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Rodrigo Fontanari
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo
Este trabalho debruça-se sobre o pensamento de um dos mais importantes semiólogos
franceses do século XX, Roland Barthes. Está consagrado a abordar a teoria barthesiana
para a fotografia. Visa à apresentação e ao estudo crítico dessa inusitada teoria da
representação fotográfica, mais especificamente aos hoje clássicos conceitos de studium
e de punctum. O objetivo principal é o de fornecer subsídios para um entendimento do
livro ‘A Câmara Clara’, buscando fundamentar a ideia corrente de que também estamos
diante de um romance poético da fotografia.
O título joga com certo paradoxo, pois enquanto vários autores denominam o
aparelho fotográfico de: caixa preta (Vilém Flusser) e uma caixinha de noite (Michel
Tournier), Barthes fala de câmara clara. Ao escolher esse título, o autor rememorava o
ancestral do que atualmente entendemos por “câmera escura”, que originou o aparelho
fotográfico – poderia até certo ponto ser lido com uma homenagem a esse tipo
rudimentar de imagem.
O que realmente interessou a Barthes não foi o conceito ideológico que está no
próprio programa do aparelho, como pensa Vilém Flusser em Filosofia da caixa preta:
ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Pelo contrário, o autor quis refletir
acerca daquilo que está mais evidente nesse tipo de imagem antropologicamente nova.
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Vale mencionar que a câmera escura é um processo mecanicamente mais refinado em que a imagem
formada por decalque ou contigüidade com seu referente (índice) se forma na parede oposta àquela em
que há o orifício (quanto menor for este, melhor é a definição da imagem). No entanto essa imagem se
faz, na parede oposta, de maneira inversa ao mundo real, para isso os “pintores” usavam espelho para
inverter a imagem. Esse é o princípio para as máquinas fotográficas, que foram, em larga medida,
aperfeiçoando sua forma de captação de imagem pelos dispositivos cada vez mais elaborados de lentes
que se colocavam no orifício da câmera.
No subtítulo “nota”, como afirma o próprio autor nessa entrevista, está colocado
o desejo de não ser uma “enciclopédia”, mas desenvolver uma tese, uma proposição em
relação à fotografia o que obriga o seu livro a ser uma obra breve.
No entanto, para uma reflexão analítica, foi necessário definir as noções que
serviram de paradigma para pensar seu objeto. Para isso, escolheu duas palavras latinas:
studium e punctum. Esta última refere-se àquelas fotos que o tocava “(...) mais
vivamente do que por seu interesse geral, por um pormenor que vem me prender, me
cativar, me acordar, me surpreender, de maneira bastante enigmática13.” (Barthes,
2004b: 492). Já a primeira palavra refere-se “ao interesse geral, cultural, civilizado, que
se tem por uma foto.” (Barthes, 2004b: 492). É, de maneira geral, o esforço por parte do
fotógrafo em agradar ao gosto de alguma maneira (studium14).
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A questão do conceito de punctum perpassa pela própria questão do signo lingüístico e da luta titânica
de Barthes em relação a essa diabrura que é a língua. Tomando a corrente de pensamento a que o autor
pertenceu (considerando todas as nuances de deslocamentos), a escola do signo arbitrário, de matriz
saussuriana, o conceito de punctum afugenta a arbitrariedade do signo. Para Barthes, diante de uma
representação punctuosa, temos o próprio objeto (é a luz que partiu do objeto e chamuscou os sais de
prata). Não há mais a arbitrariedade (injusta amarração) entre o objeto e sua representação (signo), e é aí
que a linguagem cessa. Eis o sinistro, no sentido freudiano do termo, da fotografia.
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Cabe nesse momento, uma ressalva: durante a composição de A câmara clara, Barthes evidencia seu
repúdio pelo studium fotográfico, reconduzindo-nos à índole da crítica baudelariana a respeito da
fotografia, ou seja, a necessidade de agradar o gosto burguês e de tomar uma cópia do real (fotografia)
como arte. Seguindo os traços de pensamento de Baudelaire, Barthes não previa a inclusão da foto na arte
contemporânea, principalmente na Pop Art. Nas palavras de Baudelaire: “Nesses tempos deploráveis,
surgiu numa nova indústria, que muito contribuiu para confirmar a tolice na sua fé e para destruir o que
poderia restar de divino no espírito francês. Essa multidão idólatra postulava um ideal digno de si e
apropriado à sua natureza, isso é evidente. Em matéria de pintura e de escultura, o credo atual das pessoas
da alta sociedade, sobretudo na França (e não creio que alguém ousará afirmar o contrário), é este: ‘Creio
na natureza, e apenas na natureza (há boas razões para isso). Creio que a arte é e não pode ser senão a
reprodução exata da natureza (uma seita tímida e dissidente quer que os objetos repugnantes sejam
afastados, como, por exemplo, um urinol ou um esqueleto). Assim, o engenho que nos desse um resultado
idêntico à natureza seria a arte absoluta’. Um Deus vingador atendeu os pedidos dessa multidão. Daguerre
foi seu messias. E então ela diz para si mesma: “Já que a fotografia nos dá toda as garantias desejáveis de
exatidão (eles acreditam nisso, os insensatos), a arte é fotografia.’ A partir desse momento, a sociedade
imunda precipitou-se, como um único Narciso, para contemplar sua trivial imagem sobre o metal. Uma
loucura, um fanatismo extraordinário apoderou-se de todos esses novos adoradores do sol.” (1968: 394;
tradução do autor).
