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10 Introdução
Pode uma chapa de aço – como, por exemplo, a lataria de um automóvel – se oxidar ao
ar úmido? Qual a temperatura máxima obtida na combustão do gás liquefeito de petróleo –
combustível comumente usado nos fogões de uso doméstico – com ar? É possível eliminar o
carbono do aço líquido, pela adição de oxigênio, sem oxidar o cromo dissolvido?
O conhecimento teórico, desenvolvido ao longo de muitos anos, capaz de dar resposta
a estas e a muitas outras perguntas similares, acabou por dar origem ao ramo da Ciência que
se denomina termodinâmica clássica ou termodinâmica química ou termoquímica.
1.2 A matéria
1
Por ‘matéria macroscópica’ entende-se um número ‘incontável’ de átomos ou moléculas. Pode-se associar a
essa matéria ao conceito de continuum; este conceito ignora o fato que a matéria é constituída por partículas.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia – método progressivo 2
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esforço da sua obtenção – também é verdade que essas previsões raramente são definitivas,
necessitando de comprovação prática e correção – ao menos em alguns pontos importantes.
Associa-se à matéria de um corpo propriedades comuns tais como a massa (que, sob a
ação de um campo gravitacional, é percebida na forma de uma força – o peso) e o volume.
Com o estudo da física, aprende-se que a ela também pode ser associada uma
propriedade ‘menos visível’, à qual chamamos energia. Uma maçã, ao desprender-se do galho
de uma árvore, aumenta a sua velocidade na queda e pode espatifar-se no chão. Aos olhos de
Newton, e de outros cientistas que o sucederam, essa seqüência de fatos é interpretada como
sendo a transformação da energia potencial, contida na maçã, em cinética. Ao chegar ao solo
– valor zero (arbitrário) da escala da energia potencial –, a transformação estará completa e a
energia cinética atingirá o seu valor máximo. A fragmentação da maçã em pedaços – nas
frações de segundo seguintes – pode ser entendida como sendo a realização de trabalho. Uma
das definições de energia1 nos diz que ela ‘é a capacidade de realizar trabalho’. Isso remete o
pensamento diretamente à questão seguinte: como é definido, então, trabalho? Trabalho pode
ser entendido como a transformação que um corpo pode sofrer quando a ele se transfere
energia (para uma abordagem inicial, essa é a melhor definição de trabalho).
Cientistas, dando seqüência à interpretação da queda da maçã, poderiam sugerir que
seus pedaços provavelmente teriam a sua temperatura aumentada! Uma cena freqüentemente
vista no cinema, a de um meteorito caindo sobre um planeta e, na seqüência, explodindo,
numa ‘bola de fogo’, teria origem neste fenômeno. Apesar da fantasia que permeia este meio
de expressão artística, essa representação não está longe da verdade, e já foi até observada
quando, em julho de 1994, entre os dias 16 e 22, conforme as redes de televisão mostraram,
mais de vinte fragmentos do cometa Shoemaker-Levy 9 colidiram com o planeta Júpiter. Os
impactos foram observados por astrônomos em centenas de observatórios ao redor do mundo,
e pelo ‘telescópio espacial’ Hubble, como pontos luminosos – de elevada temperatura – no
hemisfério do sul de Júpiter (observações similares, porém, menos espetaculares, já foram
feitas através de telescópios sobre a superfície da Lua 2).
Assim, uma análise mais profunda poderia sugerir que nem toda a energia potencial da
maçã foi convertida em trabalho 3 – parte dela permaneceu ‘estocada’ na maçã (ou melhor,
nos seus fragmentos) sob uma outra forma de energia, menos fácil de ser reconhecida, a
energia interna. A energia interna contida na maçã, com o evento, teria tido um incremento.
A variação da energia interna, nos exemplos citados, poderia ser percebida como um aumento
na temperatura dos corpos (ou, melhor, de seus fragmentos).
A energia interna – importante forma de energia para a termodinâmica – serve muito
bem para ilustrar a idéia principal desta introdução: aquela de que nem todas as propriedades
termodinâmicas associadas a um determinado corpo fazem parte da nossa experiência
quotidiana – mesmo algumas de grande relevância.
1
Atribuída a Rudolf Clausius
2
http://science.nasa.gov/headlines/y2006/13jun_lunarsporadic.htm
3
Um corpo não armazena ou estoca trabalho, somente energia; trabalho – nas suas mais diferentes formas – é
energia em trânsito!
Termodinâmica para processos da pirometalurgia – método progressivo 3
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paradoxal uso dos termos inicial e final – é a absoluta ausência da variável tempo! Apesar
disso, o estudo das taxas 1 – uma importante área da ciência e da engenharia, denominada
genericamente fenômenos de transporte – se relaciona visceralmente com a termodinâmica.
Assim, quanto mais afastado do estado de equilíbrio (ver definição, adiante) o sistema estiver,
maior será a força motriz disponível para a transferência de uma propriedade em estudo.
