos, casa de diversão
etc. Seda vê nisso ainda retrocesso de relação à doutrina da proteção integral e conclui: "- Mas um dia
ainda chegaremos lá..." (SEDA, Edson. 1995: "A Proteção Integral". Campinas / São Paulo. Edição
AIDÊS. 3ª edição)

126
delegação, participando indevidamente do seu procedimento de escolha como se 
fora um ʺprocesso eleitoralʺ etc.219
Uma coisa é o exercício de suas funções legais de controle judicial dos atos 
administrativos  e  de  custos  legis,  por  exemplo,  examinando  esses  atos  sob  os 
aspectos  da  legalidade,  economicidade,  moralidade,  publicidade  e 
impessoalidade.  Outra  coisa  é  a  pura  e  simples  supervisão  ou  coordenação 
administrativa de serviços e programas administrativos. 
 
O relacionamento dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente – 
na qualidade de órgãos autônomos especiais do poder executivo ‐  com o poder 
judiciário,  com  o  poder  legislativo,  com  o  ministério  público,  não  se  faz  via 
normatização,  regulamentação,  supervisão,  de  ambos  os  lados.  Mas  sim  numa 
linha  estratégica  de  advocacia  política  (advocacy)  e  de  articulação,  ambos 
apresentando subsídios, indicativos, demandas.  
Esse é um campo rico para se construir parcerias e não subordinações. A 
idéia de um ʺsistema de garantia de direitos da criança e do adolescenteʺ, funcionando 
como  ʺredeʺ  ,  exige  isso:  menos  ʺchefesʺ  e  mais  ʺprovedoresʺ,  menos  ʺfocos  de 
poderʺ e mais ʺfocos de serviçoʺ – parceiros, aliados. 
 
Processos: metodologia, técnicas e procedimentos ‐ São típicas dessa ação 
de formulação/normatização, pelos conselhos dos direitos:  
ƒ a  produção  de  análises  da  situação,  com  diagnósticos  conjunturais 
(avanços e desafios) e com projeção de cenários prováveis (possibilidades) 
e  
ƒ a  definição  de  diretrizes  programáticas,  priorizadoras  de  determinados 
direitos fundamentais. 
 
Análise de situação  ‐  A normatização de uma política pública deve ser 
produzida  a  partir  da  análise  do  contexto  social,  da  realidade  social,  onde  se 
tentará proporcionar conhecimentos para modificar a realidade, sendo essencial 
para  a  elaboração  de  diretrizes  e  bases  (normas),  para  o  desenvolvimento  de 
políticas públicas, para a execução de planos, programas e projetos. Isso implica 
primeiramente  em  se  diagnosticar  a  situação,  isto  é,  descrever,  explicar  e 
predizer.   
A  descrição  diagnóstica  caracteriza  a  realidade  que  se  pretende  intervir, 
modificar: apresenta‐a, desvela‐a .  Para tanto há que se fugir dos reducionismos 
científicos,    com  uso  de  taxinomizações  de  uma  única  ciência.  Cada  ramo  da 

219
Conferir adiante neste texto o item 4.3. – "Função controladora dos Conselhos dos Direitos.
Procedimento de escolha dos conselheiros tutelares"

127
ciência  tem  sua  taxinomia220  própria  e  se  reconhece  pelos  conceitos  que  utiliza. 
Por exemplo, o  “tráfico de pessoas para fins sexuais” pode ser descrito como um 
tipo  delituoso,  a  ser  sancionado  penalmente  (taxinomia  jurídica)  ou  como  uma 
reificação  da  relação  afetivo‐sexual,  tornada  mercadoria  (taxinomia  econômica) 
ou  como  um  pecado  a  ser  condenado  e  redimido  (taxinomia  teológica)  ou  o 
resultado de uma relação hegemônica de dominação e exploração da mulher e de 
outros  segmentos  sociais  vulnerabilizados  (taxinomia  política)  e  assim  por 
diante. Nesse caso, na descrição do fenômeno tráfico de pessoas para fins sexuais 
deve‐se  contemplar  todas  essas  categorias,  descrevendo‐o  como  uma  situação 
multifacetária. 
A explicação diagnóstica é realizada recorrendo‐se a relações causais entre 
variáveis  que  condicionam  a  situação  atual  e  cuja  alteração  permitirá  alterá‐la. 
Trata‐se de uma parte fundamental do diagnóstico, desde que na ausência de um 
modelo  causal  fica  impossível  elaborar  um  projeto  de  mudanças.  Há  que  se 
incluir  aqui  todas  as  dimensões  e  variáveis  que  permitam  explicar  o  fenômeno 
ou processo que se estuda, que se analisa. 
A  predição  diagnóstica  (“cenários”)  é  resultante  da  capacidade  de  se 
explicar.  Se  for  possível  explicar,  também  o  será  predizer.  E  isso  se  pode  fazer 
através de uma projeção das tendências observadas nas fases anteriores. 
 
