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Alegorias do Fausto:
o Triunfo Eucarístico e a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de
Ouro Preto
Ouro Preto
Editora da Universidade Federal de Ouro Preto
2009
F363a Fernandes, Luciano de Oliveira.
Alegorias do Fausto : o triunfo eucarístico e a Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Pilar de Ouro Preto/ Luciano de Oliveira Fernandes. -
Ouro Preto : UFOP, 2009.
135 p.
ISBN: 978-85-288-0067-8
CDU: 821.134.3(81)
2
3
À Renata.
4
“Quanto mais expressiva da realidade concreta do povo que a
produz, mais significativa culturalmente é uma linguagem,
seja no domínio da arte, da religião, da ciência, da política, da
moral. Em outras palavras, a expressão de uma cultura se
torna significativa na medida em que permite à sociedade que
a produziu o seu reconhecimento, a percepção de sua
realidade através dos símbolos que procuram exprimi-la.”
5
Alegorias do Fausto:
o Triunfo Eucarístico e a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto
6
Introdução: o lugar de uma memória
“(...) querendo que se perpetue em lembrança (...) e digna de eterna memória esta
solenidade (...), a julgo merecedora de que se imprima”
(O Triunfo Eucarístico, Licenças do Santo Ofício)
eles têm a função de compensar a perda da memória como experiência coletiva; nascem
e vivem do sentimento que não há memória espontânea. E “porque não mais existiria a
memória espontânea é que seria preciso criar, fora das práticas, a memória vicária e seus
visitar uma igreja barroca que abriga em seu andar subterrâneo um museu dotado de um
acervo composto por peças de prataria, obras de Antônio Francisco Lisboa, um esquife,
uma mesa de Eça utilizada nas exéquias (de corpo ausente) de D. João V, paramentos
bordados com fios banhados em ouro e, entre tantos variados artefatos que procuraram
um livro. Eis um exemplo de artificialismo da memória vicária: as imagens não estão ali
como ídolos; os paramentos não vestem o sacerdote; o esquife não mais transporta os
Prata; a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar é um dos monumentos mais visitados
1
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares.
2
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A Crise da Memória, História e Documento:reflexões para um
tempo de transformações.In: Arquivos, Patrimônio e Memória: trajetórias e perspectivas. p.24
7
Lê-se na folha de rosto, à qual se encontrava aberto o livro exposto na vitrine:
não são numeradas e contém: página de título de ante-rosto (verso em branco); gravura
com a imagem de Nossa Senhora do Rosário (verso em branco); folha de rosto com
páginas não numeradas); licenças do Santo Ofício (6 paginas não numeradas); licença
gravura com selo da Real Biblioteca (página 32 – não numerada); gravura com custódia
125); Gravura com selo da Real Biblioteca (página 126 – não numerada); Gravura com
Imagem de Nossa Senhora do Pilar (página 127 – não numerada e com verso em
branco).
8
Este trabalho tem por objetivos gerais: estudar manifestações artísticas que
nas instituições sociais através do estudo das relações entre a sociedade e o poder do
Estado Português na região de Minas Gerais durante a primeira metade do século XVIII.
crônica como registro escrito com vistas a perpetuar traços glorificados do império, da
igreja e da sociedade mineradora para afirmar seu poder e unidade instaurando pela
3
LE GOFF. Jacques. Documento/ Monumento. In: História e Memória. p.525
4
ÁVILA, Afonso. Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais. vol. I . p. 12
9
declínio do império português, culminando na tentativa de mascarar pela ilusão e pela
Visando a possibilitar um estudo mais amplo dos signos utilizados para a expressão do
Comparada reside no fato de apontar relações entre um evento histórico (a festa) e seu
10
Capítulo 1 – Nem tudo que reluz é ouro
estratégicos e políticos. De acordo com o autor, os quatro principais foram: “(1) o fervor
Guiné; (3) a procura de Preste João; (4) a busca de especiarias orientais”.5 O autor
considera ainda que a variada motivação das descobertas portuguesas pode ser
sucessores imediatos. Dentre tais bulas, destaca como as três mais importantes: a Dum
comportamento) europeu, “o efeito das bulas papais foi o de dar aos portugueses (...)
sanção religiosa a uma atitude igualmente dominadora com relação a todas as raças que
português durante os séculos XV e XVI. De acordo com Ana Isabel Buescu, do século
5
BOXER, Charles. O império marítimo português. (1415-1825) Trad. de Anna Olga de Barros Barreto.
Companhia das Letras.
6
Idem. p.39
11
XV para o XVI, “dois factores principais condicionam e determinam as manifestações
Chama-nos particular atenção uma gravura8 apresentada por Buescu no artigo João de
de 1628 da Década primeira da Ásia, texto escrito por João de Barros. Representa
comenta ainda que a gravura é posterior a 1640 e ilustra um dos vários usos políticos
império marítimo português associa-se à expansão da fé católica. Pois, “se não houvesse
mercadores que fossem procurar os tesouros da terra no Oriente e nas Índias Ocidentais,
Jesus torna a luta pelas almas tão intensa e ampliada quanto a competição pelas
especiarias. Tal empenho no comércio com a Índia, no ouro da Guiné e nas guerras
travadas com o Marrocos faz com que a Coroa portuguesa não dedique atenção ao
Brasil, uma região recentemente descoberta e que não parecia ter mais do que madeira,
papagaios, macacos e primitivos selvagens nus. Estes últimos são descritos por Pero
inocentes filhos da natureza, sendo assim comparados a Adão e Eva no Jardim do Éden
antes do pecado. Apenas a crescente ameaça da fixação dos franceses nessa parte da
América (designada à Coroa portuguesa pelo Tratado de Tordesilhas em 1494), faz com
que dom João III promova a colonização do Brasil. Anos depois, a rápida expansão da
7
BUESCU, Ana Isabel. João de Barros: humanismo, mercancia e celebração imperial.
8
Idem. p 23 – a referida gravura faz parte do acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa.
9
VIEIRA. Antônio. História do Futuro. (apud BOXER)
10
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao Rei Dom Manuel. Belo Horizonte: Crisálida, 2002.
12
indústria açucareira do Brasil (1575-1600) era uma dos maiores acontecimentos do
mundo atlântico da época. Entre os anos de 1600 e 1663, ocorre a luta luso-holandesa.
pessoa de Filipe II de Espanha motiva maciço ataque holandês ao império colonial luso.
Soldado Prático12, escrito por Diogo do Couto e publicado em versão inicial no ano de
1588. Sátira de cunho moral em forma de diálogo histórico sob uma moldura filosófica,
O Soldado Prático procura descrever e criticar o Estado da Índia numa situação de total
falta de controle por parte da Coroa portuguesa. Uma situação de crise não apenas
de que o soldado prático considera que na índia houvera de haver uma torre de tombo
“(...) todas as antiguidades e (...) com todas as mais cousas que podem servir pêra que
os cronistas aproveitarem pêra suas escripturas, pera de todo não se apagar e extinguir
o nome português, tão celebrado e famoso por todo o Universo; de cujo descuido
pudera fazer um muito largo capítulo e envergonhar tantos governadores, quantos na
Índia houve tão pouco curiosos do que lhes a eles mesmo cumpre; porque nesta torre
houveram seus feitos de ficar perpetuamente em memória”13.
11
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. São Paulo: Martins Claret. 2003.
12
COUTO, Diogo do. O Soldado Prático.
13
Idem. P. 93
13
Observemos a crítica que Diogo do Couto faz aos governantes que não procuram
perpetuar a imagem do império e seus grandes feitos. Nesse sentido, Álvaro Júlio da
Costa Pimpão considera que, embora não seja uma ciência da observação, no século
são heranças, sinais do passado. Assim estabelecendo a distinção entre tais materiais, Le
Goff chama atenção para o fato de que apenas uma escolha daquilo que existiu no
passado sobrevive. Ora, uma vez que “os documentos não aparecem, aqui ou ali, pelo
passado é uma escolha efetuada pelas forças que se relacionam com o poder e/ou pelos
imagens e textos (...) que falam do passado, em suma, de certo modo de apropriação do
14
ZURARA, Gomes Eanes de. Crônica dos Feitos da Guiné.(prefácio, seleção e notas de Álvaro Júlio da
Costa Pimpão). Livraria Clássica Editora: Lisboa, 1942. p. 7
15
BLOCH. 1941-1942, pp.29-30 (apud Le Goff )
14
tempo.”16 O que é demonstrado no fragmento extraído do texto de Diogo do Couto: a
traços para a memória coletiva. Nas lutas das forças sociais pelo poder, tornar-se
Couto, para esse interesse podem servir os relatos, as escrituras e as crônicas. Por isso, a
que pudessem perpetuar uma imagem glorificada do império português. Notemos ainda
que a torre do tombo é um lugar que deveria reunir as antiguidades e as escrituras dos
cronistas para que os relatos ficassem perpetuamente em memória. Com isso, o soldado
arquivos está ligada a “causas humanas que não escapam de forma alguma à análise,
(...) transmissão (...) passagem de recordação através das gerações.”17 O que aponta para
as escolhas que se operam quando do registro dos fatos e de acordo com o modo como
são estes registrados. Segundo Le Goff é preciso desmontar, demolir e desestruturar esta
Portanto, uma vez que “a produção do conhecimento histórico deve ser indissociável do
16
LE GOFF. Jacques. Memória. In: História e Memória. p. 419
17
Idem
15
conhecimento (histórico) das condições de produção do documento”18, analisaremos a
tentativa de mascarar pela ilusão e pela pompa teatral do triunfalismo barroco a crise
Pretos de volta para a nova Igreja Matriz de N. Sª do Pilar no dia da consagração desta
euforia da sociedade mineradora “se faz expandir através de uma festa mais de regozijo
18
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A Crise da Memória, História e Documento:reflexões para um
tempo de transformações.In: Arquivos, Patrimônio e Memória: trajetórias e perspectivas. p. 24
19
ÁVILA, Afonso (Org). Barroco Mineiro glossário de arquitetura e ornamentação. p.7
20
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. In: SANTIAGO. Intérpretes do Brasil. p 1054
16
dos sentidos, que propriamente de comprazimento espiritual”21. Para se compreender
esse fenômeno é preciso lembrar que em Minas Gerais a vida social se concentrou nos
por religiosos leigos e fiéis de diferentes classes sociais, as procissões, (...) mais que um
ato festivo, eram um ato teatral”23 em que tais irmandades procuravam, “antes de tudo,
das solenidades que assinalaram no ano de 1733 em Vila Rica a inauguração da Igreja
Lisboa no ano de 1734, a crônica que registra o evento é de autoria de Simão Ferreira
Machado, natural de Lisboa, morador das Minas e provável secretário do Conde das
Galvêas, então governador da província. Considerada “um livro muito raro e curioso
21
ÁVILA, Afonso. Resíduos seiscentistas em Minas, p 31.
22
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12ª ed. São Paulo: EDUSP, 2004. p. 102
23
ÁVILA, Cristina (org). Museu do Oratório. Belo Horizonte: Inst Cultural Flávio Gutierrez, 1999.p 25
24
LEMOS, Carlos A. C. et al. Arte no Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1979, vol. I. p.368. e ainda:
BOSCHI, Caio C. Os Leigos e o Poder. Irmandades Leigas e Política Colonizadora em Minas Gerais
25
PRIORI, Mary Del. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense. 1994. p 10
26
ÁVILA, Afonso (Org). Barroco Mineiro glossário de arquitetura e ornamentação. p 7
27
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. p 57
28
GALVÃO, Benjamim Franklin Ramiz. Diogo Barbosa Machado. Catálogo de suas coleções. Anais da
Biblioteca Nacional, v.8, Rio de Janeiro, 1880. p 429 Registro bibliográfico. Apud AVILA.
17
século XVIII”29, a obra é dividida em duas partes, das quais a primeira, intitulada
mostrou aos portugueses a América coroada de ouro nas altíssimas (...). Viviam os
portugueses com a abundância do ouro destas Minas (...) fez aos portugueses senhores
dos mais finos diamantes de todo o mundo (...): assim aparece por sucesso da ventura, o
prêmio da diligência”30. Ávila comenta que “nesse ponto Simão Machado se inscreve na
pois a realidade da terra parecerá a ele, como a tantos outros autores, uma visão do
mineração no Brasil “ocupou durante três quartos de século o centro das atenções de
Portugal”33; que teria na América, “por sua fertilidade, e grandeza, terreno capacíssimo
Eucarístico, inebriado pelo reluzente esplendor do ouro e dos diamantes que vinham
dos trajes e alegorias, sensível aos efeitos visuais e sonoros das danças e músicas, move
sua expressão sob impulsos sensoriais em grandes marchas pictóricas. Em sua prosa
29
ÁVILA, Afonso. Resíduos Seiscentistas em Minas. vol. I, p 27
30
MACHADO, Simão Ferreira. O Triunfo Eucarístico.
31
ÁVILA, Afonso. Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais. Vol I, p 15
32
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil. In:SANTIAGO. Intérpretes do Brasil. pág 58.
33
PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 32ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p 56
34
MACHADO, Simão Ferreira. Op. Cit. 13
35
LOPES, Hélio. Letras de Minas e Outros Ensaios. São Paulo: EDUSP, 1997. p.50
36
CALMON, Pedro. História Social do Brasil. Livraria José Olympio Editora. Rio de Janeiro, 1961. IV
v. p 1315.
18
predominam verbos e substantivos cujo significado decorre do universo sensorial da
Rosário, que precede a prévia alocutória, que o autor evidencia a intenção de utilizar-se
“Do nosso mesmo afeto nasceu o desejo, de que tão grande solenidade se publicasse,
porque a notícia tem estímulos para o exemplo; e dilatando mais a veneração, e glória
de vosso Santíssimo Filho, também dilata este motivo de vosso agrado. Esta
consideração nos obriga a solicitar esta pública escritura, em que sempre o nosso
afeto esteja referindo em perpétua lembrança, e contínua narração aos presentes,
futuros toda ordem de tão magnífica solenidade. (...) e julgamos, que desta nossa nova
glória por vós recebida, além do nosso reconhecimento, e estimação, era
agradecimento, ou sinal dele esta especial diligência, em que mais que a glória de
Autores, estimamos o nome de agradecidos veneradores vossos.”37
registro escrito, são também perceptíveis no fragmento acima alguns traços retóricos
verificado pela função da prévia alocutória com a qual Simão Machado inicia o texto.
Rica se constitui como testemunha fiel dos fatos, próximo do ocorrido e participante das
atividades que narra. Isso nos leva à função do testemunho (segundo traço retórico): o
autor é testemunha e participante das ações que narra; e mostra-se como um fervoroso
cristão - esse argumento ético ganha força social e religiosa dentro do contexto de
ainda fato de que o ocorrido deve ter função de exempla (terceiro traço retórico), uma
vez que nasceu o desejo de que a solenidade fosse publicada “porque a notícia tem
37
MACHADO, Simão Ferreira. O Triunfo Eucarístico.
19
estímulos para o exemplo”. No que diz respeito ao papel social da memória (quarto
traço retórico), notemos que o autor observa a obrigação que se institui em solicitar a
pedagógica e moralizante ao registro que é por ele efetuado. Nesse sentido, observe-se
garante o futuro”.38 Ora, que o futuro visse então um passado triunfal; pois era o triunfo,
entrada pública feita por vitoriosos, a maior honra concedida e a mais pomposa e solene
estável e ideal que é preciso fazer triunfar sobre a história.”39 No contexto triunfalista
em que é produzida, a crônica de Simão Machado assume feição religiosa e política que
cristão e ideal. O termo triunfo adquire então “sentido semântico (...) ligado à vitória
dos dogmas da igreja ou, por extensão, às solenidades a eles alusivas”40. Perfilando “a
38
FREITAS, Marcus Vinícius de. A Pena e a Lança. In: Boletim CESP. V.17, nº 21, jan/ dez 1997 p. 138
39
ÁVILA.Afonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo: perspectiva, 1971. p. 37
40
ÁVILA, Afonso. Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais. vol. I . p 120
41
SAMUEL, Rogel (org). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1985. p.140
20
religioso”42. Mas essa festa é “percebida habitualmente como um luxuoso préstito do
crise”43. E como “as festas barrocas (…) constituíram espetáculos visuais cujo objetivo
era confirmar o poder real e camuflar os conflitos”44, havia ainda no Triunfo Eucarístico
festa registrada por Simão Ferreira funciona como um como um mecanismo de reforço,
“A festa seria, como o rito, um momento especial construído pela sociedade, situação
surgida ‘sob a égide e o controle do sistema social’, e por ele programada. A
mensagem social de riqueza e opulência para todos ganharia, com a festa, enorme
clareza e força persuasória. Mas a mensagem viria como que cifrada: o barroco se
utiliza da ilusão e do paradoxo e, assim, o luxo era ostentação pura, o fausto era falso,
a riqueza começava a ser pobreza e o apogeu, decadência.”47
construído pela sociedade, situação surgida ‘sob a égide e o controle do sistema social’,
e por ele programada”, percebemos o aspecto retórico que ganha essa festa barroca para
42
ÁVILA, Afonso. Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais. vol. I . p.15
43
TOLEDO, José Luiz Dutra. Triunfo Eucarístico (Vila Rica-1733):carnaval ou liturgia barroca de um
poder em crise? In: Revista do Instituto de Artes e Cultura da UFOP. Nº01, dez/ 1994. pp. 88-91. p. 88.
44
VERGUEIRO, Laura. Opulência e Miséria das Minas Gerais. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 36
45
TOLEDO, José Luiz Dutra.Op. Cit. pp. 88-91.
46
SOUZA, Eneida Maria de. Seminário sobre Poesia Mineira: período colonial. Belo Horizonte:
Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1984. p. 25
47
MELLO E SOUZA. Laura de. Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira do século XVIII. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1982. p.23
21
criar uma imagem idealizada com a função de ostentar riqueza, de persuadir a
procissão semelhante realizada em Braga, Portugal, quatro anos antes: “elas respondem
observemos que no século XIII “a palavra aparecia como uma das formas mnemônicas
através das quais se fixavam as modalidades do silogismo”49. Mais tarde, e não por
conforme ela foi então entendida e praticada”50. Além da ligação da palavra com a ‘arte
Desse modo, os juízos de valor são revitalizados e há espaço para figuras estilísticas
expressão de uma ‘retórica da fé’. O conceito foi estendido não só a todas as artes, “mas
48
CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Parte I, t.I. Instituto Rio Branco,
Ministério das Relações Exteriores. Rio de janeiro, 1952, p 87-8 apud Ávila.
49
PEREIRA, Paulo. As dobras da melancolia – o imaginário barroco português. In: AVILA, Afonso.
Barroco: teoria e análise (org.). São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte Companhia brasileira de
Metalurgia e Mineração, 1997. (coleção Stylus; 10) p. 160
50
Idem.
51
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. 3ªed. Coimbra: Livraria Almedina.1973. p372
22
extravagantes, confusos e bizarros.”52 A cultura barroca teve “cunho persuasório e
uma visão trágica do mundo54 e, “ao mesmo tempo, a necessidade do festejo como
estilo é a expressão de uma época”56, a “crise não é da arte (barroca), mas da sociedade,
artística do imaginário barroco pode ser observada das artes plástico-visuais às cênico-
entendida como sinal evocativo da realidade, teve sua lógica associada e expandida com
a dos sistemas memoriais através dos séculos. Observa que Aristóteles (no De memória
52
HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p 444
53
NASCIMENTO, Adalgisa Arantes do. Introdução ao Barroco Mineiro: cultura barroca e
manifestações do rococó em Minas Gerais – Belo Horizonte: Crisálida, 2006. p. 11
54
Lembremo-nos aqui da História Trágico-Marítima: reunião de 12 relatos que contemplam 14 perdições
de naus num contexto de irrefreável ganância material e frenesi religioso, manifestação das misérias
humanas em detrimento da solidariedade cristã, com enfoque em detalhes terríveis que vão da perda da
riqueza à perda da dignidade humana reunidas. As crônicas foram reunidas por Bernardo Gomes de
Brito e originalmente publicadas em 1736, durante o reinado de Dom João V.
55
PEREIRA, Paulo. Ob. Cit. p 161
56
WÖLFFLIN, Heinrich. Renascença e Barroco. São Paulo: Perspectiva. 2000. p 88
57
NEVES, Joel. Idéias filosóficas no barroco mineiro. BH: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1986. p.94
58
PEREIRA, Paulo. As dobras da melancolia – o imaginário barroco português. In: AVILA, Afonso.
Barroco: teoria e análise (org.). São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte Companhia brasileira de
Metalurgia e Mineração, 1997. (coleção Stylus; 10) p. 166
59
COLOMBO, Fausto. Os Arquivos imperfeitos. São Paulo: perspectiva, 1991.
23
memoriais. Relaciona a primeira com a conservação do passado, a segunda com o seu
processo anamnésico, fazendo com que o homem sentado no centro do jardim e rodeado
de alegorias nunca seja capaz de esquecer daquilo que é instituído como validade
ativação do passado através do rito religioso e da decoração dos templos, bem como da
colocando ante os olhos”60, um aspecto comum a todas suas manifestações nas Minas
Gerais do século XVIII, seja na área da criação artística ou na órbita mais ampla do
do poder da Igreja e do Estado Português; este último, entendido então como “unidade
documento/monumento avalizado e utilizado pelo Rei e pelo Santo Ofício com a função
60
HATZFELD, Helmut. (Apud ÁVILA, Afonso. Resíduos seiscentistas em Minas p 125)
61
SARAIVA, Antônio J. O Discurso Engenhoso. São Paulo: Perspectiva, 1980. p 53
62
PRADO-JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. In: Intérpretes do Brasil. p 1389
24
Nesse sentido, dicionários atuais trazem as seguintes acepções para o termo
memória: “monumento erigido para celebrar feito ou pessoa memorável (...) exposição
recordação; por exemplo, os atos escritos” 65. A escrita é, “não apenas uma extensão da
futuros toda ordem de tão magnífica solenidade”, Simão Machado ergueu não apenas
do Rei e do Santo Ofício: “querendo que se perpetue em lembrança (...) Como esta
63
HOUAISS, Antonio. pág.1890.