É interessante ressaltar que também a geometria é uma característica que pertence
apenas ao campo dos fenômenos de transporte. Assim, para a termodinâmica clássica, o
caminho que os reagentes e os produtos devem percorrer antes e após uma reação química não
tem significado. Essa informação interessa apenas à difusão, convecção ou à cinética química
– onde tem um valor basilar.
20 Equação de estado,
trabalho e calor
Seis relações simples entre as variáveis P, V, n e T e podem ser escritas para os gases
ideais; algumas delas foram observadas há muito tempo e são consideradas leis 1 – dentre
elas, talvez, a mais famosa (e certamente a mais antiga) é a lei de Boyle-Mariotte 2:
P V = cte.
Do produto destas seis relações pode-se obter a equação de estado para os gases
ideais – escrita pela primeira vez por Benoît-Pierre-Émile Clapeyron, em 1834.
Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, está em
contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1.
Caso apenas a temperatura da vizinhança venha a ser modificada, de T1 para T2, será
observada experimentalmente uma variação do volume e da temperatura do sistema,
conforme a Figura 1-1.
Um sistema gasoso ideal fechado, com fronteira rígida e condutora de calor, está em
contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1.
Caso apenas a temperatura da vizinhança venha a ser modificada, de T1 para T2, será
observada experimentalmente uma alteração da temperatura e da pressão do sistema,
Termodinâmica para processos da pirometalurgia – método progressivo 8
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Figura 1-1.
Por causa da rigidez da fronteira, o volume do sistema será constante (processo
isocórico ou isovolumétrico). Assim, da relação entre o estado final e o estado inicial, pode-se
escrever:
P2 T2
= .
P1 T1
Caso a pressão da vizinhança venha a ser modificada, de P1 para P2, será observada
experimentalmente uma alteração da pressão, do volume e da temperatura do sistema. Por
causa da flexibilidade da parede, a pressão do sistema ao longo do processo será idêntica à da
vizinhança, modificando-se de P1 para P2. Contudo, como a fronteira é adiabática, a
temperatura do sistema não será igual à temperatura da vizinhança.
Por causa das alterações simultâneas do volume e da temperatura do sistema, causadas
pela modificação da pressão na vizinhança, uma relação entre o estado final e o inicial não
pode ser feita utilizando-se apenas a equação de estado para os gases ideais. Por causa da sua
importância e complexidade, este caso será estudado posteriormente.
∫ δ w = ∑δ w = w
2
1
e
2
∫1
dV = ∆V = V2 − V1 .
2.6 Calor
Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, está em
contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1.
Caso apenas a temperatura da vizinhança venha a ser modificada, de T1 para T2, será
observada experimentalmente uma variação do volume e da temperatura do sistema.
Nesse caso, como houve uma modificação na pressão, deve-se buscar uma expressão
para Pext. como uma função de V. Por causa da simplicidade, aquela da equação de estado para
os gases ideais é a mais utilizada. Substituindo-a na equação (2.1), obtém-se:
dV
δ w = nRT .
V
Se esta expressão for integrada entre os estados ‘1’ e ‘2’, resultará em (ver Figura 2-5):
⎛V ⎞
w = nRT ln⎜⎜ 2 ⎟⎟ . (2.4)
⎝ V1 ⎠
Se os valores da pressão externa forem conhecidos como uma função do volume – por
mais complexa que essa relação possa ser – o valor do trabalho mecânico sempre será obtido
da sua integração (mesmo que numérica).
Um segundo e último caso interessante existe: aquele em que o sistema fechado tem as
fronteira flexível e não-condutora de calor.
Este sistema poderá sofrer apenas a influência da pressão da vizinhança. Seu estado
final, contudo, conforme já foi dito, é mais complexo.
Caso a pressão da vizinhança venha a ser modificada, de P1 para P2, será observada
experimentalmente uma alteração da pressão, do volume e da temperatura do sistema. Por
causa da flexibilidade da fronteira, a pressão do sistema será idêntica à da vizinhança, mas,
com a fronteira adiabática, a temperatura do sistema não será igual à temperatura da
vizinhança.
Contudo, por causa da alteração simultânea do volume e da temperatura do sistema,
uma relação entre a pressão e o volume não pode ser construída fazendo-se uso apenas da
equação de estado para os gases ideais. Por causa da complexidade e importância, este caso
também será estudado posteriormente.
Um sistema gasoso fechado, com fronteira rígida e condutora de calor, está em contato
com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1.
Caso a temperatura da vizinhança venha a ser modificada, de T1 para T2, será
observada experimentalmente uma alteração da temperatura e da pressão do sistema.
Por causa da rigidez da fronteira, o volume do sistema será constante no processo
(isocórico ou isovolumétrico).