Definição  de  diretrizes  gerais,  programáticas  e  priorizadoras  ‐  Em 
princípio  ‐    como  da  essência  do  processo  de    normatização/  formulação  da 
política de promoção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente ‐ se 
poderia  considerar  que  ele  visa  estabelecer  diretrizes,  balizas,  regras  gerais, 
normas regulamentares, para o desenvolvimento de tal política intersetorial, isto 
é,  para  o  planejamento,  a  coordenação,  a  execução  e  o  controle‐de‐gestão  dessa 
política em favor da infância e da adolescência. 
Através  dessas  diretrizes  gerais  programáticas,  os  conselhos  dos  direitos 
da criança e do adolescente estabelecem os objetivos gerais, as metas prioritárias 
e  as  macro‐estratégias,  para  essa  política,  pela  qual  têm  responsabilidade.  E 
principalmente,  devem  procurar  estabelecer  as  grandes  linhas  de  articulação 
política entre as diversas formas de intervenção política do Estado na questão da 
infância  e  da  adolescência,  apontando  também  para  os  possíveis  sítios  de 
integrações operacionais. 
O  ideal  é  que  essas  normas  definidoras  de  diretrizes  programáticas,  em 
concreto, busquem a  sumulação, isto é, que busquem a essencialidade mínima: 

220
Taxinomia é o grupo de categorias descritivas que constituem um esquema ordenado para a
classificação.

128
um número reduzido de objetivos, metas e ações e atividades. E principalmente, 
estabeleçam indicadores de avaliação da sua eficácia e da efetividade.  
Algo  na  linha  das  ʺmedidas  vitaisʺ.  Algo  que  tenha  capacidade 
mobilizadora e que permita um trabalho de advocacia política pelo conselho, no 
tamanho de suas possibilidades. Algo que leve em conta  questões, por exemplo, 
como da governabilidade, que leve em conta os recursos orçamentários previstos 
nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Algo mais, nessa linha.  
Um trabalho desses de formulação/normatização/priorização não pode ser 
um  elenco  desordenado  e  não  avaliado  de  ʺdesejosʺ,  de  demandas  surgidas  de 
verdadeiras  ʺtempestades‐de‐idéiasʺ.  Por  exemplo,  de  um  elenco  de  indicações 
amplas que as conferências dos direitos das crianças e dos adolescentes façam e 
de um elenco outro de medidas possíveis que levantem221 as análises de situações 
do próprio colegiado ‐ os conselhos dos direitos da criança e do adolescente (no 
exercício  da  sua  função  normatizadora  administrativa,  de  caráter  deliberativo)  
precisam definir quais delas as prioritárias, para aquele período: na linha de 5 ou 
10  diretrizes  gerais  programáticas,  que  sejam  verdadeiros  eixos  estratégicos.  A 
depender  do  nível  da  formulação/normatização,    esse  número  deverá  ser  o 
mínimo  possível  no  nível  nacional,  ampliando  no  nível  estadual  e  podendo 
chegar a minudências maiores no nível municipal222. 
Via  de  regra,  no  país,  atualmente  ainda,  a  realidade  não  mostra  esse 
quadro  de  concentração  e  redução  de  objetivos/metas,  aqui  defendido.  Os  atos 
dessa  natureza  dos  conselhos  deliberativos,  pelo  Brasil  a  fora,  definem  50  ou 
muito mais diretrizes! Difícil garantir eficácia e efetividade a tão grande número 
de  prioridades.  Mas,  é  importante  que  isso  seja  considerado  e  valorizado  como 
um ʺexercício inicialʺ de normatização de diretrizes, a nos levar a um processo de 
depuração  e  refinamento,  cada  vez  maior  –    não  ʺnegar‐seʺ  acidamente,  mas 
ʺsuperar‐seʺ criticamente, com paciência histórica. 
Outro ponto importante diz respeito à questão da multi‐setorialidade, da 
inter‐institucionalidade,  da  transversalidade,  que  se  deveria  assegurar  como 
caráter dominante da política de promoção dos direitos humanos da criança e do 
adolescenteʺ223  e  que,  por  via  de  conseqüência,  deveria  contagiar  o  processo  de 
formulação/normatização de suas diretrizes programáticas.  
Vive‐se  muito  preso  aos  esquemas  tradicionais  das  políticas  setoriais.  E 
quando se pretende formular uma política intersetorial/transversal, continua‐se a 
garantir,  internamente  nessa  política,  a  autonomia  das  áreas  setoriais  (saúde, 