64
CHAGAS. Mário. Cultura, Patrimônio e Memória. In: Ciências e Letras. Porto Alegre, nº 31, p 25
65
LE GOFF, Jacques. Documento Monumento.
66
CHAGAS. Mário. Op. Cit.. p 26
67
LE GOFF, Jacques. Documento Monumento.In: História e Memória.
Segundo Le Goff, Paul Zumthor propõe a distinção entre os monumentos lingüísticos e os simples
documentos ao observar que o que distingue a língua monumental da língua documental é a elevação, a
verticalidade que a gramática confere a um documento, transformando-o em monumento. Zumthor
descobre então que o que transforma os documentos em monumentos é a sua utilização pelo poder. Os
Monumentos ligam-se ao poder de perpetuação das sociedades históricas e, a princípio, são dotados de
sentidos comemorativo ou fúnebre. O termo monumentum, deriva da raiz men, que exprime uma das
funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O verbo monere significa ‘fazer recordar’,
de onde ‘avisar’, ‘iluminar’, ‘instruir’. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas
origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por
exemplo, os atos escritos.” Le Goff observa a relação entre monumentos, ordem social e direito ao
indicar que desde o século XVIII, grandes coleções de documentos passam a ser consideradas como
monumentos da identidade e do patriotismo de nações: “A história e o direito público de uma nação são
apoiados por monumentos.” Por outro lado, o termo documentum, derivado de docere, ensinar, evoluiu
para o significado de prova, papel justificativo, testemunho, instrumento. Assim, para a escola histórica
positivista do final do séc XIX, o documento era tido como fundamento do fato histórico, prova
histórica: “A sua objetividade parece opor-se à intencionalidade do monumento”.
68
O que procuraremos comprovar detalhadamente no terceiro capítulo deste estudo.
25
notícia seja o clarim de tal fama (...) e digna de eterna memória esta solenidade (...), a
Bluteau, publicado pela Companhia de Jesus em Portugal no ano de 1712: “Tem a alma
racional tres potencias, entendimento, Memoria, & Vontade, mas o Entendimento guia a
Vontade, & a Võtade manda a Memoria”70. O comentário feito por Bluteau, a intenção
Ofício confluem para uma mesma conclusão que reafirma a fala do Soldado Prático. O
ibérica “exposta à pública notícia dos presentes, e futuros.”72 Mas nem tudo que ali
reluz é ouro.
sua psicologia, uma bem definida sensibilidade ótica (...) condicionada (...) pelo
uma espécie de vertigem ao nosso olhar físico74. Uma obra barroca “imprime um fator
de irrealidade, de desequilíbrio em nosso olhar. (...) obriga a que nosso olhar se dirija
para (...) além daquilo que o quadro nos mostra. (...) Há no barroco brasileiro algo de
69
MACHADO, Simão Ferreira. O Triunfo Eucarístico.
70
BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino. (1712). Tomo VIII, pág 290.
71
ÁVILA, Afonso. Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais. vol. I . p 106
72
MACHADO, Simão Ferreira. O Triunfo Eucarístico.
73
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso e seus antecedentes europeus. p 116
74
GULLAR, Ferreira. A vertigem do olhar. In: NOVAES, A. O olhar. São Paulo: Cia das Letras, 1988.
26
carnavalização, de mistura e de luminosidade fulgurante”75. Muitas vezes comparado ao
em Ouro Preto. E para ser bem compreendida, “essa cena requer a leitura visual de um
relação aos demais signos é uma tarefa de primeira ordem (...) para a compreensão do
fenômeno literário”77. E se a imagem “serve como instrumento (...) em grau talvez mais
elevado que a palavra escrita ou falada”78, “as imagens pintadas ou esculpidas nas
paredes dos santuários (...) têm pelo menos tanto a dizer quanto muitos escritos”79.
Lembra-nos ainda Simão Machado que em Vila Rica “avulta, mais que as riquezas, o
mais amplo dos signos utilizados para a expressão do homem no universo barroco em
propósito”81, reportaremos “ao estudo da sociedade e das relações sociais que a elas
75
REIS, Ronaldo. A Imagem Colonial: iconografia da colônia. In: Educação do Olhar. Brasília: MEC,
1998. vol I pp 63-73.
76
ÁVILA, Cristina (org). Op. Cit. p 25.
77
PIGNATARI, Décio. Semiótica e Literatura. 6ª ed. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004.
78
OTTONELLI e PIETRO DE CORTONA. Trattado della Pittura e Scultura, uso ed abuso loro.
Composto da un theologo e da un pittore, Florencia, 1652, p 62. (apud ÁVILA, Afonso. p 102)
79
BLOCH. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. (1941-1942) (apud Le Goff)
80
MACHADO, Simão Ferreira. O Triunfo Eucarístico.
81
OSBORNE, Harold. Estética e teoria da arte. 3ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1978. p. 32
82
BOSCHI, Caio César. O Barroco Mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 9
27
Capítulo II – Alegorias do Fausto
Segundo João Adolfo Hansen, a “alegoria (grego allós = outro; agourein = falar)
causa por outro pensamento, que está ligado, numa relação de semelhança, a esse mesmo
antiguidade greco-latina e cristã, assim como a idade média, chamou de alegoria dos
alegoria que não se confunde com a dos poetas egípcios greco-romanos e medievais
nem com a dos autores hebraicos do Velho Testamento: a alegoria dos teólogos,
83
HANSEN, João Adolfo. Alegoria. p 7
84
LAUSBERG, Heinrich. Manual de retórica literária. Madrid: Gredos, 1976, t. II, pp. 283 e ss.
85
HANSEN, João Adolfo. Alegoria. p 7
86
Idem. p 8
87
Ibidem. p 8
28
duas alegorias ‘complementares e simetricamente inversas’: a alegoria dos poetas
como verdades sagradas em coisas, homens, ações e eventos das Escrituras”, as quais
dos primeiros Padres da Igreja e da Idade Média lê coisas como figuras alegóricas – e
não as palavras que as representam – para nelas pesquisar o sentido espiritual.”90 Assim,
distinção entre sentido literal próprio (expresso por letras de palavras humanas), sentido
88
Idem Ibidem. pp. 8-9; 92
89
do grego hermenéia, hermeneuiein = trasporte, transferir, termos traduzidos pelos latinos por
interpretatio, interpretare, interpetação, interpretar
90
HANSEN, João Adolfo. Op Cit. p 91
91
Idem. p12
92
Ibidem. p 104
93
Idem Ibiem. p 104
29
“É nessa linha que, no século XVII, o Padre Vieira escreveu uma História do Futuro,
tomando como modelo de história as histórias da Escrituras, que para ele eram
história, numa mescla de tipologia, relação figural de realidades; e alegoria, relação
figurada de palavras. O objetivo de Vieira era teológico-político e suas alegorias
compõem o futuro de Portugal profeticamente, como realização de um projeto já
anunciado por deus no passado.”94
Nos séculos XV e XVI retorna a teoria do simbolismo, adaptação feita por Santo
Agostinho no século V d.C.: “pensa o verbo divino como uma ‘palavra’, no sentido que
deus nas coisas sensíveis; consideração da presença de deus nos seres espirituais, almas
leram as marcas de Deus no mundo e nos textos segundo três graus de proximidade: “a
eruditos florentinos, não havia diferença essencial entre a autoridade das fontes cristãs e
retomadas, por sua vez, nos séculos XVI e XVII por pintores e poetas classificados hoje
94
Ibidem Ibidem. p 108
95
Ibidem Ibidem. p 59
96
Ibidem Ibidem. p 92
97
Ibidem Ibidem. pp. 98
98
Ibidem Ibidem. pp. 99
99
Façamos desde já um paralelo como objeto deste estudo, uma vez que o seu título é Triunfo Eucarístico
- Exemplar da Cristandade Lusitana.
30
com a rubrica de maneirismo. “A alegoria deixa de ser pensada como a antiga
florentina busca sempre um mesmo significado: “o destino da alma humana que ‘volta’
para o mundo das essências”.102 A alegoria é então construída sobre a diferença entre o
humana consciente dos outros mundos, a realidade terrena é da natureza dos sonhos,
“(...) por a alma humana em estado de receptividade poética da unidade invisível. (...)
Assim, a própria vida é alegoria: sonho sensível do inteligível, espelho embaçado do
inefável, teatro, pó, sombra, nada – na alegoria neoplatônica se lê, hoje, uma das
matrizes do que o século XX chama de ‘Maneirismo’ e ‘Barroco’. (...) Tanto quanto a
concepção do mundo como teatro e sonho, a doutrina do todo contido na parte torna-
se lugar comum (...) nos séculos XVI e XVII.”105
100
HANSEN, João Adolfo. Op Cit. p. 141
101
Idem. p. 139
102
Ibidem. p. 171
103
Idem Ibidem. p. 172
104
Ibidem Ibidem. p. 174
105
Ibidem Ibidem. p. 176-8
31
Os neoplatônicos florentinos do século XV teosofaram a alegoria como
vez mais freqüentes no século XVI e, ainda, no XVII, quando a retórica é apropriada
a alegoria como simples tropo convencional, determinado por regras finitas. A alegoria
XVII:
operam com aplicações de Aristóteles. Entre eles Cesare Ripa, autor da obra Iconologia,
publicada em 1593. Pela primeira vez se emprega o termo ‘iconologia’ para descrever e
como “lógica das imagens (...) articulada duplamente como (...) técnica construtiva e
106
Ibidem Ibidem. p. 179
107
Ibidem Ibidem. p. 179
108
Ibidem Ibidem. p. 179-80
32
imitam o discurso”109. O Iconologia se tornou texto-chave na constituição do
‘barrocas’, ressalta-se aqui a antiga componente retórica da alegoria, mantida nas artes
tendem mais e mais a ordenar-se como técnica, que determina as regras para a tópica,
109
Ibidem Ibidem. p. 181
110
Ibidem Ibidem. p. 182
111
Ibidem Ibidem. p. 185
112
Ibidem Ibidem. p. 187
113
SARAIVA, Antonio J. O Discurso Engenhoso. pp. 32; 34; 53
114
Idem.
33
O homem é “o único animal que deixa registro atrás de si, pois é o único animal
cujos produtos ‘chamam à mente’ uma idéia que se distingue da existência material
perceber a relação de construção é “separar a idéia da função a ser cumprida dos meios
de cumpri-la. (...) Os signos e estruturas do homem são registros porque (...) expressam
construção.”117 Observa ainda que os objetos ‘práticos’ (os que não exigem a
conceitos que serão utilizados neste estudo observemos que: a “Iconografia é o ramo da
história da arte que trata do tema ou mensagem das obras de arte em contraposição à sua
da análise”. Logo, a exata identificação dos motivos é o requisito básico para uma
115
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. p 23
116
SARAIVA, Antonio J. O Discurso Engenhoso. P44
117
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. p 24
118
Idem. p 31
119
Idem Ibidem. p 47
120
Ibidem Ibidem. p 54
34
2.2– O Triunfo Eucarístico: uma interpretação iconológica
“saiu logo a procissão manifesta nos desejos da publicidade na forma seguinte (...)
tudo representação: diga-se a história humana, ou da Escritura”121
apresentadas no cortejo demonstram que o autor conhecia bem os conceitos acerca dos
usos e aplicações da alegoria no discurso; também indicam o curso que deverá tomar
de 1733 em Vila Rica. O cronista inicia o texto descrevendo o bando de mascarados que
anunciaram as solenidades pelas ruas da vila utilizando imagens que unindo o sagrado
aprazível objeto das vistas nas diferenças do traje, e precioso da compostura; outros na
galantaria das figuras assunto do rito, e jocosidade: todos por diferentes modos
pública veneração pelas ruas da vila (uma delas tinha em uma face a senhora do rosário,
outra a imagem da Senhora do Pilar; ambas de damasco carmesim). Levadas por duas
pessoas (ricamente vestidas com numeroso, e grave concurso) e colocadas uma defronte
121
MACHADO, Simão Ferreira. Op Cit.
122
Idem. p 37
35
ao templo de Nossa Senhora do Rosário (onde estava o sacramento), outra defronte ao
templo da Senhora do Pilar (para onde havia de ser trasladado o sacramento). No dia da
Ascensão houve a bênção da nova Igreja (pelo Reverendo Vigário de vara de Vila Rica,
Serviram à festividade desse dia até 24 de maio, dia da trasladação: “muitas danças e
por ordem O Senado da Câmara, sendo três gerais em toda a vila até o Padre Faria123.
Faz referencia ao morro Fiador das Minas (assim denominado “pela inexaurível cópia
de ouro”) e a Paschoal da Silva124, seu mais opulento morador. Vejamos a seguir como
o autor usa as imagens das luzes à noite para transportar para o texto emoções e
sensações que avém de um universo sensorial e que criam efeitos alegóricos para
Minas dizendo que “nele estas noites nas casas dos moradores as luzes, que mostravam
a os juízos o centro da opulência, por sua altura, como na região das nuvens, pareciam
manifestação celestial, o autor utiliza então as seguintes imagens: “A claridade dos ares,
ordem na multidão”126 para dizer que estas “geralmente influíam nos corações uns
123
“(bairro assim intitulado) o ultimo idoneo para nestas noites dilatar às luzes o domínio das trevas” P40.
124
Paschoal da Silva Guimarães: rico minerador que teve saliente atuação na denominada “sediçao de
Vila Rica”, em 1720, que culminou na execução de Felipe dos Santos.
125
MACHADO, Simão Ferreira. O Triunfo Eucarístico: exemplar da cristandade lusitana. Lisboa:
Companhia de Jesus, 1734. p 41
126
Idem. p 41
36
júbilos de tão suave alegria, que a experiência a julgava alheia da natureza, o juízo
Para a tarde vinte e três de maio, sábado, estava destinada a solene pompa da
‘ficou deferida para o seguinte dia de manhã’. Houve discurso que “com pia
mistério: (...) quanto à chuva; julgando-a muda voz do céu (...) com que via em
Também nas ruas, cinco elevados arcos “eram o maior empenho da magnificência, da
diamantes”131. O autor comenta que um dos arcos, mesmo fabricado de cera, “na vulgar
matéria, pelos empenhos da arte, fez nos juízos lugar à competência, nos olhos teatro à
vitória dos esplendores do ouro, das luzes dos diamantes”132. Havia também um altar133
Simão Machado, aparecia nas ruas “a verde amenidade dos campos; em variedade de
127
Ibidem. p 41
128
Ibidem Ibidem. p 43
129
REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução Urbana do Brasil.São Paulo: Edusp, 1968. p 111
130
MACHADO. Simão Ferreira. Op Cit. p 44
131
Idem. p 44-5
132
Ibidem. p 45
133
“foi o seu ornato pelo custo, e asseio, viva imitação dos arcos” Idem Ibidem p45
37
flores a primavera. Sentia-se nos ares, em flagrância de aromas, transplantada ao
registra imagens “que fazem lembrar as fantasias brilhantes das Mil e uma noites e
torna-se hiperbólico em suas imagens: “no populoso concurso tinha a vila a multidão
das cortes; nas galas a polícia, e gravidade: vestiu neste dia a todos do mimo das cores a
natureza; em lâminas de ouro e prata o sol as luzes dos raios.”137 Os atos festivos de
da vida social138. A imagem dessa manhã oferecida pelo texto arrebata os sentidos com
frustrada e chuvosa tarde do dia anterior, confirma ainda os desígnios de Deus pela
muda voz dos céus que transferiu para esta perfeita manhã a trasladação do Santíssimo,
que por sua vez era publica e deliberadamente venerado pela rica sociedade mineradora.
A descrição dessa manhã procura oferecer uma imagem idealizada, inebriada e opulenta
da sociedade colonial nas minas gerais; região que fora nas décadas anteriores alvo de
ações repressivas do Estado Português com vistas a estabelecer o controle das atividades
Matriz de um bairro da então Vila Rica que, nas décadas referidas, fora um
134
Ibidem ibidem p 46
135
SALES, Fritz Teixeira de. Vila Rica do Pilar. Editora Itatiaia Limitada. Belo Horizonte, 1965. p 100-2
136
VEIGA, José Pedro Xavier da. Ephemerides Mineiras (1664-1897). Imprensa Official do Estado de
Minas Gerais. Ouro Preto, 1897. v.II, p 292-3; v. IV, p 277. Apud AVILA. Op Cit.
137
MACHADO, Simão Ferreira. Op. Cit. p 46
138
AVILA, Afonso. Resíduos seiscentistas em minas gerais. Vol I. p 35.
38
representativo arraial de portugueses que disputaram o controle do espaço com os
paulistas do arraial de Antonio Dias. Os dois arraiais foram, juntamente com outros que
se localizavam nos morros, unificados quando da criação da Vila Rica, mas as paróquias
identificam essa divisão até hoje, não tendo nunca sido unificadas. Por isso, quando da
benção da igreja realizada no dia da Ascenção, o cronista comenta que o Reverendo fora
assistido pelo clero e povo “de ambas as paróquias”. As aparências dessa manhã se
Nossa Senhora em lugar do menino; indicando que a hóstia consagrada é (assim como o
menino nos braços de Maria, o homem de 33 anos pregado à cruz, ou o cordeiro sobre o
livro dos sete selos) uma representação do Cristo. Vejamos como essa construção
eucarístico, Cristo dá, pois, matéria a ser lembrada: “Tomai e comei, isto é o meu corpo
dado por vós. Fazei isto em memória de mim.”139 A unificação proposta pela eucaristia
anos iniciais da ocupação das minas, surgiam arraiais efêmeros, nos quais o controle de
estabelecia pela força dos grupos que se estabeleciam no local. Constantes eram as
139
Mateus, XXVI, 29. Marcos, XIV, 25. Lucas, XII, 16-18.
140
HORNAERT, Eduardo (Org). História da Igreja no Brasil. 4ª ed. Petrópolis: vozes, 1992. p 98.
39
desavenças entre os colonizadores. A guerra dos emboabas (1709-11) e a Revolta de
Felipe dos Santos (1720)141 são exemplos de maiores proporções. Durante esse período,
São Paulo e Minas do Ouro, desmembrada da Capitania do Rio de Janeiro e com sede
na então criada Vila do Carmo (Mariana). No mesmo ano foram criadas ainda a Vila
Rica e a Vila de Sabará. No ano de 1713 foi criada a Vila de São João Del Rei, no ano
de 1714 a vila do príncipe (Serro), em 1714 Caeté, em 1715 Pitangui, em 1718 São José
desmembrada de São Paulo e com capital em Vila Rica. Com a implantação das vilas,
mineração e à representação do rei pelos funcionários da coroa e pelos homens bons que
formavam o senado da câmara nessas vilas. “No centro de cada uma delas erguem-se a
câmara e cadeia, o pelourinho e a Igreja Matriz, símbolos máximos dos poderes secular
ordem colonial (...) e representou o rei distante, mas atuante”143. As três imagens (do
pelo Reverendo Doutor Jozé de Andrade e Moraes foi o último ‘ato’ a essa solenidade.
141
E lembremo-nos aqui do Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano
de 1720, texto anônimo (atribuído ao Conde d Assumar) dividido em duas partes principais: a primeira
narra os episódios que envolveram o levante de vila rica e a subseqüente execução do português Filipe
dos Santos; a segunda justifica e fundamenta a necessidade da execução, feita sem julgamento, em
ações e escritos de personagens históricos do mundo antigo. Conforme MELLO E SOUZA, Laura de.
Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Estudo crítico,
estabelecimento de texto e notas. Belo horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994.
142
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 69
143
HOORNAERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro. 3ª ed. Petrópolis: Vozes. 1991. p 51-2.
40
2.2.3 – Três Danças, Quatro Ventos, a Fama e o Ouro Preto
Deu-se início ao cortejo com três danças. Uma dança de turcos e cristãos em
Imperador, e um Alferes que eram conduzidos por dois carros ‘de excelente pintura’ em
cujos interiores havia ‘músicos de suaves vozes e vários instrumentos’. Seguiu-se outra
outra vistosa dança composta de músicos com dois carros de madeira “de singular
pintura”: um menor “levava patente aos olhos” uma serpente; outro maior, de artifício
144
Machado, Simão. Op Cit. p 48
145
“O vento oeste trazia na cabeça uma caraminhola de tiffo branco, coberta de peças de prata, ouro e
diamantes, cingida de uma peluta branca, matizada de nuvens pardas; rematada posteriormente em um
laço de fita de prata, cor de rosa, coberto de uma jóia de diamantes; ao alto de um cocar de plumas
brancas, cingido de arminhos: o peito coberto de penas brancas, umas levantadas, outras baixas, todas
miúdas; guarnecido de renda de prata: o capilar de seda branca de flores verdes, guarnecido de galoens
de prata: vestia uns manguitos de cambraia transparente, e finíssimas rendas: três fraldões de seda
branca em flores verdes, e cor de rosa, guarnecidos de franjas de prata: os borzeguins cobertos de
penas; nas costas duas asas, e um letreiro do seu nome: na mão esquerda uma trombeta, de que pendia
um estandarte de cambraia transparente bordada a mão, guarnecidos de laços de fita de prata, cor de
rosa e cor de fogo. Era o cavalo castanho escuro, mosqueado de branco: a sela de veludo cor de ouro,
bordade de prata: os arreios brancos de pregaria de prata: as crines de franja de prata, paffamane de
ouro, fita cor de rosa sobre chamalote branco, tudo crespo; no peitoral rabicho, e cauda de muitos laços
de vária fitaria. Ao sul ornava a cabeça um bonete com cocar de plumas brancas, e azuis: o peito
bordado de ouro, e peças de diamantes: o capilar de estofo de ouro azul, e branco: os fraldoens de seda
também em ouro, o primeiro azul, os outros brancos, todos com franjas de ouro: os borzeguins
bordados do mesmo; nas costas duas asas, e seu nome em um letreiro: na mão esquerda uma trombeta,
e nesta um estandarte carmesim com franja, e borlas de ouro. O Cavalo castanho, os jaezes de veludo
verde, bordados de ouro; os arreios dourados; na cabeçada um martinete de plumas azuis, e brancas; em
muitas partes variedade de fitas. O norte e o leste só nas cores que lhe competiam eram destes
diferentes; no preciso ornato tinham igualdade e imitação.” Idem ibidem. pp 49-53
41
estão expostos, os quatro ventos remetem à sorte, à fortuna, ao fado. Essa representação
Depois dessas vinha a ‘Fama’147, uma divindade alegórica que trazia à mão
direita uma haste de prata rematada em cruz da qual pendia um estandarte de tela branca
com a arca do testamento (a Arca da Aliança, construída por ordem de Moisés para
guarda das tábuas da lei) pintada em uma face, na outra face uma custodia e a inscrição:
representada com uma corneta ou clarim, a fama é entendida como anúncio de algo
nesse caso, com a fama vem a Lei de Deus e a vitória do Dogma. Pelos lados a seguiam
dois pajens148 caracterizados “como pinta a antiguidade a Mercúrio”. Por ministério dos
registros de tais poemas, nem acerca da forma pela qual foram, nas palavras de Simão
dos deuses, mas a serviço da difusão e do elogio à crença nos dogmas cristãos.