De maneira mais direta podemos dizer que o studium é aquilo que é da ordem da
câmara escura, aquilo que está inscrito no enquadramento fotográfico e que, geralmente,
está condensado numa imagem que se oferece ao olhar e, sobretudo, ao intelecto. A
fotografia se torna um campo de estudo. Uma representação através da qual se torna
possível reconhecer os signos, as mensagens que ela denota e conota. É um verdadeiro
terreno do saber e da cultura. O studium é a fotografia que me vem, enquanto sujeito
observador (espectador), informar e comunicar aquilo que se apresenta naturalmente ao
espírito: o óbvio.
Ainda é valido notar que Barthes acena, em vários momentos de sua obra, com a
possibilidade da existência do punctum. Na primeira parte, ele denomina punctum ao
“detalhe” da fotografia; algo “que parte da cena, e vem me transpassar” (2004a: 68). Na
segunda parte, esse conceito se expande e toma a dimensão da nostalgia, da
dramaticidade e da intensidade: é a idéia de “isso existiu” (noema). Há também um
terceiro sentido de punctum em A câmara clara, que é aquilo que ele denomina de
“suplemento”: é, num certo sentido, “aquilo que vem a mais” que o intelecto e os
sentidos não são capazes de perceberem, mas que o corpo reivindica. Esse sentido não é
decifrável pelo campo da fala da linguagem propriamente dito.
O corpus
O corpus eleito por Roland Barthes foi bastante restrito e retirado de alguns
álbuns e revistas, na medida em que as fotografias correspondem a momentos do livro.
Barthes utilizou com grande freqüência a revista Nouvelle Observateur Photo. É
A escolha não se deu para eleger as melhores fotos de cada fotógrafo, nem
aquelas que representassem forçosamente o gosto do autor, mas aquelas que serviram de
aparato para elaborar uma argumentação. Contudo, o autor mesmo lembra (cf.2004b)
que houve certo esforço da sua parte para que elas fossem de certa forma bonitas em si.
O método
O guia para compor essa obra foi o prazer ou desejo em relação a certas fotos,
reverberando, nesse olhar, certos reflexos da análise semiológica, para então procurar
saber por que algumas delas “(...) me intrigavam, me agradavam, me concerniam, e por
que outras não.” (Barthes, 2004b: 500).
A análise girou (cf. Barthes, 2007) principalmente em torno daquelas fotos que
provocavam nele um “tilt” ou choque, o qual não estava forçosamente entrelaçado ao
tema representado. São fotos que realmente tocaram o afeto do autor.
O olhar
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Ousaríamos dizer a partir dos próprios escritos de Barthes que, as artes analógicas (cinema, fotografia)
de certa forma, fizeram parte do cabedal de ferrenha crítica do autor. A analogia é pare ele uma forma de
ratificar o mundo: de efeito de “natural”, ou seja, as formas apreendidas pelas artes devem assemelhar a
algo da Natureza, como se as formas existentes nelas são fontes de verdade. Para Barthes se entregar ao
pensamento analógico não é senão estar em pleno imaginário: um verdadeiro encadeamento incessante de
signos, constituindo uma verdadeira armadura de significantes e significados. Se entregar ao imaginário e
ao analógico. E se deixar levar pela diabrura da linguagem que não permite cessar de querer significar.
Nas palavras do próprio autor temos: “Quando resisto à analogia, é de fato ao imaginário que resisto: isto
é: a coalescência do signo, a similitude do significante e do significado, o homeomorfismo das imagens, o
Espelho, o engodo cativante.” (2003a: 57)
Barthes denuncia esse falso realismo que está implicado na própria escolha do
sistema ótico de captação da imagem – a perspectiva renascentista –, que traz em seu
bojo uma escolha ideológica para “ler” o objeto (referente). Em suas próprias palavras,
“(...) a foto não pode ser transcrição pura e simples do objeto que se dá como natural, a
começar pelo fato de ela ser plana e não em três dimensões; e, por outro lado, ela não
pode ser uma arte, visto que copia mecanicamente.” (2004b: 497).
Para Barthes (cf. 2004b), a fotografia assume uma zona intermediária entre a
arte e a não-arte, provocando um deslocamento do conceito de arte, movimento que faz
parte do progresso do mundo.
A essência da obra
Fica, então, uma questão: o que Barthes, no momento da escritura do que viria a
ser sua derradeira obra em vida, questionava em relação à fotografia? Havia para ele
uma relação de amor com esse tipo de imagem técnica?
Referências bibliográficas