221
Ou de outros estudos dessa natureza elaborados com propriedade pela Academia e/ou por ONGs
especializadas.
222
Uma vez que no plano estadual são incorporadas diretrizes nacionais e no plano municipal, diretrizes
estaduais e nacionais.
223
Conferir atrás neste texto o item 3..2.1

129
educação,  assistência  social  etc.),  fazendo  com  que  o  trabalho  de 
articulação/integração se transforme em mera colagem, justaposição. Os modelos 
de formulação para essa política específica prevista no Estatuto da Criança e do 
Adolescente (art. 86) não são os usuais das políticas sociais setoriais. Dever‐se‐á 
buscar  referências  metodológicas  para  essa  formulação/normatização  de 
diretrizes programáticas,  em outras políticas intersetoriais, como a indienígena, 
a de meio ambiente, a de relações exeteriores etc. etc. 
É preciso ousar nesse campo e se estabelecer diretrizes não para áreas de 
políticas  setoriais  determinadas,  aglutinadas  num  texto,  mas  levando‐se  em 
conta  outros  critérios:  por  exemplo,  ciclos  de  vida224,  focos  situacionais225,  eixos 
estratégicos226,  gerações  de  direitos  fundamentais,  cortes  geográficos  ‐  mesclando 
critérios, de maneira menos ortodoxa.  
 
O  papel  normatizador  do  CONANDA,  como  referência    ‐    De  maneira 
referencial  para  todos  os  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  ‐  o 
CONANDA, por resoluções, define em nível nacional  as ʺDiretrizes gerais para a 
política  de  atenção  integral  à  infância  e  à  adolescência  nas  áreas  de  saúde,  educação, 
assistência  social,  trabalho  e  para  a  garantia  de  direitosʺ,  priorizando  direitos 
fundamentais desse segmento social. 
O primeiro trabalho de formulação consumiu dois períodos de gestão do 
CONANDA  e  teve  como  relatoras  inicialmente  as  conselheiras  Vanda  Engels 
Aduan227 e Maria do Rosário Leite Cintra (Ir.)  228 E posteriormente a Conselheira 
Zilda  Arns  Neumann229,  quando  da  sua  versão  final.  Essas  diretrizes  foram 
aprovadas em 04 de outubro de 1995, na 28ª assembléia ordinária do CONANDA 
e promulgadas por resolução230.  
Em outubro de 2000, o CONANDA reviu suas ʺDiretrizes Geraisʺ, através 
de nova resolução, com vigência até 2005. 
A  parte  inicial  do  documento,  como  uma  “Introdução”,  esboça‐se  um 
histórico do atendimento à criança e ao adolescente no Brasil, nos seus 500 anos.  
E registra‐se mais a situação da criança e do adolescente na década de 90, a partir 
da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por fim, esse capítulo 
se encerra com uma análise sobre a “ institucionalidade democrática”  onde são 

224
Por exemplo, o UNICEF no momento está desenvolvendo seu planejamento a partir desse critério.
225
Por exemplo: violência, não-acesso ao serviço público, gênero/etnia, conflito com a lei, integrações
operacionais, prevenção, responsabilização, proteção jurídico-social etc.
226
Por exemplo: mobilização, apoio institucional, empowerment (protagonismo), advocacy, parceria,
pesquisas etc.
227
Rede dos Núcleos de Estudo e Pesquisa – Associação Roda-Viva
228
CNBB - Pastoral do Menor
229
CNBB – Pastoral da Criança
230
Resolução CONANDA – D.O.U. 13-10-1995.