146
NASCIMENTO, Adalgisa Arantes do. Introdução ao Barroco Mineiro: cultura barroca e
manifestações do rococó em Minas Gerais – Belo Horizonte: Crisálida, 2006. p. 11
147
“Era o seu adorno vagaroso empenho da vista, continuada novidade dos olhos, agitada esfera da
riqueza, móvel aparato da magnificência. Precedia a todas a fama (...) cingia-lhes a cabeça um precioso
toucado de diamantes, dando por um lado ao vento uma haste de finíssimas plumas brancas: o peito
bordado de ouro, e vária pedraria, de que sobressaia elevado num broche de diamantes: o capilar de
seda branca de florões de ouro: os fraldões da mesma seda, cingidos de franjas de ouro, saíam-lhe das
costas duas asas de penas brancas matizadas de folhas de ouro: nos borzeguins calçava de nacar em
viva cor de marroquim: surgia da mão direita, de uma haste de prata, rematada em cruz, pendente um
estandarte de tella branca; por uma face pintada a arca do testamento, por outra uma custodia sobre um
letreiro de letras de ouro, que dizia: Eucharistia em Translatione victrix. Era o cavalo formoso, e
manso, na cor russo pedrês: o jaezes de bordado, franjas, e borlas de ouro; na frente agitava um
martinete de seda de várias cores, e plumas brancas: pelas crines, e cauda, largava ao vento laços de fita
de prata e ouro de várias cores (...)”. MACHADO, Simão Ferreira. Op Cit. pp 53-5
148
(...) nas cabeças davam nos chapéus ao vento duas asas: vestiam justilhos brancos da Holanda, e que
saíam nas costas duas asas: cingiam três fraldins de seda encarnada com flores de várias cores:
calçavam de branco com fervilha de talares: nas mãos os caduceos columbrinos.” Idem p55-6
149
Ibidem. p 56
150
AVILA, Afonso. Resíduos seiscentistas em minas gerais. Vol I. pp 37-8
42
Seguia-se a figura do Ouro Preto151 (bairro onde se situa a matriz a que se
sonoras vozes de um clarim o silêncio dos ares; atrás deste, distância de dois passos,
cavalo, a principal figura, o Ouro Preto. Vestindo roupas e turbante com ouro e
diamantes, a figura trazia bordadas no meio do peito as armas Reais e, acima delas, a
inscrição Viva o Ouro Preto. Levava na mão direita uma salva, “dentro nela um
Aos lados da figura do Ouro Preto, outras duas a cavalo davam-lhe o lugar ao meio; e
dele diferiam apenas por terem, em lugar do turbante, ornatos de cabeça em feitio de
morros: “significando uma o Ouro Preto, outra o Ouro Fino; morros entre os quais está
151
“(...) tão rico que não se via nele mais que ouro e diamantes; rematado em um precioso cocar de várias
plumas: formou-lhe o peito um bordado com tal artifício que parecia de martelo; por todo ele se via em
contínuos esplendores a luz de muitos diamantes brilhando, encravados em muitas peças de ouro: no
meio do peito se viam bordadas as armas Reais, por cima do Imperial umas letras, que diziam: Viva o
Ouro Preto. Calçava borzeguins do mesmo artifício e vista, à imitação do peito; levava na mão direita
uma salva, dentro nela um morrozinho, coberto de folhetas de ouro, e diamantes, que significava o
Ouro Preto. O cavalo russo na cor, era o melhor dos que vieram neste ato, por mansidão e formosura: a
sela tão rica que não se sabe segunda no Brasil, sobre veludo verde bordada de ouro: o xairel, e bolças
imitavam a sela na matéria e artifício; os arreios eram do mesmo, a ferragem toda de prata: para haver
em tudo conformidade se bordaram da mesma sorte as crines do cavalo, que iam caídas entre fitas de
tella e flores de diamantes: a cabeçada por cima de laços também de tella, levava outras de filigrana de
ouro com esmeraldas de várias cores: dava a tudo o artifiio evidente propriedade em tanta variedade:
elevava-se nesta fábrica um martinete de dois palmos e meio em feitio de palmeira; em cujo artifício
em seda, ouro e pedraria, deu o artífice ao galante bruto a vitória e palma da melhor gala: levava as
mãos e pés dourados: ultimamente em rédeas e sobre rédeas de cordões de ouro oferecia à figura a
glória da Magestade. Houve opiniões que deram ao cavalo muita melhoria que à figura; mas era gosto
dos olhos contra as verdades da natureza.” MACHADO, Simão Ferreira. Op Cit. pp.59-62
152
“(...) fazia com invectivas da arte, que nas vozes do instrumento fosse a melodia encanto dos ouvidos:
isto deu causa a eleição que dele se fez para concorrer neste ato. Vestia à castelhana e um veludo roxo
com capa do mesmo, passado todo de ouro: cobria-lhe a cabeça um chapéu agaloado do mesmo,
disposto em dois ventos, formaram-lhe as presilhas dois broches de diamantes de grandeza não vulgar;
sobressaía deles um cocar de plumas, que na variedade de vivas cores, não tinha menos lustre, que os
diamantes. O cavalo era russo: os jaezes, de veludo carmesim bordado de ouro: os arreios, cobertos do
mesmo: na cabeça ia firme um martinete de seda, e plumas brancas, e nela, e na crines, em vária ordem,
dispostas fitas de ouro; na cauda outras várias cores.” Idem. pp. 57-8
153
“(...) tocavam todos charamellas, com tal ordem, que alternavam suas vozes com as vozes do clarim,
suspendidas umas, enquanto soavam outras” Ibidem. p 59
154
Idem Ibidem. p 60
43
Percebe-se que esse bloco de imagens iniciais do cotejo representa a luta dos
pecado; o fado; a fama pela defesa da Lei de Deus e pela vitória do Dogma; a riqueza do
ouro o dos diamantes como prêmio pela glória dada a Deus. Lembremos aqui que a
extraído da dedicatória a nossa senhora o explícito intuito de que “tão grande solenidade
se publicasse, porque a notícia tem estímulos para o exemplo (...) dilatando mais a
exemplo”156. As três danças, os quatro ventos, a fama e o ouro preto indicam, portanto,
católica, sujeita ao pecado e ao fado, traz no estandarte de sua fama a defesa das leis
O autor declara, na dedicatória a Nossa Senhora, que “ao Supremo Rei dos Reis, Cristo
Senhor Nosso, deve o glorioso Reino de Portugal a sua instituição, e dilatado Senhorio”.
Comenta, na prévia alocutória, que Dom Afonso Henrique recebeu “da boca do Cristo
servindo aos portugueses o temor introduzido pelas armas (...) Seguiu-se à instituição da
bens temporais”158. Portanto, Vila Rica é, ‘mais que esfera da opulência’, ‘teatro da
155
HANSEN, João Adolfo. Alegoria. p. 99
156
MACHADO, Simão Ferreira. Op Cit. na dedicatória a Nossa Senhora. p s/n.
157
Idem. pp 2-3, 8, 26-27.
158
Idem. p 14
44
2.2.4 – Os Sete Planetas e a Igreja
antiguidade”159. Precedendo a Lua160 havia duas ninfas161 (divindades dos rios, bosques
e montes), a estas dois pajens162. A lua vinha montada em um cavalo branco; trazia na
cabeça um turbante azul bordado com estrelas de pérolas e rematado em uma nuvem
cheia de estrelas de ouro dentro da qual havia uma lua cheia. No braço o arco, na mão a
seta. Seguiam à Lua mais dois pajens as estribeiras163. Seguia-se Marte164, antes dele
três figuras165 procediam em igualdade: uma no meio tocava uma caixa de guerra, uma
pela esquerda tocando um pífano (instrumento popular e pastoril do feitio de uma flauta
cavalo rufo rodado, vinha Marte com um capacete de prata e empunhando na mão
159
MACHADO, Simão Ferreira. Op Cit. p 64
160
“Vestia roupas de seda azul e branca de florões e franjas de prata: o peito era uma campina de pérolas,
alternando em elevados lavores lugar a muitos diamantes: o capilar de tiffo azul de prata semado de
estrelas de ouro: os borzeguins de seda azul com galoens de prata bordados de muitas pérolas: sustinha
no ombro direito por muitos cordões de ouro uma aljava; no braço o arco, na mão a seta. O cavalo era
branco e muito formoso: os jaezes e crinas bordados todos de prata, caudas em campo azul de muita
fitaria.” Idem. pp 66-7
161
“(...) ornavam as cabeças com turbantes bordados de prata e muitas pérolas semeados de estrelas de
ouro, rematados em plumagens de penas brancas e azuis: vestiam de seda azul e branca toda de prata
coberta de galoens e franjas do mesmo: os peitos em campo azul bordados de pérolas e variedades de
pedraria: os capilares da mesma seda azul semeada de estrelas de ouro: os borzeguins do mesmo modo
dos ombros por cordões de ouro; lhe pendiam umas aljavas; no braço esquerdo sustinham os seus arcos:
levava cada uma um cão perdigueiro preto por fitas azuis de prata em colares bordados com muitos
cafcaveis de prata.” Ibidem. pp 65-6
162
“(...) levavam nas cabeças turbantes de seda azul entre brincos de ouro, rematados em plumas brancas:
vestiam de seda azul com guarnição de galoens de prata: os saiotes era da mesma seda, franjados todos
de prata: nas mãos levavam uns bastões.” Idem Ibidem. pp 64-5
163
“(...) em tudo semelhantes aos primeiros das ninfas.” Ibidem Ibidem. p 69
164
“(...) ornava-lhe a cabeça um capacete de prata de lavores de pedraria, rematado de um precioso cocar
de pumas brancas e encarnadas; vestia de seda branca de prata; o peito em campo da mesma seda,
bordado de ouro, e peças de diamantes, com guarnições de franjoens de ouro cingidos de pedraria: o
capilar da mesma seda franjado de ouro, matizado de flores de várias pedras: vestia três saiotes; o
primeiro, e ultimo da mesma seda e ornato; o segundo encarnado de franjoens de prata: os borzeguins
em campo de seda branca bordados de flores de ouro e pedraria: na mão direita empunhava uma espada
nua de guarnições de prata e lavores de ouro; na esquerda um escudo de prata. Montava em um cavalo
rufo rodado: os jaezes e arreios em artifícios de prata e ouro” Ibidem Ibidem. pp69-70
165
“(...) nas cabeças com toucas mouriscas de carmesim de prata com varia ordem de fitas de tella verde
de prata; por um lado com plumas brancas: vestiam do carmesim das toucas trunfado de vermelho e
branco; calçavam de branco com sapatos encarnados.” Ibidem Ibidem. p 68
45
direita uma espada nua, na esquerda um escudo de prata. Dois pajens166 vinham às
estribeiras. Mercúrio167 (mensageiro dos deuses) era precedido por duas figuras168 que
“ofereciam de longe com dois clarins sonora melodia aos ouvidos.”169 Montava em um
cavalo russo e era acompanhado por dois pajens170 às estribeiras. Montando um cavalo
castanho vinha o Sol171 levando na mão uma harpa de pintura em campo de ouro, era a
sua figura “entre todas na majestade como de Rei; os olhos e juízos o confirmaram se
166
“(...) nas cabeças com toucas de carmesim lavradas de cordões de ouro com pedraria verde; cingidas
de relevo de prata com pedraria de cristal; rematadas em plumas brancas e azuis: vestiam de carmesim
de prata: os peitos em campo branco, bordados de flores de ouro, cobertas de pedraria verde: os
capilares da mesma seda franjados de ouro, cada um com dois saiotes; os primeiros do mesmo
carmesim de prata com franjoens do mesmo cingidos de pedraria verde; os segundos de seda verde de
prata com franjoens de ouro: os borzeguins em campo branco bordados de ouro: nas mãos levavam
duas escopetas de lavores de prata.” Ibidem Ibidem. p 70-1
167
“(...) compunha-lhe a cabeça uma cabeleira branca de bandas, anterior e posterior: sobre esta um
chapéu pequeno coberto de seda; a copa bordada de cordões de ouro e diamantes, duas abas do mesmo
com duas asas, cobertas de efpiguilha de prata com vivos de fróco encarnado; em cada uma um broche
de diamante sobre laço de fita de prata cor de fogo, rematadas em uma estrela; eminente a tudo um
penacho de plumas cor de nacar: o peito em campo de cetim azul bordado de cordões de ouro,
canotilhos de prata e diamantes com guarnição de rendas de ouro: vestia três saiotes; o primeiro imitava
o capilar , brilhando todo de luz em flores de ouro; o segundo de cetim amarelo com rendas de prata; o
terceiro cor de rosa cobetos das mesmas rendas, todos em aprazível disposição guarnecidos de franjas
de prata e de ouro: os borzeguins de cetim azul bordados de cordões de ouro: nas costas duas asas
cobertas de espiguilhas de prata, como as do chapéu com vivos de fróco encarnado: na mão direita um
caducêo dourado. Montava em um cavalo russo: os jaezes correspondiam ao fausto da figura; as crines
eram de renda de prata pendentes dela, e outras de fitas de prata e de ouro.” Ibidem Ibidem. pp. 72-4
168
“(...) no ornato semelhantes aos pajens das estribeiras (...)Ibidem Ibidem. p 71
169
Ibidem Ibidem. pp 71-2
170
“(...) cabeças com perucas louras; sobre estas bonetes de seda amarela de prata, de duas abas de veudo
preta bordado de prata; nas esquerdas sobre laços de fitas de cor de fogo um broche de diamantes; de
entre ele plumas brancas e azuis: peitos de cetim encarnado bordados de cordões de ouro, canotilho de
prata, e remates de diamantes com guarnições de renda de ouro: capilares de seda verde de florões
brancos; cada um com dois saiotes; um de veludo azul com rendas de ouro; outro de encarnado com
rendas de prata: calçavam de azul bordado de prata: os sapatos amarelos com fivelas de pedraria”
Ibidem Ibidem. pp 74-5
171
“(...) coroava-lhe a cabeça de luzes uma cabeleira de fio de ouro; vestia de tiffo cor de fogo: o peito
todo coberto de diamantes unidos a vários lavores de ouro: do mesmo peito lhe saía um circulo de raios
com artificiosa e brilhante fábica de ouro e pedraria: nas costas bilhava a mesma preciosodade com
semelhante adorno: em umas mangas do mesmo tiffo vestia sobre o campo de ouro alternada luz de
diamantes: no fraldao vestia também de luz trêmula e sucessva em franjas de canhotilhos de ouro:
calcava borzeguins cor de fogo, e nestes também de luz porque em debuchos de canhotilho de ouro
prendia a luz de muitos cristais: levava na mão uma harpa de pintura em campo de ouro. Vinha em um
cavalo de cor castanho: fazia-lhe os jaezes uma rede de cordões de ouro que eram prisões de luz
guarnecidos todos de cristais finos: eram as crines todas de galoens de ouro; os arreios cobertos do
mesmo com vara ordem de cristais; saía-lhe na frete uma ponta de Unicórnio; temulava na cabeçada um
martinete de plumas brancas e cor de fogo nascidas de pedraria.” Ibidem Ibidem. p 77-80
46
magnificência.”172 Precediam-lhe duas figuras: “uma estrela da Alva, outra a da
Vésper (tais estrelas são referencias a Vênus; a primeira quando visto pela manha, a
segunda quando à tarde). Vinham às estribeiras seis pajens174, três a cada lado. Seguia-
se Júpiter175, levava na mão direita um cetro com raios de ouro, no braço esquerdo um
parte posterior com um cocar. Vinha em um carro triunfante176 que era puxado por duas
águias coroadas de ouro e apresentava pinturas nas rodas anteriores com o signo de
pifcis, e nas posteriores o signo se sagitario. Como pajens vinham aos lados dois
satélites177. Vinha Vênus178 num carro triunfante179 em forma de concha; trazia no braço
172
Ibidem Ibidem. pp 75-6
173
(...) ambas em igualdade, diferentes só nas cores. A vespertina na cabeça com um toucado de fitas de
tella de ouro de cor parda, artificiado de cordões de ouro, e pedras de varias cores: vestia roupas de seda
de ouro parda com franjões de ouro; peito do mesmo com lavores de pedraria rematado em franjas de
ouro; borzeguins guarnecidos de fitas de ouro também pardas; nas costas um letreiro do seu nome:
Vésper. A da Alva na cabeça também toucado de fitas de tella branca de prata do mesmo artifício da
outra: vestia de sedas brancas de prata; nelas no peito, e borzeguins sobre cor branca com prata e
pedraria, o mesmo artifício, e qualidade da outra; nas costas o nome: Lúcifer.” Ibidem Ibidem. pp 76-7
174
“(...) mulatinhos de gentil disposição, todos da mesma estatura e semelhantes no traje. Na cabeça com
barretes à mourisca de seda nacar e verde guenecidos de rendas de prata, rematados em plumachos
brancos e encarnados; vestiam todos de seda nácar com frnjas de prata: calçavam de branco com
sapatos encarnados: nas mãos levavam bastões de prata dourados.” Ibidem Ibidem. p 80
175
“(...) cobria-lhe a cabeça uma caraminhola coberta toda de peças de ouro e diamantes rematada ao alto
por um estrela formada com os raios de uma redonda jóia de diamantes, rematada na parte posterior
com um cocar de plumas brancas e azuis nascido de outra grande jóia de diamantes: o peito e petrina
em cor nácar lavrado de ouro e diamantes co guarnição de franjas de prata: o capilar de tiffo de ouro
azul claro com franjas de ouro: vestia três saiotes; dois do mesmo tiffo, o primeiro e terceiro; o do meio
de tiffo de prata também azul, todos guarnecidos de franjas de ouro sobre calções de seda azul com
ramos cor de ouro: calçava borzeguins de marroquim vermelho guarnecidos de franjas de prata e várias
peças de diamantes: levava na mão direita um cetro de ouro com raios do mesmo, no braço esquerdo
um escudo dourado com seu caráter.” Ibidem Ibidem. pp 81-3
176
“coberto de seda nacar com galoens de prata”
177
“(...) nas cabeças com capacetes de ouro rematados em uma pequena pluma de azul e branco: os peitos
em campo azul bordados em flores de ouro e pedraria azul: os capilares de seda azul de florões de ouro
com franjas de prata: cada um com dois saiotes; os primeiros da seda dos capilares; os segundos da
seda nácar de prata; todos com franjas de ouro: calçavam de azul bordado de prata com sapatos
encarnados: nas mãos levavam uns bastões de prata.” Ibidem Ibidem. p 83
178
“(...) representava no rosto, e realçava no ornato aquela formosura que pelo seu nome se encarece: no
ornato fez o desvelo da arte obséquios à natureza, mais em satisfação de dívida, que em forma de
benefício: tal era a gentileza do rosto, com tanto preço artificiosa a compostura. Ornava-lhe a cabeça
um toucado de pérolas com delicado artifício de ouro e pedraria: vestia toda de verde e cor de rosa;
sendo as roupas em campo destas cores uma seara de pérolas e floresta de diamantes: o peito em campo
verde todo era de florões também de pérolas cujo centro faziam flores de diamantes brilhando em
esmalte verde: esta cor por arte dividida lhe formava toda a gala da preciosidade do mar, e da maior
47
esquerdo um escudo bordado de ouro apresentando pintura de um coração abrasado em
fogo, na mão direita um ramalhete de flores. Pelos lados a seguiam dois pajens
representando rosto de homem velho de fúnebre aspecto com barbas e cabelos naturais,
Saturno181 era a última entre as figuras dos planetas; mas “ainda que por suas
influências lúgubre; nas idéias da fantasia, como luminoso planeta, vistoso na gala a
astronômico; na direita uma foice de prata. Precediam-lhe duas estrelas vestidas como
soldados romanos183.
ascensionais do mais imperfeito e material para o mais perfeito e espiritual: Lua (1º
nível, o mais baixo, das pedras e metais); Mercúrio (2º nível, o das plantas, frutos,
riqueza da terra: trazia no braço esquerdo um escudo bordado de ouro, nele pintado um coração
abrasado em fogo: na mão direita um ramalhete de flores” Ibidem Ibidem. pp 83-5
179
(...) em cuja fábrica concorreram em igual propriedade a arte fabril e as cores da pintura: acrescia nesta
um ornato de ouro e aljôfares deixando livre aos olhos a naturalidade unida com a riqueza: cingiam aos
extremos quadrangulares do carro sedas verdes de florões de ouro com franjas, e borlas do mesmo: um
artifício oculto dava ao carro nas rodas movimento.” Ibidem Ibidem. pp85-6
180
“(...) levavam nas cabeças turbantes de fitaria verde e cor de rosa brincados de cordões de ouro entre
fios de aljôfar rematados com plumas brancas, verdes e cor de rosa; vestiam uns justilhos de seda cor
de rosa como a dos turbantes com vario artifício de cordões de ouro: os fraldins da mesma seda
cobertos com franjas de ouro: saíam das costas duas asas de penas brancas e cor de rosa: calçavam de
verde lavrado de ouro com sapatos cor de rosa: nas mãos levavam arcos e setas.” Ibidem Ibidem. p 85-7
181
“Cingia-lhe a cabeça uma caraminhola de caffas brancas com vario artifício de cordões de ouro e
peças de diamantes rematado em cocar de plumas brancas e azuis: o peito em campo azul escuro
bordado de ouro, e peças de diamantes; nos ombros de viam umas carrancas, da boca, das quais saía
pequena manga: o capilar de golfo de ouro azul escuro com franjas de prata: vestia três saiotes da seda
do capilar com franjas de ouro: calçava borzeguins de azul com lavores de prata: levava na mão
esquerda um pequeno escudo dourado com caracter astronômico: na direita uma fouce de prata. Vinha
em um cavalo castanho: os jaezes de veludo verde bordado de prata: os arreios cobertos do mesmo: as
crines de fitas de tella branca e azul de prata: na cabeçada um martinete de plumas azuis e brancas; na
cauda fitaria de tella azul de prata (...)”Ibidem Ibidem. pp 86-7
182
Ibidem Ibidem. p 87
183
“(...) nas cabeças com capacetes de prata rematados no alto com uma Estrela; pelo lado esquerdo com
plumas azuis e brancas: vestiam de chamalote branco de prata, guarnecido de galões e franjas de ouro:
calçavam borzeguins de carmesim bordados de prata: nas mãos cada um com meia lança enfeitada de
tella azul de prata.” Ibidem Ibidem. pp 87-8
184
Conforme observa HANSEN, João Adolfo. Op Cit. pp 165-8
48
animais); Vênus (3º nível, o dos pós sutis, odores, perfumes, sabores); Apolo (4º nível, o
das palavras, sons, cantos); Marte (5º nível, o das violentas concepções da imaginação);
Júpiter (6º nível, o dos debates da inteligência); Saturno (7º nível, o das influências mais
a hierarquia dos astros deuses teria corpo e alma, sendo visíveis e invisíveis:
dupla significação: como Mente, são os princípios superiores da Criação; como Alma,
dispostos da seguinte forma: Lua (pedras e metais, anjos, humor vegetativo); Marte
frutos, animais, arcanjos, deleite); Sol, como Rei e em lugar que seria de Apolo186
185
Idem.