Nota-se, experimentalmente, que o calor que deve ser adicionado ou subtraído da
vizinhança, para que a temperatura T2 seja atingida, na presença ou na ausência do sistema,
não é o mesmo. O valor dessa diferença é idêntico ao calor adicionado ou subtraído do
sistema durante o processo isocórico. Por causa da importância, esse caso também será
estudado posteriormente, sob o tema capacidade térmica a um volume constante.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia – método progressivo 14
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Conforme já foi visto, um sistema composto por um gás ideal pode conter energia de
muitos tipos. Se o sistema globalmente estiver em movimento, ou localizado num ponto
específico de um campo gravitacional, elétrico, etc., pode-se determinar a sua energia cinética
e energia potencial. Essas formas de energia, contudo, não são relevantes para esta análise e
não serão consideradas. Todas as outras formas são consideradas dentro daquilo que se
convencionou chamar energia interna, U. A energia interna é, por isso, um conceito
importante para a termodinâmica.
O valor absoluto da energia interna não é conhecido – na verdade, não se pode medi-lo
– contudo, se o sistema for do tipo fechado, com parede flexível e diatérmica, pode-se fazer
uma contabilidade da energia que deixa ou ingressa no sistema; o saldo será igual à variação
da energia interna do sistema:
∆U = q − w . (3.1)
Se a fronteira do sistema for rígida e diatérmica, a variação da energia interna será
dada por
∆U = q ;
se a parede for flexível e adiabática, a variação da energia interna será dada apenas por
∆U = w .
Um caso importante é aquele onde o trabalho mecânico transcorre sob uma pressão
constante. Nesse caso, quando a Equação (2.3), for substituído na expressão (3.1), a variação
da energia interna será igual à
∆U = q − Pext . cte. ⋅ ∆V . (3.2)
Outro caso interessante é aquele onde o processo é isotérmico. Como não há variação
na temperatura, para um sistema contendo um gás ideal1,
∆U = 0 .
Isso traz conseqüências interessantes como, por exemplo,
0=q−w ;
logo,
q=w .
Esta equação fornece a base para a determinação da quantidade de calor absorvida ou
1
A temperatura é uma medida macroscópica da energia cinética das moléculas do gás (fenômeno microscópico,
que transcende a termodinâmica clássica). A energia cinética do gás permanece constante se a temperatura do
gás não variar durante o processo. Como a energia cinética é a única forma de energia que um sistema
constituído por um gás ideal pode conter, então, numa expansão ou compressão isotérmica, não haverá variação
na energia interna.
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expelida por um sistema, com fronteira flexível e diatérmica, que sofre um processo
isotérmico.
A entalpia é definida pela expressão (daqui para frente não mais serão usados os
subscritos da pressão):
H ≡ U + PV .
Assim, a variação da entalpia de um sistema entre os estados (1) e (2) é igual à
∆H = ∆U + ∆( PV )
e
∆ ( PV ) = P2 V2 − P1 V1 .
No caso da pressão ser constante,
∆ ( PV ) = P (V2 − V1 ) = P∆V
e
∆H = ∆U + P∆V (com P cte.) (3.3)
A equação (3.2) permite escrever:
q = ∆U + P∆V . (3.4)
Então, por semelhança entre (3.3) e (3.4), tem-se que
∆H = q . (com P cte.) (3.5)
Esta equação tem grande valor, pois proporciona fundamento aos balanços térmicos –
tema de elevada importância na engenharia.
Por outro lado, usando-se a equação
∆U = ∆H − (P2 V2 − P1 V1 ) ,
pode-se mostrar que ∆H é igual a zero para um processo isotérmico, pois (Boyle-Mariotte):
P2 V2 = P1 V1
e
∆U = 0 .
Como foi visto anteriormente, calor pode estar envolvido nas transformações que a
vizinhança, inicialmente à temperatura T1 e pressão P1, induz no sistema contendo um gás
ideal.
Caso a temperatura da vizinhança venha a ser modificada, de T1 para T2, será
observada uma alteração do volume e da temperatura do sistema.
Nota-se, experimentalmente, que o calor que deve ser adicionado ou subtraído da
vizinhança, para que a temperatura T2 seja atingida, não é o mesmo na presença ou na
ausência do sistema. O valor dessa diferença é idêntico ao calor adicionado ou subtraído do
sistema durante o processo isobárico. Por sua importância, esse caso será estudado na
sequência.
Alguns autores usam a grafia do símbolo para diferenciar entre o valor de uma
variação (em uma dada função de estado) que transcorre sob uma isoterma, do caso onde a
variação ocorre em função da temperatura, adotando a seguinte convenção:
∆X quando a variação da propriedade X se dá de forma isotérmica, e,
X 12 quando se dá em função da temperatura, desde T1 até T2 .
Por outro lado, quando o sistema troca calor sob volume constante,
q
= cte. = Cv
∆T
e,
q = ∫ Cv dT .
Como a fronteira do sistema neste caso é rígida, o valor do trabalho mecânico será
nulo; portanto,
∆U = q (3.8)
e
∆U = ∫ Cv dT .
1
Um caso equivalente é aquele onde a matéria do sistema é dada em unidades de massa.
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