130
lançadas  as  bases  teóricas  da  nova  “doutrina  da  proteção  integral”  e  os 
princípios básicos da nova normativa legal nacional, com menção expressa ao ao 
chamado  sistema  de  garantia  de  direitos,  que  o  CONANDA  assume  como  sua 
tarefa a sua viabilização, em nível nacional. 
Finalmente,  traça  o  documento,  em  concreto,  ʺdiretrizes  para  as  políticas 
públicasʺ,  colocando‐as  no  contexto  da  ʺgarantia  do  direito  à  vida  e  ao 
desenvolvimento integralʺ.   
Essas diretrizes, em cada área especificada, por exemplo, versam sobre: 
ƒ alojamento  conjunto,  cartão  de  gestante,  anormalidades  metabólicas  do 
recém‐nascido,  permanência  de  pais  junto  a  crianças  e  adolescentes  internados, 
vigilância  nutricional,  ampliação  de  recursos  financeiros,  implantar  programas  de 
prevenção de acidentes no lar ou fora dele etc. (saúde);  
ƒ articulação  das  áreas  da  saúde,  educação  e  assistência  social  para 
atendimento  de  crianças  de  0  a  6  anos,  garantia  do  acesso,  regresso,  permanência  e 
sucesso  na  escola,  diminuição  dos  níveis  de  repetência  nas  5  primeiras  séries, 
educação para o trabalho, saúde escolar, atendimento aos portadores de necessidades 
educativas  especiais,  aumento  progressivo  da  remuneração  do  magistério    etc. 
(educação);  
ƒ erradicação do trabalho infantil, estímulo a programas de geração de renda 
de caráter familiar, ratificação da Convenção 138 da OIT etc. (trabalho);  
ƒ implantação e fortalecimento de serviços de apoio familiar para crianças e 
adolescentes em situação de alto risco, entidades de abrigo etc. (assistência social). 
Além disso, foram estabelecidas algumas diretrizes especiais para a ʺgarantia 
dos direitosʺ,  versando, por exemplo, sobre: 
ƒ implementação  de  conselhos  dos  direitos  da  criança  e  do  adolescente  e  de 
conselhos tutelares, por meio de sistema de monitoramento; 
ƒ atendimento  a  adolescentes  autores  de  ato  infracional  e  execução  de 
medidas  socioeducativas,  com  reordenamento  e  reaparelhamento  dos  serviços  e 
programas respectivos; 
ƒ implementação dos centros integrados operacionais de atendimento inicial 
a adolescentes infratores e de juízos regionais da infância e da juventude; 
ƒ implementação de defensorias públicas especializadas;  
ƒ cadastros nas comissões estaduais judiciárias de adoção; 
ƒ fortalecimento  das  entidades  de  defesa  de  direito,  especialmente  visando 
diminuir a impunidade por crimes praticados contra crianças e adolescentes; 
ƒ etc. 
De  qualquer  maneira,  continuam  ainda  em  grande  número  as  diretrizes 
nacionais,  dificultando  sua  efetivação  e  o  controle  sobre  sua  eficácia  e 
efetividade.  E  continuam  ainda  agrupadas  ainda  tradicionalmente  por  áreas 
setoriais, dificultando o atendimento integral paradigmático.  