186
“O Sol, em grego Hélios (...) Os gregos e os romanos chamaram-lhe muitas vezes Febo e Apolo” In: P.
COMMELIN. Nova Mitologia Grega e Romana. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1983. p 84
49
principados, amor); Saturno (influências mais ocultas, simples, livres do movimento,
tronos, memória). Terminada a descrição dos planetas, Simão Machado faz a seguinte
consideração acerca da intenção que se teve ao apresentar tais figuras durante o evento:
“(...) estas majestosas figuras dos planetas pela memória da divindade, que neles
adorava o fingimento da antiga Idolatria, eram glorioso triunfo do Eucarístico
Sacramento; que como no feliz século da Redenção humana foi alcançado pelo
mesmo Senhor Sacramentado; se via agora na memória e figurava renovado para a
pública veneração da Cristandade e maior glória do mesmo Senhor.”187
A alegoria a ser apresentada após as figuras dos planetas complementa a idéia de
em seu comentário acima transcrito. A Eucaristia é mais uma vez afirmada como
a inscrição Haec est domus domini firmiter aedificata (Esta é a casa do Senhor
187
MACHADO, Simão. Op. Cit. p 90
188
Idem. p 91
189
“Cingia na cabeça uma caraminhola de azul bordado de relevo de flores de cordões de ouro em varia
ordem elevadas e sobrepostas circularmente varias flores de diamantes; rematada em um vistosíssimo
cocar de finíssimas plumas brancas: o peito em campo azul de chamalote bordado de cordões de ouro e
jóias de diamantes com uma maior no meio; dela sobressaíam tremulamente três grandes flores de
diamantes; guarnecido de franjas de ouro cingidas de um cordão de pedraria: vestia um tiffo de ouro
branco e azul, guarnecidas as roupas de franjões de ouro e vária pedraria: calçava borzeguins de
chamalote branco bordados de cordões de ouro e estrelas de cristal fino: no braço esquerdo embraçava
um escudo de campo de ouro, nele pintada a Igreja Matriz com esta letra. Haec est domus domini
firmiter aedificata. Na mão direita sustentava em uma haste de prata dourada um estandarte de tella
branca; pintada em uma face a Senhora do pilar com esta letra: Egodilecto meo. Na outra a custodia da
Eucaristia com esta outra letra. Et ad me conversio Ejus. Vinha em um formosíssimo cavalo branco em
cujos jaezes de veludo azul e arreios ranços so tinha parte o ouro em bordados, franjas, borlas, galões,
rendas e fitaria com artifício e preço competente à figura” Ibidem. pp 91-3
50
firmemente edificada). Na mão direita uma haste de prata dourada sustenta um
estandarte de tela branca pintada em uma face a Senhora do pilar com a inscrição Ego
dilecto meo (Eu dileto aos meus). O substantivo feminino “dileção” do latim dilectio,
dilectionis, vem o termo dilecção registrado a partir de 1680. Significa: afeição, “amor
espiritual que se dirige a algo que se escolheu ou preferiu (filho, irmão) (...) preferência
sigilosa ou inconsciente por alguém ou alguma coisa (...) título que o Papa concede a
imagem da Igreja Matriz traz a firmeza de Deus como escudo e anuncia pelo estandarte
ascendente (do nível baixo para o alto) evidenciando também, pela ordem de
apresentação dos dois blocos alegóricos, qual discurso se sobrepõe ao outro, qual é a
190
HOUAISS, Antonio. pág.1041
191
“(...) vestiam todos de um tiffo branco de ouro. Nas cabeças turbantes do mesmo tiffo com círculos de
cordões de ouro rematados ao alto em um florão de que saía um penacho de plumas brancas: os
peitos do mesmo tiffo cobertos de cordões e galões de ouro; estofados de maneira que fechavam no
meio com uma jóia de diamantes; cingidos de franjas de ouro: vestiam três saiotes do mesmo tiffo
também com franjas de ouro: os borzeguins de cetim branco bordados de cordões de ouro: nas mãos
levavam suas insígnias significativas da figura que acompanhavam.” MACHADO, Simão. Op cit. p
93-4
192
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 9ª ed. Livraria José Olympio Editora. Rio de Janeiro,
1958. 1º t., p 346.
51
2.2.5 – Irmandades e Sociedade
de suas cruzes de prata, com seus Juízes e andores conduzindo seus santos padroeiros:
“em tudo se via nelas uma ordem e asseio competente à gravidade de tão solene ato”194.
Dois passos atrás vinham em cavalos brancos quatro negros196 tocando trombetas das
quais pendiam estandartes de seda branca com uma custódia pintada. Seguia-se o guião
da irmandade do Santíssimo197 levado por um irmão e mais dois outros pelos lados com
Pardos da Capela do Senhor São José198; Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos
193
(...) nas imagens era muito vistoso o ornato em sedas de ouro e prata; em varias e custosas peças de
ouro e diamantes: nos andores em sedas galões e franjas de ouro; e variedade e galantaria de
diferentes flores de diversas matérias e alternadas cores.” Idem. p 98
194
Ibidem. p 95
195
“(...) que por singular fábrica do instrumento e boa agilidade da arte fazia uma agradável consonância.
Vestia à Castelhana de seda encarnada e por um lado o seguia um moleque vestido da mesma seda
tocando um tambor.” Idem Ibidem. p 95
196
“(...) cobertos de chapéus agaloados de prata com plumas brancas; vestidos todos de berne; calçados
de encarnado. Vinham em cavalos brancos de jaezes de berne (...)”Ibidem Ibidem. p 96
197
“(...) de damasco carmesim franjado de ouro; nele em uma primorosa tarja bordada uma custódia.”
Ibidem Ibidem. p 96
198
“(...) em larga distância numerosa coberta de opas de seda branca. No meio dela ia o andor do seu
Padroeiro ornado de seda encarnada, galões e franjas de ouro, várias flores de seda, e fio de ouro e
prata.” Ibidem Ibidem. p 97
199
“(...) numerosa de muitos Irmãos, todos de opas de seda branca. No meio dela iam três andores: o
primeiro de Santo Antonio Calatagirona: o segundo de São Benedito: o terceiro da Senhora do
Rosário” Ibidem Ibidem. p 97-8
200
“(...) de muitos irmãos; quase todos sobre diversas e preciosas galas vestiam opas de chamalote
branco. No meio dela se viam três andores: o primeiro de santo Antonio, cujo ornato era de cera
branca com muitas galantarias de flores e lavores sobre papeis encarnados, verdes, azuis e mistura de
lata com fitas e galões do mesmo: julava a vista que supria e equivalia o galante e delicado artifício
ao maior ornato da preciosidade: o seguindo de São Vicente Ferreira; era de talha dourada com muita
galantaria e variedade de flores de seda, fio de prata e de ouro: o terceiro de são Gonçalo de
Amarante; era feito de um carro ornado de sedas de custo, galões e franja de ouro, e variedade de
flores.” Ibidem Ibidem. p 98-100
201
“(...) muito numerosa de irmãos, e aos olhos de agradável vista: mais que os mementos e lúgubres
sufrágios, punha na consideração dos juízos a glória das Almas, porque sobre custosas galas vestia
opas de chamalote verde. No meio era levado o glorioso São Miguel ornado de uma capacete de prata
com vistosíssimo penacho de plumas; estofado de novo, e ornado de muitas peças de ouro. Ia em um
52
Irmandade da Senhora da Conceição203; Irmandade da Senhora do Pilar (padroeira do
formadas pelo clero (sacerdotes com formação eclesiástica) e pelos leigos (homens
carmelitas) e segundas (clero feminino, freiras) formam o clero regular (que vive
sacramentos aos leigos, e exerce influencia direta sobre os grupos sociais) é formado
por bispos, cônegos, vigários gerais, párocos e outros sacerdotes. No Brasil litorâneo as
andor custosamente ornado de seda verde de ouro, galões e franjas do mesmo, e vário ornato de
flores. Seguia-se um nomeroso séqüito de Nobres moradores da Vila e seu distrito, que tinham
servido à República no nobre Senado da Câmara. Diferentes na variedade e competência de preciosas
galas, faziam por união e ordem a forma de uma nobilíssima Irmandade. Quatro deles empenhados
na devoção, venturosos no obséquio, conduzim o andor do padroeiro do Senado da Câmara. O
glorioso mártir São Sebastião coroado de um resplendor de ouro, estofado de novo; mostrando aos
olhos seu martírio em muitas setas de prata; ornado o apanhado das roupas um preciosíssimo broche
de diamantes em que se rematava um intrincado e dilatado artifício de cordões de ouro. O andor era
em feitio de carro triunfante; coberto de seda carmesim de ramos de ouro; guarnecido de vária forma
de galões, franjas e borlas de ouro.” Ibidem Ibidem. p 100-2
202
“(...) abundantíssima de Irmãos, todos geralmente sobre galas com opas de nobreza branca. No meio se
via a Senhora com manto de tella branca sobre um andor de talha dourada com muita miudeza;
rematada em muitos e bem figurados Serafins que sustentavam o Trono da Senhora.” Ibidem. p 103
203
“(...) numerosa de irmãos vestidos de galas com opas de nobreza branca. No meio era levada a
Senhora, cuja imagem pelo primor da arte com suavíssima eficácia excita os corações a reverente
devoção ; coroada com uma coroa toda de ouro; coberta de preciosas peças de ouro e diamantes; com
manto de brocado carmesim de singular bordadura de prata e pedraria. O andor vinha coberto de tella
branca de ramos de ouro com muitos galões e franjas também de ouro.” Ibidem Ibidem. pp 103-4
204
“(...) nobilíssima (...) de grandioso número de Irmãos: a propriedade que tinham em tão solene ato lhe
deu uniformidade no preço, e brilhante asseio das galas: vestiam sobre elas opas de chamalote
branco; os oficiais de chamalote branco de prata. No meio dela se via a imagem da senhora, estofada
de novo com laborioso primor ; com pedras finas embutidas nas mesmas roupas; estas cobertas de
ouro até os extremos do pilar. O andor era coberto de custosas sedas de ouro e prata em artificiosos
lavores , e guarnição de galões e franjas de ouro.” Ibidem Ibidem. pp 104-5
205
“(...) opulentíssima e esplêndidíssima (...) dilatada em numeroso séqüito de honrados e Cristianíssimos
Irmãos. Precedia nela uma custosa cruz de prata com amngas de muito custo de sedas e franjas de
ouro; pelos lados dois ceroferários de prata de singulares lavores. A legitima propriedade que
principalmente tinham neste ato e solenidade lhe dividiu com liberal dispêndio diferente e preciosa
gravidade de galas: sobre elas se viam em uns as opas de berne, em outros de veludo lavrado; nos
oficiais de carmesim de ramos de prata; em todos sobre o lustre da prata e ouro das galas, brilhava o
encarnado da opas com luzes de devoção e singularíssima Cristandade.” Ibidem ibidem. pp 105-7
53
mesmo se desenvolveram mais modestamente ordens segundas. Na Capitania de Minas
Gerais foi proibida a existência de ordens primeiras e segundas; e o clero secular apenas
(leigo) se reunia com os que tinham a mesma devoção formando, conforme critério
racial, profissional e/ou econômico, uma irmandade ou confraria; a qual se filiava a uma
ou livro de compromisso, que deveria ser confirmado pela Coroa Portuguesa. Nele
registravam os seus direitos e deveres dos irmãos206. A partir de 1740 surgiram nas
geralmente com posses, que desejavam seguir a regra franciscana e carmelita como
irmãos professos, mas sem deixar a vida mundana por não fazerem os votos de
exclusivamente à freqüência dos irmãos para seus cultos particulares. Por isso, o grande
mecenato artístico em Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX foi obra das irmandades e
206
Tinham como deveres: pagar a taxa de entrada e anuidade; pagar esmolas adicionais em caso de ser
eleito para cargos administrativos dentro da irmandade; rezar pelos irmãos; acompanhar os atos
solenes e funerais. Como direito: receber missas em sufrágio pela própria alma; enterro com solene
acompanhamento pela irmandade e seu capelão; sepultura em solo sagrado (campas dentro do templo
até 1831 ou no adro e jardins do entorno); ser assistido em caso de doença, viuvez, e desgraça pessoal
(prisão na cadeia, falência). Mas apenas as irmandades mais abastadas tinham condições econômicas
para praticar a assistência mútua.
207
Diferiram das irmandades pelos seguintes motivos: eram inspecionados periodicamente por
autoridades do clero regular; a admissão dos irmãos era mais seletiva; as esmolas de mesa eram mais
altas; seguiam o calendário festivo das ordens primeiras e segundas; possuem iconografia específica
baseada nos programas e modelos das ordens européias às quais eram filiadas; jejuavam em
determinadas datas do ano; preparavam-se semanalmente através do noviciado; findo o noviciado
faziam o rito da profissão quando recebiam o hábito da ordem para ser usado publicamente apenas
em cerimônias solenes, transformando-se doravante em irmãos professos. Por tais distinções os
terceiros achavam-se superiores às irmandades e colocavam-se em condição de maior destaque e
evidência durante os cultos e rituais religiosos.
54
ordens terceiras. As funções religiosas dessas capelas eram submetidas ao controle
paroquial da igreja matriz à qual se filiava a irmandade. Filiada a uma diocese, uma
Igreja Matriz é a sede de uma paróquia (centro administrativo da igreja católica para
altares se fazendo representar como grupos que formam aquela sociedade. “Cada
que compunham os retábulos e o calendário de festas das respectivas igrejas. Este foi
Pilar (brancos ricos, ocuparam o trono do altar mor), e de São Miguel e Almas (brancos
mesmo altar de Nossa Senhora das Dores (brancos ricos); a Irmandade de Santana
208
CUNHA, Maria José Assunção da. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IAC, 1993. pp 14
55
O cortejo é o momento máximo dentro das festividades de inauguração da Igreja
para a Igreja e uma demonstração de poder por parte do Estado Português, o qual
ritual religioso, portanto, se funde à função política de demonstrar os lugares sociais dos
“(...) define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (e que, no jogo
do diálogo, da interrogação, da recitação, devem ocupar determinada posição e
formular determinado tipo de enunciados); define os gestos, os comportamentos, as
circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso; fixa,
enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais
se dirigem, os limites de seu valor de coerção. Os discursos religiosos, judiciários,
terapêuticos e, em parte também, políticos não podem ser dissociados dessa prática de
um ritual que determina para os sujeitos que falam, ao mesmo tempo, propriedades
singulares e papéis preestabelecidos.”209
(através dos comentários que faz acerca das roupas, dos atributos, das imagens dos
santos, dos andores e das pessoas que compõem as irmandades que participaram do
cortejo) demonstra a importância e/ou o devido lugar social de cada uma irmandades.
A Irmandade dos Pardos da Capela do Senhor São José vestia opas de seda
Pretos vestia opas de seda branca e levava três andores de Santo Antonio Calatagirona,
209
FOUCAULT. Michel. A Ordem do Discurso. 10ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 38-9
56
diversas e preciosas galas’ vestia opas de chamalote branco e levava três belos andores
com Santo Antonio, São Vicente Ferreira e São Gonçalo de Amarante. A Irmandade das
Almas e São Miguel, “aos olhos de agradável vista: mais que os mementos e lúgubres
sufrágios, punha na consideração dos juízos a glória das Almas, porque sobre custosas
imagem de São Miguel, estofado de novo e ornado de muitas peças de ouro, capacete de
prata com ‘vistosíssimo’ penacho de plumas. Nobres que haviam servido ao Senado da
galas com opas de nobreza branca’, levava a imagem da senhora do Rosário com manto
de tela branca em andor de talha dourada com muita miudeza e rematado em muitos e
da Conceição vestia galas com opas de nobreza branca e levava andor com imagem da
Senhora da Conceição ornada com coroa de ouro, coberta de preciosas peças de ouro e
Comenta Simão machado que a imagem, ‘pelo primor da arte com suavíssima eficácia
‘nobilíssima’, com uniformidade no preço e brilhante asseio das galas sobre as quais
vestiam opas de chamalote branco (os oficiais de chamalote branco de prata), levavam
andor com imagem da Senhora do Pilar estofada de novo com laborioso primor e pedras
finas embutidas nas roupas que eram cobertas de ouro até os extremos do pilar. A
57
Irmandade do Divino Sacramento: ‘opulentíssima e esplêndidíssima’, ‘honrados e
Cristianíssimos Irmãos’ que levavam ‘uma custosa cruz de prata com mangas de muito
dividiu com liberal dispêndio diferente e preciosa gravidade de galas sobre as quais se
viam em uns as opas de berne, em outros de veludo lavrado, e nos oficiais de carmesim
de ramos de prata. Sobre ‘o lustre da prata e ouro das galas, brilhava o encarnado da
Deve-se ainda ressaltar que “as cores tinham significados definitivos para a
fogo, o poder supremo (...) a dignidade social era anunciada por essa cor. (...) o branco
libertos, bem-aventurados e dos que viviam a dor do luto”211 A túnica branca era usada
significados para as cores: vermelho (valor, atrevimento, ousadia, fogo, rubi,); azul
(justiça, formosura, serenidade, safira, ar, majestade, lealdade, fortaleza, boa fama,
amizade, esmeralda, obriga-se a quem possuir essas cores em suas armas a defender os
210
TOLEDO, José Luiz Dutra. Triunfo Eucarístico (Vila Rica-1733):carnaval ou liturgia barroca de um
poder em crise? In: Revista do IAC/ UFOP. Nº 01, dez/ 1994. pp. 88-91. p 90
211
ALLEAU, René. A Ciência dos Símbolos. Paris: Payot, 1976; Lisboa: Edições 70, 1982. p 154
212
Idem. Apud TOLEDO, José Luiz Dutra. Op Cit..
213
SANTOS, Waldemar Baroni. Tratado de Heráldica. 4ª ed. São Paulo: edição do autor, Diário popular,
1970. p 28 Apud TOLEDO, José Luiz Dutra. Op Cit..
58
lavradores e os órfãos oprimidos); negro (prudência, dor, aflição, sabedoria, ciência,
honorabilidade e dignidade).
dos grupos, nota-se que o ritual religioso e a solenidade política que envolviam a festa
Sacramento que vem, logo após as irmandades, acompanhado por autoridades civis e
eclesiásticas.
O clero das duas Paróquias da Vila214 seguia debaixo de uma cruz levada por um
patriarca São Pedro. Seguiam-se de ambos os lados oito sacerdotes vestidos de ricas
casulas, manípulos e estolas; oito com Dalmáticas, oito com capa de asperge, quatro
com turíbulos; depois desses, um Sacerdote, que levava bem ornado o pedestal para
214
“com custosas sobrepelizes, e velas de livra.” MACHADO, Simão Ferreira. Op cit. p 107
215
“colocado em um andor de custoso ornato de sedas de prata, e ouro; galões, franjas e borlas também de
ouro” Idem. p107
59
descanso da custódia em que ia o Sacramento. Seguiam-se a ele quatro anjos vestidos à
trágica216 e que levavam nas mãos bandejas de prata cheias de muitas e diversas flores
odoríferas que iam lançando pelas ruas. Seguia-se o Divino e Eucarístico Sacramento
entre dois sacerdotes219. Atrás dele vinha o Governador da Capitania, o Conde das
Galvêas, com toda nobreza militar e literária da Vila; e com o Nobre Senado da câmara.
Seguia-se a Companhia de Dragões governada pelo seu Tenente e os soldados das duas
tropas: “todos em boa ordem; e com a mesma deram três cargas de mosqueteiras depois
cargas de mosqueteiras, Simão machado comenta que “estava o novo templo nos
altares, e em todo seu âmbito coberto de sedas, ouro e prata, com aquele precioso
uma missa cantada com musica a dois coros. O Evangelho foi pregado pelo Doutor
pela associação do sacramento com o cristo e com o rei distante mas atuante, imagem
216
“no ornato das cabeças, peitos, capilares, saiotes, e borzeguins, a preciosidade de ouro, prata e
diamantes das figuras antecedentes”. Ibidem. p 109
217
“O palio era de tela carmesim com ramos, e franjas de ouro; de seis varas de prata, que levavam seis
irmãos.” Idem Ibidem. p110
218
“ricamente vestido com alva, estola, capa de asperge e véu de ombros”. Ibidem Ibidem. p110
219
“também vestidos de ricas alvas, de dalmáticas de tela branca” Ibidem Ibidem. p 110
220
Ibidem Ibidem. p 110
221
Ibidem Ibidem. p 111
222
Ibidem Ibidem. p 111
60
2.2.7 – Missas, Guardas e uma Noite de Artificiosos Castelos
Missa com a mesma solenidade e música; à tarde o Evangelho foi pregado pelo Doutor
Jose de Andrade e Moraes223. No terceiro dia se oficiou outra Missa do mesmo modo.
do povo. Notemos que durante esses três dias que compõem o Tríduo realizado para a
companhia de soldados das Ordenanças da Vila”225. E para assistir a todos os atos desta
solenidade, o conde se mudou para o Ouro Preto durante os dias de festa e se alojou em
noite do dia seguinte aos do Tríduo, “ardeu um artificioso fogo feito em um plano perto
“Uma planta em quadro chamada Jardim, de oitenta e cinco palmos cada face; nos
quatro cantos quatro Castelos triangulares de ressalto sacado para fora de quinze
palmos cada face; que com oitenta e cinco de cada ângulo do quadro faziam cento e
quinze cada face do Jardim; em cada Castelo, por remate, uma figura humana
guarnecida de fogo; dentro do primeiro quadro outro de sessenta palmos cada face;
nos canto quatro árvores de candeias: dentro deste se fez terceiro quadro de trinta
palmos cada face; no meio uma fonte: as faces de todos os ter quadros guarnecidas de
rodinhas, candeias, morteiros, e girândolas: todo o circuito desta fábrica guarnecido
de linhagem pintada de pedra”227.
223
“com a aquela energia, e naturalidade de difícil imitação, o que lhe dá sempre unido o aplauso à
admiração; em ambos os atos com assistência dos mesmos senhores, e populoso concurso”. Ibidem
ibidem. p 112
224
“cujo estilo, e erudição deu novo lustre à festividade, e à su esclarecida religião singular glória:
assistiram”. Ibidem ibidem. p 112
225
Ibidem ibidem. p 113
226
Ibidem ibidem. p 113
227
Ibidem ibidem. p 114-5
61
Houve mais toda a noite “copioso fogo de espadas” de várias formas, montantes
espetáculo foi assistido pelo Senhor Conde, pela Nobreza, “e não obstante o dilatado
evidencia mais uma vez a defesa do sacramento e a sua correspondência com a figura
do rei. No que diz respeito ao fogo, pode-se atribuir à artificiosa fábrica do Reverendo
como nos fogos que precederam o tríduo (analisados no item 2.2.1 deste estudo), a cena
noturna em que é descrita a fábrica do artificioso fogo cria uma atmosfera de ensueño
as comemorações profanas, as quais dão brilho à atmosfera de sonho criada pelo festejo
e servem mais uma vez para afirmar os locais sociais e colocar em evidência as
sentidos e regozijo material e espiritual à Vila Rica e à Capitania das Minas. Vejamos, a
seguir, como a imagem da Vila Rica continua a ser construída num contexto de ordem e
harmonia de uma população abastada que se reúne em torno de uma vida social
que se seguiram.
228
Ibidem ibidem. p 115
229
Ibidem ibidem. p 115-6
230
HANSEN, João Adolfo. Teatro da memória: monumento barroco e retórica. In: Revista do IFAC.
Universidade Federal de Ouro Preto. Nº 2, dezembro de 1995. pp 40-54
62
2.2.8 – Panis et Circensis
Todos esses e aos demais atos dos dias seguintes foram assistidos pelo Senhor
Conde e por toda a Nobreza secular e eclesiástica. Em todas as noites desses e dos
seguintes dias foram feitas ao Conde “excelentes serenatas, de boas músicas, e bem
231
MACHADO, Simão Ferreira. Op. Cit. p 117-20
63
vestidas figuras nas casas onde estava no Ouro Preto”232. Nas mesmas casas, “em todos
distinção, seculares, e Eclesiásticas com aquela liberalidade de ânimo, que por toda a
Nas cinco últimas páginas da narração, Simão Machado faz suas considerações
finais acerca dos eventos que narra e das imagens que constrói para melhor servir ao
discurso alegórico que o cronista procura transpor das imagens e alegorias do cortejo e
das festividades para as palavras impressas na pública escritura. Simão comenta que:
para o uso da alegoria dos teólogos como hermenêutica, como “técnica de interpretação
que decifra significações tidas como verdades sagradas em coisas, homens, ações e
235
eventos das Escrituras” , as quais ‘significam verdades morais, místicas,
232
Idem. p 120
233
Ibidem. p 121
234
Idem ibidem. p 121-2
235
HANSEN, João Adolfo. Op.Cit. pp. 8-9; 92
64
escatológicas’. Lembremos que os padres primitivos da Igreja e da Idade Média já
natural”, fazendo distinção entre “sentido literal próprio (expresso por letras de palavras
Evidencia aqui que conhece os usos e funções da alegoria dos poetas enquanto ornato de
linguagem, mas também a pensa como parte constituinte do discurso. Demonstra que a
Em seguida o autor salienta que a festividade barroca realizada em Vila Rica não
que visse no Brasil, em consta que se fizesse na América ato de maior grandeza, sendo
tantos, e tão magníficos que no espaço de duzentos anos com admiração do Mundo todo
tem executado seus generosos habitadores”237. Percebe-se que autor procura demonstrar
grande piedade, e religião, com que os seus moradores resplandecem”238; remete à fama
das Minas, “entre as demais nações com singular vantagem se fazem conhecidos”239; e
ambiciosos”240. Completa Simão dizendo que “se por essas admiráveis ações excedem
236
Idem. p12
237
Ibidem ibidem. p 122
238
Ibidem ibidem. p 123
239
Ibidem ibidem. p 123
240
Ibidem ibidem. p 123
65
os Portugueses a todas as nações do Mundo, agora se vem gloriosamente excedidos dos
cronista exalta a condição cristã e exemplar da Paróquia do Ouro Preto “não só pelo
Católico zelo e excessivos dispêndios com que (para maior culto e veneração do
verdadeiro Deus, e exaltação da sua santa Fé) edificaram suntuosos Templos, e erigiram
Altares”242, mas também “pela majestosa pompa e magnífico aparato, com que (em
demonstrar ‘zelo católico no culto a Deus e na exaltação da Fé’. Considera então tais
comunicação dos povos (...), se empregam com tanto desvelo, e com inimitável
solenidades foram uma “ação tão singular que nem a antiguidade via primeira, nem a
posteridade verá segunda para glória desta nobilíssima Vila por sua seguríssima
solenidades ocorridas em Vila Rica faz “assim mais conhecida, e dilatada na terra do
241
Ibidem ibidem. p 123
242
Ibidem ibidem. p 124
243
Ibidem ibidem. p 124
244
Ibidem ibidem. p 125
245
Ibidem ibidem. p 125
246
Ibidem ibidem. p 125
247
Ibidem ibidem. p 125
66
Torna-se então perceptível o fato de que a alegoria foi utilizada com finalidade
contexto do evento, uma forma de entregar à mente dos indivíduos colocando ante seus
olhos, trazendo aos seus juízos a memória que se deseja que tais indivíduos tenham
consigo. Ao começar a descrever o cortejo Simão Machado comenta que “saiu logo a
Notemos que o comentário do autor torna evidente que a forma como a procissão foi
iconológica advém mais da síntese do que da análise dos elementos, há uma mensagem
Simão Machado. Notemos que o próprio autor nos fornece essa síntese no título
248
Ibidem ibidem. p 47
67
“TRIUMPHO EUCHARÍSTICO, EXEMPLAR DA CHRISTANDADE LUSITANA
em publica exaltação da Fé na solemne trasladação DO DIVINISSIMO
SACRAMENTO da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, para um novo Templo DA
NOSSA SENHORA DO PILAR EM VILA RICA CORTE DA CAPITANIA DAS
MINAS.”249
Adotando o título como síntese dos principais conceitos utilizados para criar a
mensagem alegoricamente cifrada que foi posta a publica notícia por Simão Machado
recebendo a riqueza das minas como prêmio pela difusão da fé católica (1.2 e 2.2.3); a
função da crença e afirmação dos dogmas cristãos (2.2.4); a imagem da Igreja Católica
(2.2.6); e a imagem da Vila Rica, a Corte da Capitania das Minas (2.2.7, 2.2.8 e 2.2.9).
Pela escolha dos termos que foram tipografados em letras maiúsculas, o título também
revela quais conceitos são mais acentuados na composição dessa alegoria do fausto.
Procurando então estabelecer uma síntese das imagens apresentadas no texto de Simão
Vejamos a seguir como essa equação essa premissa se tornam também evidentes nas
249
Ibidem ibidem. Folha de rosto.
68
2.3 – A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar: imagem e discurso
ocidental ocorrido desde meados do século XVI até ao século XVIII250. Um momento
69
marcaram esse momento. Surgida em Roma, a arte barroca foi usada como forma de
papel devocional da imagem. Tais ideais definidos pelas elites diocesanas reunidas em
barroco, mas sim elemento fundamental que estruturou sua ideologia. Logo, a música, a
literatura, o teatro e todas as belas artes serviram de expressão ao Barroco nos territórios
onde ele floresceu: Espanha, França, Itália, Portugal, países católicos do centro da
Europa, e América Latina. Para a Igreja, a fé deveria ser atingida através dos sentidos e
da emoção, não apenas pelo raciocínio. O catolicismo barroco também produziu "autos
espaço cênico, um teatro sacro. Também os chefes de Estado demonstraram seu poder
ao longo de seu tempo e, mais que um estilo artístico, foi um estilo de vida. A
gosto e, ainda no século XVIII, o termo barroco passou a ter sentido pejorativo:
251
Algumas de suas características gerais são: teocentrismo (Deus como centro do Universo); forte
presença de temas religiosos; austeridade; emoção acima da razão; arrebatamento dos sentidos; o
religioso e o profano se misturam; fusionismo (aproximação de idéias contraditórias); uso da alegoria
nas artes (signos, ícones, imagens, metáforas, símbolos); teatralidade e dramaticidade (aspecto cênico e
sentimentalismo intenso); horror ao vazio (ornamentação excessiva, extravagância); grandiosidade
(luxo e ostentação); movimento (efeitos curvilíneos e retorcidos, desequilíbrio, instabilidade);
importância da obra enquanto conjunto (arquitetura, escultura e pintura); contrastes de luz e sombra,
ilusionismo e profundidade (na pintura); uso de paradoxos, antíteses, metáforas e alegorias (na
literatura); obra aberta (possibilita diferentes interpretações e pontos de vista).
70
ciência). Em meio à duvida e à instabilidade do período, o barroco expressa ainda a
limitações técnicas e materiais, o contexto urbano das vilas coloniais mineiras deu ao
Barroco a fisionomia a uma arte local e brasileira que utilizou materiais típicos como o
simplicidade externa dos edifícios das primeiras décadas do século XVIII em Minas
pedra na arquitetura em cantaria dá formas mais soltas e pesadas aos frontispícios dos
templos; bem como maior ornamentação externa pelo aplique de vergas, portadas e
252
um retângulo como base; dois quadrados sobrepostos por pirâmides como torres; um triângulo
entremeando as torres como frontão (que tem como centro um círculo como óculo). Os vazados da
fachada são distribuídos em porta central, portas-sacadas, óculo do coro, seteiras nas escadarias das
torres. Tal configuração atribui às fachadas dos primeiros templos alguns aspectos maneiristas.
71
maior movimento procurando fugir às formas estáticas253. Com o advento do
neoclássico no século XIX, o traço das fachadas tendeu novamente à contensão das
formas254. A planta baixa dos edifícios obedece a um padrão que sofreu poucas
diversos materiais e técnicas ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX256. Pode-se dizer
que a gramática arquitetônica dava certa liberdade de uso e adaptação das obras às
253
As torres são recuadas em relação ao frontão e tendem a assumir formas arredondadas e cilíndricas
arrematadas por delineadas cúpulas em pedra com aba de telhado cuneiforme ou sacadilhas
(Aleijadinho) e encimadas por pináculos ou grimpas. O frontão, entre as torres, se forma como
triângulo interrompido e ondulado elaborado a partir de imensas volutas e rocalhas e encimado por
acrotério. O frontispício passa a ser ricamente ornado com portadas e medalhões escultóricos e as
vergas das portas-sacadas ganham sobrevergas com rocalhas em pedra. Entre as armas e brasões das
irmandades que se fazem representar nas cartelas dos medalhões, há rocalhas, flores, folhas, anjos,
guirlandas e uma variedade de elementos. Algumas vezes os medalhões de portada se estendem por
quase todo o frontispício da igreja, iniciando-se nas vergas da porta e findando-se no frontão. Cimalhas,
vergas, ombreiras, portadas e outros elementos ornamentais substituem a rusticidade das construções
em taipa e adobe pela beleza e solidez da pedra de cantaria.
254
As torres são aquadradadas com quinas cortadas em diagonal promovendo uma movimentação menos
leve e mais sóbria. O frontão se alinha à fachada e às torres, movimenta-se menos e suas formas são
planificadas em apliques e contornos. A portada tende também a uma maior simplicidade eliminando
grandes medalhões escultóricos e adotando cartelas mais modestas.
255
Num primeiro momento as matrizes conservaram a capela mor (ladeada por corredores laterais ou pela
sacristia de um lado e capela do santíssimo do outro), o arco cruzeiro, a nave (que poderia ser apenas a
central com camarotes acima dos altares ou dividida em central e duas laterais; sendo estas encimadas
por camarotes), o coro, o nártex com o tapavento e o acesso à escadaria do coro e torre sineira (no caso
das matrizes também o batistério fica no nártex à esquerda de que entra). A existência dos camarotes
superiores à nave não permite a incidência direta de luz no interior da igreja, tornando o ambiente mais
sombrio na nave em contraste com a maior luminosidade ocasionada pelo óculos existentes nas paredes
laterais da capela mor. Numa segunda fase das construções, os camarotes laterais superiores da nave
são suprimidos e passam a haver óculos diretamente nas paredes laterais externas da nave
proporcionando maior claridade no interior dos templos. Corredores laterais à nave contíguos à capela
mor pela sacristia e pela capela do santíssimo passam a ser adaptados por acréscimo de parede com
meia água de telhado às laterais externas das paredes da nave, facilitando também o acesso aos
púlpitos. Os alares da nave são assentados nas paredes internas e, normalmente, entremeados pelo
púlpito. Num terceiro momento das construções, os corredores laterais à nave tendem a ser menos
utilizados, simplificando assim a planta dos edifícios.
256
Há capelas com fachada chanfrada em três planos com uma porta central (ou três) no nível átrio, três
porta-sacadas no nível do coro, óculo central e uma torre sineira quadrada arrematada com telhado
piramidal em quatro águas e grimpa. Internamente, nártex, nave, arco cruzeiro, capela mor com
corredores laterais ou sacristia e capela do santíssimo. Há também capelas com torre única à esquerda
ou à direita; casos em que a capela é um quadrado com vazados de porta central e portas-sacadas,
encimado por frontão triangular e, no adro, um campanário isolado. Casos em que sineiras são
adaptadas às laterais do frontão por acréscimo de torre. Casos em que a sacristia a capela mor e a capela
do santíssimo se integram, que há um só púlpito ou um só corredor lateral à nave. Casos de
frontispícios planos e quadrados com frontão triangular integrando torre única central.
72
necessidades, aos recursos materiais e financeiros que envolviam o processo de
século XVIII, além dos técnicos especializados vindos de Portugal, outros vão se
partir da aprovação do risco, abria-se concorrência em toda a região para o início dos
trabalhos. A proposta mais vantajosa era aceita, e seu proponente nomeado arrematante.
totalidade das obras. Eram comuns várias concorrências específicas para a parte
parte posterior do altar) apresentam três estilos artísticos distintos, que expressam a
257
Pedreiros, canteiros (entalhadores de pedra), rebocadores, carapinas (serviços de carpintaria fina e
marcenaria), escultores (ornamentação em pedra), entalhadores (decoração interna dos templos em
madeira), santeiros, estatuários ou imaginários (confecção de imagens), pintores e douradores (pintura e
douramento da ornamentação), arquitetos, mestres de risco (ou a planta) e de traço (ou desenho).
73
O retábulo Nacional Português é denominado 1ª fase (1710 a 1730)258. O
retábulo Joanino (2ª fase, de 1730 a 1760)259, gosto comum durante o reinado de Dom
Rococó ou Dom José I (3ª fase, a partir de 1760)260 advém de ornamentação originada
na França. Após a morte de Dom João V no ano de 1750, sobe ao trono Dom José I, que
rococó foi então um estilo artístico imerso na cultura barroca; contudo, mais leve,
258
apresenta colunas torsas (ou retorcidas) profusamente ornamentadas com motivos fitomorfos (folhas
de acanto, cachos de uva) e zoomorfos (aves, geralmente pelicanos). Essas colunas são encimadas por
capitéis compósitos ou coríntios, que sustentam entablamentos decorados com perolados. Sobre os
entablamentos o coroamento formado por arquivoltas concêntricas das mesmas colunas torsas.
Douramento profuso e policromia em azul e vermelho. Algumas vezes há nichos nas laterais de
camarim do altar, tendo também o camarim pouca profundidade, podendo se sobressair em relação às
colunas que fazem a lateral do próprio a imagem que normalmente é sustentada por um vaso de
cântaro. Há casos (como na Sé de Mariana) nos quais o camarim é composto por uma tela.
259
apresenta excesso de motivos ornamentais com predominância de elementos escultóricos, coroamento
com sanefas e falsos cortinados com anjos, revestimento com policromia em branco, dourado e
marmorizado. Há duas ocorrências distintas e sincrônicas, uma no Porto e outra em Lisboa. Sendo mais
comum no Brasil a variação Dom João V de Lisboa, na qual os retábulos se sustentam por colunas
torsas ou por colunas salomônicas de capitéis coríntios ou compósitos. Os entablamentos apresentam
frisos, dentilhados, perolados, arquitrave, cornija e sustentam arcos interrompidos. O arremate superior
é composto por dosséis salientes e cortinetes em lambrequíns (os dosséis também aparecem na
decoração dos sacrários e nichos), o dossel sobre o camarim normalmente é assentado sobre quartelões
ricamente decorados por grupos e/ou figuras antropomórficas isoladas. Presença também dos elementos
fitomórficos, conchóides e geométricos (curvas, contracurvas, angras e outros), presença de dourado,
faiscado e marmorizado. O camarim é mais profundo que na fase anterior e a imagem do santo é
colocada sobre um trono em degraus ou em base entalhada. Possui também forte douramento.
Ornamentação com elementos atropomorfos (querubins, serafins, putis, anjos anunciantes e atlantes),
zoomorfos (pelicanos, fênix, águias) e fitomorfos (flores e guirlandas). A variação Dom João V do
Porto é caracterizada por ter apenas um quartelão e um nicho ao lado do camarim. O quartelão (que
ocupa as laterais do camarim) formado por curvas, volutas e angras, é encimado por capitéis coríntios
ou compósitos sobrepostos por um entablamento decorado por perolados e frisos. O entablamento
sustenta segmentos de arcos nos quais há anjos anunciantes. O retábulo se prolonga mais ainda
verticalmente numa repetição formal dos segmentos de arcos e coroamento por cortinete em
lambrequim. A tribuna do altar ganha maior profundidade e degraus formam o trono da imagem
central. O camarim é sobreposto por um contido dossel com rendilhados. Profuso douramento.
260
Os retábulos são estruturados a partir de colunas de fuste liso ou estriado (quando estriado pode ter o
terço inferior retorcido) encimadas capitéis coríntios ou compósitos que são sobrepostos por
entablamentos entalhados em retículas, com perolados, dentilhados e policronia em faiscados e
marmorizados. Remate superior do camarim feito em arco pleno com coroamento encimado por grande
composição escultórica em rocallhas, curvas e volutas, ou em arbaleta. Ornamentação com forte
presença de rocalhas e profusão de elementos fitomorfos (cravos, girassóis, crisântemos) baseados no
estilo rococó francês (rocalhas, conchas, laços, guirlandas e flores). Revestimento com fundos brancos,
marmorizado, policromia em tons pastéis, pintura de temas em medalhões de rocalhas e douramento
discreto nas partes principais da decoração. Com exceção à obra do Aleijadinho, são utilizados poucos
elementos antropomorfos (anjos).
74
A trajetória evolutiva da pintura religiosa em Minas Gerais demonstrou
de madeira com temas bíblicos emoldurados e afixados isoladamente nos tetos (forros
Com a Trama Rococó263 a pintura passa a ocupar todo o forro com grandes cenas
votos, obra encomendada pelo devoto em sinal de agradecimento por graça alcançada;
que tinha a função não apenas de registrar uma graça, sendo também um atestado de Fé
e cristandade, uma notícia que traria estímulos exemplares do culto aos santos.
261
Perspectiva originada dos livros de cenografia teatral. É composta de uma densa e pesada trama
arquitetônica com painel central contento o tema ou por figuras em sacadas e parapeitos de cúpulas.