131
 
Uma outra referência metodológica: o Conselho Municipal dos Direitos 
da  Criança  e  do  Adolescente,  de  Belém  (Pará)  ‐  Por  sua  vez,  pode‐se  registrar 
também  como  referência  metodológica,  o  trabalho  de  normatização/formulação 
da ʺPolítica Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescenteʺ, de responsabilidade 
do  Conselho  Municipal  dos  Direitos  da  Criança  e  do  Adolescente  de  Belém 
(Pará)231.  
O texto original ‐ aprovado posteriormente pela plenária do conselho após 
profunda discussão ‐ foi elaborado por uma comissão composta de conselheiros, 
representando  a  Fundação  Papa  João  XXIII,  a  Secretaria  Municipal  do  Meio 
Ambiente e o Conselho Regional de Serviço Social da 1ª Região; assessorados por 
três consultores externos. Esse trabalho em esboço ʺconsolidava subsídios oferecidos 
inicialmente pela I Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, em 
consonância  com  as  diretrizes  elaboradas  pelo  CONANDA  e  estudos  e  reflexões 
efetivados pelo próprio COMDACʺ. Finalmente, o texto final foi referendo durante a 
II  Conferência  Municipal  dos  Direitos  da  Criança  e  finalmente  aprovado 
formalmente  pela  plenária  do  Conselho  Municipal,  em  1997,  para  vigorar  até 
2000. 
Essa normatização referenciada vem precedida de uma análise de situação 
que compreende uma apresentação e avaliação de um quadro  sobre a situação 
socio‐econômica de Belém; contendo   
(a) um  registro  descritivo  da  situação  física  e  da  organização 
administrativa da cidade; 
(b) um  registro  descritivo‐avaliativo  do  processo  de  exclusão  social 
(processo excludente de ocupação do espaço urbano e processo excludente de 
organização econômica), que ocorre no município e  
(c) um registro descritivo‐avaliativo, bem particularizado, da situação 
das  crianças  e  adolescentes,  frente  às  políticas  sociais  (assistência 
social/proteção especial, saúde, educação, desporto/cultura/lazer). 
No  tocante  à  definição  em  concreto  das  ʺdiretrizes  programáticasʺ 
propriamente  ditas,  o  Conselho  Municipal  dos  Direitos  da  Criança  e  do 
Adolescente  de  Belém  inicia,  estabelecendo  e  explicitando  seis  (6)  ʺprincípios 
fundamentaisʺ,  que  servem  de  chave‐hermenêutica  para  essas  diretrizes  e 
conseqüentemente para toda a política de promoção dos direitos humanos da criança e 
do adolescente, em Belém, de 1997 a 2000: 
ƒ ʺCrianças e  adolescentes são sujeitos de direitosʺ; 

231
COMDAC / BELÉM. 1997: "Política Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente". Belém.
Prefeitura Municipal.

132
ƒ ʺCrianças  e  adolescentes  são  pessoas  em  condição  peculiar  de 
desenvolvimentoʺ; 
ƒ ʺCrianças e adolescentes têm prioridade absolutaʺ; 
ƒ ʺArticulação e compromisso político entre as esferas de governoʺ; 
ƒ ʺArticulação entre os organismos executoresʺ; e 
ƒ ʺArticulação  dos  Programas  e  Serviços  de  Proteção  às  demais  Políticas 
Sociaisʺ. 
Finalmente,  são  estabelecidas  as  chamadas  ʺdiretrizes  programáticasʺ  para 
as  áreas  da  ʺProteção  Especialʺ,  da  Assistência  Social,  da  Saúde,  da  Educação  e  da 
Cultura/Deporto/Lazer;  definindo‐se  objetivos‐metas  e  ações‐atividades  (ʺmedidasʺ), 
para cada uma delas. 
Essa  formulação/normatização  do  Conselho  Municipal  dos  Direitos  da 
Criança e do Adolescente de Belém conclui definindo ainda:  
ƒ Competência operacional; 
ƒ Período de execução; 
ƒ Recursos; 
ƒ Acompanhamento e controle. 
 