Cria a ilusão de prolongamento da estrutura arquitetônica, embora esse efeito proporcione peso e
densidade ao forro. São utilizados tons fortes e escurecidos com sombreamento
262
O contorno clássico dos elementos por uma linha margem dá lugar ao forte contraste de cores para que
sejam diferenciadas e delimitadas as imagens. A cena parece ser iluminada por uma das diagonais
superiores, e os contrastes de luz e sombra dão a noção de movimento e volumetria. O método favorito
empregado pelo barroco para ilustrar a profundidade espacial é o uso dos primeiros planos super
dimensionados em figuras trazidas para muito perto do espectador e a redução no tamanho dos motivos
no plano de fundo. Outras características são a tendência de substituir o absoluto pelo relativo, a maior
rigidez pela maior liberdade, predileção pela forma aberta que parecem apontar para além delas
próprias, ser capazes de continuação. Uma tentativa de suscitar no observador o sentimento de
inesgotabilidade e infinidade de representação.
263
As estruturas arquitetônicas representadas na pintura se integram à verdadeira cimalha do edifício com
colunas e parapeitos em que se debruçam personagens bíblicos, anjos, santos e doutores da Igreja
circundando a cena central; a qual é inserida num medalhão de rocalhas que, ligado às colunas da
pintura, sugere ao observador a ilusão de que o teto se abre para uma visão celestial, rompendo assim o
espaço arquitetônico do templo. Esse efeito chamado trompe l'oeil foi desenvolvido em Roma pelo
padre italiano Andre Pozzo na decoração do forro da Igreja de Santo Inácio. Em Ouro Preto, Manuel da
Costa Ataíde se aproximou do ilusionismo de Pozzo com a pintura do forro da Igreja de São Francisco
de Assis. Utilização de rocalhas, gruilandas, vasos, flores, conchas, mascarões e figuras humanas e
angélicas integrando o parapeito e as colunas ao tema central. Predominam cores como azul e vermelho
em tons pastéis. No século XIX, simplificou-se a trama arquitetônica em favor de apenas um parapeito
contínuo e uma cena religiosa centrada em um medalhão composto por rocalhas ou nuvens.
75
Com o fim da tradição barroco-rococó instaurou-se o neoclássico. A evolução
ornamentação interna em talha é restrita aos retábulos que são simplificados em formas
mas também das verdades reveladas aos homens sobre os desígnios de Deus,
264
consignados nos Livros Sagrados. Há quatro categorias para “classificar as imagens
sacras a partir de sua inserção nos locais de origem” 265: retabulares; processionais; de
decoração interior dos templos. Cada altar possui seu santo padroeiro colocado em
imaginária os códigos de figurações simbólicas são expressos por gestos, atitudes, tipo
santos e que podem ser subdivididos em dois grupos: atributos coletivos266 e atributos
por ouro, prata e recebem além dos atributos, adornos (colares, brincos) em metais
nobres (ouro, prata). A imagem religiosa é empregada não só como uma simples
264
CUNHA, Maria José Assunção da. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IAC, 1993. pp 13
265
GUTIERREZ, Angela. O Livro de Sant’Ana. Belo Horizonte: Inst Cultural Flávio Gutierrez, 2001. p 14
266
símbolo que juntamente com a indumentária fornecem elementos de reconhecimento dos santos, mas
comuns a muitos deles, são incapazes de por si próprios individualizarem-se.
267
símbolos que caracterizam fatos ou situações particulares da vida ou morte de cada santo que somados
à indumentária e aos atributos possibilitaram a identificação das imagens.
76
mediação entre o ser humano e Deus. A expressão, a túnica, a indumentária, o atributo
imagem popular apresentou lúdicas variações, pois o santeiro na maioria das vezes
estético268 que lhe dá a condição de obra de arte. Outro aspecto a ser levado em
Imagem (barro, madeira, marfim, osso, pedra, etc...). Grande parte dessa produção é
268
As primeiras imagens chegadas à região mineira foram geralmente trazidas pelos bandeirantes e
tinham influência maneirista do século XVII. Sua composição é definida por formas contidas e atitudes
sóbrias. A indumentária privilegia linhas retas, modelatura estática, acentuando a simplicidade e a
rigidez da figura. A fisionomia é severa e parada, não revela expressividade. A partir da quarta década
do século XVIII, a escultura, já apresenta os princípios da estética barroca que se caracteriza por formas
exuberantes, pelos movimentos contrários que se ordenam em torno de um ou vários eixos, seguindo as
leis da rítmica e não mais da geometria. Os tratamentos fisionômicos enfatizam-se na expressão
espiritual do êxtase do patético, ou demonstram sofrimento e tensão dramática. Nas últimas décadas
dos setecentos, inicia-se o domínio rococó, estilo que valoriza o requinte, a delicadeza e a elegância. As
imagens com atitudes graciosas, galantes e sutilmente sensuais são trabalhadas em policromia suave e
leve apresentando, algumas vezes, trajes do século XVIII. Em Minas, à tendência da imaginária Rococó
é assimilada dramatização barroca, o que não ocorre, porém, nos oratórios desse período, que já
ganham, decorações e policromia em tons alegres com predominância de motivos florais, rendilhados e
rocalhas de estrutura escorregadia e assimétrica. A partir dos meados do século XIX evidencia-se em
minas Gerais a influência neoclássica; e a imaginária acompanha a nova corrente estilística. Passam as
imagens a representar ar mais sóbrio, racional, com postura estática, harmonizando-se pelo equilíbrio.
A figura se organiza de forma simétrica seguindo os planos clássicos. A expressão fisionômica
comunica uma suave expressividade e uma beleza serena.
269
Contudo, de uma “variante da pedra sabão, a branca, foram feitas as imagens dos assim chamados
oratórios Dom João V”. In ETZEL, Eduardo. Imagem Sacra Brasileira.. p 40
270
Fase na qual o suporte ganha forma escultórica e em seguida é lixado para a correção de arestas. No
caso das imagens de olhos de vidro que só se identificaram no Brasil por volta dos setecentos um corte
longitudinal separa a cabeça da face possibilitando a edocação dos olhos, posteriormente as duas partes
são unidas e coladas, ficando a função encoberta pelas etapas seguintes.
271
Preparação para o douramento e pintura. A imagem é completamente revestida por camadas sucessivas
de gesso e cola, e, após isso, se previsto o douramento, óxido de ferro dissolvido em cola (bolo
armênico em mordente) para dar fixação ao ouro.
272
Aplicação de ouro geralmente em filetes sobre o aparelho. A douração pode ser total ou parcial.
273
Pintura sobre a douração e/ou sobre o aparelho para compor a indumentária.
274
Pintura sobre camadas do aparelho, reservada às partes não vestidas da imagem (rosto e membros).
275
Os desenhos são obtidos pela retirada de tinta do panejamento por meio de um estilete de modo a
tornar aparente, nas partes desejadas, o revestimento em ouro (esgrafiado). Há ainda técnicas de
decoração utilizadas durante o aparelhamento e o douramento ao criar no aparelho desenhos em auto-
relevo (postilhamento) ou em baixo-relevo (punção).
77
imaginária tradicional, existem ainda os curiosos santos de roca e de pau oco276. As
articulada, coberta por vestes, acessórios naturais, perucas de cabelo natural e com
plástica (...) é um teatro de princípios teológico-políticos (...) como se pode ver nos
276
Imagens de porte médio esculpidas em madeira que, tendo as costas abertas em um vão para evitar que
rachaduras por variação climática, tinham esse espaço utilizado para o contrabando de ouro.
277
Luxuosamente vestidas com mantos de fios de ouro e pedras cravejadas, com avantajadas coroas
trabalhadas em metais nobres, desfilavam em andares floridos como atores. Tenta-se reproduzir a
anatomia humana e alguns aspectos como articulação e policromia dão caráter plástico à imagem de
roca. Sua composição estrutural apresenta o seguinte esquema: imagens cujo corpo é composto por
tiras gradeadas imita o contorno atômico; imagens com o tórax simplificado e o restante do corpo em
ripas gradeadas; imagens de corpo inteiro mas de anatomia simplificada; imagens de corpo inteiro com
vestes esboçadas. A designação genérica de “Santo de Roca” deve-se ao fato de sua indumentária ser de
panos reais tecidos no instrumento de reino nobre (a roca) ou pelos gradeados se familiarizarem com
uma espécie de rede para pesca.
278
ALVES, Célio Macedo. Um Estudo Iconográfico. In: COELHO, Beatriz (org). Devoção e Arte:
Imaginária Religiosa em Minas Gerais. São Paulo: Edusp, 2005. pp 69-121. p 69.
279
MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. O Grande Livro da Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. p 466
280
HANSEN, João Adolfo. Teatro da memória: monumento barroco e retórica. In: Revista do IFAC.
Universidade Federal de Ouro Preto. Nº 2, dezembro de 1995. pp 40-54
78
2.3.2 – Teatro Sacro: alegorias de um discurso teológico-político.
igreja se tornou um teatro sacro, que os atos litúrgicos assumiram aspecto espetaculoso
povoado se media pela suntuosidade ornamental de sua igreja matriz, que a opulência
do ouro era considerada uma dádiva divina e, que a glória de deus era a glória do
permeiam a festa barroca e a pública escritura utilizada como registro dos exemplares e
discursivas entre a festa, o texto e o templo. Afinal, se “Dom João V foi o rei da euforia
do ouro (...) e o Conde das Galvêas o embaixador de sua pompa (...), o autor do Triunfo
281
ÁVILA, Afonso. Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais. vol. I, p 105
79
A classificação geral dos retábulos utilizados para a ornamentação interna dos
templos durante o ciclo barroco-rococó em Minas Gerais denomina como segunda fase
o estilo joanino, ou Dom João V. Devemos aqui pontuar o fato de que os trabalhos de
em Minas Gerais. A arte que se produziu nesse momento é tão inebriada, ostensiva e
282
Houve uma antiga capela de Nossa Senhora do Pilar feita em madeira e taipa no local do atual templo;
o qual foi construído sob administração da Irmandade do Santíssimo Sacramento com projeto atribuído
ao sargento-mor e engenheiro Pedro Gomes Chaves, sendo João Fernandes de Oliveira o arrematante
da obra principal. A construção em adobes e taipa foi iniciada pela nave a partir de 1728-30. Foi
demolida a antiga capela que servia como capela-mor provisória da atual em 1731 (ocasião em que o
Santíssimo Sacramento e Imagens foram trasladados para a Capela do Rosário dos pretos). A estrutura
arquitetônica do novo templo foi concluída em 1733 (ano do Triunfo Eucarístico). Entre 1735-7 a
ornamentação da nave foi realizada integrando seis altares e dois púlpitos laterais em talha dourada. Os
altares Santo Antônio e NS Dores (1º e 3º do Evangelho) antecedem aos outros quatro da nave e talvez
sejam da capela primitiva, mas com os coroamentos refeitos por Antônio Francisco Pombal. Não há
documentação a respeito desses altares laterais e púlpitos, os quais foram construídos por confrarias
particulares. Todo esse conjunto deve se situar no período compreendido entre 1730 e 1740. A
reconstrução e talha da capela-mor entre 1741-54 foi um período conturbado pela falência do
arrematante Antônio Francisco Pombal em 1744 e morte do entalhador Francisco Xavier de Brito em
1751, ano em que foi concluído o arco-cruzeiro. Reconstrução da abóbada da capela mor em 1770. Os
trabalhos de pintura,marmorização e douramento perduraram até 1774 e são atribuídos a João de
Carvalhais e a Bernardo Pires. Em 1781 foi feito reparo urgente em uma torre. Em 1818 uma parede
ameaça ruir e em 1825 houve substituição da parede de taipa do lado da Epístola por alvenaria de
pedra. Em 1848 foram terminados o frontispício e a torre do Evangelho. A fachada da igreja ganha a
configuração atual com aspecto neoclássico. O imóvel foi objeto de tombamento individual pelo
IPHAN, conforme Processo nº 75-T Inscrição nº 246 - Livro de Belas Artes, Fl. 42, em data de 8 de
setembro de 1939. Entre 1952-65 houve obras de restauração realizadas pelo IPHAN (recuperação dos
trabalhos de douramento e pintura). O Museu de Arte Sacra foi instalado em espaço adaptado no porão
sob a sacristia no ano 2000 e reúne peças de escultura, prataria e alfaias pertencentes à paróquia. Dados
coligidos a partir de: Fundação João Pinheiro. Dossiê de Restauração. Plano de Conservação,
Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana. 1973/1975; BAZIN, Germain. A arquitetura
religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. v I e II; e BARBOSA, Waldemar de
Almeida. Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais; e de informações fornecidas pela paróquia.
80
Quanto aos aspectos técnicos, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar
capela-mor e sacristia (com consistório no segundo pavimento), cujo acesso é feito por
corredores laterais encimados pelas tribunas da capela mor. A forma poligonal da nave
advém de uma estrutura postiça de madeira com pesados esteios que suportam a
armação dos retábulos e das tribunas prolongando-se até a cobertura. Essa forma
confere à nave um aspecto elíptico que cria maior efeito de movimento para o conjunto
parte posterior com os corredores que levam à sacristia e permitem também o acesso aos
estilo de Francisco Xavier de Brito, já num momento considerado como estilo joanino
abóbada representa a Última Ceia. Integradas à talha das sobrevergas das tribunas da
283
quatro painéis com os quatro evangelistas (registro parietal superior, nível das tribunas laterais); um
painel representando coluna com trigo e outro com arvore ceifada envolvida por ramos de uva (registro
parietal intermediário); e quatro painéis para as estações do ano (registro parietal inferior)
81
No que diz respeito ao conceito de teatro sacro, notemos que a estrutura
notemos que a utilização de recursos como a marmorização (pintura sobre madeira para
cria efeito de mármore) cria uma ambientação ainda mais cênica. Percebemos também o
camada de ouro sobre madeira. Às ilusões não se conferia o caráter de falsidade, pois já
luxuosos objetos de cerimoniais284 que ‘davam ao culto aspecto mais digno e elevado’.
ornato para as bocas de cena dos palcos, encimados por dossel que se abre em
ritual se confunde com o espetáculo. A cena determina os atos de uma sociedade que
afirma suas relações nesse espaço. Os espaços determinados pelo projeto arquitetônico
definem usos e classes: a nave é destinada aos fiéis, que reunidos em irmandades se
no piso térreo. E como por coxias de um palco, o sacerdote saía da capela mor, passava
pelos corredores irregulares que eram camuflados pela ornamentação da nave e aparecia
284
Prataria, imagens e alfaias pertencentes à paróquia e hoje reunidos no Museu de Arte Sacra: turíbulos,
navetas, âmbulas, cálices, patenas, galhetas, sacras, salvas, caldeiras e asperges, espivitadeira, varas e
cruzes processionais, custódias, ostensórios, palmas, castiçais e tocheiros, recipientes para os santos
óleos, esquife, pedras de penitencia, paramentos, e a mesa de Eça utilizada nas exéquias (de corpo
ausente) de D João V. Num dos corredores laterais à capela mor podem hoje ser observados curiosos
quadros representando: um mulato como demônio; a morte (esqueleto acompanhado por atributos
macabros como ampulheta, pira, foice, tíbias cruzadas); a ressurreição do cristo; e a fama (figura
feminina).
82
eloqüente do sacerdote era iluminada pelo Divino Espírito Santo que, representado no
abaixa-voz do púlpito, pairava sobre sua cabeça como pairara antes sobre a do Cristo no
Rio Jordão. O espaço anterior à nave (entre a porta central da igreja, o tapa-vento e o
que divide a nave da igreja em dois espaços, local onde é ministrado o sacramento). É
mister observar que tais posições definem uma hierarquia social. O uso dos espaços no
os nobres, que vêem o povo de cima. Quanto à ascendência espiritual, notemos que, ao
entrar pela porta do templo, classificam-se os não batizados (no nartex), os fiéis (na
comum, não iniciado na prática do auxílio dos rituais, apenas adentraria a capela mor
Ainda se faz importante ressaltar o sentido simbólico que tem o espaço destinado aos
fiéis leigos, a nave. O termo nave significa nau, embarcação. Remete à transcendência
homem ao paraíso após a morte e o juízo final. Durante o ritual, a profusa utilização de
83
proporcionado pela ornamentação do templo e pela pompa da liturgia, criam o mais
santos; o olfato sente a pureza do incenso; os ouvidos percebem os coros dos anjos; o
vida eterna ao lado de deus pai todo poderoso; as mãos rendem graças e súplicas a deus,
o tato conta o rosário. Também a morte se fazia presente durante os rituais pelo cheiro
exuberância e o impacto dessa cena tendem a envolver o homem barroco, procura nele
despertar a mais profunda emoção para que a fé seja instituída juntamente com a ordem
que se estabelece no rito. Esse espaço cênico produz uma impressão naqueles que se
encontram ali inseridos; e há uma clara demonstração dos extratos que compõem a
sociedade e um evidente destaque para aqueles aos quais a sociedade confere destaque
por sua formação religiosa, ou por seus títulos de nobreza. “’É nesse teatro que as
pessoas encenam, então, o papel que cada uma delas assume dentro da rígida e
Trindade, representado por meio de uma alegoria composta por três figuras dispostas na
uma pomba com raios de luz (representando o espírito santo). Cristo é representado
285
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 72
84
como homem jovem com os estigmas da paixão e sustendo a cruz do martírio; Deus Pai
porta do sacrário (no qual ficam guarnecidas as hóstias consagradas depositadas em uma
do sepulcro com a cruz nas mãos, ao lado do sepulcro, madalena vê a tumba vazia). No
com anjos de diversos tipos, dentre os quais podemos destacar: anunciantes (anjos de
altar sobre o dossel e sobre os arcos interrompidos apontando para o trono do altar ou
para a alegoria da trindade); putis (ou no singular, puto, não tem asas, são criancinhas de
colo); adoradores (anjos vestidos de aparência adulta ajoelhados e com as mãos postas
em prece); querubins (cabeças de anjos com um par de asas cada, representam maior
pureza por apresentarem menor porção de matéria); atlantes (anjos de feição adulta com
vestimenta e posicionados sob as colunas do altar como se sustentasse seu peso sobre as
costas, remetem a Atlas). A talha do altar mor parece se alastrar pelas paredes na
286
Por vezes a figura de Deus Pai, o Criador, é também representada com a orbi em uma das mãos
(remetendo à criação divina).
287
Os painéis de talha já apresentam algumas rocalhas (elementos do rococó, posteriores à ornamentação
joanina do templo mas intergrados harmonicamente ao conjunto).
85
Os painéis de pintura existentes nas paredes da capela-mor são dispostos,
conforme as regras do decoro, em nível ascendente de acordo com o teor dos temas. Os
Senhor (que também é a palavra da salvação) e são exemplos da salvação pela Fé.
Devemos ainda lembrar que João remete também à escatologia (aos fins últimos do ser
humano como a morte, o juízo, o purgatório, o inferno e o paraíso), uma vez que é
também autor do livro do Apocalipse (ou livro dos sete selos). No mesmo nível em que
ramos de trigo sobre uma coluna: remete à eucaristia por trazer o trigo, do qual é feito o
pão, que representa o corpo de cristo; e à força e à segurança pelo sacramento, por trazer
a coluna. O outro painel representa uma árvore ceifada (que remete à morte) envolvida
por ramos de uva (remetendo ao vinho e, logo, a sangue de cristo). Nesses painéis o
alto da capela mor, um painel circular aplicado no centro do forro (em abóbada de
aresta) representa a Última Ceia, momento em que Cristo instituiu o rito eucarístico.
288
Os atributos de São João Evangelista “são a águia, o livro dos evangelhos e a pena, a caldeira de óleo e
a palma do paraíso. (...) A águia simboliza a ascensão aos céus”. São Lucas, patrono dos médicos e
pintores, “tem como atributos o boi, com ou sem asas, o livro dos Evangelhos e um quando com a
imagem da Virgem. O boi simboliza o sacrifício de Cristo”, e o quadro remete à tradição de que ele “foi
o primeiro pintor da Virgem”. São Marcos “tem como atributos o livro, a pena, o leão alado e o livro
dos evangelhos. O leão simboliza Cristo na ressurreição”. São Mateus tem como atributos “um anjo ou
um homem alado, o livro dos evangelhos, uma pena e uma lança”; “exercia a profissão de cobrador de
impostos (...) quando Cristo o convidou para se apóstolo. (...) é invocado contra o pecado capital da
avareza” Conforme CUNHA, Maria José Assunção da. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IAC,
1993. p 47
86
O arco-cruzeiro é encimado por uma tarja ladeada por dois anjos anunciantes
(um a cada lado) que sustentam acima dela (da tarja) uma coroa (a qual representa a
majestade celestial de Maria e sua coroação pelos anjos). A tarja tem ao centro uma
cartela com a imagem de Nossa Senhora do Pilar sustendo na mão esquerda o Menino
Jesus e na Mão direita uma custódia com o Santíssimo Sacramento. A iconografia dessa
Sacramento, que congregava os ‘homens bons’ das principais vilas, foi uma das mais
Santo Estevão, esmorecido pelas perseguições aos cristãos, foi pregar o Evangelho na
289
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 72
290
Nossa Senhora da Angústia ou das Dores, da Anunciação, da Assunção ou da Glória, do Bom parto ou
do Bom Sucesso, da Imaculada Conceição, do Desterro ou da Fuga para o Egito, da Expectação do
parto ou do Ó, da Piedade, da purificação (da Luz, da Candelária ou das Candeias), da Soledade, da
Visitação.
291
Nossa Senhora dos Anjos ou da Porciúncula, Madre de Deus, Mãe dos Homens.
292
Nossa Senhora da Ajuda ou do Amparo, da Boa Morte, da Boa Viagem ou dos Navegantes, das
Mercês, das Necessidades, dos Remédios, da Paz.
293
Nossa Senhora de Belém, do Carmo, da Lapa, do Montserrate, de Nazaré, da Penha de França, do
Pilar, de Fátima, de Lourdes.
294
Nossa Senhora Divina Pastora, das Neves, do Rosário ou de Pompéia, do Terço.
295
CUNHA, Maria José Assunção da. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IAC, 1993. p 30
296
Idem. p 30
87
As hagiografias (histórias sobre a vida dos santos) “estão entre as narrativas da
Sobrelevam aspectos de devoção (...) e terão sido os únicos livros que, durante séculos,
Nosso Senhor dos Passos, Sant’Ana, e São Miguel (no lado da epístola); e de Nossa
Senhora das Dores, Nossa Senhora do Rosário, e Santo Antônio (no lado do evangelho).
O Senhor dos Passos representa o Cristo carregando a cruz às costas quando da sua
muito acentuado no culto religioso durante o século XVIII. No que diz respeito à
utilização e fatura das imagens do Senhor dos Passos em Minas Gerais, notemos que
“trata-se de figuras processionais, por isso mesmo de roca e articuladas, que saem em
aos brancos”299, ricos, e muitas vezes aos militares. Juntamente com o Senado da
Câmara, eram responsáveis pelas obras de construção e ornamentação das capelas dos
passos300. O culto a Santana “tem uma ligação estreita com a formação de Minas Gerais.
297
Ibidem. p 11
298
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 84
299
Idem. p 84
300
Conjunto de pequenas capelas com representações da via sacra e inseridas na malha urbana da vila de
acordo com o trajeto das procissões, levava para o urbanismo colonial a teatralidade do ritual religioso.
A Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos foi constituída em Vila Rica aos 20/5/1715. Em 1717 a
Procissão dos Passos já era realizada no domingo de ramos. As capelas dos passos foram construídas a
partir de 1728 com pagamentos entre 1728-34 a Manoel Francisco Lisboa pela fatura dos Passos da rua.
Em 1786 a irmandade decidiu reconstruir as capelas em local mais conveniente. Foi o 1º passo
reconstruído entre 1788-92 em obra arrematada por Antônio de Barros. Estrutura autônoma e isolada.
Encontro do Cristo com Verônica representado em painel pintado por Athaíde (tela levada para o
Museu de Ate Sacra do Pilar). Também o Capitão-mor José Bento Soares recebeu pagamentos em 1843
pela obra do Passo de Antônio Dias (na rua Bernardo de Vasconcelos, antiga rua Direita de Antônio
Dias). Dados coligidos a partir de: Fundação João Pinheiro. Dossiê de Restauração. Plano de
Conservação, Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana. 1973/1975. / Simões, Josanne
Guerra & Furtado, Júnia Ferreira. Ouro Preto Revisitada: roteiro histórico de seus monumentos
esquecidos. 1981 / BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro:
Record, 1983. v II / e www.iphan.gov.br
88
igrejas matrizes. (...) O culto à mãe da virgem é bem antigo.”301 Na Igreja Oriental, em
Constantinopla, foram edificados em sua honra dois templos nos anos 550 e 705. Na
Igreja Ocidental “o culto a Santana ganharia relevo desde meados do século VIII,
segundo consta no livro pontifical do tempo de São Leão III, por mando do qual pintou-
tendo a seu lado esquerdo a Nossa Senhora menina, cujo olhar fixa-se atentamente no
livro apoiado no colo da mãe. Associadas à devoção a Santana estão as devoções a São
Joaquim e São José, que formam com Maria e Cristo a Sagrada Família. Por sua vez, a
devoção a São Miguel e Almas está “vinculada às irmandades para resgate das almas do
representação em Minas Gerais está inserida numa “tradição iconográfica que resulta na
forma de mesclar duas cenas em uma só: a pesagem das almas [psicostasia] e a peleja
esquerda uma balança; e pela alusão ao Apocalipse (12:7-8) aparece vestido como
guerreiro “portando uma lança (às vezes trocada por uma espada), com a qual desfere o
golpe mortal contra o demônio, que vem pisoteado a seus pés”307. Por uma “mudança de
sentimento por parte dos Irmãos das Almas, que começam a deixar-se sensibilizar pelo
301
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 74
302
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 74
303
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 74
304
Santana Mestra é a variante mais recorrente em Minas Gerais. A outra variante, a Santana Guia
(apresenta a Santa de pé trazendo Maria menina ao colo ou guiada pela mão) é pouco comum em Minas
Gerais, mas recorrente no nordeste brasileiro. Conforme ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 75
305
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 73
306
Idem.
307
Ibidem.
89
tema relacionado à Paixão de Cristo”308 a partir do final do século XVIII, pode-se
sacrário. A devoção a Nossa Senhora das Dores se insere nos ciclos que procuram
que somente no início do século XVIII o culto veio a obter certa singularidade (...)
como pública e específica desde que o Papa Benedito XIII, em 22 de agosto de 1727.
ordenou aos católicos rezar sobre as sete Dores de Nossa Senhora”309. Em Portugal o
culto foi instituído em 1761 na cidade de Braga pela Congregação do Oratório Divino.
É representada de pé, “com vestimenta roxa, tendo seu peito trespassado por sete
punhais às vezes substituídos por apenas um punhal ou por um diadema com sete
abençoando o mundo”313 (criança nua representando Jesus sobre a orbi), a qual se insere
no ciclo cristológico por representar Jesus com imagem de sua infância. No que diz
respeito a Nossa Senhora do Rosário (e os santos negros São Benedito, Santa Efigênia,
Santo Elesbão e Santo Antonio do Noto), o culto chega às minas “ao mesmo tempo em
308
Idem Ibidem. p 74
309
Ibidem Ibidem. p 81 – A saber: “1ª A profecia de Simeão: uma espada de dor trespassará sua alma”; 2ª
a fuga para o Egito; 3ª Perda do Menino Jesus no Templo; 4ª Encontro da Virgem com Jesus a caminho
do calvário; 5ª Morte de Jesus; 6ª Quando recebe o corpo de Jesus morto (a Piedade); 7ª a Soledade de
Nossa Senhora após o enterro de Jesus.” ALVES, Célio. p 92
310
Ibidem ibidem. p 81
311
Conforme apontado em NASCIMENTO, Adalgisa Arantes do. Introdução ao Barroco Mineiro:
cultura barroca e manifestações do rococó em Minas Gerais – Belo Horizonte: Crisálida, 2006. p 14
312
a qual desapareceu ainda na primeira metade do século XVIII, mas que deixou sua existência
registrada no cortejo do Triunfo Eucarístico
313
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 84
90
que os santos ‘bandeirantes’ (Nossa Senhora da Conceição, Santana e São José)”314. Sua
Congo pelos dominicanos (...) no ano de 1570”315. O culto migrou para o Brasil através
dos navios negreiros como um “verdadeiro símbolo da redução dos africanos à religião
católica”316. Considerado uma forma superior de culto a Nossa Senhora, o Rosário “foi
instituído sob a inspiração da Virgem Maria, por São Domingos de Gusmão (...). Seu
surgimento está ligado a um fato histórico concreto: a investida dos cristãos contra os
Álamo de Rupe por volta de 1470. O também dominicano Papa Pio V “atribuiu às
virtudes milagrosas do Rosário a vitória das forças cristãs sobre os turcos, na famosa
advogar causas justas e menos justas junto à Virgem e ao Menino Jesus; de interceder
314
Idem.
315
Ibidem.
316
HORNAERT, Eduardo (Org). História da Igreja no Brasil. p 384
317
ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 70
318
Idem.
319
“com os quinze mistérios (cinco gozosos, cinco dolorosos e cinco gloriosos; os quinze Padre-nossos,
as 150 Ave-Marias e as Litanias). (...) o Papa Joao Paulo II instituiu os denominados ‘mistérios
Luminosos’, elevando paa vinte o número dos mistérios” ALVES, Célio Macedo. Op. Cit. p 70; 91.
320
Ibidem. p 73
321
Idem Ibidem. p 73
91
apontar o fato de que a religiosidade leiga atribuiu ao culto dedicado aos santos e à
dos temores, aspirações e alegrias dos fiéis. Em troca, recebe imagens, jóias, altares e
festas. (...) Santo e ouro, eis a mistura explosiva que forma as Minas Gerais”322.
dos sete selos (Apocalipse) remetendo à segunda vinda de Cristo (durante o juízo final).
pode ser observada no painel central do forro da nave, no qual o cordeiro é representado
deitado sobre a cruz (símbolo do martírio do Cristo) 323. Ainda na nave, sustentados por
hastes que se integram à ornamentação, projetam-se acima dos retábulos laterais até o
nível das tribunas seis pássaros de cujos bicos pendem lustres324. Por sua morfologia
indefinida, a tais aves já foram atribuídos os sentidos de fênix, pelicano, e/ou águia.
Observemos aqui a semelhança dessa imagem com alguns dos atributos de São João
paraíso. (...) A águia simboliza a ascensão aos céus”325. A João são atribuídos o Quarto
Evangelho, o Apocalipse e três Cartas. Notemos que muitas vezes a caldeira de óleo tem
(águia).
322
Ibidem ibidem. p 69-70
323
Os demais painéis do forro da nave representam cenas do Antigo Testamento (Sodoma e Gomorra,
mulher tentando seduzir José, Judite com a cabeça de Holofernes, Sacrifício de Isac,) e os doutores da
igreja (Jerônimo, Gregório, Ambrósio e Agostinho).
324
Que iluminavam a nave provocando um lúdico efeito cênico de contraste e movimento pela luz das
velas incidindo sobre a talha e as imagens.
325
CUNHA, Maria José Assunção da. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IAC, 1993. p 47
92
Voltando à capela-mor, observemos que, no mesmo nível em que se encontra a
posicionadas sobre as vergas das tribunas das paredes laterais. Duas delas são anjos
paraíso representa o martírio do cristo e de sua vitória sobre a morte pela ressurreição).
trazem cada qual seu atributo: uma cruz; uma âncora; três crianças; uma serpente. As
quatro figuras do lado da epístola trazem: uma espada; uma coluna; uma trombeta; e um
deriva do termo latino “virtus, utis, ‘força corpórea; ânimo, valor, bravura, coragem;
o termo virtude tem as seguintes acepções: “qualidade daquele que se conforma com o
comportamento social, do dever, da eficácia, etc. (...) conformidade com o Bem, com a
finalidade, utilização, etc com eficácia, bom rendimento, mérito, propriedade”328. Para o
excelência ou perfeição deste ser”329. Aplicada à condição humana, “tal definição indica
que cada indivíduo possui uma virtude própria, condizente com sua natureza inata e seu
326
HOUAISS, Antonio. p 2.869-70
327
Idem.
328
Ibidem.
329
Idem ibidem.
93
papel social”330. No aristotelismo, o termo designa ainda “disposição de comportamento
descrições medievais significa “o segundo dos cinco coros (ordens) da hierarquia dos
catolicismo, as três graças espirituais (fé, esperança e caridade) que dirigem a alma a
Deus por Cristo são chamadas virtudes teologais ou teológicas. Entende-se por virtude
infusa “cada uma das virtudes que a alma recebe no momento do batismo
esculpidas sobre as vergas das tribunas da capela mor da Igreja Matriz de Nossa
330
Ibidem ibidem.
331
Ibidem ibidem.
332
Ibidem ibidem.
333
Ibidem ibidem.
334
Ibidem ibidem.
335
Ibidem ibidem.
336
Ibidem ibidem.
337
Ibidem ibidem.
338
CAMINO, Rizzardo da. Dicionário maçônico (1918). São Paulo: Madras, 2004. p 404
94
significado de seus atributos. As virtudes teologais são representadas pela cruz (Fé),
pela âncora (esperança), e pelas três crianças acolhidas (caridade). As virtudes cardinais
são representadas pela serpente (prudência), pela espada (justiça), pela coluna
anunciador”339; também indica alarme, “sinal para advertir sobre ameaça de guerra ou
interpretado como “parcela representativa de alguma coisa, amostra (...) modelo a ser
seguido; exemplo (...) plano de boca de uma peça de artilharia (...) sinonímia de
mesmo que sob o temor das armas. Fundidos a prudência, a fama, o exemplo e o
339
HOUAISS, Antonio. p 2.775
340
Idem.
341
Ibidem. p 1.227
342
Idem ibidem. p 2689-90
343
Ibidem ibidem.
344
Ibidem ibidem.
95
caracteriza o Estado Português. Portanto, nesse caso a temperança resulta do significado
alma humana pelos eixos da vida moral, e as graças espirituais que dirigem a alma a
Deus por Cristo. Devemos ainda lembrar que, na teosófica mistura dos eruditos
refoma afirmando os dogmas, as doutrinas, o papel intercessor dos anjos e dos santos, e
paixão, morte e ressurreição) e pela exaltação da Virgem Maria; a ênfase ao culto aos
santos e figuras angélicas; a exaltação das virtudes para o alcance da glória. Notamos
absolutista e contra reformista. Podemos então atribuir também a essa alegoria do fausto
ouro e diamantes como prêmio pela propagação da Fé. Não apenas indícios do período
colonial, a Igreja e a crônica que registra a festa de sua inauguração são signos de um
discurso teológico-político.
345
Conforme HANSEN, João Adolfo. Alegoria. pp 165-8
96
Considerações Finais
memória. Nesse sentido, já apontamos a fala do soldado prático, que confirma que
“todas as antiguidades e (...) todas as mais cousas (...) podem servir pêra que os
cronistas aproveitarem pêra suas escripturas” 347; e que remete para o conceito atual de
a torre seria, como um museu ou arquivo, um espaço para reunir tudo aquilo que
pudesse ser utilizado pelos cronistas em suas escrituras. O termo memória pode
designar “monumento erigido para celebrar feito ou pessoa memorável (...) exposição
aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação; por exemplo, os atos
351
escritos” . Destaquemos que O Triunfo Eucarístico assume vários sentidos: festa
Agora, observando mais uma vez as inscrições da folha de rosto do opúsculo, notemos
346
ZURARA, Gomes Eanes de. Crônica dos Feitos da Guiné.(prefácio, seleção e notas de Álvaro Júlio
da Costa Pimpão). Livraria Clássica Editora: Lisboa, 1942. p. 7
347
COUTO. Diogo do. O Soldado Prático. p 93
348
Idem.
349
HOUAISS, Antonio. pág.1890.
350
CHAGAS. Mário. Cultura, Patrimônio e Memória. In: Ciências e Letras. Porto Alegre, nº 31, p 25
351
LE GOFF, Jacques. Documento Monumento.
97
que o Exemplar da Cristandade Lusitana intitulado O Triunfo Eucarístico foi
colonizadora”352, comenta que “se mostrou aos portugueses a América coroada de ouro
(...)dos mais finos diamantes de todo o mundo (...): assim aparece por sucesso da
rosário evidenciam mais uma vez tal aspecto votivo ao declarar numa interlocução
direta destinada à soberana senhora que “nasceu o desejo, de que tão grande solenidade
Filho”, e desse modo “também dilata este motivo de vosso agrado”. E assim como um
quaisquer outras formas encontradas pela religiosidade laica em Minas Gerais durante o
período colonial, o Triunfo Eucarístico (uma pública escritura) se institui também como
uma glória alcançada pelo intermédio da Virgem: “desta nossa nova glória por vós
esta especial diligência, em que mais que a glória de Autores, estimamos o nome de
352
ÁVILA, Afonso. Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais. v I. p 12
353
MACHADO, Simão Ferreira. Op Cit.
98
rosário na dedicatória também indica a intenção de utilizar-se do registro escrito para
perpetuar a memória acerca do evento: “esta consideração nos obriga a solicitar esta
presentes, futuros toda ordem de tão magnífica solenidade”. Essa pública escritura foi
então avalizada pelo santo ofício com as seguintes palavras: “querendo que se perpetue
em lembrança (...) e digna de eterna memória esta solenidade (...), a julgo merecedora
nesse caso também a publicação do registro, não constituem apenas ‘uma extensão da
guia a Vontade, & a Võtade manda a Memoria”356, esse objeto que se imprimiu em
memória a solenidade pode ter assumido, para aqueles que produziram o registro,
354
MACHADO, Simão Ferreira. Op Cit.
355
CHAGAS. Mário. Op. Cit.. p 26
356
BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino. (1712). Tomo VIII, pág 290.
99
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109
ANEXO – A narração das festividades do Triunfo Eucarístico corresponde às páginas
mas mantendo a pontuação e a paragrafação dadas pelo autor. Não foram transcritos os
TRANSCRIÇÃO:
/P37/ Deu princípio aos festivos dias um bando por manifesto de vários
máscaras; uns aprazível objeto das vistas nas diferenças do traje, e precioso da
compostura; outros na galantaria das figuras assunto do rito, e jocosidade: todos por
diferentes modos anunciaram ao povo a futura /P38/ solenidade desde fins de abril até
três de maio.
Neste dia saíram duas bandeiras à pública veneração pelas ruas da vila: uma
outra tinha também a custódia em uma face, e na outra a imagem da Senhora do Pilar;
ambas de damasco carmesim. Foram levadas por duas pessoas ricamente vestidas com
numeroso, e grave concurso, ate se colocarem, uma defronte ao templo de nossa senhora
Em dia da Ascensão se benzeu a nova igreja, cuja função fez por comissão de
sua Ilustríssima o Reverendo Vigário de vara de Vila Rica, Feliz Simões de Paiva;
assistindo-lhe todo o clero de ambas as paróquias, vários religiosos e a maior parte dos
deste dia muitas danças, e máscaras, ricamente vestidas; e continuaram aos olhos
110
sempre vário, e agradável espetáculo, ordinariamente de dia; aos ouvidos sonora e
Preto por ordem do Senado da Câmara, três gerais em toda a vila ate o Padre Faria
(bairro assim intitulado) o ultimo idôneo para nestas noites dilatar às luzes o domínio
das trevas. Fica eminente à vila um altíssimo morro, a quem deu o nome de Paschoal da
Silva o mais opulento morador dele, e das Minas: a este morro, pela inexaurível cópia
de ouro, chama o vulgo, /P41/ Fiador das Minas; nele estas noites nas casas dos
moradores as luzes, que mostravam a os juízos o centro da opulência, por sua altura,
como na região das nuvens, pareciam aos olhos luminárias do céu. A claridade dos ares,
ordem na multidão, geralmente influíam nos corações uns júbilos de tão suave alegria,
destinada a solene pompa da trasladação: ate as horas competentes esteve o tempo tão
progresso da procissão, que havia conduzir o divino sacramento: impediu uma repentina
chuva os desejos do concurso, e frustrou neste dia o desvelo de muitos; dando nova
próprio do senhor se visse a sua glória cedendo a mãe de deus a esta propriedade a
111
honra, que se destinava ao seu dia: quanto à chuva; julgando-a muda voz do céu,
correu por conta das sedas e damascos uma vária e agradável perspectiva para a vista,
opulência do ocidente. Estavam nas ruas em distância competente cinco elevados arcos,
vulgar matéria, pelos empenhos da arte, fez nos juízos lugar à competência, nos olhos
teatro à vitória dos esplendores do ouro, das luzes dos diamantes. Alem destes arcos
pública veneração: foi o seu ornato pelo custo, e asseio, viva imitação dos arcos,
empenhado dispêndio do autor. Aparecia nas ruas a verde amenidade dos campos; em
vila a multidão das cortes; nas galas a polícia, e gravidade: vestiu neste dia a todos do
mimo das cores a natureza; em lâminas de ouro e prata o sol as luzes dos raios.
Senhora, em lugar do menino: celebrou-se uma missa oficiada a dois coros de música,
em cujos ministros a riqueza dos paramentos dava gosto aos olhos, devoção aos /P47/
112
doutíssimo sermão fez o ultimo ato a esta solenidade na igreja do rosário, saiu logo a
figura era o ornato todo telas e preciosas sedas de ouro e prata: pertencia-lhe dois carros
de madeira de singular pintura; um menor, que levava patente aos olhos uma serpente;
Sul, leste, Oeste, vestidos à trágica. O vento oeste trazia na cabeça uma caraminhola de
tecido branco, coberta de peças de prata, ouro e diamantes, cingida de uma pelota
prata, cor de rosa, coberto de uma jóia de diamantes; /P50/ ao alto de um cocar de
levantadas, outras baixas, todas miúdas; guarnecido de renda de prata: o capilar de seda
113
nas costas duas asas, e um letreiro do seu nome: na mão esquerda uma trombeta, de que
Era o calo castanho escuro, mosqueado de branco: a sela de veludo cor de ouro,
passamane de ouro, fita cor de rosa sobre chamalote branco, tudo crespo; no peitoral
Ao sul ornava a cabeça um bonete com cocar de plumas brancas, e azuis: o peito
bordado de ouro, e /P52/ peças de diamantes: o capilar de estofo de ouro azul, e branco:
os fraldões de seda também em ouro, o primeiro azul, os outros brancos, todos com
franjas de ouro: os borzeguins bordados do mesmo; nas costas duas asas, e seu nome em
variedade de fitas.
/P53/ O norte e o leste só nas cores que lhe competiam eram destes diferentes;
Era o seu adorno vagaroso empenho da vista, continuada novidade dos olhos,
dando por um lado ao vento uma haste de /P54/ finíssimas plumas brancas: o peito
bordado de ouro, e vária pedraria, de que sobressaia elevado num broche de diamantes:
114
o capilar de seda branca de florões de ouro: os fraldões da mesma seda, cingidos de
franjas de ouro, saíam-lhe das costas duas asas de penas brancas matizadas de folhas de
ouro: nos borzeguins calçava de nácar em viva cor de marroquim: sutinha da mão
direita, de uma haste de prata, rematada em cruz, pendente um estandarte de tela branca;
por uma face pintada a arca do testamento, por outra uma custodia sobre um letreiro
plumas brancas: pelas crinas, e cauda, largava ao vento laços de fita de prata e ouro de
várias cores.
nas cabeças davam nos chapéus ao vento duas asas: vestiam justilhos brancos da
Holanda, e que saíam nas costas duas asas: cingiam três fraldins de /P56/ seda
encarnada com flores de várias cores: calçavam de branco com [fervilha de talares]: nas
elogio da solenidade.