A experiência referencial do Conselho Estadual dos Direitos da Criança 
e do Adolescente do Ceará ‐  Por sua vez, o Conselho Estadual dos Direitos da 
Criança  e  do  Adolescente  do  Ceará  –  CEDCA‐CEARÁ,  em  sua  última  reunião 
especial  de  planejamento  anual,  se  propôs  a  elaborar  um  ʺplano  de  promoção  e 
defesa  dos  direitos  fundamentais  da  criança  e  do  adolescente  no  Cearáʺ,  estabelecendo 
assim as diretrizes gerais para a política de atendimento dos direitos da criança e 
do adolescente nesse Estado.  
Essas  Diretrizes  Gerais  foram  aprovadas  através  da  resolução  nº  40/2002 
do  Conselho  Estadual  dos  Direitos  da  Criança  e  do  Adolescente  do  Ceará.  Um 
Grupo  de  Trabalho,  paritário,  elaborou  uma  minuta  de  ʺplanoʺ,  que  foi 
submetido à IV Conferência Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, 
para sugestões. Em seguida, foi levado a outros espaços de discussão (secretarias 
de  estado,  entidades  de  classe  das  categorias  profissionais  interessadas, 
conselhos  setoriais,  entidades  de  direitos  humanos,  mídia  etc.).  Ao  final  do 
processo,  a  plenária  do  CEDCA‐CEARÁ  o  aprovou  formalmente,  fazendo‐o 
publicar no Diário Oficial do estado.encaminhando‐o ao Governador do Estado 
para as providências cabíveis. 
O  texto  define  como  missão  maior  do  estado  e  da  sociedade,  no  tocante 
aos direitos fundamentais da infância e da adolescência, na atual conjuntura, no 
Ceará:  
ʺArticular  o  desenvolvimento  de  políticas  públicas  que  priorizem  o 
desenvolvimento  integral  da  criança  e  do  adolescente,  como  direito  e  como  dever  do 

133
Estado,  da  sociedade  e  da  família.    e  igualmente  defender  esse    direito  em  casos  de 
violaçõesʺ.  
A  partir  daí,  foram  fixados  cinco  (5)  ʺEixos  Direcionais  Estratégicosʺ,  em 
torno  dos  quais,    governo  e  sociedade  deverão  priorizar  a  implantação  / 
implementação ou o fortalecimento de determinadas atividades permanentes ou 
de projetos pontuais (serviços e programas), ali priorizados,  garantindo‐se, desse 
modo,  a  efetividade  da  Política  de  Promoção  dos  Direitos  Fundamentais  da 
Criança e do Adolescente, no Ceará:  
 
‰ “Promover  a  priorização  do  desenvolvimento  e  da  educação  infantil 

fomentando a articulação entre as políticas públicas, programas e projetos. 
‰ Acompanhar  e  fazer  cumprir  a  obrigatoriedade  constitucional  de 

escolarização da criança e pré‐adolescente na faixa etária de 6 a 14 anos de idade.  
‰ Promover a construção do protagonismo juvenil, fomentando fomentando  

a  participação  proativa  principalmente  de  jovens‐adolescentes  (12  à  21  anos)  na 


escola, na organização comunitária, no meio cultural e nos meios de comunicação;   
‰ Promover  a  qualificação  do  atendimento  aos  adolescentes  autores  de  ato 

infracional, elevando  os níveis  de  desconcentração  e  de  descentralização  da  execução 


pela  Administração  Pública  de  medidas  sócio‐educativas  aplicadas,  sob  controle 
judicial e público‐ministerial. 
‰ Defender os direitos de crianças e adolescentes em situação de violação de 

direitos,  principalmente  as  vítimas  de  violência  e  exploração,  postulando  pela 


responsabilização dos seus agressores”. 
A partir desse ʺPlano de Diretrizes Geraisʺ, a comissão de defesa dos direitos 
do  CEDCA‐CEARÁ  decidiu  preferenciar  a  normatização  mais  específica  do 
funcionamento  dos  programas  socioeducativos,  no  estado,  atualmente  sob 
coordenação  e  execução  da  Secretaria  de  Estado  da  Ação  Social  –  SAS 
(Coordenadoria de Proteção Social e Medidas Socio‐Educativas).  
Por sua vez, a comissão de promoção de direitos optou pela normatização 
da  ʺrede  de  proteção  socialʺ,  estabelecendo  normas  mais  específicas  para  o 
funcionamento dos conselhos tutelares, abrigos, sos‐criança etc. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

134
 
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