Seguia-se a figura do Ouro Preto, bairro onde esta situada a matriz, e novo
sonoras vozes de um clarim o silêncio dos ares: fazia com invectivas da arte, que nas
vozes do instrumento fosse a melodia encanto dos ouvidos: isto deu causa a eleição que
115
Vestia à castelhana e um veludo roxo com capa do mesmo, passado todo de
deles um cocar de plumas, /P58/ que na variedade de vivas cores, não tinha menos
e na crinas, em vária ordem, dispostas fitas de ouro; na cauda outras várias cores.
Atrás deste, distância de dois passos, vinham a pé oito negros, vestidos por
galante estilo: tocavam todos [charamellas], com tal ordem, que alternavam suas vozes
Seguia-se mais atrás dois passos o pajem da principal figura, o Ouro Preto: vinha
a pé, e esta só diferença tinha, porque o precioso ornato era o mesmo, que da figura.
Vinha logo esta em distância de dois passos: vestia de roupas de ouro: levava na
cabeça um turbante, feitos de fitas de tela, tão rico que não se via nele mais que oro e
bordado /P60/ com tal artifício que parecia de martelo; por todo ele se via em contínuos
no meio do peito se viam bordadas as armas Reais, por cima do Imperial umas letras,
que diziam: Viva o Ouro Preto. Calçava uns borzeguins do mesmo artifício e vista, à
imitação do peito; levava na mão direita uma salva, dentro nela um morrozinho, coberto
O cavalo russo na cor, /P61/ era o melhor dos que vieram neste ato, por
mansidão e formosura: a sela tão rica que não se sabe segunda no Brasil, sobre veludo
116
arreios eram do mesmo, a ferragem toda de prata: para haver em tudo conformidade se
bordaram da mesma sorte as crinas do cavalo, que iam caídas entre fitas de tela e flores
de diamantes: a cabeçada por cima de laços também de tela, /P62/ levava outras de
filigrana de ouro com esmeraldas de várias cores: dava a tudo o artifício evidente
meio em feitio de palmeira; em cujo artifício em seda, ouro e pedraria, deu o artífice ao
galante bruto a vitória e palma da melhor gala: levava as mãos e pés dourados:
Majestade.
Houve opiniões que deram ao cavalo muita melhoria que à figura; mas era gosto
Seguiam esta figura pelos lados outra duas a cavalo dando-lhe o lugar ao meio:
cabeça, quanto à forma; porque levando a do meio um turbante, estas levam cada uma
cada uma, o feitio de um morro; significando uma o Ouro Preto, outra o Ouro Fino;
dois pajens a pé vestidos também à trágica, estrivando com a figura do meio: na cabeça
levavam a mesma divisa de uns morrozinhos: vestiam da mesma forma que as figuras.
Depois destas vinham as figuras dos setes planetas por sua ordem, oferecendo
Precedia a Lua; a esta duas ninfas; a estas dois pajens: estes levavam nas cabeças
turbantes de seda azul entre brincos de ouro, rematados em plumas brancas: vestiam
/P65/ de seda azul com guarnição de galões de prata: os saiotes eram da mesma seda,
117
Seguiam-se logo as Ninfas: ornavam as cabeças com turbantes bordados de prata
brancas e azuis: vestiam de seda azul e branca toda de prata coberta de galões e franjas
mesmo modo dos ombros por cordões de ouro; lhe pendiam umas aljavas; no braço
esquerdo sustinham os seus arcos: levava cada uma um cão perdigueiro preto por fitas
Vinha logo a Lua: trazia na cabaça um turbante azul bordado com estrelas de
pérolas, rematado em uma nuvem cheia de estrelas de ouro e dentro da qual havia uma
lua cheia. Vestia roupas de seda azul e branca de florões e franjas de prata: o peito era
de seda azul com galões de prata bordados de muitas pérolas: sustinha no ombro direito
por muitos cordões de ouro uma aljava; no braço o arco, na mão a seta.
O cavalo era branco e muito formoso: os jaezes e crinas bordados todos de prata,
Seguiam dois pajens as estribeiras, em tudo semelhantes /P68/ aos primeiros das
ninfas.
Seguia-se Marte: antes dele três figuras nas cabeças com toucas mouriscas de
carmesim de prata, com varia ordem de fitas de tela verde de prata; por um lado com
118
Vinha Marte em distancia /P69/ de dois passos: aramava-lhe a cabeça um
brancas e encarnadas; vestia de seda branca de prata; o peito em campo da mesma seda,
pedraria: o capilar da mesma seda franjado de ouro, matizado de flores de várias pedras:
vestia três saiotes; o primeiro, e ultimo da mesma seda e ornato; o segundo encarnado
de ouro e pedraria: na mão direita empunhava uma espada nua de guarnições de prata e
Dois pajens vinham às estribeiras: nas cabeças com toucas de carmesim lavradas
de cordões de ouro com pedraria verde; cingidas de relevo de prata com pedraria de
capilares da mesma seda franjados de ouro, cada um com dois saiotes; os primeiros do
segundos de seda verde de prata com franjões de ouro: os borzeguins em campo branco
pajens das estribeiras: estas no dilatado âmbito dos ares ofereciam de longe /P72/ com
branca de bandas, anterior e posterior: sobre esta um chapéu pequeno coberto de seda; a
copa bordada de cordões de ouro e diamantes, duas abas do mesmo com duas asas,
119
cobertas de espiguilha de prata com vivos de fróco encarnado; em cada uma um broche
de diamante sobre laço de fita de prata cor de fogo, rematadas em uma estrela; eminente
a tudo um penacho de plumas cor de nácar: o peito em campo de cetim /P73/ azul
de ouro: vestia três saiotes; o primeiro imitava o capilar, brilhando todo de luz em flores
de ouro; o segundo de cetim amarelo com rendas de prata; o terceiro cor de rosa
prata e de ouro: os borzeguins de cetim azul bordados de cordões de ouro: nas costas
duas asas cobertas de espiguilhas de prata, como as do chapéu /P74/ com vivos de fróco
crinas eram de renda de prata pendentes dela, e outras partes em varia forma de fitas de
prata e de ouro.
Dois pajens às estribeiras: nas cabeças com perucas louras; sobre estas bonetes
de seda amarela de prata, de duas abas de veludo preta bordado de prata; nas esquerdas
sobre laços de fitas de cor de fogo um broche de diamantes; de entre ele plumas brancas
prata, e remates de diamantes com guarnições de renda de ouro: capilares de seda verde
de florões brancos; cada um com dois saiotes; um de veludo azul com rendas de ouro;
outro de encarnado com rendas de prata: calçavam de azul bordado de prata: os sapatos
Via-se logo o Sol: era a sua figura entre todas na majestade como de Rei; tão
superior era o ornato e artifício dele, que lhe mereceu este nome; os olhos e juízos o
confirmaram: como no Céu Superior /P76/ nas luzes entre os astros, se via então na terra
120
Precediam-lhe duas figuras; uma estrela da Alva, outra a da Tarde; ambas em
artificiado de cordões de ouro, e pedras de varias cores: vestia roupas de seda de ouro
parda com franjões de ouro; peito do mesmo com lavores de pedraria rematado em
franjas de ouro; /P77/ borzeguins guarnecidos de fitas de ouro também pardas; nas
artifício da outra: vestia de sedas brancas de prata; nelas no peito, e borzeguins sobre
cor branca com prata e pedraria, o mesmo artifício, e qualidade da outra; nas costas o
nome: Lúcifer.
fio de ouro; vestia de tecido cor de fogo: o peito todo coberto de diamantes unidos a
vários /P78/ lavores de ouro: do mesmo peito lhe saía um circulo de raios com
preciosidade com semelhante adorno: em umas mangas do mesmo tecido vestia sobre o
campo de ouro alternada luz de diamantes: no fraldão vestia também de luz trêmula e
cristais: levava na mão uma harpa de pintura em campo de ouro. /P79/ Vinha em um
cavalo de co castanho: fazia-lhe os jaezes uma rede de cordões de ouro que eram prisões
de luz guarnecidos todos de cristais finos: eram as crinas todas de galões de ouro; os
arreios cobertos do mesmo com vara ordem de cristais; saía-lhe na frete uma ponta de
121
Vinham às estribeiras seis pajens, três a cada lado; mulatinhos de gentil
plumachos brancos e encarnados; vestiam todos de seda nácar com franjas de prata:
calçavam de branco com sapatos encarnados: nas mãos levavam bastões de prata
dourados.
ouro e diamantes rematada ao alto por um estrela formada com os raios de uma redonda
jóia de diamantes, rematada na parte posterior com um cocar /P81/ de plumas brancas e
azuis nascido de outra grande jóia de diamantes: o peito e petrina em cor nácar lavrado
claro com franjas de ouro: vestia três saiotes; dois do mesmo tecido, o primeiro e
ouro sobre calções de seda azul com ramos cor de ouro: calçava borzeguins de
levava na mão direita um cetro de /P82/ ouro com raios do mesmo, no braço esquerdo
Vinha em um carro triunfante, coberto d seda nacas com galões de prata; e nos
gomos dos lados com espiguilha do mesmo: nas rodas anteriores se via pintado o signo
de pifcis; nas posteriores o signo se sagitário: puxavam por ele duas águias coroadas de
Por pajens vinham aos lados dois satélites: nas cabeças com capacetes de ouro
rematados em uma pequena pluma de azul e branco: os peitos em campo azul bordados
em flores de ouro e pedraria azul: os capilares de seda azul de florões de ouro com
franjas de prata: cada um com dois saiotes; os primeiros da seda dos capilares; os
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segundos da seda nácar de prata; todos com franjas de ouro: calçavam de azul bordado
de prata com sapatos encarnados: nas mãos levavam uns bastões de prata.
que pelo seu nome se encarece: no ornato fez o desvelo da arte /P84/ obséquios à
natureza, mais em satisfação de dívida, que em forma de benefício: tal era a gentileza do
pedraria: vestia toda de verde e cor de rosa; sendo as roupas em campo destas cores uma
seara de pérolas e floresta de diamantes: o peito em campo verde todo era de florões
também de pérolas cujo centro faziam flores de diamantes brilhando em esmalte verde:
esta cor por arte dividida lhe formava toda a gala da preciosidade /P85/ do mar, e da
maior riqueza da terra: trazia no braço esquerdo um escudo bordado de ouro, nele
ornato de ouro e aljôfares deixando livre aos olhos a naturalidade unida com a riqueza:
cingiam aos extremos quadrangulares do carro sedas verdes /P86/ de florões de ouro
com franjas, e borlas do mesmo: um artifício oculto dava ao carro nas rodas movimento.
Pelos lados a seguiam dois pajens representando em suas figuras dois cupidos:
levavam nas cabeças turbantes de fitaria verde e cor de rosa brincados de cordões de
ouro entre fios de aljôfar rematados com plumas brancas, verdes e cor de rosa; vestiam
uns justilhos de seda cor de rosa como a dos turbantes com vario artifício de cordões de
ouro: os fraldins da mesma seda cobertos com franjas de ouro: saíam das costas duas
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asas /P87/ de penas brancas e cor de rosa: calçavam de verde lavrado de ouro com
Saturno fechava o número a estas figuras dos planetas, no ultimo lugar; ainda
que por suas influências lúgubre; nas idéias da fantasia, como luminoso planeta, vistoso
na gala a figura.
Precediam-lhe duas estrelas vestidas como soldados romanos: nas cabeças com
capacetes de prata rematados no alto com uma Estrela; pelo lado esquerdo com plumas
franjas de ouro: calçavam borzeguins de carmesim bordados de prata: nas mãos cada
peito em campo azul escuro bordado de ouro, e peças de diamantes; nos ombros de
viam umas carrancas, da boca, /P89/ das quais saía pequena manga: o capilar de golfo
de ouro azul escuro com franjas de prata: vestia três saiotes da seda do capilar com
franjas de ouro: calçava borzeguins de azul com lavores de prata: levava na mão
esquerda um pequeno escudo dourado com caracter astronômico: na direita uma foice
de prata.
arreios cobertos do mesmo: as crinas de fitas de tela branca e azul de prata: na cabeçada
um martinete de plumas azuis e brancas; na cauda fitaria de tela azul de prata. /P90/
Todas estas majestosas figuras dos planetas pela memória da divindade, que
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Sacramento; que como no feliz século da Redenção humana foi alcançado pelo mesmo
Sacramento como verdadeiro Deus com reverente culto será sempre /P91/ venerado, e
os dias desta solenidade havia ser adorado, punha o fim a toda esta ordem de figuras.
Ultima de todas se oferecia à vista; e porque as antecedente não lhe davam lugar
com uma maior no meio; dela sobressaíam tremulamente três grandes flores de
tecido de ouro branco e azul, guarnecidas as roupas de franjões de ouro e vária pedraria:
cristal fino: no braço esquerdo embraçava um escudo de campo de ouro, nele pintada a
Igreja Matriz com esta letra. Haec est domus domini firmiter aedificata. Na mão direita
/P93/ sustentava em uma haste de prata dourada um estandarte de tella branca; pintada
em uma face a Senhora do pilar com esta letra: Egodilecto meo. Na outra a custodia da
arreios brancos, só tinha parte o ouro em bordados, franjas, borlas, galões, rendas e
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Quatro pajens lhe seguiam as estribeiras, dois a cada lado: vestiam todos de um
/P94/ Nas cabeças turbantes do mesmo tecido com círculos de cordões de ouro
mesmo tecido cobertos de cordões e galões de ouro; estofados de maneira que fechavam
no meio com uma jóia de diamantes; cingidos de franjas de ouro: vestiam três saiotes do
mesmo tecido também com franjas de ouro: os borzeguins de cetim branco bordados de
cordões de ouro: nas mãos levavam suas insígnias significativas da figura que
cruzes de prata com mangas de custosas sedas de ouro, e prata cobertas dos seus Juízes
com varas de prata as quais em andores de precioso ornato conduziam os Santos seus
padroeiros: em tudo se via nelas uma ordem e asseio competente à gravidade de tão
solene ato.
vestido da mesma seda tocando um tambor. /P96/ Mais atrás distancia de dois passos
vinham quatro negros cobertos de chapéus agaloados de prata com plumas brancas;
Levava-o um irmão vestido de custosa gala; /P97/ dois pelos lados com duas
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Logo imediata se via a Irmandade dos Pardos da Capela do Senhor São José, em
/P98/ No meio dela iam três andores: o primeiro de Santo Antonio Calatagirona:
o segundo de São Benedito: o terceiro da Senhora do Rosário: nas imagens era muito
quase todos sobre diversas e preciosas galas vestiam opas /P99/ de chamalote branco.
No meio dela se viam três andores : o primeiro de santo Antonio, cujo ornato era
de cera branca com muitas galantarias de flores e lavores sobre papeis encarnados,
verdes, azuis e mistura de lata com fitas e galões do mesmo: julgava a vista que supria e
São Vicente Ferreira ; era de talha dourada com muita galantaria e variedade de flores
de seda, fio de prata e de ouro: o terceiro de são Gonçalo de Amarante; era feito de um
carro /P100/ ornado de sedas de custo, galões e franja de ouro, e variedade de flores.
Depois desta vinha a Irmandade das Almas, e São Miguel, muito numerosa de
irmãos, e aos olhos de agradável vista: mais que os mementos e lúgubres sufrágios,
punha na consideração dos juízos a glória das Almas, porque sobre custosas galas vestia
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No meio era levado o glorioso São Miguel ornado de uma capacete de prata com
estofado de novo; mostrando aos olhos seu martírio em muitas setas de prata; ornado o
/P103/ abundantíssima de Irmãos, todos geralmente sobre galas com opas de nobreza
branca.
No meio se via a Senhora com manto de tela branca sobre um andor de talha
dourada com muita miudeza; rematada em muitos e bem figurados Serafins que
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No meio era levada a Senhora, cuja imagem pelo primor da arte com suavíssima
/P104/ eficácia excita os corações a reverente devoção ; coroada com uma coroa toda de
ouro; coberta de preciosas peças de ouro e diamantes; com manto de brocado carmesim
O andor vinha coberto de tela branca de ramos de ouro com muitos galões e
Templo, de grandioso número de Irmãos: a propriedade que tinham em tão solene ato
lhe deu uniformidade no preço, e brilhante asseio /P105/ das galas: vestiam sobre elas
primor ; com pedras finas embutidas nas mesmas roupas; estas cobertas de ouro até os
extremos do pilar.
Irmãos.
Precedia nela uma custosa cruz de prata com mangas de muito custo de sedas e
dividiu com liberal dispêndio diferente e preciosa gravidade de galas: sobre elas se iam
ramos de prata; em todos sobre o lustre da prata e ouro das galas, brilhava /P107/ o
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Cobria seu Provedor a Irmandade, conhecendo-se nele o honorifico cargo pela
vara de prata; e pela voz da fama, e públicos elogios a principal origem desta
solenidade.
numero clero das duas Paróquias da Vila, e suas anexas, todas com custosas
andor de custoso ornato de sedas de prata, e ouro; galões, franjas e borlas também de
ouro.
manípulos e estolas; depois destes oito com boas Dalmáticas; logo oito de cada parte
com capa de asperge; seguiam-se quatro com turíbulos; depois um Sacerdote, que
Sacramento.
Seguia-se mais quatro anjos vestidos à trágica, imitando /P109/ no ornato das
Levavam nas mãos umas bandejas de prata cheias de muitas, e diversas flores
mãos do Reverendo Vigário da Matriz, revestido com uma rica alva, estola, capa de
asperge, e véu de ombros, tudo de muito preço entre dois sacerdotes também revestidos
O palio era de tela carmesim com ramos, e franjas de ouro; de seis varas de
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Detrás dele vinha o Conde das Galvêas, Governador destas Minas, com toda
soldados das duas tropas, todos em boa ordem; e com a mesma deram três cargas de
/P111/ Estava o novo templo nos altares, e em todo seu âmbito coberto de
sedas, ouro e prata, com aquele precioso artifício, e decentíssimo ornato competente a
missa cantada com musica a dois coros: pregou o Evangelho o Doutor Manoel Freire
e Senado da Câmara.
concurso.
No terceiro dia, e ultimo dia se oficiou outra Missa do mesmo modo: pregou de
estilo e erudição deu novo lustre à festividade, e à sua esclarecida religião singular
glória: assistiram /P113/ do mesmo modo o Senhor Conde, toda a Nobreza, e Senado da
Todos estes três dias mandou o senhor conde por de guarda à igreja uma
companhia de soldados das Ordenanças da Vila; e o mesmo senhor, por assistir a todos
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os atos desta solenidade se mudo para o Ouro Preto para umas grandiosas casas, que lhe
plano perto da Igreja Matriz /P114/ fabricado por idéia do Reverendo Padre Diogo
Uma planta em quadro chamada Jardim, de oitenta e cinco palmos cada face;
nos quatro cantos quatro Castelos triangulares de ressalto sacado para fora de quinze
palmos cada face; que com oitenta e cinco de cada ângulo do quadro faziam cento e
quinze cada face do Jardim; em cada Castelo, por remate, uma figura humana
guarnecida de fogo; dentro do primeiro quadro outro de sessenta palmos cada face; nos
canto quatro /P115/ árvores de candeias: dentro deste se fez terceiro quadro de trinta
palmos cada face; no meio uma fonte: as faces de todos os ter quadros guarnecidas de
Houve mais toda a noite copioso fogo de espadas de várias formas, montantes e
Nobreza; e não obstante o dilatado /P116/ tempo da noite, inumerável multidão de todo
um rio que corre perto da igreja matriz: no meio dele se pôs um mastro com uma
bandeira branca, de cada parte pintada uma custódia; cercado de palanques bem
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No meio de uma face do /P117/ curro destinaram os Irmãos do Santíssimo um
palanque para o Senhor Conde, pelo sitio e custoso ornato, como convinha à pessoa de
criado.
primeiros dias a cada um; o terceiro a ambos juntos: foi o primeiro do Alferes de
Dragões João Vieira Carneiro, por excelente perícia, e fama conhecido, e aplaudido: o
companheiro.
Este em ambos os dias (ainda que por achaque grave, débil de uma perna) obrou
com tal perícia e galhardia /P119/ ministrando empenho à arte, e seu valor o bravo
ímpeto dos touros, principalmente mais bravos no terceiro dia, que sempre os olhos
estiveram vendo triunfos de seu braço, os ouvidos ouvindo as vozes de clarins, e ecos de
ganhando o louvor à custa do perigo, dobravam a fúria aos touros em benefício dos
cavalheiros.
Foi tal nestes dias a disposição e ordem de tudo; na situação do curro, e fábrica
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Cavalheiros,e em todo o mais aparato, que se viram esses atos representados com a
A todos e aos mais atos dos outros dias, fez assistência o Senhor Conde, e toda a
serenatas de boas músicas, e bem vestidas figuras nas casas onde estava no Ouro Preto.
Ouro Preto desta Vila; ficando sempre inteligível aos juízos para o verdadeiro conceito
Não há lembrança que visse no Brasil, em consta que se fizesse na América ato
de maior grandeza, sendo tantos, e tão magníficos que no espaço de duzentos anos com
aplausos que em diversos tempos /P123/ nesta parte da América se tem visto; e então
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E se por essas admiráveis ações excedem os Portugueses a todas as nações do
Paróquia do Ouro Preto, não só pelo Católico zelo e excessivos dispêndios com que
(para maior culto e veneração do /P124/ verdadeiro Deus, e exaltação da sua santa Fé)
pompa e magnífico aparato, com que (em glorioso triunfo) trasladaram o Sacramento
Pilar.
dignamente /P125/ aplaudir; pois esses fidelíssimos Católicos, vivendo tão apartados da
comunicação dos povos, e no mais recôndito do sertão, se empregam com tanto desvelo,
exaltação da Fé, e veneração dos Católicos, ação tão singular que nem a antiguidade via
primeira, nem a posteridade verá segunda para glória desta nobilíssima Vila por sua
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